sábado, 27 de dezembro de 2014

MÃOS: a CORagem do toque

Os ocultistas costumavam dizer que: " as mãos são a parte visível do cérebro."Que bela constatação. Já viram como algumas pessoas falam mais rápido com as mãos do que com a boca? E outras que não sabem onde colocar as mãos enquanto falam, ou escutam? É que nem sempre se consegue perceber a co-relação entre mãos e cérebro e quanto a isso me recordo os mudras. Os monges budistas recorrem aos mudras para dar a mente o mesmo apaziguamento. É uma relação profunda, por vezes pouco investigada.

Tudo isso me faz recordar os momentos nos quais me separei ou terminei relacionamentos. Quando da minha separação ficava me perguntando: como é que se toca o corpo de uma outra mulher? Não eram as mãos que desaprendiam os caminhos e sim o cérebro, a mente. Mais recentemente, fico tentando encontrar um lugar para as minhas mãos, onde colocá-las? O que fazer com elas? Elas e eu nos perdemos nos emaranhados das muitas possibilidades, mas escrevo para falar não das minhas mãos, mas das mãos de todos nós. Acaricio as minhas, porque a agonia dela nesse momento está mais perto, mais presente, mas falo de todas as mãos do mundo, pelo menos tento. 

Rememoro isso por muitos motivos, primeiro, porque meditando sobre a importância das mãos vi que essa parte do corpo, mais do que qualquer outra é relacional. Depois, e a partir disso, recordei uma amiga nos tempos do mestrado, que me leu um poema do Drummond. Leu o poema, mas a parte que ela destacou foi:

Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora em que passa o filme, de flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; (...) E segue poema falando do namoro e do namorar.

Nesse dia específico acho que ela trocou o tema da dissertação dela, ela fez uma tese sobre as mãos dadas. E prestei tanta atenção, porque uma ou duas semanas antes, saindo com uma pessoa que eu gosto muito, ela tentou me dar as mãos, mas as minhas fugiram, correram, não corresponderam. O incomodo daquelas mãos nas minhas, no meio da rua, me desarticularam. O que causava espécie é que continuamos o encontro, mas acho que depois disso nunca mais nos vimos. O inusitado foi que eu a beijei na boca, nós transamos, mas não nos demos as mãos na rua, na praça, em público. Surreal a primeira vista. Monstruoso numa segunda visada, mas lhes convido para uma terceira perspectiva, preciso me redimir. 

I
Foi numa peça teatral, que pela primeira vez, associei amor a coragem.
Em verdade, a associação fora feita pela atriz, pela trama, ela nos jogava isso na cara como uma bofetada, mas até então, nunca tinha associado amor à coragem. Nunca tinha pensado nesta relação. Depois da peça me ficou claro, evidente, se não há coragem não há amor. Pode se ter outra coisa, com outro nome, nova classificação, mas não é amor. Não há amor sem coragem.

Mas, não quero falar nem da coragem e nem do amor, eu quero falar das mãos. São as mãos o símbolo desse elo e muito mais. E fico a vontade para falar disso, porque minhas mãos são escorregadias, fugiram de muitos toques, de muitos enlaces. Minhas mãos-mente não me permitiram muitos enlaces e voltas.  

Sim, o beijo em público, o sexo na rua, o abraço no estádio, nada disso afiança um vinculo, uma relação. Nélson Rodrigues dizia que só o beijo é a verdadeira posse. Pode ser, mas as mãos dadas é o verdadeiro vínculo. Tem uma transcendência em caminhar de mãos dadas. É mais do que ir juntos, é mais do que não se afastar. É estar com o outro. É assumir não para o mundo, mas um para o outro que se está junto. É dar a uma relação sentido, clareza, envolvimento, cumplicidade e não importa a relação: se de amizade, de casal, de pais e filhos. As mãos dadas demarcam um outro significado nas relações. 

Há uma piada no qual o cara é flagrado pela esposa no motel e consegue se safar. Perguntado como: ele diz que se estiver de meia, ele consegue se justificar. É uma verdade, é um fato. É similar a moça apanhada pelo marido e esse revoltado com tudo, joga o fora o sofá.
Mas, o que quero dizer é que eles se safam, porque não foram apanhados de mãos dadas. Para as mãos dadas não há escapatória e nem se deseja uma saída. Quando se dá as mãos enlaça-se, uni-se, sela-se uma relação. Nos atos desavergonhados a primeira ação é soltar as mãos. Fico lembrando Adão e Eva a primeira ação foi largarem as mãos um do outro e tamparem as partes intimas. É muito diferente do casal apaixonado, envolvido, esses diante da surpresa, do perigo, do inusitado, apertam as mãos um do outro. Unem-se mais, selam-se e resguardam-se é a coragem do amor que toma conta. E é diferente da proteção de um para o outro, nessa é comum um saltar na frente, ou empurrar o outro para que fuja. No exemplo que estamos mirando, instantaneamente um dá a mão ao outro, como se defendessem a relação que permeia a mente e o coração de ambos com a mesma coragem. 

Na linha de Nélson R essa é a traição imperdoável. É aquela que não é por sexo, por deleite, por curiosidade. É aquela que se deixa cravar de balas a pensar na possibilidade de ficar sem o ser amado. E, são, invariavelmente, esses que morrem nas crônicas jornalisticas. Os outros casais fogem, correm, pulam a janela, soltam os braços, justificam-se por estar de meia ou com o sofá velho. 

