domingo, 24 de novembro de 2013

SONHO E BUSSOLA: por que nós perdemos de nós mesmos?



O título surgiu depois do texto ficar pronto. Então, eu não vou responder a pergunta que deixo, não sei a resposta. Sã Carneiro dizia que se perdia de si mesmo, porque ele era labirinto. A maioria de nós não tem a complexidade subjetiva do poeta suicida, pelo contrário, somos superficiais como andar em linha reta, em fila indiana, com distância previamente determinada. A maioria das pessoas gosta dessa horizontalidade da vida. Gostam da simplicidade, gostam do pragmatismo de encontrar respostas rápidas, precisas, claras para os problemas da vida. 

Nélson Rodrigues dizia que a televisão matou a janela. Atualizando a reflexão, eu diria que a internet suprimiu o mistério, o espanto. Todas as respostas tem que ser rápidas, todo o universo tem que se locomover na velocidade da luz. Nem a natureza mais é permitida o seu ritmo, temos agrotóxicos para os alimentos, incubadoras artificiais para os animais, anabolizantes para os humanos. Enfim... temos pressa, muita pressa, pressa demais. Temos pressa em não sentirmos a tranqüilidade, o ócio, a contemplação. Diante dele, corremos mais e mais rápido. Não sabemos para onde, mas é isso que quero supor, corremos de nós mesmos.

Muitas pessoas não acreditam, mas encontrar-se é uma arte, é um mistério. Não é uma tarefa fácil, nem simples. Estava eu sentado aqui na minha poltrona, em reflexão comigo mesmo, quando perguntei: mas, por que não vejo mais claramente o universo energético que habito? Pai Jeremias na tranqüilidade de quem não tem pressa, conversou comigo, me forneceu imagens e me mostrou que para se ver imagens espirituais tem que ser minimamente espiritual. E eu em um determinado momento da minha história escolhi o pragmatismo. Eu coloquei disciplina na vidência: só vejo quando eu quero, na hora que eu quero e se eu quiser. Como a vidência era minha foi acatada a decisão, mas como muitas vezes não é a gente que vê e sim eles que se mostram, aparecem, eles procuraram outros com mais disponibilidade. 

Mas, o essencial não é esse ordenamento, o essencial é como que fechamos nosso corpo emocional e algumas percepções, entendimentos são dados por ele. Acreditamos que a racionalização é que bloqueia, quando na verdade, é o emocional que estabelece as permissividades, as alternativas. 


Algumas pessoas devem estar se perguntando: corpo o que? Emocional! Esse que a gente ignora, não escuta, não dá atenção a não ser quando ele nos trava. Quando adoecemos, quando aparece as síndromes, os pânicos, quando somos traídos, quando uma voz insuportável fica gritando na nossa cabeça que não valemos nada. Esse é o corpo emocional rompido, fendido, ofendido. Volto a falar dele, agora recupero um sonho que Primavera teve comigo. Conto o sonho, porque ele é o motivo desse texto.

No sonho estávamos em uma praia e eu tinha um caderno azul. Entreguei o caderno azul para ela e quando ela abriu não tinha páginas escritas, apenas sangue derramado, derramando. No sonho dela, eu também tinha a cabeça cheia de buracos, de feridas. Como eu dei o caderno e sai andando, deu apenas para um senhor que estava do lado fazer um comentário: “o moço ta mal mesmo!” 

O sonho é super curioso, porque ele aponta para algo que eu não quero ver e nem olhar. O sonho é de 2011. As feridas são do século passado e reabertas em 2005/6. Pessoas mais próximas, na verdade, mulheres mais próximas vêem essa ferida, eu não. E isso é estar perdido, desorientado.


A partir disso fiquei me perguntando: qualquer um que estivesse na rua sem saber onde está buscaria orientação, aceitaria ajuda; porque quando se trata do mundo interno a gente ignora?

É estranho como que cada vez mais nos aperfeiçoamos em localizações externas e ficamos perdidos em nos situarmos internamente. Como que cada vez mais temos milhares de nomes para as coisas, para os aparatos tecnológicos e estamos perdendo as adjetivações para o nosso mundo interior. Mais estranhamente ainda, como que os sentimentos, assim como os pensamentos mais elaborados, tem sido reduzidos a termos como: “uau. Da hora. Massa. Tipo, tipo assim, fraga”. Como que estamos nos distanciando do nosso universo interno e as vezes até desconfiando que ele não exista. Afinal, quem leva sonhos a sério? Consideramos o mundo virtual mais real do que o sonho? Mais verídico do que o sonhar, o imaginar? Essa análise hegeliana vai ficar para outra postagem.

