quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

'APAIXONAR-SI'


Preparando para ir embora, vejo a moça parada na porta, com o chacra cardíaco obstruído. Entre uma fala e outra, ela pergunta:

- Você é o Kélsen?

- Eu digo sim. 

Ela dizia que estava precisando de uma psicóloga. Abro a porta para pegar um cartão da minha amiga. Falo para ela que tudo passa e quando olho, ela está em lágrimas.
Abro a porta de novo e agora a convido para sentar, lhe dou um copo d’água, um lenço de papel. 

A escuto e ela desabafa: a decepção amorosa tinha batido na porta dela. Sentia-se uma boba, uma tola, uma adolescente por estar daquela forma.


É estranho e cruel como essa representação assola e chicoteia. A sensação de tempo perdido, a desilusão consigo mesma(o) por ter dedicado tanto tempo, por ter se entregado tanto. As frases, imagens, discursos e diálogos travados consigo mesmo (a), ganhando cada vez mais proporções, intensidade. Até que a pessoa se vê completamente consumida pela presença de um fantasma, pela representação de um outro que se deseja esquecer, que se amaldiçoa. Tudo isso regado a muito choro e juras, mas o pior é esse estado de jogar anos de relacionamento no lixo. Jogar fora tudo o que se teve de bom, todos os bons momentos e as boas recordações. Era sobre isso que tentava conversar com a moça, tentava mostrar a ela para não se condenar por ter amado. Amar e ser amada é sempre um presente, uma dádiva. Reencarnamos nas condições mais impróprias para ter esse sentimento de amar e ser amada. Dizia que ela não deveria perder isso.




No entanto... É difícil o chacra cardíaco estar obstruído por motivos que não sejam amorosos, afetivos, de relacionamento. O que a moça não sabe e nem eu desconfiava naquele momento é que o caso dela era uma metáfora muito pertinente para eu compreender tantos outros casos, para eu conseguir fechar uma Gestalt. É sobre essa gestalt que eu vou falar ao longo dessas linhas. Passando por alguns atendimentos, por algumas percepções e tentando mostrar a importância do apaixonar-se por si mesma(o). Parece que todo término de relacionamento é um retorno a esse ponto, a esse patamar, para que a partir dele a gente reconstrua e construa novas possibilidades. 

I- Uma rápida fisiologia do amor. 

As vezes, o coração para de bater, mas o sangue continua sendo irrigado para outras partes do corpo, como o cérebro. Tipo uma vida vegetativa. Fazendo uma comparação, muitas vezes tomamos a decisão racional de separarmos, de terminarmos um relacionamento e esperamos que o coração, atenda e entenda esse comando de maneira imediata. No entanto, ele, simplesmente, não entende. A lógica do coração é outra. Os sentimentos não se esvai com essa determinação e esse comando, esse controle. E essa incompreensão é motivo de muito desgaste interno, de muita dor e conflito consigo e com os outros. Fruto de um descompasso entre a lógica da razão e a lógica da emoção. 


O coração não lida com esses cortes abruptos da mente, da razão, nem com as escolhas intempestivas dos desejos. O coração é sempre traído numa ou noutra dessas ações. Traído, inclusive pela ação ser realizada a revelia dele, as vezes até nas costas dele.

Muitos de nós para poupar o coração, entende-se por coração aqui, o corpo emocional, não o consulta. Ou o racionaliza, ou vive nas searas instintivas. Poucas pessoas mantem uma relação de proximidade com o coração, com o corpo emocional. Isso causa aquele desatino que nos deixa doidos, enlouquecidos. Pensar em quem não se quer sentir nada. Lembrar-se de quem se deseja esquecer de forma compulsiva, diuturna, nos mais diversos momentos. Cria-se uma luta para esquecer e essa luta é um lembrar. Mas, disso os poetas já falaram mais e melhor. Desse desatino, dessa sofrência. Uma querida recomenda aos homens pegar o pênis e passar no muro chapiscado. Talvez doa menos. 