Mas, finalizando trago tudo isso, porque é possível estar com muitas mulheres, as mulheres estar com muitos homens, muitas amigas, colegas falam de mãos cheia de homens e mulheres com os quais já tiveram uma noite de transa, ou meses de relacionamento; mas para quantos e quantas deram a mão.... são poucas, poucos, raros. 
O dar as mãos tem uma liturgia que deveria valer mais do que troca de alianças. Relembrando alguns relacionamentos... dei as mãos para poucas mulheres. São raras as que podem dizer: “caminhei de mãos dadas com ele.” E hoje, cem anos depois acho isso bonito. Se somente o beijo é a verdadeira posse, como dizia Nélson. Somente as mãos dadas cria o vinculo, a coragem do comprometimento. Todas as mulheres para quem dei as mãos e elas me deram as mãos tivemos um laço, um vínculo, uma cumplicidade, até mesmo aquela que quis preservar e se chateou comigo como se eu a escondesse. 

Quando amigas, amigos, conhecidos, desconhecidos, inimigos vierem me contar as suas histórias de amor, minha pergunta será, não quantas vezes se casou, mas com quem caminhou de mãos dadas? São esses os relacionamentos mais significativos, ilustrativos. Eles dão testemunho de uma coragem, de um assumir silencioso, mas mutuo. As mãos dadas encerram um pacto, uma relação que nem o esquecimento quebra.

As mãos dadas unem os corações, as relações, os sentimentos. As mãos dadas enlaçam os beijos, aprofundam as transas; intensificam os abraços. De mãos dadas, dois é mais do que as individualidades de cada um. As mãos dadas tocam a alma do relacionamento.




sábado, 20 de dezembro de 2014

RESILIÊNCIA ESPIRITUAL: o absurdo nos direciona para o Infinito.

O 1º resilência foi dedicado, silenciosamente, a Maísa, uma médica que tive a oportunidade de conhecer por uma amiga comum; ambas desenvolveram um trabalho dos mais interessantes em Betim; cidade da região metropolitana de BH. Esse, por suas vez, é dedicado a Maristela, que com a sofreguidão de uma pergunta descortinou uma nova perspectiva, a impossibilidade de não amar.

O não amar, como impossibilidade, não deixa de ser uma concepção diferente, forte, impactante, uma forma de estarmos no mundo, de algumas pessoas situarem a existência tendo o amor como um imperativo. E essa perspectiva, me faz lembrar o ciúme de alguns anjos em relação aos humanos. Como sabem dos contos angélicos- para eles o amor é um imperativo e obedecer é uma lei. Já para nós, humanos, o amor é um ato de liberdade, na verdade, parece surgir apenas quando conseguimos nos livrar de nossos condicionamentos e imperativos. Aqui estamos diante do primeiro paradoxo, da primeira contradição, mas ela ainda não é um absurdo como o veremos mais tarde, mais adiante.

Mas, parece que é desse paradoxo inicial que se cria toda a teologia e teogonia do absurdo. A saber, o Criador resolveu criar um ser na Terra. A Terra era um terreno baldio do universo, um lugar para livre experimentação e os Criadores resolveram criar um ser acima dos animais, mas abaixo dos anjos. Todos concordaram e até acharam bonito, mas alguns criadores tomaram amor demais a essas criaturas e desejaram fazer delas filhas diletas. Aqui aconteceu uma fissura, que aumentou quando os Criadores deram o comando de que os anjos deviam obediência e satisfações a eles. Isso foi demais. Na primeira oportunidade um se fez de serpente e mostrou que esses humanos não são dignos de confiança. Fizeram mais, deixaram claro, que nunca obedeceriam e amariam outro ser que não o próprio Criador.

Este seria o motivo da inveja, raiva e ciúme dos anjos caídos, afinal como poderiam servir, amar outro alguém se não a Deus? E, mais, como poderiam obedecer a esse alguém como se este lhes fossem senhores ou superiores?

Na concepção de alguns deles, não se pode e nem se deve. Ousaram desobedecer ao soberano, mas nessa desobediência reside o mais puro amor. Nada mais contraditório e paradoxal. E foi nesse paradoxo que fomos instaurados e inseridos. Devemos comer ou não o fruto proibido? Para retornar ao paraíso é necessário parir na dor e obter o sustento mediante o tripalliun, trabalho? Pode-se escapar do sofrimento? As perguntas são muitas, assim como as angustias.

CAMINHANDO PARA O ABSURDO.

Mas, saindo das especulações, querida Maristela, longe de ensinar e pregar o não amor, como você em certa medida compreendeu, desejava que as pessoas, a minha inclusive, fossem capazes de amar no sentido humano, isto é, amar, enquanto uma escolha que se faz, uma decisão que se toma, uma direção na qual se caminha. Esse é o amor que estava querendo dizer.

E esse amor é diferente de um imperativo. É diferente de um comando no qual não se pode e nem se consegue não amar. Meus amigos anjos não podem não amar. O amor deles está acoplado ao ser. Eles são no amor e por amor e só se realizam amando. Nós humanos podemos não amar e por vezes passamos eternidades, existências não amando, apenas amando a nós mesmos, as nossas personas, sem jamais caminhar em direção ao outro, a entrega e a submissão de outro ser. Desencontramos do amor e nos encontramos nas mil faces das ilusões de Maya. Mas, esses tipos de amores são facultados aos humanos. Em nós, o amor é uma escolha, um ato de liberdade e não um determinismo.
Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão errar. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. Viktor Frankl

