sábado, 13 de dezembro de 2014

RESILIÊNCIA: quando desistir é melhor que persistir?

Na infância tínhamos uma brincadeira, que mostrava coragem e resistência. A brincadeira consistia em acender um palito de fósforo e segurá-lo o máximo possível. Ganhava, invariavelmente, quem se deixasse queimar, nem que fosse a pontinha dos dedos. Resiliência não é muito diferente, em verdade, ela é até importante. Tem momentos que a vida nos desafia e necessitamos seguir, prosseguir, mesmo quando nos dizem o contrário e tudo parece indicar que não teremos chance. Mas, há momentos em que essa mesma vida parece estar querendo sinalizar para um desvio, uma mudança de rota, um outro caminho e alternativa e alguns permanecem resistindo, lutando, se esforçando, mostrando ao mundo a sua coragem e ousadia, mas a questão é: quando é hora de desistir? Quando é o momento de largar?

Isso me faz lembrar um caso no qual um alpinista ao escalar uma montanha foi surpreendido por uma avalanche. Sem alimento, sem comunicação, sozinho, encontrava-se pendurado por um pedaço de corda que ele segurava a própria vida. No escuro, no frio, ele começa a rezar pedindo ajuda, auxilio, orientação e uma voz diz para ele: “solta!!! Larga e tudo ficará bem!!” Sem referência espacial da altura em que se encontrava, achava aquela intuição um desrespeito a sua inteligência, a sua razão e a sua vida, permaneceu agarrado às cordas esperando o resgate chegar. Quando o resgate chega, ele já está congelado, morto, mas o que os socorristas não entendem é porquê estando a pouco centímetros, ele não largou a corda. Nunca sabemos, saberemos. No mesmo sentido, mas direção oposta, temos o caso do moço, que ficou a vida toda cavando procurando seu bem precioso, anos a fio cavando com todos dizendo da sua insanidade, até que depois de mais 999 cavadas, ele resolve desistir. Vira-se, larga tudo e vai embora, outro escavador passa pelo caminho que ele deixou, com a pá e enxada que ele usava e dá apenas uma enxada e encontra o tesouro. Ele desistiu quando ia receber a recompensa, encontrar o tesouro.

Mas, quando saber quando é um ou outro momento? Trazendo mais para o cotidiano: quando saber se é hora ou precipitação a separação? Quando e como saber se é hora ou precipitação  a internação do dependente químico? Quando saber se é hora ou precipitação a mudança de profissão, ou de um curso acadêmico? Esse time é difícil de ter e poucos o possuem. A bem da verdade, esse time se dá num ajuste muito fino e harmônico entre a pessoa e a vida. Um time em que a pessoa se coloca na hora certa, no local certo pronto e apto para falar as coisas certas: “Quem quer ser um milionário” O filme aborda isso, nesse sentido.

Não obstante, algumas pessoas vão pedir ajuda quando a água chegar ao joelho, outras quando chegar no peito, mas nós vamos falar hoje daquelas que mesmo com a água no nariz permanecem e continuam. Elas são, provavelmente, aqueles que sempre ganhavam a brincadeira do pálito de fósforo. Elas são aquelas que não largam, não desistem, não soltam, em outra visada, mas no mesmo sentido, não param de roer o osso. Mas, antes de prosseguirmos um adendo:


Resiliência é um conceito da física que vem sendo apropriado nos mais diversos segmentos e lugares. Na física diz respeito à condição dos materiais suportarem o máximo de tensão sem deformar, ou mais precisamente, sem quebrar. Ou seja, um bom material seria aquele que suporta um alto nível de pressão, mas não perde as suas características. Como exemplo temos o aço. É um material altamente resistente, mas com grande resiliência, isso o torna melhor do que outros materiais que poderiam ser mais baratos, mais econômicos, mais fortes, mas suportam menos a pressão; tem menor resiliência. 


A resiliência ‘perfeita’ seria similar a do elástico. Algo que estica quase ou além do dobro do seu tamanho e volta ao seu estado natural. A mola ideal segue a mesma perspectiva.  

Valendo-se desse conceito, outros ramos do saber, como a medicina, a psicologia, a educação física tem feito uso do conceito para basicamente, falarem da capacidade de sentirmos stress, tensão as adversidades e não nos ‘quebrarmos’. No esporte postula-se hoje, que os grandes atletas são os que têm maior resiliência referente à dor. Ou  seja, além de a suportarem melhor, contundem-se menos. Por um lado isso é bom, pensando no menino que ganha as brincadeiras de palito de fósforo. É bom, porque ele vai vencer as competições, será o número um, será atleta de ponta. É ruim, porque findo a vida esportiva, o corpo dele que deveria ter alcançado o máximo da carga física, em verdade, ultrapassou um limite, em que ele se encontra aquebrantado aos trinta e poucos anos. Hoje se sabe que atleta de ponta, esporte profissional e de alto rendimento, nada tem a ver com saúde, muitíssimo pelo contrário, ninguém é tão descaracterizado de saúde quanto grande parte desses esportistas. 

