domingo, 25 de novembro de 2012

50 TONS DE CINZA: amanhecer ou Crepúsculo de outra sexualidade?





De tempos em tempos ressurge no cenário mundial livros que tem como principal função mexer com os desejos e fantasias sexuais do casal, ou mais precisamente do universo feminino. Recordo-me de ‘A Vida Sexual de Catherine M’ que fez bastante sucesso ao narrar as próprias peripécias sexuais com os mais diversos homens, muitas vezes sob o olhar vigilante e excitado do marido. Mais recentemente tivemos Bruna Surfistinha, que dispensa maiores apresentações.

O que reputo interessante nessas propostas literárias como a mais recente: ’50 Tons de Cinza’ é que as mais diversas tramas acabam por pontuar bem especificamente algo sempre presente no universo feminino- o amor romântico. Pelo menos é isso que deixa subentendido outra trilogia de tom menos picante, mas igualmente erótico e de grande sucesso- Crepúsculo: o doce vampiro. 

No meu imaginário os vampiros são a anti-vida. O desejo deles por vida e viver é tão amplo, tão grande, que acabam por negar a vida no que ela tem de mais humana e importante- a morte. A eternidade no corpo, nos moldes postos por Drácula e similares, é a bestialização, na verdade, a animalização que será saciada no desejo de sangue. Mais do que desejo, a necessidade de se alimentar do sangue humano para saciar-se e sobreviver. Nessa busca pela vida outra antítese se apresenta- a impossibilidade de contato com o sol. O conjunto desses aspectos culmina com a forma padrão que perdem a vida- a estaca no coração, que por sinal é de pedra, empedernido, proibido de sentir.

Por isso tudo Edward Cullen, vampiro de Crepúsculo, é o anti-vampiro. É jovem, bonito, solitário, pode ter contato com o sol, na verdade a pele se doura no sol e não se alimenta de sangue humano. Ele não é um vampiro é alguma outra coisa, a saber???

Ele é o monstro humano que as mulheres amam, mas que os homens temem em mostrar. Ele é a representação de um conflito que tem cada vez mais ganhado expressão junto aos casais e nas relações idealizando um pedido, uma suplica feminina: “não se esconda de mim! Mostre-me quem você é! Compartilhe suas fantasias comigo!! Deixe-me ser sua cúmplice!!”

Todo homem e toda mulher sabem o quanto isso é ameaçador. Para o homem esse monstro deve estar sempre invisível, longe do sol, dos olhos da esposa, da namorada. Fomos ensinados que essa ‘monstruosidade’ só pode ser revelada às mulheres da rua, às putas. Já para as mulheres, tendo ou não consciência, foi por esse monstro que ela se apaixonou. Não o monstro enquanto ser bestial, mas enquanto aquela pessoa que ela sabe que a protege, que a devora, que seria capaz de matar meio mundo por ela. As mulheres se apaixonam por algo nos homens que achamos repugnante e não gostamos. Este é um conflito para muita terapia.
Assim, queremos dar nome, rosto, forma, localidade a este monstro. Quero situá-lo e identificá-lo como sendo o DOM do livro 50 Tons de Cinza. 




Na trilogia a mocinha, virgem, apaixonada é introduzida no universo BDSM por um DOM experiente, rico, cativante e sádico. Como um bom DOM, ele precisa retirar a submissão da sua escrava, fazer com que ela se entregue a ele e permita que ele seja o seu dono. Pelo que me contaram o sadismo dele não permite relação amorosa, contato estreito, intimo. Tudo é um contrato. Tudo é frio como o pedido dele de não ser tocado.

Caminho para a finalização. Creio que cada homem traz um ‘monstro’ que o assusta, que ele deixa enjaulado, escondido. Geralmente, de uma forma proporcional, quanto mais se deseja a pessoa amada mais se tende a esconder esse monstro. A ironia é que é justamente esse bicho que desperta a paixão e o amor da companheira dele. Casais não se relacionam por acaso e o que os une é sem dúvida apelos secretos, íntimos, ocultos que quando não são ditos acabam por provocar a separação. Nisso retomo o ponto chave do livro 50 Tons de cinza- o sadomasoquismo.