Todavia, mais paradoxal do que o amor dos anjos é o amor de alguns humanos. Para eles o amor é uma prévia da desilusão. Para eles o amar e o amor são a aceitação do sofrimento, porque não conseguem outro caminho de alívio senão o da culpa, acabam escolhendo a dor como condição para felicidade e se movendo em direção à comiseração para caminhar no que acreditam ser o reino dos céus. Essa é a forma mais desarmônica de amor e é a mais vista, a mais alardeada, a mais ensinada, inclusive espiritualmente. Ensina-se que quanto maior o seu sofrimento, seu padecimento, maior o amor. Pode até ser, mas isso não pode ser medido de fora. O amor de Cristo não está no carregar a cruz, ou na ostentação da coroa de espinhos, o amor desse ser estaria na escolha, na liberdade de experimentar no calvário o maior êxtase. Parece ser igual, mas é diferente. Em Jesus o gozo é próprio, nos seus seguidores deseja-se gozar com o gozo que ele teve, geralmente, isso é motivo de frustração, dor, angustia, morte e culpa. Há ressurreição em Jesus, porque o êxtase rejuvenesce, transforma, transmuta, redime, alivia, renasce. Há dor e ranger de dentes nos seus seguidores, porque querem gozar um gozo que não lhes pertencem, inclusive por que o gozo de Jesus vem do mesmo lugar que o de Buda, o de Krishna, afinal, por que nós envelhecemos, morremos, adoecemos? É como se voltássemos a pré-história e encontrássemos seres que morressem por falta de vitamina C, e aí tirássemos todas as nossas laranjas do bolso, todas as nossas pílulas e as déssemos. Não morremos ou fomos mortos para abraçarmos o escorbuto e muito menos espera-se que a mensagem compreendida seja a de que os futuros seguidores ao invés de conseguir laranjas, limas, limões, energil c, contraia escorbuto para mostrar o seu amor a Cristo. Isto é de uma insensatez tão desmesurada quanto o temor ao diabo. Jesus encontrou a vida, voltou a pré-história e mostrou que egoísmo, orgulho, vaidade, falta de vitamina C espiritual poderiam ser curadas com amor, doação e verdade, muito longe de promover a imitação de Cristo. Enfim é diferente, mas esse debate é para mim superado a no mínimo três séculos.



O PARADOXO CAMINHANDO PARA O ABSURDO

O mais contraditório de tudo isso é que muitas vezes alcança-se a liberdade amorosa nas trilhas do amor enquanto imperativo. Lá trás, quando estivemos diante da escolha da maça. Mais atrás quando alguns anjos decaídos escolhem não servir a outro Criador e mostrar a ele que seus preferidinhos são falhos e não são dignos de confiança; ninguém esperava que pelo caminho do imperativo se pudesse deparar com a liberdade amorosa. Foi uma surpresa para todos.

Com isso quero situar que a resiliência tem sido o esmeril consciencial mais utilizado em nosso planeta. Acreditamos, piamente, que crescemos, evoluímos quando sofremos, doemos, nos angustiamos e nos amarguramos. Vou tentar exemplificar esses padrões de crime, culpa e castigo com duas chagas que assolam e envergonham nossa história: a diáspora negra e a judaica.

O ABSURDO

Enquanto, pensava uma forma de refletir com Maristela e cada um de nós, vi o filme “12 anos de escravidão”. No filme, uma cena me trouxe a resiliência, no formato, que eu pensei e para além do que tinha imaginado. Refiro-me a escravidão. Resistir à escravidão, aos campos de concentração precisa de muita resiliência, na verdade, é a própria resiliência. No filme a podemos ver por dois enfoques. A primeira, por nosso personagem principal. A segunda, por uma personagem que é a melhor coletora de algodão do seu senhor. Esta mulher é amada e odiada pelo seu senhor, o que causa na esposa deste, um imenso desconforto, ciúme, ira, inveja lhe instigando os mais diversos desfortúnio e castigos. Num momento de extrema tristeza, porque a tristeza era diária e constante, mas num desses de extrema tristeza, ela pede ao seu amigo que a mate. Ela iria até o ‘pântano’, viraria de cabeça para baixo, ele deveria apenas segurar a cabeça dela sem lhe dar condições de fuga. Perplexo com o pedido, seu amigo nega, mas ela explica já ter feito de tudo para viver, se degradou de todas as formas para viver, ou melhor, sobreviver, mas estava cansada, pedia para morrer. Pedia ajuda para ser morta, na concepção dela, ninguém poderia sofrer assim.

Àporo (Drummond)
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape

Que fazer, exausto,
Em país bloqueado,
Enlace de noite
Raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)

Presto se desata: 
em verde, sozinha

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se

Desse dia em diante a cada tomada do filme, a sorte dela era ainda mais deprimente e degradante, mas ela não morria, não a matavam. “Mas, você não morre, José!!”

Caminhando para o final,

O que quero dizer com tudo isso é que como diz Carlinhos Brown, enquanto os negros eram chicoteados, escorraçados nas lavouras, eles adoçavam a vida dos seus proprietários com a cana-de-açúcar, sutilizavam a vida deles com o algodão. Esse paradoxo não pode deixar de ser observado e salientando. Diante da completa desumanização, na verdade, da coisificação de outro ser, muitos negros encontravam a sua humanidade, a sua condição humana.

Abrindo as portas para a perspectiva espiritual, muitos negros alcançaram sua ascensão após os anos de escravidão. Essa transmutação energética, alquímica em todos os níveis e aspectos, realizada pelos negros no campo físico e no espiritual nos facultou a Umbanda. Muitos dos pretos-velhos, das mães-congas passaram pela chibata, pelo chicote e deram aos seus o amor e o perdão. Ensinaram o amor enquanto escolha e única possibilidade de liberdade. Encontraram no ABSURDO da resiliência um motivo ulterior para viver mais um dia, amar mais um dia e encontraram nessa persistência, nesse amor, a libertação do cativeiro. Um cativeiro muito maior do que a do corpo, a da senzala, a da mente, um cativeiro do espírito, da alma, que eles conseguiram se desvencilhar, se libertar. Friso, novamente, o paradoxo, o absurdo, já que tal libertação sai do mais vivo, do mais nítido descaso e desumanização da história da humanidade. Mas, a lição que eles nos legam seja de resistência, de persistência é a de que há um para além da dor e do sofrer.