O destaque que chamo atenção é como há um desmembramento entre o tempo subjetivo e o cronológico. Como que o tempo subjetivo, marcado pelo simbolismo do corpo emocional caminha e remete o apaixonado para um outro espaço, para um outro tempo. Enquanto que o tempo cronológico, racional e objetivo, continua seguindo seu ritmo e pressionando o coração, o emocional a acompanhá-lo. Dizendo a ele que já está tudo terminado, que não há razão para ficar chorando, lamentando. E é justamente essa pressa, esse descompasso, essa tentativa de proteger-se da dor sem olhar e prestar atenção nessa subjetividade, que deprime tanto, ou melhor, por tanto tempo. 

Instaura-se uma luta, uma batalha interna na qual uma parte nossa vai ferindo a outra. Quase que uma disputa entre a impaciência e a proteção. O orgulho ferido contra aquela sensação de ser tola, bobo, ingênua, ter se deixado passar para trás. E a única coisa boa disso tudo é o resgate do amor próprio. É O 'APAIXONAR-SI'

Já que o coração se refaz por vias e caminhos diferentes e inabituais. Mas, esse refazimento se dá no tempo dele. No momento dele, da forma dele. Não se faz na pressão cronológica do tempo. Na ansiedade de se provar e mostrar que se está bem, ótima e resolvida. É preciso tempo e esse tempo é atenção, carinho, acariciar-se. É preciso se ver, se olhar, apaixonar-se. 

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II- Relacionamento como Espaço cedido, compartilhado e retomado, apropriado, enfim... batalhas por nós mesmos e pelos outros. 

A dor dos fins de relacionamento é a percepção clara do espaço que o outro ocupava em nossas vidas. Esses espaços as vezes não eram vistos, não eram nem conhecidos, foi o outro que o preencheu, que lhe deu sentido. 


Se pudéssemos criar uma câmera de filmagem para registrar o que são os relacionamentos e como eles se dão dentro da gente, veríamos os relacionamentos como construções arquitetônicas. A cada encontro o outro, ao seu modo e ritmo, nos ajudaria na construção dos nossos espaços interiores. Há aquelas com quem criamos jardins, há aqueles que criam muros, há aqueles que derrubam portas e ampliam horizontes. Enfim... cada um tem um toque especial e esperamos que a pessoa que escolhemos para habitar nosso universo interno seja capaz não apenas de criar espaços, como cuidar dos que lá se encontram. Não é uma tarefa fácil, nem simples, por isso é um aprendizado constante e permanente. 

Assim, é como se o outro chegasse em sua casa e ampliasse ambientes, restringisse espaços, criasse novos cômodos, fechasse alguns antigos. Algumas mudanças nos tornam melhores, dão um colorido especial as nossas vidas. Outros aprisionam, inibem, restringem, cala e impede de ser o melhor de nós.
E daqui decorrem milhares de coisas que eu gostaria de escrever e provavelmente vá:

uma- como nós cedemos esses espaços para os outros em nossas vidas;

duas- como as mulheres fazem essa concessão sem se darem conta, como se fosse algo natural; talvez seja, eu não sei.

três- como a gente vai se perdendo de nós mesmos, em espaços que cedemos, que nunca habitamos, nunca fomos?


Todavia, não deixa de ser sintomático a naturalidade com que o masculino se apodera desses espaços internos do feminino e como esse feminino, se "realiza" nessa entrega. Como que nessa disputa-entrega-concessão de espaços de repente a pessoa está num labirinto e não se percebeu.


A ideia do labirinto é boa, porque finda a relação, elas se olham e não se reconhecem. Elas se olham e não sabem quem são. Elas se olham e buscam entender o que fizeram com elas mesmas, por que abandonaram empregos, carreiras, sonhos, conquistas, desejos? Elas querem um tempo perdido, elas esperam encontrar um lugar nelas que seja ainda igual a antes do casamento, do relacionamento, mas muitas vezes não há. Elas construíram toda uma relação tendo o outro como centro. E, quando esse centro vai embora, elas giram, rodam, rodopiam, piram, até restabelecer-se.  

