terça-feira, 21 de abril de 2015

O ARTISTA: o drama em cena.

 O artista é um filme que mostra um grande ator do cinema mudo, entrando em parafuso com a invenção do cinema falado. Ele vai me servir de contraponto para falar de mudança de paradigmas e os estragos que isso acarreta e nos acomete. Mas, antes preciso contar umas anedotas que nos auxiliarão na reflexão.

Certa vez, meu primo me contava, que tinha um mudo que assistia a vários shows e não parava de dançar, invariavelmente, no ritmo. Perguntado como: ele disse que acompanhava o movimento do baterista. Ele ‘ouvia’ com os olhos e essa percepção dava a ela condições de ficar próximo do ritmo.

Outra é uma ilustração fantástica, de um livro maravilhoso chamado Águas de Patrícia Sartrini e outros autores. Em determinado momento do livro, eles narram que uma comunidade que vivia de comer apenas carne crua, teve a felicidade, por motivo de um acidente, um raio que caiu, comer uma carne assada. Como eles não conheciam o processo, eles desenvolveram um método revolucionário de comer carne: colocar fogo na floresta. Mas, mais do que colocar fogo, desenvolveram entorno dessa metodologia toda uma estrutura de empregos, toda uma engrenagem social. Há os que colocam fogo, os que fazem a catalogação, há os que recolhem, enfim... burocratizaram o sistema tal qual nós fazemos. Mas, um dia, um moço inventa uma churrasqueira e tenta mostrar que para comer carne assada não era necessário causar tanto danos ambientais, sociais. Os burocratas desacreditam o moço, as suas idéias, discutem sobre a falta de fundamento científico na metodologia do rapaz e o trancafia como louco.

As anedotas são boas. A primeira tenta nos dizer que podemos seguir o ritmo e por vezes ficar próximo, mesmo quando não o escutamos. A segunda tenta nos falar que o fato de seguirmos uma lógica não implica que esse padrão seja o único, o verdadeiro.

O filme “O Artista” nos chama atenção para o fato de como um grande ator pode se tornar um canastrão. E gosto dessa metáfora do filme, porque os artistas do espaço, especialmente, os dramaturgos, adoram quando associamos a vida a uma peça de teatro. E quando a pensamos assim, eles vem nos dizer: o drama e a tragédia estão fora de moda. E eis o inaudito: a maioria das pessoas não sabem atuar outro gênero que não o drama e a tragédia. Há milhares de mulheres que não sabem outra atuação que não a dramática e a trágica.

Os roteiristas, os diretores, os dramaturgos todos olham para eles, cortam a cena, interrompem o ensaio para perguntar: mas porque o drama? E elas entre lágrimas tentam responder que a cena assim exige.

Assim, eu como porta-voz da nova teledramaturgia cinematográfica teatral do planeta venho informar que o drama está com os dias contados. Na verdade, o drama já morreu. E algumas pessoas já não sabem como atuar nesse novo cenário, com esse novo roteiro. Um roteiro no qual não há príncipe encantado para salvar a donzela e nem sapo para ser beijado. Acabou o cinema mudo.

Nesse novo cenário não há sacrifícios em nome do amor, renuncia em nome dos filhos, crucificação em prol da humanidade. Esses atores ficam na vida fazendo essas cenas e acabam virando pastelão. Todos acham que eles são comediantes e não atores dramáticos, mesmo porque, uma nova geração inteira, não conhece o drama. Não entende as raízes do sofrimento, não se mobilizam devido às dores. Elas são vistas como fraqueza e não como martírio e honraria para quem dela sofre.

É um novo cenário. Uma nova atuação. São novos diretores. É um novo roteiro. E nele, definitivamente, o drama e a tragédia não estão em pauta. Mas, a pergunta feita aos homens acima agora cabem às mulheres: o que fazer quando não se tem cavaleiros para salvar? O que fazer quando não se tem filhos para renunciar e sacrificar os dias de vida? O que fazer se não há mais possibilidade de se fugir da própria história e da própria vida?

Ao que tudo indica temos que significá-la. Isso não é da noite para o dia, demanda esforço, dores. Dores que Rubem Alves chamou, brilhantemente, de dores-de-ideia. Dores que fazem o corpo sofrer, a existência doer, mas que se mudarmos as ideias as dores desaparecem como doril. Milhares de mulheres e homens estão com essas dores, as dores causadas por um enredo, que não encontra mais cenário, fala, diretor e menos ainda, artistas para contracenar. O mais dramático de tudo é esse grande ator, atriz ver o palco se desmanchando, as pessoas indo embora, e elas agarradas a uma cadeira, a um espelho, lamentando... sentindo-se desprezada, ignorada, desamparada, abandonada. Quando na verdade, é a vida terminando um filme e pedindo: hora de trocarmos os personagens.

Deixe a trágica e dramática e viva uma nova cena.


PS: não é preciso morrer para isso. Esse é o último truque do melodrama, recorrer à morte como saída. Hoje os finais felizes são possíveis, especialmente, os de amor. Vivamos as novas cenas. 


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