Nós que vivemos nos campos de concentração podemos lembrar de homens que andavam pelos alojamentos confortando a outros, dando o seu último pedaço de pão. Eles devem ter sido poucos em número, mas ofereceram prova suficiente que tudo pode ser tirado do homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas - escolher sua atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho.

Há algo mais estranho do que encontrar no perdão e no amor ao inimigo uma forma plena de vigor e liberdade? Mas, será que é no castigo, na dor, no sofrimento que se encontra esse vigor, esse amor e essa liberdade?

Antes, de buscarmos respostas temos que falar do Holocausto judeu. Alguns sobreviventes nos proporcionaram também profundas reflexões sobre a vida. Quero falar de dois que conheço tão pouco, mas gosto demais, Levinas e Viktor Frankl. Esses dois homens, judeus, perseguidos, tiveram as vidas destruídas pela intolerância, pelo desamor gratuito. Tiveram todos os motivos para serem revanchistas, para pregarem e apregoarem a desilusão, a descrença, a desesperança, mas nos deixaram uma filosofia e uma ética cuja amorosidade, cujo respeito são celestiais. Não vi, não li ainda algo tão belo quanto a filosofia da alteridade de Levinas e a prática terapêutica de Frankl e isso parte de dois seres ‘arruinados’, ‘destruídos’, novamente, nos perguntamos, como? E a resposta é difícil de ser dada.  

Nessa dificuldade me recordo o comentário de um monge tibetano torturado por militares chineses. Perguntado qual foi o momento mais difícil, ele responde: “foi quando eu quase odiei meu torturador!”


No entanto, parece que é na dor, no sofrimento que desperta o melhor de nós. No áporo, na falta de lugar, na falta de perspectiva e saída, na falta de caminho é que o ser da o salto para dentro/fora de si mesmo. De modo que, eu prefiro acreditar, que esse melhor já está em nós, o que fazemos é escolher, é optar, é decidir pelo caminho do amor. E, quando assim o fazemos, as outras coisas tornam menores, os outros obstáculos se fazem menores, o amor consegue superar e transpor aquilo que limita, cerceia. É diante do Absurdo, desse paradoxo inominável do existir e da existência que nos fazemos humanos. Possuidores de um amor que ama não por dever, mas por escolha.

Mesmo em nossos dias, em nosso século, esses amores ainda são raros, mas serão constantes e comuns. Esses amores são tidos como egóicos, mas serão conhecidos e reconhecidos com outro nome e sentido.

E se tu amas nessa direção bendito seja o caminho dos teus pés, bendito são aqueles que podem desfrutar junto a ti dessa incondicionalidade do ato de ser.


Finalizando, sim, até hoje, o melhor de nós, foi tirado mediante muita dor e ranger de dentes, mas já é hora do melhor de nós poder ser mostrado por uma escolha simples, por um ato de liberdade e esse ser livre não ser carregado de tanta mácula, dor, sofrimento. É hora de aceitarmos o amor como merecimento, como dádiva, como re-conhecimento. É hora de caminharmos rumo a um novo Infinito. 

sábado, 13 de dezembro de 2014

RESILIÊNCIA: quando desistir é melhor que persistir?

Na infância tínhamos uma brincadeira, que mostrava coragem e resistência. A brincadeira consistia em acender um palito de fósforo e segurá-lo o máximo possível. Ganhava, invariavelmente, quem se deixasse queimar, nem que fosse a pontinha dos dedos. Resiliência não é muito diferente, em verdade, ela é até importante. Tem momentos que a vida nos desafia e necessitamos seguir, prosseguir, mesmo quando nos dizem o contrário e tudo parece indicar que não teremos chance. Mas, há momentos em que essa mesma vida parece estar querendo sinalizar para um desvio, uma mudança de rota, um outro caminho e alternativa e alguns permanecem resistindo, lutando, se esforçando, mostrando ao mundo a sua coragem e ousadia, mas a questão é: quando é hora de desistir? Quando é o momento de largar?

Isso me faz lembrar um caso no qual um alpinista ao escalar uma montanha foi surpreendido por uma avalanche. Sem alimento, sem comunicação, sozinho, encontrava-se pendurado por um pedaço de corda que ele segurava a própria vida. No escuro, no frio, ele começa a rezar pedindo ajuda, auxilio, orientação e uma voz diz para ele: “solta!!! Larga e tudo ficará bem!!” Sem referência espacial da altura em que se encontrava, achava aquela intuição um desrespeito a sua inteligência, a sua razão e a sua vida, permaneceu agarrado às cordas esperando o resgate chegar. Quando o resgate chega, ele já está congelado, morto, mas o que os socorristas não entendem é porquê estando a pouco centímetros, ele não largou a corda. Nunca sabemos, saberemos. No mesmo sentido, mas direção oposta, temos o caso do moço, que ficou a vida toda cavando procurando seu bem precioso, anos a fio cavando com todos dizendo da sua insanidade, até que depois de mais 999 cavadas, ele resolve desistir. Vira-se, larga tudo e vai embora, outro escavador passa pelo caminho que ele deixou, com a pá e enxada que ele usava e dá apenas uma enxada e encontra o tesouro. Ele desistiu quando ia receber a recompensa, encontrar o tesouro.

Mas, quando saber quando é um ou outro momento? Trazendo mais para o cotidiano: quando saber se é hora ou precipitação a separação? Quando e como saber se é hora ou precipitação  a internação do dependente químico? Quando saber se é hora ou precipitação a mudança de profissão, ou de um curso acadêmico? Esse time é difícil de ter e poucos o possuem. A bem da verdade, esse time se dá num ajuste muito fino e harmônico entre a pessoa e a vida. Um time em que a pessoa se coloca na hora certa, no local certo pronto e apto para falar as coisas certas: “Quem quer ser um milionário” O filme aborda isso, nesse sentido.