Dito tudo isso, volto a moça que estava sentada na minha sala de atendimento meses atrás. 
Em determinado momento peço a ela para lhe aplicar a leitura energética. Ela consente e de imediato percebo uma quentura em suas mãos, típica de uma pessoa mediunizada. Em seguida, vejo no seu campo áurico, por trás da sua cabeça, uma beleza enorme, com profusão de cores, de imagens refletindo uma beleza interna, uma beleza própria, que ela não usa. Vejo algumas questões relacionadas ao pai e findo. Era mesmo mais um apaziguamento para ela do que um esclarecimento.

Conversamos. Ela diz estar sentindo-se melhor. Conto para ela o que percebi e como estava interpretando aquelas imagens. Como que o conflito de agora tinha uma relação com o abrir mão que ela estava fazendo. Pergunto sobre o pai. Uma presença muito forte no corpo astral dela. E, aí ela me conta parte da sua vida: ela me fala que teve uma escola de dança que acabou fechando, na verdade fez mais, parou de dançar porque o namorado é muito ciumento. Perdeu o contato com o povo da dança pelo mesmo motivo, ciúmes e medo que o moço a deixasse. 


Sim! Toda aquela beleza, aquela expressividade que eu via, estava relacionado a dança. Era uma energia imensa, que um homem, um cara, queria só pra ele. Já pensou em colocar a luz dentro de uma caixa? Foi isso que ele fez com ela. E, ela por amor, por medo, por... foi se enclausurando, se deludindo, até que uma parte dela mesma resolveu gritar, protestar, criar situações de conflito e confronto. Sim, isso é possível e sim, fazemos isso. 

Essa energia é dela. Essa energia é ela. Uma energia sensual, magnética, atrativa; bela é a melhor forma de traduzir. Querer tirar isso dela é tirar a parte mais significativa do seu ser. E, quanto tempo uma pessoa consegue viver sem ela mesma? Por quanto tempo uma pessoa consegue ficar trancada na posse e desejo do outro? Talvez por anos, mas nunca a vida toda. E, não coloco isso aqui, na perspectiva de que haja uma vítima e um carrasco, há um jogo, uma dança, uma relação na qual os dois podem buscar o melhor equilibrio, a melhor dinâmica. Um jogo no qual as vezes é conveniente estar trancada, é uma proteção. Importante saber que há outras, mas essa é uma forma. 

De forma que o universo tinha me desenhado, como nunca vira antes tão claro e explicito a situação diante dos meus olhos. A dor do término dos relacionamentos é essa dor de termos nos abandonado. E, fazemos isso em maior ou menor grau. Entregamos aquilo que não pode ser dado numa relação, que chamei anos atrás de SI MESMO, quando uma moça me perguntou o que era ser solteiro?

Ser solteiro é se levar inteiro para qualquer relacionamento. Ser solteiro é ter a consciência de que não irá iniciar nenhum relacionamento sem Si Mesmo e não terminará nenhum sem levá-lo, sem trazê-lo junto de si como melhor amigo, companheiro, parceiro. Ser solteiro é ir ganhando a maturidade que um bom casal é a soma de dois indivíduos e não de duas metades. 



E a dor dos relacionamentos é que esquecemos de nós. Somos com o outro, pelo outro, mas vamos deixando de ser e de fazer o que queremos, o que gostamos e esse preço é muito caro. Não há corpo emocional e psíquico que suporte esse abandono, esse esquecimento e não são poucas as vezes que essa energia se volta contra a gente criando padrões de repetições, criando motivos para conflitos, para términos, para mudanças de padrão que no fundo nos pede um resgate de nós mesmos. 


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III- Aprisionada na Jaula com um bicho-homem


Esse enredo amoroso, me remete ao caso de um amiga. Ela fora casada com um animal, uma fera, um bicho, que a agredia de todas as formas e maneiras, do corpo físico ao espiritual, deixando sequelas, feridas difíceis de ser tratadas. O cara era um bruto, um selvagem, um estupido. O segundo marido já foi melhor, mas cometia violências emocionais.  As físicas, ela não tolera mais, nem aumento de voz. 

