segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Pãnico dos deuses a bestialidade televisiva 2a parte.


III

De todo modo, embora pudesse acompanhar essa mudança de humor e de comportamento nos meus alunos, eu nao conseguia registrá-lo de onde ele procedia. E comecei a estabelecer uma relação a partir da ansiedade de meu filho de 11 anos em querer me mostrar um vídeo do Pânico no youtube. Vídeo que a mãe dele lhe apresentou. Segundo meu filho era uma sátira a Amy Winehouse. Pensei em mil possibilidades engraçadas de satirizar a moça, mas o que eu vi foi algo que eu olhava para meu filho, querendo compreender o que era engraçado, o que tinha de engraçado. Sabe aquela situação constrangedora de não entender a piada. Mas o caso é que não havia piada, não havia humor, porque para se ter humor é necessário inteligência. E para se ter inteligência humorística é preciso delicadeza, finesse e lá, não se encontrava nada, nem ser humano se encontrava. O que tinha era um bicho, um animal, um ser grosseiro e repugnante. Um ser que deveria ser enjaulado, enclausurado, ou quem sabe morto a pauladas. Todavia, diante dele reinou o medo, o susto. Ele adentrava lojas quebrando, gritando e as pessoas se afastavam com medo. E, infelizmente, nenhum transeunte tinha reação exteriorizada diante do que o rapaz provocava. O medo das pessoas as paralisavam e ele não recebeu um xingamento, uma agressão, nada. Não foi lhe dada nem voz de prisão. A cena era de uma impunidade que me fervia o sangue, eu teria cometido um crime. Quando ele pega um cabo de vassoura e coloca nos aros de um senhor andando de bicicleta, eu pensei: alguém vai brincar de Bope, mas nada... a reação das pessoas era de acovardamento, como se dissessem: “ a propriedade não é minha. O prejuízo não é meu. E saiam de perto.”

Foram cenas de desrespeito, de desamor, de cafajestagem que ultrapassa tudo o que eu tinha visto até então. E eu pensei que já tinha visto tudo, em especial, quando na casa de um amigo, assistia ao mesmo programa de televisão com todos dando risada e eu querendo dizer: “ vocês são pais de família. Vocês não podem achar isso engraçado e rirem disso na frente e junto com os filhos de vocês.” EU SOU CARETA. Desta feita, quando pensei isso, eles (pânico) sabotavam o casamento de uma componente de programa. Já é ultrajante pensar em sabotar um casamento, uma data especial para aquela pessoa em questão. Mas ali, mais uma vez, eles se superavam: cortaram o vestido da noiva, pagaram o motorista para não chegar a igreja. Tudo isso filmado e exposto no ar como se estivessem mandando flores e doces. Os convidados esperando.... o noivo esperando, a noiva... nada disso era levado em consideração, era caso de sociopatia total, completa, exibicionista, canhestra e cínica mostrada em rede nacional, sem ninguém tecer um comentário moralista, sem ninguém advertir que aquelas práticas eram erradas. Não! Tudo possível, tudo filmado, editado, com closes e tomadas especiais.

 

IV

 

Meu ponto é: em outro momento do nosso país isso seria tratado como crime, como violência, como molecagem. Hoje é campeão de audiência em horário dito nobre. O que mais me choca é a insistência em denominar isso de humor e o mais lamentável é ter aqueles que de fato achem graça em humilhar, inferiorizar, retirar do outro sua condição de sujeito. O mais grave, ninguém responde por nada. O cara com o mesmo cabo de vassoura que derruba gratuitamente um ciclista, arrebenta o para-brisa e a lataria de um carro adiante. Depois, creio eu, deve ir a equipe de reportagem e explicar que eles são da televisão e arcarão com o prejuízo. Essa parte eu não vi indo ao ar. E, me repugna saber, ou pensar, que ninguém processe essa gente, que ninguém também brinque de lhes disparar agressões físicas e simbólicas. Me causa profundo desgosto saber que pelo fato de se estar sendo filmado, pode-se tudo, paga-se tudo, compra-se tudo; de que estamos a venda por tão pouco, por tão barato. Mesmo um milhão e meio de reais como paga o BBB é pouco.

 

V

 

Hoje eu não tenho dúvidas em apontar e afirmar que o rapaz que agrediu com lâmpada florescente outro jovem que andava na ruas de São Paulo é telespectador do Pânico. Assim, como o é também, aqueles que atearam fogo no mendigo. Como são, igualmente, aqueles que agrediram, mesmo depois de desmaiado, e semimorto, o componente de uma torcida organizada rival. São telespectadores do Pânico os alunos que praticam Bullying e que não tem limite e respeito ao outro. Mas escrevo tudo isso, porque ao voltar mês passado de Caeté, cidade da região metropolitana de Bh, fui fechado em um movimento irresponsável de um tratorista. O rapaz deveria ter em torno de 21, 22 anos. Estava com meus pais e meus filhos. Minha mãe fez a observação de que possivelmente fora assim que o Shaolin do Pânico ficara em estado terminal (foi somente aí que eu soube do caso desse moço). Mas a reflexão que me ocorreu era a de que o motorista do carro que o fechou era fã dele e do programa que ele apresentava, isto é, era alguém que não tem limites e acha que tudo é engraçado, até mesmo colocar a vida do outro em risco. Aposto que o moço foi dar gargalhadas depois do acidente e não me causara estranheza se os pais dele tiverem ido se responsabilizar pela ação que ele cometeu, igual a produção do programa faz ou deve fazer por eles. São frutos de uma mesma temeridade, de uma mesma irresponsabilidade, de um mesmo descompromisso com a vida e com o outro.

 

VI

Isso tudo me faz pensar que Pã ficaria assustado se andando pelo século XXI visitasse a programação brasileira, porque quando acaba o Pânico em um canal, começa o BBB em outro. Nunca ouvi falar que a situação de pânico fosse engraçada. Esta é uma sensação moderna, atual, contemporânea. E, temo isso, porque no século V ac crianças espartanas matarem escravos era tido como engraçado. No século III dc era engraçado ver cristãos serem devorados na arena por leões. No século XVI era motivo de monta lançar negros ao mar acorrentados com bolas de ferro. Práticas que aprenderam na idade média ao submeterem as mulheres, ditas bruxas. No mesmo século XVI era motivo de aposta saber se as mulheres incas estavam grávidas de machos ou femeas e com faca em riste, abrir-lhes a barriga e retirar o feto para constatação. Isso tudo feito com muita risada e galhofa, daqueles que perdiam a aposta. No século XX matar judeus foi divertido. Agora no século XXI a televisão brasileira comete grosserias menos sangrentas, nem por isso, menos aviltantes. Igualmente espantoso é saber que causa risadas em adolescentes, jovens e adultos.

 

VII

Em qualquer sociedade democrática, que existisse liberdade de imprensa verdadeira, esses programas seriam naturalmente censurados, porque a liberdade de imprensa não pode estar acima da dignidade humana, ao respeito à cidadania. Mas pensar em regular a programação é censura. Que ninguém então se incomode quando homossexuais forem agredidos na rua e mendigos forem queimados sobre a defesa cínica de que se estava apenas brincando. Problema é de quem não achar graça, porque a des-graça e o Pânico estão na tv, na sala de aula, na sala de estar, na vida. A qualquer momento você pode se deparar de cara com Pan, mas não mais aquele que apenas nos causava susto, os de agora tentam, como a própria representação do demo (chifres e patas de bode) causar dor para ver se conseguem rir, praticar o mal para se tornarem mais felizes. Tudo isso sob o olhar temeroso e vacilante dos bons.

 

 


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