quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O PALHAÇO





Postei no singular (o palhaço), quando, na verdade, o texto vai falar dos palhaços, no plural. Não que eu vá falar dos artistas circenses, não é isso. É que juntamente ao filme condecorado, laureado, dirigido pelo não menos brilhante e laureado Selton Melo, falarei de uma peça teatral, quase homônima que fez parte da Campanha de Popularização do Teatro em 2012 em Bh; a peça é “Os Palhaços.” Primavera me levou para ver esta inquietante peça e desde então esse texto ficou rodando dentro de mim até hoje, 28/12/12, quando acabei de ver o filme de Selton. 


O filme de Selton é mais conhecido, ganhou expressão nacional e as discussões sobre ele já foram feitas nas mais diversas escalas. Já a peça é menos conhecida, mas a trama se desenvolve a partir do momento em que um vendedor de sapato visita o camarim de um palhaço e desenvolvem uma interação com trocas de papeis, de lugares, que nos leva a refletir: quem é o palhaço? E de fato o autor é muito contundente na sua crítica a sociedade de consumo e não deixa dúvida, pelo menos na ótica dele, que o palhaço somos nós.





De modo que as abordagens entre a peça e o filme são muito similares, embora no teatro a tensão existencial é mais aprofundada e acirrada, a saber: uma- o que é ser palhaço numa sociedade consumista e capitalista? Duas- temos uma missão na vida?

Por explorar e acirrar essas questões foi que gostei da peça, justamente, porque ela esbofeteia a sua platéia. Ela retira o sorriso cínico e hipócrita daqueles que pagam ingresso e se consideram melhores do que aqueles que recebem. Ela causa incomodo e desconforto em todos nós que acreditamos que vamos rir do palhaço, esquecendo da possibilidade do palhaço estar rindo da gente.

Mas se a peça explora melhor a primeira situação, o drama vocacional, que acaba se fazendo existencial, no filme tem uma dramaticidade maior e é sobre ela que pretendo falar nos próximos post. Porquê aos meus olhos pode-se realizar uma discussão sobre destino, pré-destinação dos seres e dos sujeitos. Nascemos com um dom? Com uma vocação? Isso é genético, hereditário? É social, cultural? Há alguma força no universo que ri e zomba de nós como se fossemos palhaços? 

As perguntas são muitas. O filme discute apenas a dramaticidade de uma sociedade que inculca que todos devem ser mais. Como que dizendo que a vida não é boa suficiente, a vida mesmo não basta, é pouca. Uma sociedade que tenta fazer de cada um mais especial do que se é. E essa especialidade não é inerente ou intrínseca ao ser, pelo contrário, consegue-se essa notoriedade, respeitabilidade no ter. Os produtos do consumo, os instrumentos da técnica tem o poder fetichista de transformar aqueles que lhes adquirem. Se nos contos de fada a princesa beijava o sapo e este virava príncipe. A lógica do erotismo do consumo é que ao comprar um produto, imediatamente, transforma-se nele. Ganha-se os mesmos atributos e características. De uma forma tão esdruxula e bizarra que é comum encontrarmos veículos dirigindo motoristas e dinheiro comprando pessoas. 

É sem aprofundar tanto essa relação, mas a tocando levemente, que o Palhaço tenta significar o seu lugar em si mesmo (drama pessoal) e no mundo (drama existencial). No final vendo a alegria de um contador de piadas, ele encena um dos textos mais belos da cinematografia brasileira e se reconhece- Palhaço.

Mas, não o palhaço que a peça teatral ironiza, justamente por ser alienado de si mesmo, alijado de si mesmo. Ele agora é palhaço, porque escolheu sê-lo e o é para além do destino, da genitalidade e da hereditariedade. Ele é palhaço e ocupa o seu lugar no mundo e ocupa seu mundo com uma base bem assentada.  Isso significa dizer que ele não é mais alienado e menos ainda espoliado de si mesmo. Já não pode ser ridicularizado pelo fetichismo dos produtos. Ele é o palhaço que tem prazer no seu labor, no seu ofício de levar as pessoas ao riso, à alegria. Diferente do palhaço da peça que passa a rir de todos aqueles que são palhaços sem saber, isto é, todos aqueles que debocham da vida dos outros sem perceber que a própria é uma comédia, quando não, uma tragédia. 

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