O inusitado de tudo isso é como que a necessidade dela de proteção, de cuidado, de ternura, a fez sair de casa e casar-se aos 16 anos com uma pessoa que era ciumento, paranoico, possessivo, controlador. E, mais estranho ainda é como ela briga com a ternura dela. Como que todas as vezes que um futuro pretendente atrasa, ou desmarca algo, ela se sente tola, usada, rejeitada. Como que as relações dela de certa forma não avançam, porque ela adquiriu um vírus da estupidez que ela transmite, que a contamina sem que ela dê conta. 



Ela tenta se proteger de predadores, mas nessa luta, ela se machuca muito mais, porque não são todos os homens que são bichos, estúpidos, animais. Alguns não sabem nem o que é isso e não entendem as soluções que ela busca. As escolhas que ela faz. No final nem ela mesma e isso a machuca, a isola. Ela não quebra o padrão. O vírus transmitido pelo bicho a aprisiona ainda hoje. Assim, o que que observava nas nossas conversas era a dificuldade de alguém ferido se deixar ser tocado. A memória do corpo quer carinho, quer afago, mas ao mesmo tempo não reconhece esse padrão. O toque é entendido como sexual, seja ele físico, emocional, espiritual. As relações são baseadas na base da troca. Dou sexo e espero presente. Dou presente e espero sexo. Uma relação de troca primária, altamente instrumental e objetal. E isso não significa que a pessoa não tenha amorosidade, nem seja carinhosa, é que a forma de proteção encontrada gerou esse padrão reducionista, que ao final, a leva a se avaliar e a se qualificar por presentes, algo material. O maldito do bicho, devorou a beleza dela. 

Mas, quando é possível olhar para todos nós sem que esse vírus do desamor esteja rodando, esteja fazendo estragos, percebo que um sem número de mulheres, de homens, de seres querem COLO.



Um lugar que podem ficar sem precisarem se defender. Um ponto no universo no qual sentirão protegidas, resguardadas, defendidas, amparadas. É um útero, mas é mais do que isso. É um abrigo no qual se pode ser, pode-se mostrar, pode nascer. Relacionar deveria ser proporcionar esse espaço para o outro. Dar ao outro condições de se expandir e de se recolher; de se resguardar e de se voluntariar; de escolher e de ser escolhido.  


IV- Muralhas e Úteros: espaços de proteção.


Recordo de um partilhante que ferido emocionalmente por uma traição passou a se relacionar só com prostitutas. Sexo para ele só pago, ou com mulheres que na balada não cobrassem nada no dia seguinte. A proteção energética que ele havia construído era impenetrável. 


Depois de uns 15 minutos tentando entrar, acessá-lo energeticamente, expliquei para ele a situação. Eu o via dentro de um castelo, mas tem uma muralha turca impenetrável. Por diversos fatores que não vem ao caso, que ela não voltou para avaliarmos, ele criou uma muralha. Tinha a ver com a traição, mas tinha a ver também com a morte da mãe. As duas coisas somadas construiu um distanciamento dele e das próprias emoções e sentimentos. 

Dentro da racionalidade lógica que ele erigiu, ele não estava mais sofrendo, poderíamos dizer que não estava nem sentindo. Ele tinha construído uma muralha na qual ninguém entrava. Ninguém. Ninguém. Quem já trabalhou em reunião de desobsessão já cruzou com esses caras poderosos, empedernidos, e que de repente descobrimos que todo aquele império, toda aquela frieza, toda aquela maldade se devia a orgulho, vaidade, amor não correspondido, ciúmes. E, diante do ente amado: o filho, a mãe, a ex, desatam a chorar como meninos. Porque é isso que são e somos no que se refere aos sentimentos- meninos. 

Eu estava diante de um encarnado, mas não tínhamos afora as irmas e a mãe no astral sem poder interferir, ninguém a não ser ele mesmo com as chaves da muralha. E, o paradoxo era: ninguém entra, mas ele também já não conseguia sair. Ele estava trancado, com ele mesmo e isso era devastador, assustador. 
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Ele fora levado pelas irmãs que estavam muito preocupadas com a insensibilidade dele, não ouvia ninguém, estava bebendo muito, brigando demais. Ele não conseguia receber afeto das pessoas e em certa medida também não conseguia dar afeto. Expus isso a ele e disse que se ele não desse permissão, eu não conseguiria entrar, ninguém conseguiria.

