sábado, 23 de fevereiro de 2013

DJANGO: Livrando o imaginário.




Fui ver Django livre. Fiquei extasiado. A narrativa, a trama, a história, a intertextualidade, tudo. Creio que o impacto na sociedade americana seja ainda mais contundente e voraz do que nas plateias latinas e europeias, já que há detalhes históricos de difícil compreensão e interpretação. Durante todo o filme há sacadas geniais, formidáveis, dignas de Quentin Tarantino. A ironia e zombaria com que ele revela e explicita as origens da Ku Klux Klan vale a pena ver o filme diversas vezes apenas para assistir essa cena. No entanto, o aspecto mais mordaz e contundente que quero chamar atenção é a relação entre o escravo da senzala e o escravo da casa grande.

Aqui no Brasil- “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freire abordou o tratamento dispensado aos senhores e aos escravos, de como nossa estrutura social, política, econômica seguiu essa mesma arquitetura. Avançando sobre essa duplicidade, é estranho averiguar como que rechaçamos sapos barbudos que ousaram fazer pontes, estradas, Pacs, minha casa e minha vida entre esses dois mundos. Mas, retornando, Casa Grande e Senzala ganha vulto e dimensão posterior quando deixa tácito uma “democracia racial” com profunda ressonância a idéia do brasileiro como um homem cordial.

Nos EUA uma mulher escreve um livro despretensioso denominado: “A Cabana do Pai Tomas” (não o li), mas contam que o laureado Abrahan Lincon ao encontrá-la disse: “ é a senhorazinha a responsável pela guerra da Secessão?” Isso dá mostras do impacto que o mesmo teve na sociedade americana. Outro que evoca esse livro como um modelo para se entender a escravidão americana foi Malcon X. De forma que nos diálogos entre Jamie Fox e Samuel L Jackson isso ficou marcante, o que nos convida a recordar a obra de Harriet Beecher Stowe.

Malcon gostava de registrar como que para o negro da casa grande as revoltas contra o senhor eram algo que machucava o escravo da casa. Já para os da senzala, qualquer prejuízo ao senhor, era uma vitória para o escravo. O negro da casa grande com o tempo sentia-se e achava-se branco, um igual ao senhor. Ele passava a desconsiderar a dor dos seus irmãos de etnia até não se reconhecer mais como negro. Nos EUA essa divisão ficou centralizada, até mesmo devido a um ódio hostil e pesado. Um ódio declarado e manifesto aos quatro ventos. No Brasil esse ódio permanece camuflado, velado. Afirmamos de todas as maneiras possíveis, até a exaustão, que não há discriminação racial em nosso país, que ela é de renda. Por esse prisma, negros ricos são igualmente bem tratados como brancos e etc... O ponto que momentaneamente importa é que no Brasil uma infinitude de negros não se reconhecem como negros. Se vêem como brancos, ou quase brancos.

No entanto, o que mais tem me chamado atenção em Tarantino é o diálogo que ele tem feito com a memória, com a História, com o imaginário. Essa arte de re-escrever e re-interpretar os fatos históricos é formidável. Vimos isso, primeiramente, em “Bastardos Inglórios” e atualmente, com Django. É fabuloso imaginar algum lugar no universo (mesmo que seja na fantasia, no imaginário) no qual nazistas foram caçados por judeus e tiveram a suástica marcada na testa. É igualmente espetacular a criação de um lugar em que um negro escravo, se liberta e se torna caçador de recompensa de brancos sulistas. Um negro que mata branco sulistas e da Ku Ku Klan.

Nazistas, racistas, machistas devem estar rindo da impotência de um texto e de um filme como esse, já que segundo a possível argumentação deles, a verdade se deu de outra forma. Se por um lado eles têm razão, por outro, creio que a discussão histórica atual é justamente a de se perguntar: o que é mesmo realidade? O que é mesmo fato histórico? Que história é essa que replica a imagem dos vencedores ad infinitun sem se ocupar com os impactos disso sobre os vencidos? Essa perspectiva histórica de Tarantino abre margens não para que historiadores re-inventem fatos, mas para que ficcionistas, artistas, cineastas, professores ousem imaginar os fatos por outro curso e outro viés.

Nessa direção é incrível como que começam a pulular pesquisas históricas que re-contam os Quilombos, que mostram que a escravidão não se deu tão pacificamente como apontavam e apontaram. E metafisicamente, fico me perguntando: como surgem essas fendas? Seria possível reescrever a história? Seria possível alterar o passado? 

