sábado, 16 de agosto de 2014

SIMULTANEIDADE: o continuum do encontro.


A simultaneidade é para mim um dos temas mais intrigantes. Não apenas porque envolve o tempo, mas é porque integra o tempo a dois, ou mais eventos acontecendo ao mesmo tempo em lugares diferentes e por vezes, pessoas diferentes.

A gente dá pouca importância a isso, mas é algo mágico. Imagine todo o esforço, toda a sincronia para dois carros colidirem num determinado ponto? Ou de um grupo de pessoas específicas estarem em uma sala de cinema, ou num avião, ou num bar? Essas pessoas saíram de lugares diferentes, acordaram em tempos diferentes, fizeram movimentos diferentes e tudo convergiu para que se encontrassem, exatamente, naquele ponto, local, tempo. Isso é mágico. Qual sentido e significado vamos atribuir a esses acontecimentos é da peculiaridade de cada um.

Mas, o ponto que quero destacar mesmo é de duas pessoas vivendo o mesmo tempo subjetivo, poderíamos chamar isso de amor, paixão? Uma pausa. 




Estou lendo Peter Galison, um historiador da ciência americano, que fala dos “Relógios de Einstein e os Mapas de Poincaré”. Mas, o que me chamou atenção nas páginas iniciais foi a simultaneidade, ou mais precisamente, a forma com que ele interpreta a teoria da relatividade. Como que ele, naturalmente, nos fala da necessidade de dois relógios para se medir as variações do tempo, variações? Sim! Fugindo de uma concepção de tempo absoluto como concebia Newton, Einstein visualiza a existência de muitos tempos, de muitos relógios e apenas a velocidade da luz como constante. Para Newton, Deus é um relojoeiro, dos bons. Desses capazes de pela simples escuta saber os tempos de atraso e de adiantamento. Um relojoeiro capaz de provocar eventos, encontros e desencontros mediante a sua vontade. Einstein nos permite levantar a hipótese de que esses eventos sejam provocados internamente, pelos desejos e vontades de cada um. Uma hipótese que fazemos a partir da leitura da sua teoria. Até onde sei, ele não fala sobre isso.  

De modo que, quando observamos, sejam as simultaneidades, seja o que Jung denominou sincronicidades é difícil não retornamos a uma concepção de tempo absoluto. É difícil nos colocarmos como sendo agentes eficazes desses encontros e desencontros, afinal, nós apaixonamos ou somos apaixonados? Batemos o carro, ou somos batido por ele? Bebemos ou somos bebidos? Temos algum comando sobre as forças da existência, da vida, ou pelo contrário, somos seres passivos diante dela? É complicado, complexo, difícil, mas, igualmente, intrigante e excitante.

Numa concepção newtoniana somos agentes passivos do destino. É essa concepção que temos, quase que naturalmente. Somos ensinados que não temos poder de comandar eventos que acontecem em nossas vidas. É uma concepção que estou chamando de EXTERNA. Ela é ensinada na escola, nas igrejas, nas religiões, no trabalho, pelo Estado, pela família. Não temos controle nem autoridade sobre nós mesmos, a não ser, pela obediência a todas essas instituições mencionadas. 

Numa concepção relativista, podemos ousar nos vermos como sendo agentes ativos do destino, isto é, responsáveis diretos pelo que acontece em nossas vidas, inclusive do que atribuíamos como inevitáveis: morte, amor, paixão. Essa é uma concepção menos usual, mas já encontra-se vasta literatura sobre isso, utilizando o conceito de co-criação. Essa concepção estou chamando de INTERNA. O aspecto ingênuo dela postula um universo no qual tudo é fruto do pensamento positivo e da intencionalidade emocional, esses modeladores transformariam o universo ao bel prazer dos sujeitos conscientes desse mecanismo.

Como podemos inferir, as respostas não são finais. Há um grupo de físicos, que radicalizando a idéia inicial de Einstein de que o observador influencia a realidade, salientam que o papel do observador é ainda mais decisivo. Por observador, eles entendem a consciência. De modo que, sem uma consciência, o universo seria morto e inerte. Resta saber se essa consciência é única- o relojoeiro de Newton- ou se plural, coletiva. 

As implicações disso é que por mais que haja leis, regras e forças no universo, elas entram em operação a partir da forma com que nossa consciência a alinhava. Entre as concepções EXTERNAS- o universo age sobre nós- e a posição INTERNA- nós movemos o universo- deve haver um meio termo no qual as forças externas e internas se alinham determinando tempos e espaços. Uma boa fonte dessa observação é a astrologia, isto é, como que os posicionamentos mesmo sendo de ordem universal, cada sujeito a vivencia ao seu modo e do seu jeito.  

O que percebemos é que sobre ou sob esses tempos nós fazemos história, fazemos vida. Nós fomos ensinados a focarmos no tempo absoluto, mas há um tempo interno, subjetivo, que parece comandar, alinhavar os nossos atos e ações. Um tempo que dita um determinado ritmo, pulsar e co-cria acontecimentos externos, eventos externos, observáveis. E é sobre esse pulsar silencioso que coordena os fatos que estamos refletindo.


