segunda-feira, 7 de julho de 2014

QUATRO ESTAÇÕES- 2° MOVIMENTO: a auto sabotagem


2º MOVIMENTO:

Como estamos falando de Primavera, sou remetido a falar de Demeter, deusa da agricultura e especialmente da sua filha com Zeus, Perséfone, a esposa de Hades, deus do mundo subterrâneo. A partir deles pretendo falar do restante das estações e dos processos que se desenrolam no subterrâneo da nossa psique: medo, auto sabotagem, entrega.

Demeter é linda como um dia ensolarado. Perséfone é fruto do amor e da conexão de Demeter com o universo. Homens compreendem pouco dessa profundeza, dessa interação tão intima, rítmica entre mãe e filha. E devido a essa incompreensão, Hades “rapta” Perséfone para viver com ele nos mundos subterrâneos. O que eu escrevo agora são as biografias não autorizadas de cada um desses personagens. E conto, porque eu vivenciei todas essas histórias, acompanhei e negociei cada capítulo e momento de tensão.

Quando Hades “rapta” Perséfone, uma tristeza de morte invade Demeter. Uma tristeza, uma culpa que é anterior a Eva, é quase maldição de Pandora. É uma dor que antecede e gruda em todas as que nascem com a abertura do triunfo. E esse sentimento devastador, desolador, Demeter e nenhuma outra deusa conheciam. E aqui é a densidade da história.


Hades conhecia, mas ninguém acreditava nele. Os irmãos olímpicos nunca compreenderam muito aquela sua invisibilidade diante da vida, acompanhada de uma fúria irascível perante os acontecimentos. Mas, uma garotinha, por mais feiúra e monstruosidade esse tio pintasse, ou fosse pintado pelos outros, via uma beleza, que nem o próprio Hades enxergava. Esses olhares femininos!!!

Foi assim, que ao fazer 15 anos, Perséfone foi conduzida ao Hades. E aquele mundo no qual todos se assombravam, que quem entrava não saía, que era repleto de dores e ranger de dentes, ela colocou leveza, desculpe-me Afrodite, ela levou beleza. O Hades nunca foi o mesmo, nem enquanto espaço, nem enquanto tempo, nem enquanto ser. Uma única presença e alterou tudo, como se antes de ela nascer, ela já estivesse fadada a ser esse ponto de equilibro, de tensão entre dois mundos.

Nunca disse, mas amo Perséfone. Não apenas por carregar um Hades inteiro dentro de mim, mas por ela não correr das cicatrizes, machucados, feridas que trazemos de batalha. Por ela conseguir amar e olhar para além da armadura que colocamos e do elmo de invisibilidade que temos. Sim, se Perséfone é a Primavera e com isso traz o feminino. Hades é o inverno e por vezes o masculino. O outono e o verão serão as estações negociadas entre Hades e Demeter. São os pontos em nossa psique que podem ser negociados, compartilhados, quiçá entregues.  

É impossível não ser seduzido pela “inocência e candura” de Perséfone. Falamos das deusas para que cada mulher nas suas múltiplas faces se reconheça Perséfone, Demeter, Afrodite e outras tantas. De igual modo que compreendam seus filhos, maridos, namorados como Hades, Zeus e alguns outros. Percebam como representação. Demeter é o atributo da mãe, da geradora, da cuidadora, da criadora. Perséfone é o atributo da filha, aqui quero vê-la como a desviada, a menina doidinha que ninguém entende o que esta fazendo: se ela tem tudo, por qual motivo ela esta se envolvendo com esse povo barra pesada do Hades?

Porque ela tem o vazio existencial. Porque ela sabe e sente que tem mais coisas entre os campos de centeio e os mundos infernais do que está sendo mostrado, esta sendo dito pelos seus pais. Porque há uma parte de nossa alma que necessita se alimentar e por vezes se nutrir desse universo mais denso, pesado, trágico. Porque ela tem a curiosidade das buscadoras da verdade. A mãe dela quer ir fazer compra no shopping, quer que ela seja bailarina, quer que ela case com um bom partido, mas ela necessita de outra dosagem de adrenalina. Demeter espera que sua filha reine sobre a Terra, Zeus, seu pai espera que ela viva no Olimpo, nos céus; e é curioso como que a partir do céu e da Terra, ela esta destinada a imperar nos mundos subterrâneos, que é quase a justa medida entre o reino dos seus pais.  

Há uma Perséfone em cada mulher. Uma que necessita transgredir, ir além do mundo demarcado pelos pais, pela família, pela própria sexualidade dela. Perséfone é a puta no sentido mais sagrado do termo. É a que vai se fazer mulher desafiando os limites dos pais, rompendo e quebrando fronteiras, até que seja capaz de os reconciliar. O trágico disso é que nem todas conseguem a reconciliação, seja com elas, seja com os mundos que elas passam a dividir, ou se expulsam, exilam; de todo modo... O trágico é a auto sabotagem que nos infligimos. Quantas descem ao Hades e não mais retornam? Se perdem? Quantas esquecem o movimento das estações nelas mesmas e passam a se nutrir apenas se envenenando?  

Perséfone é aquela que se deixa raptar por Hades, porque ela também tem o seu inferno, sua dor, sua falta. Perséfone é a menina que precisa encontrar seu lado mulher e fará isso com um homem que vê nela muito mais do que doçura e travessuras.   


Se reconhece?

Falaremos do medo. 

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