sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

TERCEIRO INCLUÍDO: amor em três perspectivas.

Terceiro excluído é um termo da lógica. Nela apregoamos o sentido de igualdade, o de diferença e o terceiro excluído. O da igualdade seria A = A. O da diferença seria: A ≠ B. Dentro dessa lógica binária o terceiro é automaticamente excluído. Na nossa lógica formal sabemos pouco o que fazer com o terceiro. A dialética hegeliana chegará mais tarde.
Numerologicamente, o 3 é o número do equilíbrio. Alguns vêem até mesmo harmonia. Mas, o três é antes de tudo o número da busca. Três sempre são dois contra um (1+2), o que força a um equilíbrio, mas nunca a uma estabilidade, que será encontrada no 4.

Nas relações amorosas pensamos sempre na dualidade (2) e a chegada de um terceiro altera a relação, a direciona para outro patamar. Provoca uma instabilidade, por vezes insegurança, que ou se efetiva uma construção mais sólida (4) ou se rompe retomando as individualidades, 1 e 1.

É elegante observar e perceber o que as individualidades vão construindo ao longo de sua jornada, (1) se encontra com o outro (1), ou o outro (1) se encontra com um (1) e efetivam  o casal (2). Essa relação para se consolidar e se efetivar se faz ora por identificação, ora por distinção, mas vai se efetivando algo que ao final não é nem mais e nem o outro- é a relação (3).

Essa relação é colocada em choque quando aparece, se aproxima, um elemento x que não estava, inicialmente, na equação e que naturalmente provoca um desconforto, uma instabilidade, inicialmente, em um dos parceiros, que acaba culminando na relação (3). Isso denota ou a solidificação, estruturação dos envolvidos (4), ou a desconstrução do processo e um novo recomeço (1) e (1).  

Se substituirmos os algarismos e darmos nomes estaremos diante de muitos, senão todos os relacionamentos. Troquemos o (1) por João, o outro por Maria (2) e o elemento x por Fê (que pode ser de Fernando ou Fernanda). Os casais vivenciam essas tensões, essas instabilidades, essas buscas por construções e solidificações mais estáveis, ou não. Há inúmeros casais que se equilibram, justamente, na instabilidade do surgimento de um terceiro, uma terceira, na transa com esses terceiros sejam juntos ou separados. As construções de João e Maria se dão das formas mais diversas e singulares possíveis e não vem ao caso e nem ao mérito, especialmente, quando acordadas entre os dois.

Bem, minha questão, como quero colocar é que toda essa lógica se estrutura em uma racionalidade que afirma que o que denominamos ser humano é marcado pela capacidade de pensar, de raciocinar. Nessa primazia estamos falando de uma racionalidade lógica, binária, dual produtora do mundo e da linguagem capaz de nos diferenciar dos animais, capaz de nos colocar no cume do patamar evolutivo. Todavia, há tempos que vemos no horizonte outra conceituação, uma outra etapa para o humano, relacionado a capacidade de amar. Sabemos que a razão, ou a racionalidade é capaz de produções celestiais e produções bestiais. Sobre as celestiais podemos falar do invento humano, que em diálogo com a natureza, lhe transcende, mas permanece humano, mesmo buscando o celestial. Acerca das bestiais podemos falar do que os frankfurtianos chamaram de racionalidade instrumental, isto é, uma propensão a transformar tudo em objeto, inclusive, e, principalmente, outros humanos.