Agora, quero problematizar ainda mais a questão: caso nos percamos na rua temos GPS. Em verdade, para qualquer lugar que desejamos ir o próprio aparelho celular faz as atualizações imediatas. Caso estejamos em algum outro país que desconhecemos o idioma, há programas que nos pedem apenas para dizermos o que desejamos que imediatamente ele converte para o idioma pretendido.
Quando estamos curiosos sobre algo ou alguma coisa do mundo, temos a net. Basta goolgar e a dúvida é preenchida, a resposta é dada. Mas, a minha questão é: e quando nos perdemos de nós mesmos? E quando não localizamos em nós aquilo que somos? Que deixamos de ser. A quem recorremos? Onde procuramos?

Temos dificuldade em responder a essas perguntas. Preferimos vagar sozinhos, desorientados, sem informação a buscar ajuda, auxílio. Alguns por desconhecimento, outros por preconceito. Nenhuma das opções deixam de ser estranhas e curiosas numa sociedade da informação como a nossa. Afinal, com dispositivos cada vez mais precisos sobre nossa localização, nosso entendimento, por que ainda nos assombra os labirintos internos? Os vazios existenciais? Como que não sabemos ainda qual a valia do trabalho terapêutico, seja do holístico, do psicólogo, do filósofo clinico, do programador neurolinguistico? Por que ainda é insondável e misterioso o universo interno? Seja nas suas dores, seja nas suas sombras, seja na sua luminosidade?

Difícil apontar para uma resposta e nem temos a pretensão. Mas a pressa, a velocidade, a rapidez, a busca incessante pela busca incessante, para que se tenha sempre algo para se buscar e acessar, nos afasta da gente mesmo. Gente por mais tecnológica que seja não nasceu de fibras óticas, não brotou das nuvens. Gente precisa de natureza, do ritmo natural. Precisa do sol e do luar, do mar e da cachoeira, do verde e da terra. Gente precisa respirar o ritmo do universo para compreender que a pressa é o vazio e quanto mais apressado, mais vazio, mais desprovido de sentido. Andamos a uma média de 60km/h e achamos que estamos indo devagar.


O universo interno precisa de silêncio, de natureza, de tranqüilidade. É nesse habitat que os corpos se integram, conversam, se realizam, se unificam. É nesse habitat que a vida ganha luminosidade e a gente apreende todo o simbolismo da vida. Começa a ler as nuvens, o horizonte, a linguagem dos animais. É olhando para dentro que a bussola interna nos orienta, nos direciona, nos posiciona. E nos encontramos conosco. Pelo menos olhamos para nosso corpo emocional e o nutrimos com mais atenção, carinho. É no carinho do outro que nos recuperamos e as vezes é no sonho do outro que está a chave para nossa cura, nossa integração. 





sábado, 2 de novembro de 2013

QUAL O NOME DO VAZIO?


Como já declarei centenas de vezes- sou apaixonado pelo universo feminino. Há algo nele que me encanta, me seduz, me fascina, me alucina. Algo que eu quero adentrar, ver, captar, sentir, o mais próximo possível, mas sem ser. Não gostaria de ser mulher. Recordo de umas duas, três vidas nas quais fui mulher, eu não tenho palavras para descrever a tortura que isso foi para mim. De todas as prisões que habitei nenhuma foi mais angustiante do que ser mulher.

E não falo de ser do sexo feminino. Não é disso. Falo das mesmas dificuldades de ser negro, homossexual, diferente- falo da discriminação. Falo do exercício de provar que a inteligência, o gosto, as aptidões não são questões de gênero ou de raça. Falo da luta inglória contra uma cultura, contra hábitos, contra a gente mesmo, que em momentos passa a acreditar que de fato algumas escolhas e formas de existir são apenas para homens e outras apenas para mulheres. Mas, não é disso que quero falar.

Quero falar do site que uma amiga me enviou: perdimeubebê.blogspot.com.br  O blog é lindo. Delicado. Suave aos olhos. Cheio de dor, de sofrimento. Lá esse vazio que não sei dar o nome tem forma, tem cheiro, tem cor e é transformado em palavra por cada relato. A cada relato sobre a perda de um bebê, elas afloram tonelada de culpa, de medo, de agonia, de sofrimento que parece ser da humanidade inteira. Cada criança não nascida alivia e amaldiçoa cada uma delas. Em cada relato fica estampado diante da gente a nossa insensibilidade diante do tema, o nosso despreparo para acolher essas mães. Enquanto lia, muitas coisas me encabulavam, no entanto, uma mais do que as outras: essa culpa não pode ser de apenas uma mãe, uma mulher. Assim, da onde vem esse vazio?

