segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Solista


O filme é de uma beleza peculiar, de uma força suave, de uma tensão amena, que se faz melódica, musical. Mas o filme não me importa agora. Agora me importo com a beleza da loucura e a esquisitice do transtorno mental. E o ponto é: se “de perto ninguém é normal”, qual a distância para o nosso afeto? O que eu quero dizer é que a loucura é genial de longe. De perto o transtorno mental é difícil de conviver para familiares, amigos, parentes, principalmente, para o próprio “louco”.

Eu sou um apaixonado pela loucura, pela sua força transgressora, pela sua visão externa que é sempre tida como genial. Mas, eu nunca vi a tristeza solitária da loucura, na verdade, do transtorno mental. Aquela sensação de que provavelmente você nunca vai se encaixar, nunca vai se enquadrar, nunca estará normal e será normal e quanto mais tentar, pior ficará. Aquele estado no qual se sentira sempre fora do lugar, sem lugar.

Para quem nao sabe, eu sou um observador distante do movimento antimanicomial. Em verdade aprendi com Carlinho Calazans, na marcha dos sem terra, a estar presente em toda luta. E a luta do movimento antimanicomial sempre trouxe aspectos meus para o combate. Eu respeito o dito louco, com mais zelo de que se respeita uma criança. E neste dia 18 de maio de 2009 fiquei recordando, da primeira manifestação da luta antimanicomial, creio que em 97/98. Tinha-se em torno de vinte pessoas. Os próprios internos, pacientes nao davam a cara. Tinham vergonha, os familiares escondiam os seus, poucos davam a cara e os que davam recebiam aquele escarro silencioso do desprezo em uma das faces e da indiferença na cara propriamente dita. Foi com um prazer incrível que no último dia 18, casualmente, vi sete ou oito alas com internos, psicologos, psiquiatras, alunos, estágiarios, muitos fantasiados, tocando tambor e seguindo tres trios eletricos. Eles pararam o centro da cidade. Eles nao eram apenas dez, vinte, eles eram uma media de 500 andando pelo centro da cidade. Indo em direção a praça para se mostrarem cidadaos nao apenas de um um estado, de um municipio, de um país e sim de um planeta. Eles mostravam a cara, a face e o olhar da população mudou muito nesses últimos anos. Eu, testemunha muda, ocular, anônima, olhava para alguns deles e ficava vendo: uns muito doidos de muita violencia, de muita agressividade contra o proprio espirito, assustava a gente, até que olhamos para eles de novo e encontramos o humano em nós e neles. Outros eram de uma beleza, de uma lindura tão sutil, tao diafana, enchia o coração da gente de gentileza, de respeito. Eu os olhava caminhado pela rua e agradecia a Deus, aos psicologos, aos psiquiatras, aos que estão nesta lida, por acolherem estes seres tão especiais, vindo de tão longe e que podem nos ensinar tanto. Queria ter abraçado cada um deles e pedido desculpas por nós sermos assim, por nós nao sabermos acolher e receber hospedes tão gentis e diferenciados. Por nao sabermos respeitar, ouvir, compreender, compartilhar e partilhar diferenças.

Assim, o que posso fazer senão abraçar todos os loucos que eu sou? Assim o que posso fazer senão recolher todos meus transtornos mentais, minhas dores emocionais e me esforçar cada vez mais para ser feliz? Hoje eu voltei a acreditar na felicidade. Mais do que prova dos nove, mais do que prova dos setenta vezes sete (karma), a felicidade é a meta a ser alcançada, a ser atingida. E a felicidade é pouca como um sorriso, a felicidade é tanta como um sol, a felicidade é única como as milhares formas de vida e de viver. A felicidade é a busca, é o encontro, é a caminhada.

Cito o poema que encontrei em uma exposição realizada por "doidos". Esse expressava a sua poesia, o seu ser, ele tocou o meu, me envolveu, me fez feliz, me fez melhor, não pode me fazer mais feliz talvez porque a felicidade é única como caminhar rumo ao sol. Mas me fez melhor, porque pelo caminho descobri que o outro existe. Vai aí o poema:

Quem é louco?

Ele que ouve vozes

Ou você que nunca ouve ninguém?

Ele que vê coisas

Ou você que só se vê?

Ele que fala o que pensa

Ou você que fala sem pensar?


Quem é louco?

Ele que diz ser rei

Ou você que se acha um e não diz?

Ele que não controla seu humor

Ou você que finge ser estável?

Ele que cria neologismo

Ou você que não sai dos estereótipos?


Quem é louco?

Ele que tem fuga das idéias

Ou você que não abre mão das suas?

Ele que não dorme a noite

Ou você que passa a vida inteira dormindo?

Ele que tenta se matar

Ou você que se mata todos os dias?


Em fim quem é louco?

Ele que não se mascara

Ou você que tira a máscara e vive uma vida de fantasia?

Quem é louco?

Que tire a máscara antes de perguntar.

Victor Martins dos Santos. CC Pampulha.

beijos em todos!

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