Não obstante, algumas pessoas vão pedir ajuda quando a água chegar ao joelho, outras quando chegar no peito, mas nós vamos falar hoje daquelas que mesmo com a água no nariz permanecem e continuam. Elas são, provavelmente, aqueles que sempre ganhavam a brincadeira do pálito de fósforo. Elas são aquelas que não largam, não desistem, não soltam, em outra visada, mas no mesmo sentido, não param de roer o osso. Mas, antes de prosseguirmos um adendo:


Resiliência é um conceito da física que vem sendo apropriado nos mais diversos segmentos e lugares. Na física diz respeito à condição dos materiais suportarem o máximo de tensão sem deformar, ou mais precisamente, sem quebrar. Ou seja, um bom material seria aquele que suporta um alto nível de pressão, mas não perde as suas características. Como exemplo temos o aço. É um material altamente resistente, mas com grande resiliência, isso o torna melhor do que outros materiais que poderiam ser mais baratos, mais econômicos, mais fortes, mas suportam menos a pressão; tem menor resiliência. 


A resiliência ‘perfeita’ seria similar a do elástico. Algo que estica quase ou além do dobro do seu tamanho e volta ao seu estado natural. A mola ideal segue a mesma perspectiva.  

Valendo-se desse conceito, outros ramos do saber, como a medicina, a psicologia, a educação física tem feito uso do conceito para basicamente, falarem da capacidade de sentirmos stress, tensão as adversidades e não nos ‘quebrarmos’. No esporte postula-se hoje, que os grandes atletas são os que têm maior resiliência referente à dor. Ou  seja, além de a suportarem melhor, contundem-se menos. Por um lado isso é bom, pensando no menino que ganha as brincadeiras de palito de fósforo. É bom, porque ele vai vencer as competições, será o número um, será atleta de ponta. É ruim, porque findo a vida esportiva, o corpo dele que deveria ter alcançado o máximo da carga física, em verdade, ultrapassou um limite, em que ele se encontra aquebrantado aos trinta e poucos anos. Hoje se sabe que atleta de ponta, esporte profissional e de alto rendimento, nada tem a ver com saúde, muitíssimo pelo contrário, ninguém é tão descaracterizado de saúde quanto grande parte desses esportistas. 

A frase de Oscar Schimidt ilustra bem o que situo: “ a dor faz parte do uniforme do atleta.” Não há atleta que jogue sem dor e aqui estamos falando de resiliência no sentido mais claro do termo. De modo que, o atleta não é saudável, pelo contrário, eles são os caras que superam as dores, as adversidades para estarem onde estão. Certo? Errado? Um exagero? A medicina esportiva começa a estudar as doenças degenerativas oriundas dos esportes de alto rendimento e são, invariavelmente, relativas a excessos e ultrapassagem dos limites físicos, neurológicos, por vezes, motores.

A psicologia tem utilizado o conceito também, especialmente, para falar de pessoas que vivenciaram traumas, abusos. Como é que algumas pessoas suportam vivenciar tudo o que viveram e conseguem organizar-se internamente e outras se perdem, se desarranjam, completamente? Como é que uma pessoa mesmo tendo sido cinzeiro da mãe, mulher do padrasto, dos enteados, consegue superar tudo isso e outra que quebra a unha surta? A psicologia tem discutido essas questões.


(Creio que haja a opção de se largar a vela). No entanto, falo de resiliência, porque é um conceito que pretendo apropriar para usá-lo no campo energético- espiritual. Mais precisamente, pretendo tocar esse assunto a partir de duas questões:
1º- a pergunta de uma moça, a partir do último post:


“e quando é o inverso? Isto é, a gente não consegue terminar um relacionamento, mesmo sabendo ser ruim, não conseguimos romper? Haveria parceiros invisíveis também?”

2º - observando no consultório pessoas que ultrapassaram e muito o limite delas, mas continuam, persistem, insistem em não pedir ajuda, energeticamente falando. Quando elas me chegam estão num nível que teria arrebentado qualquer outra pessoa. Por que elas resistiram tanto? Isso é sinal de que? Prova-se o que com isso? Se ganha o que com isso?

No mundo do esporte a escolha é visível: troco minha saúde pela alta performance, pelo alto rendimento. Em outros parâmetros, alcanço o nível de excelência que são para poucos, gozo de fama, reconhecimento, prestigio, enfim consegue-se o que se denominou sucesso. Mas e no caso da moça que suporta a surra diária, semanal do marido, ela ganha o que? Ou, no caso da pessoa, que está na profissão que detesta, odeia, ela ganha o que? Ou tem medo de perder o que? Enfim... porque ela resiste?
Longe de oferecermos respostas, estamos mais proporcionando reflexões.

Refletindo acerca da pergunta da anônima(o), penso em uma resposta dada por Chico Xavier ao falar de almas gêmeas, ele disse que na maioria, quase totalidade dos casos, são mais almagemadas. E, sendo coerente com o que escrevi anteriormente sobre os parceiros invisíveis, tenho que aceitar a possibilidade de se ter um vinculo de dor, sofrimento, angustia nutrido, enlaçado por esses parceiros, mas nesses casos, sugiro a troca de parceiros em todos os níveis. A idéia do sofrimento como e enquanto recompensa se foi válido tempos atrás não deve ser mais hoje. A idéia de que se deve ser infeliz por toda uma vida para se alcançar algum tipo de recompensa no pós vida é trágico.

