sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Fragilidade


Um colega de pelada recebeu anestesia geral, quando acordou já tinha sido rasgado, costurado e não tinha lembrança de nada. A única coisa que nos dizia como um mantra era: "a gente não vale nada!!!"

Outro colega de pelada tinha comido, bebido no final de semana e no meio da outra semana veio a óbito por taquicardia. Não deu tempo para nada. Para dizer eu te amo a esposa, aos filhos. Estava de viagem marcada e os que foram na frente tiveram que acabar voltando. Como sempre, ninguém esperava. Nunca esperamos. 

Um aluno voltando de um show que realizou de madrugada acabou dormindo e se chocando contra uma caçamba. Acordou no dia seguinte no hospital sem se recordar de nada. Todos os três homens em idades diferentes. Todos os dois sobreviventes unânimes em sua afirmação: "a gente é muito frágil. Nós não valemos de nada." Eles na preocupação masculina diziam que se foram abusados, violentados nem se recordam.

Mas, no que tange ao "não valer nada" alguém ousaria discordar? Acho que não. O corpo é frágil. Ele é o que mais se adaptou as intempéries da natureza, mas ainda assim é frágil. No entanto, a fragilidade maior não é do corpo, a fragilidade maior é o significado que damos, ou que não damos à vida. Somos muito despreparados para lidarmos com a morte e isso nos fragiliza diante da vida. Poucos de nós damos conta da vida mesmo. Poucos de nós sabem lidar com a separação, a traição, o amor, a ofensa, a injustiça, a dívida material. Diante dele, nos perdemos, nos descabelamos. Ficamos aturdidos.


Falo disso, porque nós homens reconhecemos as nossas fragilidades materiais, físicas, mas a fragilidade que de fato nos deixa expostos é a emocional. Escuto os relatos, as conversas das mulheres em todos os lugares. Elas se queixam que os parceiros não interagem na discussão, que elas falam para as paredes. Que é preferido falar sozinha, que eles se sentem solitárias.

As mulheres captam e lidam melhor com a fragilidade emocional. Elas reconhecem que esse é um terreno no qual a gente depende do outro, precisa do outro. Elas não têm problemas em pedirem ajuda, conselhos, buscarem alternativas. Por outro lado, são raros os homens que empreendem a mesma busca. Num primeiro momento da nossa existência a mãe adivinhava o que nós sentíamos, num segundo momento essa tarefa passa para as namoradas, parceiras, amantes, esposas. São poucos os que conseguem expor aquilo que sente sem necessidade de auxilio e sentirem que vão morrer após terem dito. São mais raros ainda os que são capazes de mostrar que há uma fragilidade nessa área. E como somos frágeis.

Esse parece ser o motivo de tensão entre homens e mulheres. Homens de forma geral tendem a se expressar emocionalmente somente diante da morte, do termino, da separação, o que acaba muitas vezes  se dando de forma mais atropelada e atabalhoada. O que me faz recordar um caso de uma amiga. Na concepção dela, ela namorava um eremita autista. Quando terminou com o cara, ele falou assim: "eu estou comprando casa, arrumando moveis, fazendo isso, aquilo, e você vem com isso?"  Naquela altura, ela apenas respondeu, entre surpresa e perplexa: “ você nunca me falou nada!!!”

Ele jamais tinha manifestado tudo isso, nem mesmo o afeto. Quando manifestou foi tarde, era tarde, ela já tinha ido embora. Quando ele foi capaz de expor a fragilidade dele largado no mundo sem ela, já era tarde; ela já tinha ido embora e ele estava só. 

Para nós homens é difícil percebermos que é essa fragilidade que fortalece o vinculo entre as pessoas, que é essa fragilidade física, material, emocional, mental, espiritual que nos leva ao encontro do outro, na troca com o outro. É na tentativa de cada um de nós crescermos que trocamos, nos realizamos, nos fazemos humanos. É pelo paradoxo da fragilidade que nos fortalecemos e nos humanizamos. Alguns casam, constituem família, criam filhos, formam família. No entanto, ainda assim não aprendemos que são nas fragilidades que nos constituímos.

A fragilidade deve ser considerada a nossa maior força, assim como a reflexão sobre a morte a nossa melhor maneira de viver melhor. Esperar os minutos finais de vida para se fazer tudo o que se deseja é um desperdício existencial. Na mesma medida em que esperar os momentos de tensão, de ruptura para se falar do que somos, do que desejamos, do que sentimos é também um desperdício da relação, um tiro arriscado que pode dar certo, mas que não vale o desgaste. 


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