Ele deu e isso me chamou atenção para como nós homens nos protegemos emocionalmente. Nós nos fechamos em armaduras, em castelos, em muralhas impenetráveis. No entanto, essa proteção do mundo, retira nosso contato e nossa sensibilidade com o mesmo mundo. Mas, essas construções internas atraem um sem número de mulheres. Esse moço nunca teve tantas mulheres como nessa fase que ele se encontrava, ou se encontra. Porque em certa medida, ele oferece uma proteção. Na carência, na falta, na rejeição, na fuga de si mesmas, esses castelos encantados são atrativos, mesmo que depois se perceba e se compreenda que de todo o castelo o único aposento que ela pode frequentar é o calabouço, ou a Torre de Marfim.

Seria trágico, mas muitas mulheres conseguem abrir espaços, portas e acessos nesses homens. As vezes o preço é muito alto. Outras vezes o preço é bom para todo universo. 

Já as mulheres, até onde pude perceber e visualizar, elas não constroem armaduras. Nunca vi nenhuma armada ou trancada nesse espaço, mas elas se escondem nos aposentos dos seus parceiros. Sabe aquele colo desejado? Esse moço estava cheio de mulheres, muitas fazendo trabalhos espirituais (goécias) contra ele, outras apenas vibrando energeticamente. Mas, todas tentando um lugar de destaque e de proteção dentro da muralha. 

A falta desse colo, ou a necessidde de um cria espaços, escolhas, experiencias e relacionamentos que invariavelmente irá remeter ao apaixonar-se. Isso deveria ser lição obrigatória, matéria de aula. Apaixonar-se. Conhecer-si. Olhar para si mesma(o) para re-conhecer o outro, o mundo. Para poder escolher, até onde é escolha, parceiros que auxiliarão na construção de um si mesmo(a) melhor para si, para o outro, para o mundo. Não deveríamos nos furtar a essa empreitada.

De modo que não conheço as mulheres que ele se relaciona, mas pelo que pude observar de outras, elas estariam em busca de um colo. Elas estariam desejando, querendo uma proteção e em troca disso pagam o preço do SI MESMO; permitem que esse outro invada, conquiste seu universo emocional e quando eles vão embora, ou a pessoa toma consciência daquele espaço, ela está devastada e fazer o que? Fazer como?




Muitas não sabem. Muitas acreditam que o espaço interior delas é do parceiro. Que quando vamos embora, levamos tudo de bom e deixamos tudo de ruim. Nisso posso afirmar que se dá o inverso, o contrário. De modo geral são as mulheres que nos empoderam. São elas que nos encorajam a ver nossas qualidades, e vendo expressar no mundo. Quando o relacionamento finda, muitos não terminam nunca, são eternos, mas, findam em algumas formas, no que se refere a divisão de alguns espaços, quando isso acontece, vocês deveriam saber que o outro é construção suas também. Que muito dele é seu e o que você vê de melhor nele é algo que existe de melhor em você.

Relacionar-se é empreender essa troca, essa partilha. Talvez sem disputa, mas com todo amor que ambos merecem. O amor de que podem ser melhor para si mesmos e para vida como todo. 


Em 2017 estaremos falando mais sobre isso. Promovendo entre as pessoas essa capacitação, essa liberação e libertação. Podemos amar mais, podemos amar melhor. E, isso pode ser aprendido, embora a experiência é o que faz o diferencial. Mas, amor pode ser compartilhado, pode ser trocado, pode ser discutido, por ser aprendido, porque passa pela nossa construção simbólica. 

A descoberta e o fortalecimento do SI MESMO, SI MESMA é fundamental para qualquer relacionamento. Relacionar-se com pessoas que não tenham esse demarcador de forma clara com certeza aumenta as tensões do relacionamento.





sexta-feira, 4 de novembro de 2016

LÓGICA FORMAL: o LEGO e a FILOSOFIA CLÍNICA.