E é aqui que caminhos em direção a segunda reflexão, que insinua uma espiritualidade mal resolvida e mal interpretada. De modo geral, essas pessoas trocam a felicidade na Terra pela a do céu. No fundo, acreditam que a recompensa delas se dará em outra vida, em outro mundo, mas esse preço, não é demasiadamente alto? Não é demasiadamente ousado, tamanho sacrifício, doação? Muitas a fazem em nome dos filhos, outros de um amor, mas... se forem até o final e ter válido a pena, perfeito. Mas, a questão é que em determinado momento, elas/eles desistem e a pergunta final é: por que tão tarde? Por que não antes? Por que suportaram tanto? Por que não desistiram antes?  

A resiliência no campo espiritual, energético diz respeito a essas pessoas que continuam quando a maioria já teria parado, desistido, deixado de lado. Por que elas abraçam o sofrimento e a dor com tanta devoção e carinho? Seriam elas modelos de amor e perdão? Teriam elas o compromisso de mostrar que o sacrifício vale a pena? A lição de vida que eles nos deixam é seguida positivamente por alguém? Ser santo, mártir é um ideal a ser alcançado e perseguido?

Particularmente, acredito que não. Particularmente, acho cada vez mais que dor-sofrimento é uma escolha desnecessária. É hora de escolhermos amor-alegria e se nessa escolha por vezes chorarmos, doermos, faz parte, mas não porque esperamos virgens no paraíso, mas sim, porque encontramos no aqui, no agora, o sentido de vivermos. Um sentido profundo, digno, no qual nosso amor, nosso viver resiste, supera, transcende toda a dor. Essa é uma resiliência que os estoicos poderiam chamar de fibra, de brio, mas é muito diferente do medo da culpa, da vergonha e do castigo.

A resiliência espiritual-energética é a capacidade de fazer da vida uma oração amorosa na qual nada nos tira do caminho que escolhemos de mãos dadas com a vida, ainda que nela haja dor e ranger de dentes. 





segunda-feira, 17 de novembro de 2014

PARCEIROS INVISÍVEIS: cuidando do que não vemos

É praticamente o sétimo atendimento do bimestre em que o/a partilhante chega, querendo entender porquê terminaram. Falam que se gostam, que se amam, mas tem alguma coisa que não os deixa ficarem juntos. Escuto as histórias.

Faço a leitura energética, isto é, organizo as informações que percebi da pessoa, da situação,  no campo físico, emocional, energético e tendo observar qual a implicação da dimensão espiritual no meio disso tudo. Na conversa com o/a partilhante, tento fazer o impossível: explicar para um apaixonado que a sua vontade, no momento, não tem força de alteração da realidade. Aqui é preciso uma parada.

Cada vez mais tenho achado que sobrevalorizamos a vontade e o querer. No campo afetivo isso então é demasiado, mas qual o problema? O problema é que isso aumenta consideravelmente o nosso sofrimento. De certa forma, vontade e controle parece formar um par conturbado e tumultuado. Como se estivéssemos dizendo: “eu quero, então eu consigo!” Mas, isso esbarra na vontade do outro, no querer do outro. E esse controle não temos. De modo que, você pode querer muito uma pessoa, mas se ela não te quiser..! Você pode querer muito que a pessoa pare com o vício, mas isso não está no campo volitivo apenas, tem mais coisas; especialmente, a vontade dos outros. Assim, falar desse momento no qual a nossa vontade não é mais determinante para uma ação é uma tarefa que requer carinho, atenção, mas que não pode dar margens para falsas esperanças, contos vazios, histórias sem sentido. É nesse campo, que entra o espiritual e a influência do espiritual. De forma geral, é o espiritual que modula e regula os outros níveis, é ele também que clareia e dá sentido aos outros campos.

I

Parceiros invisíveis é o título de um livro de um padre, que ao fazer centenas de atendimentos de casais, aborda os relacionamentos homem-mulher, numa perspectiva junguiana. Nessa perspectiva, ele chama a anima e animus de cada um de nós de parceiros invisíveis.

Para quem não sabe, anima é como Jung denominou a parte feminina de cada homem e animus a parte masculina de cada mulher. Todos nós possuiríamos assim essa outra parte, esse outro lado, que se manifestaria, ou melhor, que perceberíamos manifestado em nossos parceiros. Ou seja, nossas parcerias, representariam a projeção mais fidedigna desses nossos parceiros invisíveis, e desconhecido da maioria de nós. Dá para entender?

A pessoa com a qual nos relacionamos refletiria, simbolizaria, a nossa parceira invisível. Essa parceira(o) que não vemos em nós, que temos dificuldade em acessar internamente, de dialogar e ouvir dentro de nós é melhor observada naqueles que escolhemos, como parceiros. Pois bem, o inusitado na trama é que ao abordar sobre anima e animus e explorar também o lado sombra das relações, o autor descortina o lado invisível, mas agora na perspectiva espiritual, pelo menos é assim que fazemos a leitura. Vamos por partes para irmos compreendendo e integrando as informações.

II


É cada vez mais ponto pacífico entre nós de que o invisível energético, psíquico existe. Sim, quando nos relacionamos, achamos que diante de nós está apenas um outro, um ser único, mas sabemos que esse outro trás para relação tudo o que ele é, que ela foi, que ele será, que ela está sendo. Na relação levamos nossos pais, nossos irmãos, nossa cultura, nossa vizinhança, nosso universo conosco. Quando nos despimos e deitamos na cama, freudianamente, ainda estamos deitados com nossos pais. Para alguns, nossos pais só ficam de fora das relações a partir do 2º casamento, no primeiro, é quase uma repetição edipiana.

