domingo, 22 de março de 2015

CLIC: a mudança é um estalo.

De repente ela acontece. Não se sabe por onde. De modo geral, ignora-se o como. Mas, ela acontece, significativamente, por diversas vezes na vida. Em momentos nos quais não sabemos, não esperamos, não controlamos.

A mudança acontece quando a gente não espera, quando a gente não repara, quando a gente não está prestando atenção. Você olha para um lado e ela ocorre na direção oposta. De uma maneira tão bela, suave, produzindo encaixes e amarras em nossas estruturas internas, em nossos espaços mentais. Poucas coisas são tão bonitas quanto a mudança. Acredito que reparar na mudança, olhá-la com carinho é ver o movimento da vida em nosso entorno, ao nosso redor e dentro de nós. Tudo muda o tempo todo. 

Heráclito de Éfeso chamava a nossa atenção para esse eterno devir. Parmênides seu opositor complementar nos alertava para a permanência de tudo. Olhamos para vida e vemos mudança e movimento, mas há outras partes da mesma vida que olhamos e vemos permanência e constância. Fica parecendo que mudamos para encontrarmos o permanente que existe em nós. Somos conduzidos vida afora para que cheguemos ao ponto do qual saem todas as mudanças.

Talvez a melhor paisagem para isso seja o céu e as nuvens. O céu permanece, enquanto as nuvem passam, mudam de forma, vão de um extremo ao outro. O céu acompanha cada uma das suas formas, dos seus movimentos, das suas brincadeiras de desenhar sentidos, das suas transformações, mantendo-se inalterado.




O mesmo processo, ou bastante similar acontece conosco e em nós. Os budistas comparam nossos pensamentos com as nuvens que passam, mudam de forma, de intensidade, coloração. Ensinam os mestres que devemos direcionar nosso olhar para o céu, um ponto na mente, que cria as nuvens, ou melhor, de onde surgem as nuvens. Nesse ponto, espaço, lugar, tempo que não tem tempo, espaço, ponto, lugar chegamos ao permanente, ao eterno. Mas, haveria eternidade sem mudança? Há vida sem devir? Se há, talvez seja a melhor tradução para o tédio, porque é na mudança é no inesperado que nos realizamos. É no devir que encontramos o perene. É aqui que nos situamos no que os hindus chamam de Maya, a deusa da ilusão. A ilusão de que tudo muda, a ilusão de que tudo permanece. A ilusão de que haja nuvens e a ilusão de que haja céu. 

No entanto, independente disso, a beleza reside na nossa capacidade de nos iludirmos e desiludirmos. Iludirmos com nossas demandas, desiludirmos, naturalmente, com ou sem dor, das nossas ilusões. Nesse caso as duas coisas são boas, porque em ambas estamos no devir, em ambas estamos na mudança. E essa deusa (mudança) guarda em si mesma a capacidade de movimentar em nós algo que não compreendemos, não reparamos, não sabemos como se dá.

Uma hora o menino junta as silabas e consegue ler palavras. Um dia o adolescente junta as palavras e decodifica o sentido. Noutro momento o jovem vê o sentido oculto daquilo que não estão nas palavras. De repente, o adulto compreende que a paixão passou, o amor acabou, o casamento chegou ao fim. Tudo num estalo. Ou melhor, num processo continuo ininterrupto, que culmina no clic da mudança. Um estalo sutil, que nos acorda, nos desperta, nos ilumina. 

Mas, esse clic não tem um padrão, uma hora certa para acontecer. Pedagogicamente, tentamos conduzir e provocar esse momento. Tentamos mediante práticas de ensino e aprendizagem proporcionar a cada aluno o tempo exato de resposta para as questões por nós suscitadas, mas como sabemos hoje, esse tempo varia, oscila, sem que com isso possa-se se mensurar inteligência ou "burrice". Pelo contrário, os avaliadores precisariam mensurar, ou buscar o que promove e provoca a mudança na vida das pessoas. Se nos aproximássemos disso melhoraríamos o que motivam as pessoas a aprenderem, a mudarem, a criarem situações nas quais desejam romper e sair, enfim, sair da zona de conforto. 

Mas, como tirar alguém da zona de conforto, do risco iminente? O que nos faz sair da zona de conforto e nos movimentar? Não há um padrão definido, uma regra universal a ser utilizada, pelo contrário, cada pessoa tem um padrão diferente, uma resposta diferente, um motivo diferente para buscar a própria mudança e a mudança das circunstâncias e relações a sua volta. 




Na clínica o processo de mudança é similar ao pedagógico. Uma hora, um momento, a pessoa consegue tomar a decisão que adiou, postergou por anos, décadas. Ela, simplesmente, compreende. Não uma compreensão intelectiva e sim um clic que a altera, a muda, a transforma. Um clic que a retira do sofrimento, da dor e lhe garante um alívio. 


Na vida também não é diferente. Situações que nos enervavam, de repente, perdem essa força. Apelidos que nos faziam babar de raiva, quando escutados, não nos causam nenhuma espécie e por vezes até graça. Mulheres por quem perdíamos o sono dormem ao nosso lado profundamente. 

A mudança parece ser a fórmula que a vida utiliza para crescermos, ou em termos espiritualistas, evoluirmos. Ela nos amadurece e nos reaproxima de quem somos, do que somos. Por vezes nos agarramos ao velho, ao antigo para que o novo não nos chegue, mas o novo sempre vem. A mudança é o que de melhor podemos ter da vida. Recebê-la, aceitá-la e caminhar esperando a próxima mudança. 

Mudemos....