sexta-feira, 8 de março de 2013

Não aos Rótulos



ROTULOS
Minha visada espiritual é artística. Gosto da forma como os artistas compreendem, organizam, percebem a realidade. Nessa perspectiva me afinizo muito com a percepção que eles têm da vida.

Em nossas oficinas a loucura, as dores da alma, as aflições da existência são temas comuns e recorrentes. Ficamos estudando sobre as intercessões entre loucura-arte-mediunidade tentando clarear para nós mesmos essas lacunas, esses espaços ora monstruosos, ora repletos de beleza. Não obstante, lançamos um olhar muito agudo e compassivo para os lados ainda mais destoante dessas intercessões que são as psicopatias e as lideranças carismáticas de caráter perverso e suicida.

Como podem depreender brevemente do exposto acima este é um campo de estudo de várias áreas, vários segmentos, sempre aberto para quem deseja falar desse universo a partir de si mesmo. Essa é uma das condições: que cada um fale da sua vivência para poder compartilhar das vivências dos outros. Isso abre o espaço para a tolerância, o respeito, a compaixão. Isso retira os seres da condição de analisados e analisandos. Todos passam a ser estudiosos, aplicados e interessados em saber um pouco mais sobre si mesmo.

Conto isso, porque anônimos ou não, famosos ou não, cada qual traz sua narrativa de dor, sua experiência e sua vivência. E eu perguntei a alguns deles em algo similar a uma mesa redonda:
você teria sido você sendo classificado de bipolar, ou autista, ou esquizo? Mais ainda: teria desenvolvido sua obra tomando antipisicótico?

"Van falou que os rótulos sempre existiram, o pernicioso é que agora eles são clínicos e colocados como verdades absolutas. É assustador verificar o desconhecimento dos rotuladores da plasticidade neural, das mudanças sinápticas que o cérebro é capaz de fazer, das próprias mudanças que os seres realizam ao longo da sua trajetória de vida. Assim, embora sempre tenham existido rótulos é criminoso o peso clinico, médico, psicológico nas costas e nas mentes de crianças tão tenras, adolescentes em formação. Por outro lado, quanto ao uso dos antipsicóticos, teria impedido, com quase 90% de chance deu ter cortado minhas orelhas. Teria também ‘impedido’ deu sentir o mundo na intensidade que ele me incidia. Teria minimizado minhas dores, mas foram as minhas dores que me fizeram ser quem eu sou. Não posso ser sem mim. Cortar as orelhas foi um ato de desespero, de dor lancinante, uma tentativa de amputar meu ser; mas mesmo dilacerando, cortando todo meu corpo, eu não deixo de ser aquele que sou. Ser o que sou, expressar o que sou, somente a arte me serviu de remédio, de alivio, de consolo. Pintar, não para ser o mais vendido, mas para encontrar uma paz, um equilíbrio, um eu que podia sair de mim sem que necessitasse deu me cortar para vê-lo e sabê-lo. Isso, os antipsicóticos cortam, mutilam, apaziguam, mas o eu adormecido, enfurecido encontra-se dopado e uma hora estaremos frente a frente com ele. Acho que o antipsicóticos seria minha ruína".

Outro que se propôs a responder a essa questão foi um dramaturgo francês.

"Os rótulos não importam, somos mais fortes do que isso. Moldamo-nos a partir e para, além disso. Aos antipsicóticos somos impotentes. Não se tem força contra um controle que domina o próprio corpo, que destroem caminhos de conexão entre a alma e o corpo. Os antipsicóticos são a destruição. Ninguém resistiria a eles, ninguém seria com eles. Na minha loucura fiz meu teatro. Minhas vozes fizeram personagens, minhas alucinações fizeram montagens e figurinos. Essa irascibilidade incontida, desenfreada é que nos faz artistas. Foi quem me fez ser quem sou. Precisa-se de espaço para o eu e não de confinamento. A própria idéia de eu é uma temeridade quando se fala de mente, de psique. Deixo isso para o filósofo, porque toda essa discussão me cansa, me causa fastio. Necessitamos de liberdade, de espaços, de criações. Necessitamos de aberturas para as manifestações do ser nos seus aspectos de criatividade e originalidade. Precisamos de poesia e metáforas. Necessitamos do teatro".

Vou caminhar para o arremate. Os rótulos prendem, segregam e é difícil romper com eles, ir além deles. Quando o rotulo vem acompanhado de pílulas mágicas, as prisões e correntes ficam mais grossas, espessas, rudes. Estamos aprisionando com rótulos e fórmulas miraculosas mentes que possuem outra configuração.

O que os fármacos desejam é que o corpo não sofra, não doa, não morra. Eles querem o melhor para o corpo e o corpo para eles é uma máquina. Agora estenderam essa mesma lógica para a mente. Na concepção deles a mente é um programa de computador, um software. Uma extensão da máquina que somos. E como a dor, a morte são tidas como avarias desprezíveis, busca-se de todos os modos e de todos os jeitos minimizar as dores do corpo. No entanto, A dor no corpo é reflexo de dores nos campos mentais, emocionais que os fármacos podem cortar, isto é, ‘analgenizar’. Mas a fonte e origem da dor permanecem e precisam ser tratado. Uma das formas utilizada para minimizar esse sofrimento se dá pela arte e na arte.

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