domingo, 16 de agosto de 2015

Eu te amo mesmo assim: um contra a depressão.




O amor tem encaixes raros, belos, que mobilizam momentos especiais e únicos. Mas o amor tem também momentos duros, encaixes difíceis, insuportáveis de ser e fazer.

O melhor momento do amor é quando o outro se encaixa na e com a nossa melhor parte. O momento único e especial desse mesmo amor é quando nesse melhor momento acessamos também o melhor lado do outro. Acaba por ser raro, lindo, perfeito, incomum e surreal. Poucos viveram isso no mesmo time, no mesmo lapso e intervalo de tempo. O comum é o desencontro: João que amava Teresa, que amava....

Mas, o fato é que as pessoas se movem, giram, gravitam, se atritam e os encaixes criam pequenas falhas, seguidas de algumas fendas, que se transformam em abismos intransponíveis, ou em desencaixes. De repente, não acessamos o melhor do outro e nem ele acessa o nosso melhor. Estamos fadados aos desencontros. Estamos fadados aos atritos que vão deixando a convivência insuportável, vão deixando as relações insustentáveis e inviáveis. Aquele outro que acessa o melhor de nós, que nos tornava um ser humano melhor, começa a acessar o pior da gente, deixando a relação pesada, cansativa.

Escrevo tudo isso, porque tenho recebido muitas queixas de depressão. Algumas dessas queixas nascem de relacionamentos interrompidos, desfeitos, onde possivelmente, os encaixes se perderam e o melhor do outro não é mais acessado e nem o inverso. Mas, como lidar com a depressão? Como lidar conosco se a sensação de nosso melhor partiu sem nos levar e nos avisar? Como lidar com essa ausência, esse vazio que aumenta e corrói dentro dos seres?
Há muitas respostas, a maioria com apelos conceituais, mas de pouca valia prática. Eu não ofereço nesse texto uma resposta, mas uma reflexão que surge a partir de uma peça teatral do GRUPO AFETA intitulada: “180 dias de Inverno”, que vi alguns meses atrás. Uma peça bela, singela, envolvente, densa; envolvendo aspectos complicados e complexos como a depressão e a bulimia.
A peça poderia se chamar 180 dias de solidão, ou quando o amor cansa.

A peça é delicada, terna, singela, bonita. Cumpre a proposta da arte de transformar um assunto tão denso- depressão e bulimia- em algo ‘leve’ e reflexivo. Para incrementar ainda mais, a peça tem elementos intertextuais de outras artes (dança, cinema, música) que qualificam e amplificam a densidade do tema.

As reflexões vivenciadas pelos dois atores no palco exploram os dois lados da depressão. O primeiro e mais conhecido, a depressão pela perspectiva da deprimida. A segunda e menos divulgada, a depressão pela ótica do cuidador.


De modo geral conhecemos a depressão mais pela ótica da pessoa deprimida. Quando digo conhecemos não quero dizer que reconhecemos, pelo contrário, de forma geral, tende-se achar que é chilique, frescura, manha, falta de vontade e de querer. E a atriz deprimida, esposa muito amada pelo marido diz algo como: “eu tenho vontade de dormir”. “Uma vontade de dormir em uma cama macia e fria como às águas do mar”.



E a depressão apresenta essa falta de sentido, essa necessidade de dormir, se entregar, mergulhar no vazio e se deixar levar pelo nada. Ao que parece é uma força que traga a pessoa.

Junto a essa rendição há a força do marido que tenta a todo custo, retirar a amada dessa condição, desse lugar, dessa situação. Ele luta pelo encaixe, pelo melhor que eles foram um dia, mas em determinado momento, ela fala algo perturbador, ao alegar, que jamais ficaria boa enquanto o marido estivesse perto, encima, a chamando para a vida, para o despertar.

Isso é trágico, cruel, mas há encaixes que proporcionam dinâmicas, que pode mergulhar o outro em vazios. São situações que escapam ao pessoal e adentra as relações, seja a dois, familiar, social. Os casos de dependência química, de esquizofrenia há muito dessa relação sistêmica que vai adoecendo e embora arrebente em um, esse adoecimento é familiar, relacional. A depressão não é muito diferente. A tristeza desse individuo costuma simbolizar vazios das relações. Vazios que nunca veremos, nunca enxergaremos, porque o outro transporta em si essa dor amarga, que reputamos a ele e não a nós.

E é nessa dinâmica que caminhos para o desfecho. Inicialmente, a obra revela o cansaço, a exaustão em que ambos estão envolvidos. Junto a isso, outras reflexões são suscitadas: qual o sentido de se amar uma pessoa que não se ama mais? Qual o sentido de permanecer ao lado de alguém que se abandona?

A peça responde com: “eu te amo mesmo assim!!! Eu te quero mesmo assim” O artista que inspirou a peça parece que respondeu a isso dessa forma, sem dúvida bela, singela, corajosa, especialmente, por se tratar de um homem. É mais comum em momentos de crise emocional saltarmos fora, abandonarmos o barco, ou apelarmos para uma vitimização inversa, contrária, na qual somos encarados como salvadores.

Eu te amo mesmo assim é uma tentativa de responder a esse duro encaixe, aos desajustes. É uma aposta que na fricção da vida, uma hora o encaixe mágico vai voltar e a perfeição retornará. É uma aposta. Uma sentença. Eu te amo mesmo assim é o mantra que mantem esse cara ao lado da esposa, quando até ela parece ter desistido de si mesma e deles.

Eu te quero mesmo assim é uma aposta na relação, no relacionar... pode dar muito certo, mas as vezes o encaixe está em outra relação.