A frase de Oscar Schimidt ilustra bem o que situo: “ a dor faz parte do uniforme do atleta.” Não há atleta que jogue sem dor e aqui estamos falando de resiliência no sentido mais claro do termo. De modo que, o atleta não é saudável, pelo contrário, eles são os caras que superam as dores, as adversidades para estarem onde estão. Certo? Errado? Um exagero? A medicina esportiva começa a estudar as doenças degenerativas oriundas dos esportes de alto rendimento e são, invariavelmente, relativas a excessos e ultrapassagem dos limites físicos, neurológicos, por vezes, motores.

A psicologia tem utilizado o conceito também, especialmente, para falar de pessoas que vivenciaram traumas, abusos. Como é que algumas pessoas suportam vivenciar tudo o que viveram e conseguem organizar-se internamente e outras se perdem, se desarranjam, completamente? Como é que uma pessoa mesmo tendo sido cinzeiro da mãe, mulher do padrasto, dos enteados, consegue superar tudo isso e outra que quebra a unha surta? A psicologia tem discutido essas questões.


(Creio que haja a opção de se largar a vela). No entanto, falo de resiliência, porque é um conceito que pretendo apropriar para usá-lo no campo energético- espiritual. Mais precisamente, pretendo tocar esse assunto a partir de duas questões:
1º- a pergunta de uma moça, a partir do último post:


“e quando é o inverso? Isto é, a gente não consegue terminar um relacionamento, mesmo sabendo ser ruim, não conseguimos romper? Haveria parceiros invisíveis também?”

2º - observando no consultório pessoas que ultrapassaram e muito o limite delas, mas continuam, persistem, insistem em não pedir ajuda, energeticamente falando. Quando elas me chegam estão num nível que teria arrebentado qualquer outra pessoa. Por que elas resistiram tanto? Isso é sinal de que? Prova-se o que com isso? Se ganha o que com isso?

No mundo do esporte a escolha é visível: troco minha saúde pela alta performance, pelo alto rendimento. Em outros parâmetros, alcanço o nível de excelência que são para poucos, gozo de fama, reconhecimento, prestigio, enfim consegue-se o que se denominou sucesso. Mas e no caso da moça que suporta a surra diária, semanal do marido, ela ganha o que? Ou, no caso da pessoa, que está na profissão que detesta, odeia, ela ganha o que? Ou tem medo de perder o que? Enfim... porque ela resiste?
Longe de oferecermos respostas, estamos mais proporcionando reflexões.

Refletindo acerca da pergunta da anônima(o), penso em uma resposta dada por Chico Xavier ao falar de almas gêmeas, ele disse que na maioria, quase totalidade dos casos, são mais almagemadas. E, sendo coerente com o que escrevi anteriormente sobre os parceiros invisíveis, tenho que aceitar a possibilidade de se ter um vinculo de dor, sofrimento, angustia nutrido, enlaçado por esses parceiros, mas nesses casos, sugiro a troca de parceiros em todos os níveis. A idéia do sofrimento como e enquanto recompensa se foi válido tempos atrás não deve ser mais hoje. A idéia de que se deve ser infeliz por toda uma vida para se alcançar algum tipo de recompensa no pós vida é trágico.

E é aqui que caminhos em direção a segunda reflexão, que insinua uma espiritualidade mal resolvida e mal interpretada. De modo geral, essas pessoas trocam a felicidade na Terra pela a do céu. No fundo, acreditam que a recompensa delas se dará em outra vida, em outro mundo, mas esse preço, não é demasiadamente alto? Não é demasiadamente ousado, tamanho sacrifício, doação? Muitas a fazem em nome dos filhos, outros de um amor, mas... se forem até o final e ter válido a pena, perfeito. Mas, a questão é que em determinado momento, elas/eles desistem e a pergunta final é: por que tão tarde? Por que não antes? Por que suportaram tanto? Por que não desistiram antes?  

A resiliência no campo espiritual, energético diz respeito a essas pessoas que continuam quando a maioria já teria parado, desistido, deixado de lado. Por que elas abraçam o sofrimento e a dor com tanta devoção e carinho? Seriam elas modelos de amor e perdão? Teriam elas o compromisso de mostrar que o sacrifício vale a pena? A lição de vida que eles nos deixam é seguida positivamente por alguém? Ser santo, mártir é um ideal a ser alcançado e perseguido?