Assim, temos essa racionalidade celestial, que chamaremos no melhor exemplo de Hanna e Habermas de DIALÓGICA, porque a sua função é o entendimento, é o respeito. E temos essa outra racionalidade INSTRUMENTAL cuja funcionalidade é a conquista, o poder, o mando. Nós humanos vivenciamos essas duas formas de linguagem, de racionalidade, de estar e ser no mundo. Trocamos uma pela outra, quando não nos esquecemos completamente da existência de uma outra racionalidade, ainda para nós nova, que começamos a tatear agora. Sendo que nessa perspectiva que caminhamos o que nos faria humanos não seria apenas a racionalidade, mas também a nossa capacidade amorosa. Nessa direção poderíamos falar de uma integração que seria algo como: “pensar com o coração e sentir com a mente”. É preciso deixar claro que esse não é um movimento suave, fácil. Pelo contrário é um movimento que tem travado a maioria de nós, porque quando a gente conseguiu dominar uma ferramenta que conquistou o mundo e ainda o conquista somos convidados a experimentar uma nova forma de ver as coisas, falar das coisas, percebê-las e interagir com elas. É frustrante.


Mas, o ponto que desejo tocar é que na lógica amorosa não há terceiro excluído. Precisamos começar a compreender que o amor açambarca os amantes e os amados. Longe de defender aqui a orgia, a poligamia, a poliandria, os relacionamentos abertos, mas longe também de condená-los. Cada João, cada Maria deve equilibrar a sua relação (3) e consolidar o seu relacionamento (4) de tal forma que o amor não seja encarado com culpa, vergonha, medo. O amor não merece essa pecha. Não precisa carregar a partir das nossas escolhas a raiva, o fracasso, a derrota, a maldição, elas podem estar envoltas na ternura, na candura, na aceitação, na compreensão e na felicidade, pares e companheiros muito mais afeitos ao amor do que os primeiros.

E é aqui que falo dos parceiros visíveis. Escrevi sobre os parceiros invisíveis num post anterior.


Era uma dinâmica de um atendimento que tinha realizado. João ama Maria, mas por diversos motivos, por inúmeras razões, João pisou na bola, não uma, duas, três vezes. João pisou na bola de tal forma que as marcas foram profundas, profundas ao ponto de atingir aspectos energéticos, entidades espirituais que impediram Maria de retornar para João.

Maria queria, estava dividida, balançada, mas uma amiga invisível de Maria colocou no caminho dela Fê. E Fê não queria ser pedra de tropeço no caminho dos dois. Não queria ser entrave no caminho dos dois. Ao mesmo tempo, o retorno de Maria era um movimento que ela achava logicamente possível, mas a questão já não estava no terreno da lógica. Estava em um ponto, em um local que sem ela reconhecer o tanto que foi magoada, traída, envergonhada, toda a tentativa dela seria algo como esparadrapo sobre fratura exposta. Ela poderia se enganar passando mertiolate, afirmando estar cuidando, dizendo que estava querendo, mas o que há de mais profundo nela, negaria e a afastaria dessa experiência novamente.

Bem, esse é um lado, porque do outro há o arrependimento sincero, verdadeiro de João. Ele quer voltar, ele deseja o retorno. No entanto, o tempo dele passou. Não por ter ido embora, passou, porque o que ele poderia fazer, ele já tinha feito. Agora, ele estava sob a dependência da vontade dela, do tempo dela. O tempo dos dois havia sido desfeito e precisava ser reconstruído. Mas, com base em que? Confiando como? Como se aposta de novo em quem te feriu tão profundamente? Mas, o novo não pode promover a mesma decepção? Como escolher?

O que observei na dinâmica e da dinâmica, sem ousar interferir um segundo. Apenas tentando expor o mais fidedignamente a situação para todos os envolvidos é que o único que não pode perder é o amor.
João ama Maria. Pisou na bola, mas o ama. Maria ama João, foi pisada, mas ama. Maria ama Fê. E Fê e João não precisam se odiar, não tem que se matar, nem brigar. Perceba o nível de tensão disso. Porque é claro que João tem que lutar por Maria. É obvio que Fê tem que defender a relação. Mas, nenhum dos envolvidos precisa excluir o outro. Nenhum deles precisa tirar o amor fora, especialmente, o recheando de ódio e vingança.

Luis Soares nos contava da necessidade e importância dos dois que se assumem juntos, que escolhem ficar juntos abraçar esse terceiro, acolher esse terceiro. Reconhecer a importância do amor, do afeto, da lealdade dele não apenas para com a mulher que eles amam, mas para com a vida, para com o todo. Isso ajuda a todos nós a crescermos, expandirmos, evoluirmos. E, claro que dói, mas essa dor pode ser acolhida, respeitada, compreendida e transmutada.


