quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Memórias do chumbo: o futebol nos tempos do condor.




Fantástico! Genial! Capitaneada por Lúcio de Castro, historiador e jornalista, hoje comentarista da ESPN Brasil é uma série de fôlego, em 4 episódios que relata de maneira formidável essa relação sempre intuída, mas até então pouco registrada e documentada entre as repressões latinas e o futebol.

O primeiro programa fala da ditadura na Argentina, o segundo da ditadura no Chile, a terceira do Uruguai e a quarta, mas não última, do Brasil. Não última, porque o ponto alto dos programas é a demonstração factual que existiu um plano Condor. E este plano condor foi capitaneado pelo futebol. O futebol foi a mola mestra para que os regimes autoritários dessem mostras de sua força, de seus mandos e desmandos.

É uma série genial, porque apresenta fatos, documentos onde até então a maioria de nós só levantara suspeição. Assim, entrando na política, visitando o cenário social e o imaginário da época, os episódios mostram como o futebol serviu de amalgama para consolidar um estado de exceção. Mas, por ironia do destino, foi nos estádios, perante a população, que os regimes de chumbo receberam suas piores derrotas. É pelo menos assim, que mostra todo o estado do Chile bradando para um jogador xara do ditador, em dia infeliz: “Fora Pinochet”. É da mesma monta que a torcida uruguaia diante do seu hino cantava mais alto e resolutos: “tremei tiranos” e ainda de maneira mais explicita: “vai acabar, vai acabar, a ditadura militar.”

Gritos emitidos entre um gol e outro, entre uma bola na trave, um belo drible e outro. A tentativa vergonhosa de abafar, esconder as mazelas do terror não deram de todo certo. O povo estava atento. Mas, mesmo com toda atenção do povo demorou décadas para certificarmos que o MERCOSUL- o livre mercado comum das Américas começou com o translado de técnicas e tecnologias de tortura, assim como de torturadores. Para pessoas que não estão afeitas a esta discussão creio que ela cause a mesma sensação que a leitura do livro BRASIL NUNCA MAIS, pela primeira vez: asco, nojo, dor.

Então, afinal, se é algo tão tenebroso, por que devemos ver? Tento responder seguindo a linha de Galeano: para não esquecermos, para não permitirmos o silêncio, para que a Comissão da Verdade, o STF que condenou mensaleiros por dez anos por caixa dois, não legitime, como legitimou, o esquecimento, a omissão de crimes contra a humanidade. Não nos importa se é de direita ou de esquerda, se nazista ou stalinista, aquele que torturou, que buscou mediante práticas sistemáticas e reiteradas retirar do outro a sua condição humana, não pode receber anistia total e irrestrita. Torturadores devem satisfação à sociedade, aos familiares, ao país. Devem responder pela igonominia dos seus atos.

Por tudo isso, para que a gente não esqueça, mas também não busque o revanchismo é que Memórias de Chumbo: futebol nos tempos do condor é uma obra de arte. É um documentário audacioso, que coloca dedos na ferida, não omite nomes, relembra heróis, cita covardes que abusaram do poder, da farda, do mando. Vale a pena ver. Ver para saber, saber para contar, contar para que não se deixe esquecer, não se deixe esvaziar e se silenciar. Contar para se fazer memória coletiva. “Apesar de você, amanhã a de ser outro dia.”

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