Ele esta no ser. Não sei precisar quando ele se instala, ou se ele já vem instalado. Mas, ele parece estar lá esperando a primeira paixão, a primeira desilusão amorosa, a primeira transa para absorver praticamente uma existência inteira. Acredito que haja uma porta, uma fenda pela qual o vazio entra e por vezes nunca mais sai. 

Uma das falas freqüentes das mães era a de que os maridos, os companheiros pediam a elas que saíssem desse estado de sofrimento, de apatia, que elas tentassem esquecer, mas elas não conseguiam. Era como se estivessem mergulhadas dentro de um abismo. Nietzsche conta que as vezes de tanto olhar para um abismo, o abismo passa a olhar para você. Mais do que olhar, o abismo adentra o seu ser. Nietzsche de fato tinha essa profundidade abissal. Esse grande filósofo alemão dizia que tudo que é reto mente, assim, ele acredito que o abismo dele tinha até algumas curvas, mas de forma geral, os abismos masculinos são retos e jamais chegamos até o fundo. Os abismos femininos são fendas naturais, mas é cavernoso, escorregadio, insinuante, repleto de curvas. E o estranho em tudo, seja nos relatos, ou nas outras observações que fui recordando é que há uma dor e ao mesmo tempo uma adaptação natural a este lugar. O abismo é um habitat no qual elas se adaptam. Nós homens não damos conta dessas profundezas, menos ainda dos labirintos que esses abismos têm. Mas, elas vivem nesse lugar com mais naturalidade e isso é a ruína, ora porque elas se perdem nelas mesmas, ora porque parte delas vão sumindo ou se escondendo delas mesmas, mas, principalmente, porque há cavernas nesses abismos nos quais elas se identificam e sentem-se mais confortáveis do que em qualquer outro lugar do mundo. Numa visão ainda superficial e prematura, diria que nós homens corremos do vazio, enquanto a maioria das mulheres correm para ele. Grande parte do temor masculino é encontrar com a dor, com o sofrimento, com a finitude. Passamos a vida inteira construindo cultura, ciência, transcendência para não lidarmos com esse vazio. Grande parte da atração feminina é pela dor, pelo sofrimento, pela finitude. Elas querem fugir dos nossos conceitos complicados, das nossas explicações intermináveis e simplesmente se fundirem, ou sentirem o vazio. É paradoxal. Nós queremos dar sentido fugindo dele, elas dão sentido mergulhando nele.

Retornando ao site, a maior beleza dele é que lá elas se escutam, se entendem, se consolam, se apoiam. Elas fazem aquilo que não conseguimos fazer, talvez porque de fato não há algo a ser feito. Elas acolhem uma as outras.

Assim, eu quero falar do vazio. Chamo de vazio, mas o nome não é esse. É alguma outra coisa, cuja definição escapa, se é que tem. O que sabemos é que ele tem presença. Ele existe. Ele ocupa o ser das mulheres. Algumas o transbordam no olhar. Outras fazem dele uma redoma no qual elas estão no meio, absortas por ele. Em muitas, senão todas, o olhar delas, mesmo quando feliz, trás essa dor, esse eu não sei identificar. Esse sem nome. Esse sem lugar. Essa coisa que em muitas fica resguardado, acomodado, mas.... ainda assim é presença. 




Eu resolvi escrever sobre um tema que eu não sei o nome e nessa altura, a maioria dos homens já não sabem mais sobre o que estou falando, se é que chegaram até aqui. As mulheres já estão me chamando de burro, rindo e sensibilizadas com minha tentativa de compreensão, no entanto... Elas sabem que eu não sei. Elas também não têm nome para esse vazio, mas recusam serem chamadas de histéricas, histriônicas, ou de nomes dado por nós homens diante dessa falta imensa que transborda em algumas. 

UM NOME MASCULINO. 