Particularmente, acredito que não. Particularmente, acho cada vez mais que dor-sofrimento é uma escolha desnecessária. É hora de escolhermos amor-alegria e se nessa escolha por vezes chorarmos, doermos, faz parte, mas não porque esperamos virgens no paraíso, mas sim, porque encontramos no aqui, no agora, o sentido de vivermos. Um sentido profundo, digno, no qual nosso amor, nosso viver resiste, supera, transcende toda a dor. Essa é uma resiliência que os estoicos poderiam chamar de fibra, de brio, mas é muito diferente do medo da culpa, da vergonha e do castigo.

A resiliência espiritual-energética é a capacidade de fazer da vida uma oração amorosa na qual nada nos tira do caminho que escolhemos de mãos dadas com a vida, ainda que nela haja dor e ranger de dentes. 





6 comentários:

  1. Ola Kélsen, você gosta das temáticas do feminino e para nós mulheres amor, filhos, relacionamentos tem muita importância. Acompanho o que você escreve, gosto, mas dessa vez acho que não entendi, você está falando de desistir de amar? Não conseguimos isso, sempre amaremos e continuamos amando. Muitas vezes isso não é uma opção, simplesmente não é. Te gosto demais, Maristela

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  2. Ola Maristela, estou aqui refletindo sobre as questões que apresenta e antes de mais nada, quero lhe agradecer a leitura atenta. Eu estou vendo o filme "12 anos de Escravidão", resiliência pura, e como você fala do amor como um imperativo, prometo retornar assim que tiver condições de lhe responder, de lhe apresentar, nos apresentar uma reflexão, uma perspectiva que alcance a beleza do que você nos trouxe. Rogo por sua paciência. bjs e grato.

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  3. Ok, Kélsen. Fico aguardando ansiosa e impacientemente, kkkkk.

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  4. Escrevi: http://universofiholosofico.blogspot.com.br/2014/12/resiliencia-espiritual-o-absurdo-nos.html

    De certa forma a demora foi breve, consegui terminar, relativamente, rápido. A questão que você apresentou me serviu de inspiração para a reflexão. Mas, caso não deseje ler e tentando te responder, não coloquei que devemos desistir de amar, isso nunca. Mas, acho que devemos parar de sofrer e de acreditar que sofrer é bom. É sobre essa relação e uma possível ruptura que falei no post seguinte. Na diferença entre gostar e amar, pode-se amar o inimigo, mas não gostar dele. Hoje aprendi muito, primeiro com um menino de seis anos que nos disse que: "tem pessoas que não se gostam, mas são amigas por dentro." E vou começar um estudo com duas garotas que amam demais e que num primeiro momento, se detestaram. Hoje são amigas e uma compreende a outra, talvez, somente uma compreende a outra, mas isso é algo que escreverei daqui um ano ou dois. Até lá vou aprender com elas. Fico grato a você por ter me descortinado um horizonte que tentei entrar, espero que tenha conseguido ser claro o suficiente; tendo sido ou não, as portas do diálogo estão abertas. Bjs para vc e grato.

    Boa leitura e vamos nos falando.

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  5. Teoria, teoria, e mais teoria! Se eu não entrar na água, é claro que não me molho. E que vida besta é esta que se propõe? Monástica? Isolada? Viver no paraíso é muito chato! Assim nos tornamos humanos, e humanos sentem dor, se decepcionam, se emocionam, e sorriem também! Quanta bobagem!

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  6. Ola anonymous. Primeiramente, desculpa na demora da resposta/interação é que não recebemos notificações sobre os comentários. Mas, indo ao ponto que você toca, não creio termos dito nada contrário do que disse. A questão não é se entra ou não na água- teoria ou prática. A questão é que alguns entram na água acreditando que ela é H2O só para elas. Fazem da vida um drama imenso. Outros não conseguem ver que a água está gelada demais, vai causar hipotermia, ou quente demais e vai causar queimaduras- resiliências. Por que suportam isso? Por que vivenciam isso? Diversas razões. O complicado disso tudo é que todas elas sofrem. São humanas, seja lá o que você compreende por isso. E não reputo inequivoco associar o humano a dor, podemos mudar esse filme. O que não retira a vida do nosso caminho, ou seja, continua-se sentindo dor, se queimando, apaixonando, se queimando, se molhando; mas sem sofrimento. Nietzsche denominou algo perto desse estado de amor fatti- amor à fatalidade. Amor a tudo o que a vida nos dá, nos coloca, nos presenteia. É a posição de ataraxia dos estoicos, de centralidade dos budistas, viver a vida, suportá-la, mas sem drama. É mais ou menos isso. Estou escrevendo sobre o drama, uma hora eu posto. Abraços e vamos nos falando.

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