As crianças em suas brincadeiras e formas de ver o mundo sempre nos dão chaves de entendimento para questões mais profundas e sérias, pelo menos na visagem do adulto. Recordo de um grande artista dizendo que toda sua trajetória foi tentar reproduzir os traços que dava quando criança. Creio que ele estava querendo dizer sobre a leveza, a espontaneidade, aquele silêncio despreocupado, despojado de quem nada tem a fazer a não ser fazer o que se está fazendo. Esse comprometimento lúdico, austero, impagável, incorruptível. Por essas vias infantis e pueris, em partilha com um partilhante, ele me falou de como é lógico, racional e surpreende-se com a falta de lógica das pessoas e da sociedade de modo geral.

A partir da sua fala, da aula que eu tinha que elaborar fiquei pensando na FC (Filosofia Clínica) e como ela se sustenta e se estrutura na lógica. A rigor, uma lógica cuja ‘logicidade’ é a convicção de que não há uma única lógica, ou seja, as lógicas são muitas, são várias, são particulares, universais, singulares. E é bonito na Filosofia Clínica esse duplo movimento de aceitar a lógica do outro sem buscar enquadrá-la num sistema, e desvelar para esse outro a lógica que lhe é própria, intrínseca e ele opera na sua existência. Sim, longe de a partir de uma identificação que restringe, molda e rotula, a FC busca de posse dessa identificação proporcionar meios e mecanismos do outro ser.



Em outras premissas, a FC tende a auxiliar os sujeitos a se compreenderem, o que vale dizer que nessa compreensão, eles podem descobrir comportamentos, pensamentos que os machucam, que os desagradam e assim querer modifica-los. Alterá-los e reconstruí-los com a ludicidade atenta de quem brinca de LEGO. E, agora falo com uma linguagem mais técnica, mas não sem antes ensejar a você leitor que passou os olhos por aqui e está em busca de compreender-se mais e melhor, compreender-se inclusive naquilo que a principio para você não tinha uma compreensão- marque uma hora, um encontro com um filósofo clínico, com um terapeuta e tente visualizar como é que você constrói a sua existência.

A Filosofia Clínica tem várias correntes de fundamentação. Uma que eu gostaria de explorar nesse momento é o da lógica formal. Como salientei, tenho trabalhado com um partilhante que se entende como um lógico, um ser que busca a lógica em todas as coisas e em todas as suas ações, caracterizando-se pela sua forma de compreender o mundo, como um racionalista.

Observando-o e estreitando contato com ele, foi me evidenciando como a lógica na FC tem uma importância cabedal. Não há um tópico, uma categoria, um submodo (SM), uma estrutura de pensamento (EP) que não seja lógica. Num primeiro momento pode-se pensar que por ser lógico é rígido, rigoroso, duro; quando na verdade, a lógica pode ser construída e efetivada para qualquer coisa, inclusive a maleabilidade. 



De forma que a FC faz uso da lógica formal para compreender cada partilhante como tendo uma malha intelectiva própria, com plasticidade própria, não podendo ser taxado de anormal, louco, doente. Há nele uma maneira de ser (jeito de se relacionar) que é próprio dele. Uma forma que as vezes ele desconhece, ele ignora, ou que outras vezes o incomoda, o inoportuna a si ou a outras pessoas. Em cada caso, ele pode se perceber seja como construtor dessa lógica, seja como herdeiro dela, mas em todos os casos como o único que pode fazer alguma coisa. É nesse fazer que eu avanço para o lúdico.


Todos conhecem LEGO, não conhecem? Aquelas peças de encaixe que possibilitam a criação dos mais diversos artefatos? Quando criança a gente brinca muito com Lego. Eu via algumas construções e custava a acreditar que se tratava das mesmas peças que eu dispunha. Como, que com aquelas peças algumas pessoas criavam robôs, casas, cidades? Certa vez, já adulto, vi que professores ensinavam robótica para seus alunos fazendo uso das peças de Lego. Eu achava fascinante por um lado e frustrante por outro, afinal como?