Freud viu nesse vazio uma incompletude anatômica, a falta do pênis faz da mulher um ser castrado, mutilado. É ou deveria ser óbvio que esse olhar é metafórico, diz respeito a um arquétipo. Essa mulher de Freud, como não poderia deixar de ser, representa o arquétipo de Eva, a parceira de Adão. Eva é a mulher que nasce da costela, nasce como parte, se realiza enquanto “amiga” do seu parceiro único. Quando busca o conhecimento recebe toda culpa de ter desviado o ingênuo do Adão do caminho do bem. Assim, ambos são expulsos do paraíso cada um com sua sina, ele é amaldiçoado a trabalhar, ela a parir na dor. Esse vazio em nós é preenchido pelo trabalho. Enquanto laboramos, nos realizamos, acreditamos estarmos plenos. As mulheres encontram um preenchimento desse vazio na gestação, no ato de ser mãe. Mais uma vez recorro a Nietzsche, ele diz que a mulher para o homem é um fim. Mas, a mulher para o homem é apenas um meio. A finalidade dela é o filho. Será mesmo? 

Hoje na contemporaneidade, mais do que nunca, mulheres acreditam na realização pessoal em moldes masculinos- carreira, profissão, sucesso. E a maioria lida bem com isso até o relógio biologico determinar as últimas voltas do ponteiro para que a gravidez ocorra. Nesse momento a piração começa acontecer. Esse vazio transborda. Poucas sentem-se tranquilas ao olhar para trás e verem que construiram uma belísima carreira. Nessas falas que escuto fico sempre me perguntando: pode uma mulher não ser mãe? 



Nosso desejo masculino é o de estancar o vazio, curar a dor. Mas, não é disso que se trata, pelo contrário, trata meramente de ouvir o grito que não sai da garganta, mas a seca. Trata de  emprestar lenço para a lágrima que teima em brotar dos olhos, como nascente, como cascata. E nunca sabemos por qual motivo elas choram, talvez seja pelo mesmo motivo que a nascente escorre água, vai saber. Trata de apenas estar ao lado, silenciosamente, como se esse vazio fosse uma oração.

Isso nós homens nunca entendemos e jamais entenderemos. Nunca entenderemos essa racionalidade emocional. Nunca entenderemos como que a perda de uma gravidez de poucas semanas, quiçá meses, pode abalar o resto de uma vida. Nunca entenderemos, como que a perda de um filho viciado, drogado, as vezes até maldito, pode causar uma dor infinita, que nunca vai acabar, parar, cessar. Nunca entenderemos como que a morte da mãe, aquela que nos gestou possa causar essa mesma ausência, essa mesma falta e por vezes ampliar ainda mais esse vazio.

Assim, teve momentos que eu quis tirar esse vazio delas, mas fazer isso era como colocar um pênis entre as pernas delas. Era como colocar um estilingue de menino nas asas de um colibri. Era desnaturalizar o natural. Amigos muito sensíveis me ensinaram a ver, a observar, perceber que seja lá o que for essa falta, esse vazio, é por intermédio dele que elas conseguem se superar, se inventarem, serem. Loucura?

Recordo-me de alguns trabalhos mediúnicos, em que me encontrava desdobrado e ELAS chegavam, encarnadas e desencarnadas. Elas estavam lá pelos filhos, pelos maridos. Lá onde? As vezes nas filas intermináveis das visitas de hospitais, presídios, manicômios. Outras vezes nas casas espirituais pedindo ajuda. Outras tantas ao lado dos filhos como anjos protetores. E os filhos estavam em lugares que até os anjos não desciam. Mas, elas estavam lá. Lado a lado, rogando proteção, pedindo perdão. Em vão tentar mostrar que elas não tinham nada a ver com aquilo. Elas se responsabilizavam, elas se culpavam, elas se martirizavam. Elas tinham uma culpa que absolvia e absolve toneladas de equívocos, erros dos entes queridos. Ali fui aprendendo a ver a força da oração de uma mãe. Como que as rogativas delas chegam aos céus sem fazer curva, deslocando Serafins e Querubins para atenderem ao pedido. 


Finalizando, há a falta do filho. Não apenas a dos filhos mortos, mas a dos filhos que em determinado momento escolheu-se não ter e que hoje, elas desejariam, mas o relógio biológico não permite. Em toda mulher parece existir essa dor, essa força, esse vazio, essa busca. Elas querem algo que escapa. Buscam algo que encontram, as prendem, as ajudam, as aliviam, mas ainda não é o preenchimento. Em todas há uma busca, o desejo de que uma metade de mim seja preenchida, encontrada. É bom que ainda temos abraços como formas de fusão.