Esse apelo é formidável. Olhar para o mundo e pensar que ele esta assim, mas poderia ser diferente. Poder ensinar que a potência da ação inicia-se com a potencialização dos pensamentos. Insubordinar-se contra a opressão passa necessariamente pela utopia de pensar outras realidades e outras possibilidades.

Django Livre, Bastardos Inglórios retira as correntes que aprisionavam cineastas, artistas, políticos, educadores de se pensar os fatos, como se eles fossem objetivos, lineares, VERDADEIROS. Incita a exploradores psíquicos a cogitar sobre a imponderabilidade da memória, da lembrança, do imaginário. E sobre isso fico de fato pensando.... será que o passado é mesmo inalterado? 

Quem faz análise, quem envelhece observando os acontecimentos, percebe como que vamos dando novos coloridos ao fatídico  como vamos colocando peças, cores, detalhes que não estavam lá; ao mesmo tempo em que vamos apagando, sombreando outras coisas. De modo que a estória se desdobra em muitas, em outras. Django e Bastardos Inglórios insinuam esse caminho. Em futuros posts tentarei escrever sobre eles.    

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

BENTO XVI: a renúncia anunciada




Quando Jânio renunciou ao poder, ele falou de forças poderosas. Alguns não acreditam, mas há forças que se alimentam do poder. O que é o poder?

O poder é essa energia que esta incrustada em Sarney, Marcos Maciel, Renan Calheiros e tantos outros. O poder é essa energia que transfigura os seres, os come e os devora por dentro. O poder é um ente vivo que mata qualquer um que atravesse seu caminho com propostas de mudança e alteração.

As casas políticas tem essas energias incrustadas.  Entra partido, sai partido e as coisas permanecem como estão. É difícil encontrar seres contactados a fazerem a limpeza desses lugares sem ser tragados por eles. O preço da mudança é caro. Ter alguém nessa posição que não vai deixar essa força grudar é difícil. 

Brasília é um local de poucas décadas, cravada em uma localidade imersa em cristais. Imagina o Vaticano? Centrado no centro do poder antigo, com mais de mil anos de história? Alguém consegue imaginar o que é energeticamente ser coroado Papa? As forças que se encontra estacionária em cada coroa? O peso de cada brasão? A dificuldade de não sucumbir pelo peso opressor dos roedores energéticos? Há jogos, há interesses, há partidos, há disputas e há entes que querem deixar tudo do jeito que está. 

Nenhuma força, nenhum lugar foi mais corrompido do que a Igreja. Retirar essas forças desse local não é tarefa fácil, nem simples, demanda tempo, conscientização.

Num primeiro momento a renúncia de Ratzinger é ruim, mas num segundo momento podemos vislumbrá-lo levando milhares de seres para outras localidades e consciência. A renúncia do Papa sinaliza que uma parte energética da Igreja aceitou o 'colapso', aceitou largar o poder. Mas, não podemos nos iludir, essa renúncia acirra ainda mais a disputa entre aqueles que desejam a manutenção do poder a qualquer custo e aqueles que querem a mudança. A qualquer custo significa, especificamente, contrariar os ensinamentos de Jesus. De todo modo, agora há dois lados claros. Os terceiros terão que tomar partido e já tomaram. Aguardemos os próximos acontecimentos.

Talvez, as sementes plantadas por João XXIII já possa ser colhida e acolhida no seio da Igreja, em breve, uma nova Instituição. Na maneira dele, João Paulo II cuidou das sementes, do solo. Da forma dele, para nós, demasiadamente conservadora, Bento XVI compreendeu que essas forças devoram, matam, são intransigentes e não aceitam negociar para perder. Ao modo dele, ele expôs mazelas, fissuras (pedofilia, lavagem de dinheiro, corrupção) que não podem mais ser ignoradas, mas estão longe de ser solucionadas; pelo contrário. 

Ratzinger tinha tudo para ser Papa, mas descobriu que sê-lo é muito mais do que ter conhecimento teológico. Ser Papa é saber negociar com forças que devoram. Forças que tomaram conta não apenas da Igreja como das maiorias das instituições religiosas. Ser        Papa implica na compreensão de que para servir a Deus e a Jesus nenhuma negociação fora do amor pode ser realizada. 

Em tudo, parece que energeticamente, fica cada vez mais claro, que enquanto humanidade, estamos renunciando ao poder a qualquer custo. Ao poder que torna os seus mandatários servos de forças que deveriam se opor.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

AS SENHAS DOEU: imagens de nós mesmos.