Energeticamente, lidamos com maiores ou menores problemas com os parceiros invisíveis, sabemos que eles estão lá, ou em nós. Sabemos que nossos hábitos, costumes fomentados em núcleo familiar, numa dinâmica familiar se encontra em nós. Sabemos e por vezes reconhecemos na fala de uma parceira visível a fala do seu pai, ou o comportamento da sua avô, ou até mesmo a marca de outra relação, mas e espiritualmente? Haveria a possibilidade de termos parceiros invisíveis que conspirariam favoravelmente, ou contrariamente, algumas relações? Haveria a possibilidade de termos parceiros invisíveis que não dão certo com o do outro e possam atrapalhar a relação?

De fato, parece existir esses tipos de parcerias. Diga-se mais, as grandes parcerias são as que se dão em todos esses níveis. Elas se dão sem obstrução, como se todos os portais estivessem abertos, ou mais precisamente, os caminhos. Uma boa relação parece ser aquela na qual não apenas os parceiros se dão bem, como que os parceiros invisíveis, sejam psíquicos, sejam energéticos, sejam espirituais também dão certo. Quanto mais harmonioso essa relação, melhor.

III

Tentando responder a pergunta acima, o que tem me chamado a atenção em todos os atendimentos citados é que havia um componente espiritual que obstruía, dificultava, impedia, inviabilizava o retorno. Na quase totalidade desses atendimentos, essa energia estava relacionada a quem denominamos de EXUS. É difícil defini-los, já que eles estão associados a todos desocupados, vigaristas, do plano astral. O vigarista que morreu é chamado de exu, a bandida que desencarnou é chamada de exu, o traficante morto se intitula exu. O que precisa ficar claro é que Exus não são os vadios e desocupados da espiritualidade como muitos querem e por vezes se autodenominam. Ou seja, não estamos chamando de exus, desencarnados que estão dispostos a tudo e a qualquer coisa por um copo de cachaça e farofa na encruzilhada. Exus são guardiões, vigias, no sentido mais preciso e exato do termo. E, para ilustrar esse termo, os símbolos são importantes. Um dos símbolos astrais dos Exus é o cão.

São cães que se educados, adestrados servem ao seu dono, a sua casa, a sua família, aos seus, com lisura e lealdade. Exu não perde a lealdade, não retira a lealdade, mas essa construção é árdua. Um contrato de lealdade com Exu só é conquistado depois de muitas provas conjuntas, aí ele se faz leal. É comum eles se virarem contra a gente, quando não se acham suficientemente cuidados, respaldados. Nesse aspecto visualizá-los como um cão e entendê-los como um cão é uma boa forma. Se esse lado da guarda tem esse componente instintivo muito forte. Outra representação muito forte que atribuo a eles é a de gênio da lâmpada.


Quem satisfaz nossos desejos, atende as nossas vontades, nos coloca em direção e contato com aquilo que desejamos são eles. Por isso é essencial tomar cuidado com o que pedimos, porque eles não gozam dos mesmos compromissos morais que nós. Retomando o aspecto lealdade, eles atendem as vontades e desejos dos seus donos.

Nos atendimentos, as rupturas, os términos eram e estavam associados aos Exus. Não estou falando que foi feito trabalho para afastar, separar uma pessoa da outra, estou falando que um namorado, esposa, quebrou o contrato com a parceira, ou vive-versa e isso acarretou rupturas no plano espiritual.

O que pude compreender é que um relacionamento para acontecer envolve muitos parceiros e muitas parcerias. Alguns envolvem empenho de palavra, a lealdade que falamos acima. Exu funciona como avalista em muitos relacionamentos e por vezes pisamos na bola. Quando isso ocorre, eles cortam o elo que unia os parceiros e as parcerias. Nas que vi isso acontecendo não havia nada que pudesse ser feito, ser realizado. A vontade, o desejo não eram mais imperativos, não tinham força de realização.

Sabe fera ferida? É igual. Os Exus dialogam o mais profundamente, com essa parte nossa machucada, ferida, que por mais que na superfície acreditamos estar bem, na essência, na interioridade, tenhamos consciência ou não disso, está ferida. E, não adianta falar em perdão, essa ferida precisa ser tratada, mas Exu nesse aspecto é bicho, animal, fera.

III

Retomando, a pergunta inicial: se nos gostamos, por que nosso relacionamento acabou?

Porque, não depende simplesmente do seu gostar e da sua vontade. Há escolhas que fazemos que afetam a confiança dos parceiros invisíveis. Por mais que dizemos concordar, por mais que dizemos aceitar, há forças em nós, há aspectos em nós que jamais perdoarão esse ato. Muitas vezes nem temos consciência disso, outras vezes só sabemos devido a dor que a lembrança nos causa. De toda forma, o que fica claro é que essa ferida aberta precisa de cura e é bobagem acreditar que o fato de tratar da ferida provocada reata a relação. Muitas vezes não. Muitas vezes a única possibilidade de reatarmos a relação é seguirmos em frente, é darmos tempo ao tempo, é aceitarmos que a nossa vontade precisa perder o orgulho. O orgulho entender que não tem controle. O controle compreender que nem sobre nós damos conta da vida, que é fundamental respeitarmos e sermos leais a nós mesmos e aos nossos parceiros, sejam visíveis ou invisíveis.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O MERCADO DE NOTÍCIAS: King Kong ainda não despencou.





Mercado de notícias é um documentário, como puderam ver no trailer, muito feliz, brilhante, sensacional, que produz uma interxtualidade entre uma peça teatral da Inglaterra do século XVI, com o Brasil atual.
O ponto de intercessão é a IMPRENSA. Seja enquanto descoberta no passado saxão, seja como mídia expressa na atualidade brasileira. O autor mediante diálogos, cortes, falas do dramaturgo, encenações dos artistas, intercala com frases, percepções, entendimentos de jornalistas de ponta e de monta dos grandes veículos do país. De modo que o autor direciona e dirige a nossa percepção para compreendermos a noticia, como uma mercadoria e os jornais como empresas que vendem informações.