É complexo e não vou nessa direção, porque agora eu só preciso do seguinte: podemos pensar o amor, a paixão, o ódio como simultaneidade? Podemos pensar esses estados internos como sendo sincronicidades? Dá para imaginar a operação que se realiza para que dois tempos subjetivos se alinhem e consigam pulsar sobre o mesmo espaço? Dois relógios impares, singulares, com suas peculiaridades, mas que possuem uma pulsação interna que modela espaços tão peculiares? Isso é formidável e grande parte de nós não se atenta a essa maravilha. Tratamos com tanta naturalidade que nos fazemos indiferentes a essa magia, quase que as ignorando, as desqualificando.

Saio da visão mais epistemológica e entro na poética. É formidável imaginar, conceber que num universo de múltiplos tempos há uma pessoa, que esteja no seu mesmo ritmo, compasso, cadência. Uma pessoa na qual se estabelece um continuum de tempo-espaço, uma interação forte, capaz de criar um universo compartilhado por ambos, aberto a outros. 



Eu fico vendo os relacionamentos como essas criações. Deveria falar das visões que embasam isso, mas tomaria um tempo demasiado. Todavia, a percepção energética dos relacionamentos, como que as energias dançando vão construindo, semeando particularidades. Isso é altamente excitante. E, nessa excitação, não estou falando apenas do desejo de transar e obtê-la, porque tem o dinheiro para conseguir uma prostituta, ligar para uma prostituta que se encontra disponível caso você tenha o valor que ela cobra. Estou falando de você, conscientemente, ou não, enviar uma mensagem para o universo de que você é um ser singular em busca de um par, uma complementaridade e esse universo movimentar engrenagens para que você encontre essa pessoa num banco de ônibus, ou na mesa de um bar, ou na fila da igreja, no estádio de futebol, na sala de aula, ou numa esquina, ou... O universo aproxima de você outro ser, que pode te proporcionar, naquele momento, o melhor continuum para que o próprio universo se sustente. É como se o universo fosse regido pelo amor e necessitasse do amor para se auto-regular.

O amor seria a constante dos encontros, dos desencontros, das construções e desconstruções da existência. Se no modelo físico a luz é a constante invariável do tempo externo. No modelo psíquico, o amor seria essa constante invariável do tempo interno. Nos movemos em direção do amor e construímos em nosso entorno aquilo que amamos. Não deveríamos separar tanto um estado do outro, uma coisa da outra. A observação atenta do nosso tempo interno pode nos dar a localização do nosso espaço externo. A observação mais acurada do nosso espaço externo pode nos dar a velocidade, os tropeços e embaraços do nosso tempo interno (amor).



Isso tudo é mágico e damos pouco valor a essa magia. Valoramos pouco esses encontros que a vida nos proporciona. Por vezes, apostamos alto demais em desígnios que não sejam o nosso próprio querer e a nossa própria vontade. Apostamos que a vida fará o papel de manter esse continuum, que ao que tudo indica, necessita de um desejo, de um querer, de uma vontade manifesta e declarada para que continue acontecendo e sendo. Necessita da consciência e da escolha. Mas, será que escolhemos mesmo o amor? Toda dor não é justamente essa?

Uma- desconhecermos o que é o amor.

Duas- lutarmos para que ele não nos invada, não nos tome, não se apodere de nós?

Hoje (13/8) conversava com meus alunos sobre corte/cortejar. E uma delas de 14 anos me disse: “minha mãe não entende que eu possa escolher uma pessoa para vida toda. Uma pessoa com que eu vou casar com 18 anos. Ela não entende que eu não estou perdendo nada, porque tudo o que eu quero é estar do lado dele”. O palavrão que eu pensei na hora e agora, eu não irei escrever. Ver esse tempo diante dos nossos olhos é assustador, mas revela, ou desvela, uma maturidade emocional que minha geração atingiu aos 30 anos, se é que alcançou. Pode parecer loucura, mas eles sabem o que querem. Sobre isso escrevo depois.


Parece que de tanto medo do amor, atraímos situações que nos afasta daquilo que estamos destinados a ser- felizes, plenos, entusiasmados. Essa lógica maluca de sabotarmos, de vitimizarmos, de mandarmos embora quem a gente quer perto é um vírus que precisa de antídoto. É um continuum que necessitamos desativar. Precisamos começar a deixar as pessoas nos amarem. 





2 comentários:

  1. Bonito texto Kelsen.
    De fato, a felicidade é certeira e a maioria de nós escolhe seguir rumo ao futuro utilizando a energia e a experiência dos erros do passado.
    Beijos em você

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  2. Ola anonima(o)
    Vc nos coloca diante de uma encruzilhada. Todavia, gosto da lógica do erro. Não como um padrão que se forma e se estabelece nos impedindo o novo, o diferente. Mas, como aquilo que nos capacita, nos amadurece, nos fortalece. Precisamos de um olhar mais benevolente com o erro, porque ele é a fonte primária do conhecimento em todas as areas. Nesse aspecto, a questão não é o erro do passado, ou as apostas projetivas no futuro, o obstáculo seria não darmos ao presente-escolha a atenção que lhe cabe e merece.
    bj

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