terça-feira, 11 de junho de 2013

Encenação Mistificação


Na semana que escrevia sobre isso, Luana Piovani dava mais um chilique e Zezé Polessa era acusada na impressa pelo infarto de um motorista. Na mesma semana (27/1/2013), tive a felicidade de assistir a “peça” teatral “Assunta Brasil” do Saulo Laranjeira. Durante a peça, na qual estou até agora impressionado em todos os sentidos e em todos os âmbitos, inúmeras questões passaram pela minha cabeça, em especial uma que retornava: a relação da representação com a incorporação. Essa é para mim uma grande questão a ser pensada. 

Nos meios mediúnicos nada é mais hostilizado do que a mistificação, isto é, fingir estar incorporado quando não se esta. A mistificação é complicada, porque ela fere o princípio de veracidade. A crença que se tem, dado ao espaço em que se está, e pela moralidade do que se faz naquele momento de que naquele espaço sagrado, ninguém abusaria da fé e da confiança de outrem. Abusar disso é um ato indefensável e de covardia.

Não obstante, a incorporação tem muitos atributos da representação, o que me faz retomar o caráter mágico e sacro do teatro. Entre os gregos e para os gregos o teatro era o espaço do sagrado. As encenações realizadas eram partes dos rituais orficos cujo grande centro era o culto a Dionísio. O teatro em sua essência é uma celebração aos deuses. Era um momento no qual o ser humano deixava de ser quem era para assumir outra identidade, outra persona. Parte dessa celebração esta inserida na missa.

Persona é o nome que era dado à máscara utilizada pelo artista na encenação. É também o nome que utilizamos para falarmos de uma identidade, de um algo que nos apresenta e nos identifica. Aceitamos e até confundimos a personalidade como sendo nossa própria identidade. É similar ao artista que acaba acreditando que é o personagem que encena. E igualmente trágico ao médium que assume as dimensões e personalidade do espírito que incorpora. Tudo isso em cada lócus especifico apresenta problemas e dificuldades aos seus. 

Mas, porque trago tudo isso? Por que a cada momento, acho mais tênue a linha que separa a representação de alguns personagens no palco da mediunidade de incorporação. E não estou falando aqui de mistificação, pelo contrário. Estou falando mesmo de como esses dois espaços que foram separados na sociedade atual parecem compor um mesmo cenário.

Saulo explora essa relação mágica, mística, do teatro. Essa possibilidade de um ser vários, ser muitos, ser tantos e ainda assim, continuar sendo si mesmo. Há personagens de Saulo, encenados por Saulo, que denominamos encenação e representação unicamente por ele se dizer artista e estar no palco. Caso, ele estivesse em um centro, ele estaria “incorporando” ou melhor incorporado. E seria mistificação?

Não creio. E isso é novamente um outro terreno sutil. Em Saulo e em alguns médiuns o espírito não é um ente externo que chega e se aproxima; parece mais um ente interno no qual o ser se avoluma, cresce de dentro para fora, como se de fato, ele estivesse incorporado. De maneira similar as pessoas que não retiram a mascara do que foram ou do que gostariam de ser.

Vendo Saulo eu vi um médium. Sem sombra de dúvidas. Vi uma platéia encantada, que não compreendia a força fabulosa, mágica, encantadora, sagrada que se manifestava ali. Imersos a risadas mediantes falas e trejeitos do ARTISTA, a energia da platéia era transmutada. Permitam-me dizer mais, a energia do Vale do Jequitinhonha e de lugares similares nos quais grande parte da miséria é fruto da indiferença dos governantes, esses lugares recebiam uma revitalização energética. Saulo estava no teatro da Alterosa e também no Vale do Jequitinhonha. Saulo estava nos conectando ao mundo, um mundo que estamos perdendo, que estamos esquecendo, mas um mundo que o artista retoma, nos trás para dentro e o deixa semeado em nós.

Esse mundo é sagrado. Não o mundo em si, mas a operação realizada para que os expectadores sejam transportados até ele. As forças invisíveis que atuam no palco são as mesmas que atuam nos centros. A transmutação energética realizada é formidável e o que o ARTISTA consegue plantar, semear em cada expectador é igualmente esplendoroso.

Saulo é um artista renomado. Quero diferenciar renomado de famoso. Os atores televisivos são famosos. A fama os engole, os envolve, os devora. Não sei se os atores são eles mesmos. Não sei se os atores conseguem avaliar qual persona eles vestem. É nesse sentido que quero registrar a simplicidade de Saulo. Há nele uma pessoa, um ser, que não esta envolvido por uma máscara. Há nele a dimensão humana que os famosos perdem se tornando e se fazendo personagens de si mesmos, alguns até, caricaturas.

Diante dessa espetacularização cada vez maior fico me perguntando: qual o sentido do ARTISTA? O sentido dele esta em não permitir que ele se sinta maior do que a arte que ele faz. Essa simplicidade retoma o teatro no seu sentido clássico: celebração à vida, uma forma de religar(e) os seres. O teatro é a representação da existência. É o palco do existir.

De maneira se nos centros o problema é a mistificação, na arte o problema é a fascinação. Saulo não é um fascinado, um deslumbrado. Saulo não é uma Luana Piovani.


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