Meses atrás atendia uma moça, linda. Enquanto ela ia falando, eu ficava vendo, não ela mesma, mas uma imagem que existia entre ela e os outros. Como explico:

O tema da consulta era o amor. E na fala dela (vou chamá-la de Yves-Y) algo me inculcava, pois não conseguia precisar se ela amava o ser do qual ela falava, ou se como Santo Agostinho nos lembra, Yves amava a sensação de amor, que embora ilusória é altamente excitante. Quando Luis Soares conversou com ela, pude ver que o amor mesmo, Yves não permitia sentir, ou melhor...  o amor que ela permitia conflitava com o amor que ela imaginava e isso nos apresentou três instâncias mapeadas: 1- o amor; 2- a imagem que ela tinha do amor; 3- como o cara a amava. Essas imagens brigavam entre si, mas não ao ponto de ela perceber a própria infelicidade. 

O inusitado de todo atendimento é que antes de se chegar a ela mesma, tinha que se passar por uma imagem que ela projetou dela mesma. Uma imagem que ela mesma construiu, criou e que a impede de receber o amor real, verdadeiro. Para entendermos melhor essa imagem projetada criaremos uma analogia com um espelho: Yves existe enquanto geradora da imagem, mas entre o reflexo da imagem e ela há uma projeção criada dela mesma, que a impede tanto de receber o amor, quanto de se ver realmente. Há uma distorção do mundo que ela vê, na forma como ela sente e também  dela mesma. Definitivamente, ela não é quem pensa ser. É isso que os psicólogos chamam de uma idealização? 

Antes de ela ser ela mesma, Yves é uma imagem que a impede ou dificulta imensamente de ser ela mesma. E se por um lado, ela se idealiza, por outro, mas o mesmo lado, ela cria mecanismos para ser seduzida por sujeitos que acessam, justamente, essa projeção. Dá para entender o peteco? Um eu que cria tantas imagens de si mesma, que ora se perde nesses reflexos, ora fixa-se em uma ilusória?




Praticamente, ela não se relaciona com quem consegue de algum modo vê-la e percebê-la para além das projeções. Ela só se relaciona com aqueles que conseguem acessar a imagem delirante que ela faz de si mesma. Assim, o mais louco disso tudo é que por mais sofrível e sofredora que fosse essa projeção do outro, ou idealização de si mesma, ela estaria ligada a este amor, enquanto fosse alimentada. Poderia ser espancada, surrada, currada, maltratada, desprezada, humilhada, ela nunca veria isso, porque o cara de certa forma consegue acessar e alimentar essa projeção. Dá para entender?

Ela não esta vendo ninguém, nem a ela mesma. Ela só vê a projeção que ela tem do mundo, que fez do outro. A questão de todo atendimento e de toda essa abordagem que denominei de 'As senhas do eu/doeu' é que ela gostaria de se livrar de um ex-marido que mesmo depois de separado a atormenta. Não no sentido do cara correr atrás dela, não a deixar ter relacionamentos com outros, ameaçá-la de qualquer modo. A atormenta no sentido deles não conseguirem romper um vínculo. Vínculo altamente sexual e nesse caso mágico (no sentido de magia mesmo), mas sem representar qualquer tipo de goécia. Pelo menos não deliberada e consciente, mas inconscientemente ambos estão acorrentados a algo que no momento em que se conheceram décadas atrás era mágico, durante casados foi se corrompendo, ficando doentio, chegando a patológico. Não ficou obsessivo devido a separação, mas esta longe ainda de ser algo agradável e natural. De modo que eles estabelecem uma relação, que mesmo sem se comunicarem por anos, quando ele a chama, independente de com quem ela esteja, Yves vai e transa como se estivesse hipnotizada. 

O que fico observando é que algumas pessoas tem o dom de alimentar essa projeção, são os 'hackers', ou no linguajar popular: canalhas, malandros, vadias; enfim sedutores no sentido de manipuladores de desejos e vontades. 

O segredo do sedutor esta em somente dizer o que a pessoa quer ouvir. O sedutor dialoga não com a pessoa mesma, mas com a projeção que a pessoa tem de si mesma. Ele alimenta essa projeção, essa carência e depois que ele (a) consegue isso, não adianta tentar mostrar que o cara, ou a moça são aproveitadores, estão fazendo mal, os caras já estão operando a relação não mais a partir de si mesmos, mas de dentro da base de comando do outro. Ele (a) pescou a senha. 