A maioria deve estar pensando e dizendo: nunca!! Não tem como. Não tem jeito!!! E eu digo que tem. Há inúmeros casais vivenciando isso de forma mais fraterna, mais amorosa. Compreendendo que o amor não acaba, não morre, mas a paixão por vezes apaga, a confiança as vezes se finda. A convivência se faz insuportável como disse certa feita uma partilhante. Mas, nada disso retira o amor, apaga a história.

Na outra ponta da mesma corda, do mesmo barco há aquele que ficou só, que ficou, momentaneamente, sem par. E esse precisa agradecer tudo o que foi. Se construir para vivenciar uma relação que será melhor do que a anterior. Melhor, porque crescemos, maduramos, e a próxima relação se tivermos aprendido com as nossas falhas, os nossos equívocos, os nossos erros, estaremos mais presente, mais atento para olhar o outro e a relação. E as relações nos ensinam. Elas começam justamente do ponto no qual paramos na anterior. E daí para frente caminhamos até o surgimento de mais um(a) Fê na relação.

De modo que, na perspectiva de nossa racionalidade instrumental sempre teremos três perspectivas que se excluem, já que a que deve prevalecer é a pessoal/individual em detrimento das demais. Os portadores dessa racionalidade sofrem, doem. Sofrem e doem uma dor muito mais forte do que a separação, porque desejam um controle, um lugar que essa racionalidade não alcança e por não alcançar se angustia e sofre.

Há outra perspectiva, a dialógica, que vê tudo isso como amor. E aí ninguém perdeu por amar e todos ganham por estar amando. É uma perspectiva que nos aproxima da integração e da percepção de que nada aconteceu fora do espectro do amor. Até mesmo as palavras rudes, as lágrimas doces, os apertos de mão aflitos, os beijos mordidos, os olhares superficiais. Foi o amor que demos conta de manifestar, foi o amor que demos conta de ser. E o amor tem uma dinâmica plural, sexual, que se dá apenas no encaixe, no encontro com o outro. O amor busca o outro. O amor é um sair de si mesmo e se colocar em direção ao outro, ao mundo. Nosso fazer, nosso ser são expressões amorosas. Bem, nesse horizonte, não há culpados, traídos, traidores. Há entrega, entendimento, aceitação e as formas com que escolhemos manifestar o amor em nossas vidas. Mais do que nunca, mais do que em qualquer outra época e tempo temos chances de escrevermos amor sem drama, sem tragédia, sem dor. podemos começar a rimar amor a felicidade, a prazer, a alegria, a abundancia. Podemos libertar a nossa manifestação amorosa da angustia, da culpa, da vergonha, da derrota, do drama, da falta, do vazio. Amor pode ser manifestação do nosso ser em potência, na plenitude de tudo o que ele pode nos legar.

Amor pode ser mais encontro que espera

Mais luz do que trevas
Mais calor do que agonia
Mais ternura do que inveja.

Amor pode ser mais ato do que fala
Mais expressão da gente do que fera.
Amor é um ser, um atributo, que podemos nos fazer, nos tornar.
Ou deixá-lo se aproximar como fez o poeta:





Creio que pode ser vivido sem sofrer. Vivamos o amor,  escolhendo, sem excluir.


2 comentários:

  1. Vc acredita nisso, porque as moças é que se apaixonam por você e não vc por elas. Qdo isso acontecer verá que é bem diferente ser largada, abandonada, traída.

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  2. Ola anonima, compreendo a dor. Todos já passamos por ela. A ferida existe. Mas, vou continuar acreditando que no amor não deveríamos excluir. Escolher, por aquilo que muitas vezes não temos consciência da escolha, mas sentimos, intuímos que é a escolha mais acertada. Torço para que encontre outro amor, outra paixão.

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