Parece algo obvio. Parece algo claro. Mas, são poucos os que tem esse entendimento claro. Na verdade, quem a não ser os próprios estudantes de comunicação possuem esse olhar? Esse olhar que é capaz de vender tudo. Esse olhar capaz de transformar tudo em produto, ou mais precisamente, saber que ‘vender um sabonete e um presidente é a mesma coisa’. 




O grande público não sabe disso, pelo contrário, espera Veja nos finais de semana com ansiedade para saber dos ‘novos escândalos’. Acreditam que a escrita do jornalista é desinteressada, despojada e sem engajamento. Acreditam mesmo que são neutros e que reproduzem a mais pura e imaculada verdade factual. Não sabem eles e nem nós, que por trás dessa neutralidade jornalistica opera-se as maiores aberrações éticas, morais, profissionais, que desonram o exercício e a profissão de jornalista, ainda que, renda lucros e dividendos àqueles que se prestam esse papel.

Assim, o filme parece se destinar ao grande público, mas talvez este nunca tenha acesso a ele. A maioria nunca verá ou ouvirá falar do filme e menos ainda do autor Ben Jonson e sua obra grandiosa, que ficou ofuscada por ser contemporânea de ninguém menos do que Shakespeare. Volto a repetir, filme e peça são geniais. E precisam ser vistos. O impacto em mim foi tão profundo que quando sai da sessão tive duas certezas: uma- queria ser jornalista; duas- esse filme tinha que ser exibido em todas as escolas, faculdades, universidades. Exibido, discutido, debatido. Aos meus olhos, ele se faz matéria obrigatória da sociedade civil brasileira. Mas, o fato é que isso é apenas um desejo meu.

Um desejo que tem como intenção discutirmos política não na sua esfera, meramente, partidária, mas política no seu sentido de normatização da polis, de discussão da sociedade civil sobre o que ela deseja. Discussão que passa longe de se buscar impeachment de presidente re-eleita e menos ainda convocar e clamar por intervenção militar. É discussão madura, equilibrada de quem consegue saber que no jogo democrático nossos desejos podem ser tragados pelo da maioria. Isso não nos cala, não nos invalida, mas não legitima o golpe. Não legitima a mudança de regra no meio do jogo.


Mas, falo disso porque o autor consegue mostrar a imprensa como um balcão. Ele nos mostra as notícias como sendo mercadorias, informações vendidas, negociadas, censuradas, destiladas em folhetins semanais, em dose homeopáticas. Algo como Veja fez com o vazamento da delação premiada do doleiro Youssef. Relacionando filme e fatos jornalísticos da cobertura das eleições (Vide o Manchometro) vai ficando claro de onde veio esse veneno que está nas mídias sociais, nos butecos, nos carros. Como que a imprensa produziu factóides raivosos, odiosos, preconceituosos contra o partido dos trabalhadores, justamente, e somente por eles terem essa origem, trabalhadora. Nada, absolutamente, nada a ver com a corrupção. Por que não há na atualidade nada mais corrupto, cretino, hipócrita, do que a grande imprensa brasileira. Nada, absolutamente, nada. Precisamos do Wikileaks da imprensa. São mais nojentos do que nossos políticos.




Caminhando para o final, relembro e recordo a minha jornalista favorita- Juliana Duarte- que me disse em outro contexto, outra situação, mas utilizo aqui por ser exemplar e salutar, um fato que poucos perceberam: “logo após a posse de Lula, a Globo passou King Kong.”

É sutil. Mas, não é inocente. Não é por acaso. A escolha do filme ilustra, satiriza, escandaliza, tenta predizer o fim desse selvagem no meio da civilização. Tenta deixar claro que por mais que ele seduza as boas moças, que galgue novas posições, o fim dele é despencar do arranha-céu. O destino dele é voltar ao seu lugar e lá permanecer. "Esse negro, nordestino, semi-analfabeto, baderneiro, grevista, queixo-duro, de origem pobre, trabalhador braçal, não tem o direto de sair da senzala". Pensam e dizem muitos. Não tem o direito de andar pela Paulista, pela Rebouças. Não tem direito de falar do país na ONU em português. Esse King Kong ofende a brasilidade da 'casa grande' que sempre se viu européia.



E, fazendo uma análise de dados, de lucros, de propaganda governamental nessas mídias e também nas grandes empresas, nada justifica essa ira a não ser o discurso de que- não aceitam os não nascidos, não aceitam que a o Brasil da senzala se misture, ou melhor, ocupe os espaços reservados do Brazil/Brèsil da casa grande. Por esse viés, nada resta a não ser o preconceito, o ódio, a raiva por um King Kong ter saído do nordeste, das fábricas, das guerrilhas armadas, do machismo patriarcalista e chegar ao poder. Poder que eles são donos (Faoro) desde sempre, desde muito. Mas, não para sempre. É bom que aprendam a dividir, a lutar e a perder sem chamar o papai, a polícia, o exercito. É hora de aprenderem a perder sem alterar a regra do jogo para que continuem ganhando. Isso é sinal de maturidade. No final parece que King Kong civiliza a barbárie simbólica dos garotos mimados.  

Nessa contenda, ou pseudo contenda, foram gastos 73 bilhões de reais em campanha eleitoral. Valor suficiente para fazer três copas do mundo, pagar três anos de bolsa família. Sites que fiscalizam investimentos de campanha e não doação como se diz alegam que para cada 1 real investido ganha-se 8. Parece que os ataques dos mercadores da notícia ao King Kong são apenas cortinas de fumaça para que não vejamos a política como um grande balcão de negócios, despencando com o valor da bolsa, ou elevando com o capital especulativo.