Uma senha que se torna fácil de ser pescada devido a nossa infantilidade. Acreditamos em contos de fadas. Mulheres de todas as idades sonham com príncipes encantados. Homens em todas as idades desejam princesas para tomar conta e castelos para mostrar para os amigos. E a paixão nos leva a querer construir mundos encantados. E não acreditamos que possa existir pessoas que controlem a paixão, os instintos. Não acreditamos que possa ser possível alguém que manipule tudo isso, finja tudo isso, simule e represente tudo isso. Não acreditamos que possa existir pessoas que justamente por racionalizarem as emoções e sentimentos sejam capazes de manipular os sentimentos e emoções de outras pessoas; mas elas existem e cada vez em maior número. 

Enquanto a moça era atendida, especialmente, por Tranca-rua, via um monte de seres acorrentados- mulheres e homens. Era uma cena bem parecida com a imagem do arcano XV do Tarot de Marselha: O Diabo. O detalhe é que quando os olhavamos mais atentamente, nenhum deles tinha coração. Óbvio que essa é uma visão simbólica, que ele elucidou com uma inversão de uma  passagem bíblica: “digas onde esta o teu coração e lhe direi onde esta o seu tesouro.” No caso, o tesouro delas estava na mão de outro, em posse de outro, e não foi feito grandes esforços para isso, muitas mulheres e alguns homens acreditam que amar é colocar o coração nas mãos do outro ser. Acreditam em um amor dramático, cheio de sacrifícios, cheio de privação e renúncia. É um amor pisciano no que esse apresenta relação com o cristianismo, ou seja, se não há sofrimento não há amor. Ou mais complexo ainda- amar é sofrer, doer, sacrificar-se. Todo esse cenário dramático que vemos em toda parte: religião, jornal, teatro, novela, música, escola, na vida de forma geral em que poucos buscam uma relação amorosa mais saudável e salutar. 



O que achei deveras curioso é que mais do que uma decodificação errônea, a bem da verdade, é que havia um jogo perigoso, intrigante nessa cena. Quando se dá a senha/coração, a pessoa implicitamente esta dizendo que somos obrigados a recebê-la, a aceitá-lo. Não dá para discutir isso sem retomar a proto-idéia de onde isso sai, a saber, a entrega de Deus do seu único filho para salvar a humanidade e a humanidade cruel mata a ovelha sagrada. Há desde então uma desonra moral em não amar o outro. Acreditamos que no amor o coração tem que ser dado, mais precisamente doado ao outro. O verdadeiro amor é aquele que abdica do seu próprio coração. Nós vemos essas relações trágicas entre pais e filhos, namorados, seitas. Poucos compreendem que é o amor e não o coração que deve ser compartilhado. 

ponto assustador da dinâmica de Yves é que se aos meus olhos era ia se tornando vitima, Tranca-rua deixava bem claro que ela alimenta esse programa virótico que roda no sistema de crença das pessoas. Isto é, ela e nem nós percebemos que por trás do ato de dar o coração, esconde-se algo ainda mais nefasto, que não se desatrela de nossa forma de ver o amor: a chantagem. 

Quando dou meu coração ao outro transponho e transfiro a responsabilidade que tenho de cuidar de mim mesmo para o outro, renuncio e entrego minha responsabilidade de crescimento e amadurecimento para que o outro cuide de mim. No final, posso cobrar do outro um preço mais caro, um preço que o amor não pede e nem cobra: o da culpa. Culpar o outro por nossa falta de coragem, pelo nosso não posicionamento é um ponto marcante dos relacionamentos. Um ponto marcante que pode ser acompanhado tanto por marcados internos, quanto que por marcadores externos.

Os marcadores internos vão sinalizando um jogo doentio que vai virando de patológico, até se transformar em obsessivo e culminar em ódio o que acaba por deflagar o ponto visível do marcador externo que é o homicido, não sem antes sinalizar pequenas e corriqueiras violências simbólicas. 




Eu que considerava Yves vítima fui convidado a analisar a situação mais de perto. E a percepção virótica veio quando o amigo Exu pergunta a ela se ela gostaria de libertar e libertar-se do cara. Ela diz que não. Percebi que mais do que uma escravidão o que existia era uma servidão voluntária. Uma servidão que colocava o outro na condição de canalha, de carrasco, quando na verdade, a manipuladora era Yves. Ou melhor, não existiria nem inocentes, nem culpados, mas uma relação que se desenvolve de forma que ela se machuca, mas tem um prazer nessa dor. Um prazer de se ver  e se manter acorrentada aos pés do seu amado. O importante a frisar é que a libertação disso se faz de forma simples, cada um retirando o seu coração das mãos das outras pessoas. 

Olha a sua volta, se o seu coração não estiver com você e em você, provavelmente, alguém tem a sua senha.