O sadomasoquismo é a prática que provoca o maior fetiche e na mesma proporção a maior repulsa. Faz parte do desejo, do fetiche ‘monstruoso’ masculino subjugar uma mulher. Faz parte do desejo, do fetiche ‘virginal’ feminino ser submetida, se entregar a um homem. Não estamos falando de estupro. Estamos falando de sexo dialogado, consentido entre dois adultos conscientes em parte, ou em muito, de suas fantasias. Estamos falando da intensificação do binômio dor-prazer, privação-saciedade, entrega-controle. No entanto, como isso é muito feio para ser realizado de forma consciente, na cama com um parceiro (a), agride-se 100 mulheres por hora no Brasil. Matam-se centenas de mulheres por dia no mundo. Isso as culturas de forma geral não acham monstruoso, hediondo, pelo contrário até, recebe-se até incentivo.
Crepúsculo pode ser discutido como mais do que uma história de vampiros e as leitoras atentas percebem isso. 50 tons é sem duvida mais do um livro picante e provocante, ambos trazem a discussão implícita e implicada de uma nova sexualidade. De todo modo a pergunta que se faz é como que essa obra conseguiu contagiar o universo ‘baunilha’? E a resposta que se desenha parece vir da relação entre a ‘pureza’ feminina acompanhada do amor romântico. A mocinha consegue resgatar o homem daquele vale de escuridão no qual ele vivencia suas relações. Ela vai apresentar a ele o amor. E creio ser esta a linha que une Crepúsculo e 50 tons de cinza: o amor.


A pergunta que não cala é que amor é esse? E aí saindo da ficção e entrando na real, nossa concepção de amor é monstruoso. Refiro-me ao amor romântico, a idéia de amor que temos na cabeça e que não corresponde a realidade. É impressionante como esse conceito obnubilado de amor, de amar, afasta as pessoas da felicidade, da cumplicidade, da intimidade. Como que o amor romântico é um amor platônico naquilo que este tem de mais ideal, de mais distante, de mais longicuo, de mais criativo, mas não material. E são essas contradições que dilaceram relações. A expectativa de que o outro seja aquele que você sonha e não aquele que ele é. O desejo e o empreendimento para transformar o outro em alguma outra coisa que não é mais ele mesmo. Esse cansaço ofegante que as mulheres têm em discutir a relação.

Posto isto tanto a namoradinha do vampiro, quanto a sub de 50 tons aceitam o lado monstro de seus amados. Elas diferem em dois aspectos que podemos apontar como síndromes que acometem as mulheres.
A primeira seria a síndrome de se transformar naquilo que o ser amado é. Quase uma anulação da vontade, uma entrega plena para que o outro a molde e a faça conforme ele queira. É isso que fica subtendido em estruturas mais profundas no desejo manifesto da mocinha ser mordida e transformada em vampiro.
A segunda é síndrome da missionária. Para elas o amor é uma salvação. O amor pode tudo, cura tudo, suporta tudo e o mais impressionante é capaz de mudar o outro completamente. Depois de casado ele vai ser fiel, vai ser carinhoso, vai ser trabalhador. Enfim, o amor vai transformar o ser da pessoa. mais grave ainda, ela conseguirá amar pelo e para os dois.
Tudo isso estreita um diálogo entre essas duas obras, primeiramente, porque no fundo a namoradinha do vampiro é uma sub. O ponto positivo é que ela pelo menos não é tonta ao ponto de acreditar como a moça ingênua do 50 Tons que conseguirá mudar a essência do seu ser amado.
Finalizando, diria que relação não se discute se vivencia. Hoje diria, que o que exaspera homens é que discutir relação parece ser uma atuação teatral na qual a mulher esta apresentando um diálogo entre o homem da fantasia dela e aquele que não esta cumprindo esse papel no enredo. A gente fica lá no meio querendo dar pitaco, mas o que esta sendo dito não é muito sobre nós e sim da imagem que se criou de nós. No final todas saem com as queixas: “é a mesma coisa de estar falando com uma porta! Ele não responde! Ele só fica balançando a cabeça! Ele levanta e vai embora como se não fosse com ele!” E para falar a verdade, não é mesmo. 
Mas saindo dessa ficção também, qual amor que não é inventado?

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