Pois bem, a FC é similar ao Lego e o ponto maior de intercessão entre esse brinquedo e a FC se dá justamente na lógica formal da montagem. A partir de uma mesma peça, cada um forma os mais diversos objetos, cada um cria uma arquitetura neural rica em ligações, comunicações; não obstante criam-se também armadilhas conceituais, pré-juízos que nos prendem dentro desse universo criado por vezes sem escapatória. Àporo como dizia o poeta: “ um inseto cava...”


Nesses moldes a FC é uma terapia lógica, na qual se utilizando das ferramentas e metodologias adequadas auxilia-se o outro a perceber-se, compreender-se dentro da sua logicidade. Não há em FC um jeito certo de ser. Um padrão, ou uma forma na qual as pessoas são colocadas para se adaptarem, pelo contrário, de posse das suas peças (Lego), cada sujeito se constrói, se edifica em relação com os outros, com o meio, mas de um jeito seu. 
É movimentando dentro dessa lógica que o filósofo clínico aprende os exames categoriais, baseados em Aristóteles, Kant, Ryle. Compreende a historicidade, baseado em Hegel, Gadamer e Dilthey. Trabalha as EP e SM baseados nos mais diversos pensadores.
É devido a essa estrutura lógica que toda FC se movimenta desde a parte mais imediata até sua estrutura mais complexa, como a Matemática Simbólica.


 Assim nos fala Lúcio:
A Filosofia Clínica não buscará a harmonia, o bem-estar, não procurará soluções hedonistas, não tentará a cura, principalmente porque em seus pressupostos inexiste a patologia. Também inexistem pré-concepções como liberar o fluxo das emoções, etapas de desenvolvimento, noções apriorísticas sobre aborto, suicídio, sexualidade, morte, homicídio. Um filósofo clínico, em seu ofício, entra em contato com suicídios legítimos cujos argumentos repousam em razões estéticas e não em razões éticas ou religiosas; entra em contato com desenhos existenciais do pensamento que a medicina tem por psicose, e, para o filósofo clínico, muitas vezes será esta a melhor condição existencial de algumas pessoas conforme as circunstâncias e o que viveram até então; entra em contato com o absurdo que Camus anunciou, criaturas adormecidas por um mundo que lhes propicia o soma de Huxley, e às vezes acompanha tais caminhos ou se opõe a eles. Onde Freud sentenciou que a Psicanálise parasse, na psicose, é onde muitas vezes iniciará a Filosofia Clínica. Nosso endereço existencial será dado na trajetória que percorrermos com quem partilhamos os espaços da vida.” (Packter, in: Filosofia Ciência & Vida Especial, 4, em entrevista concedida).
 
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domingo, 16 de outubro de 2016

XIII ENCONTRO MINEIRO DE FILOSOFIA CLÍNICA/I DIÁLOGO NACIONAL DE FILOSOFIA CLÍNICA.

O belo encontro aconteceu na não menos bela cidade de Poços de Caldas. Tomei a liberdade de fazer um breve relato das falas dos queridos companheiros de área que tanto acrescentaram e contribuíram para os diálogos. Essa fala é um olhar, uma percepção e não sei em até que ponto toca a forma como cada qual compreendeu e sentiu as comunicações. De todo modo, confiram aí e podendo acrescentem mais informações, percepções.

13 de outubro

·        14hs Abertura dos Trabalhos.

Os trabalhos iniciaram com o atraso natural de quem espera pela chegada de todos os participantes vindos dos mais diversos pontos e a alegria dos reencontros. Nesses reencontros sentimos a falta da amiga, professora Marta Claus que por motivos outros, não pode estar conosco fisicamente, mas esteve das mais diversas formas, inclusive na lembrança carinhosa de cada um dos participantes que tinham nela uma intercessão que nos unia.

·        15hs PRÁTICA DA FILOSOFIA CLÍNICA EM OFÍCIOS DE ARTES: Ana Cristina da Conceição.

Foi uma bela abertura das apresentações. A moça bela, inteligente, sensível e me permitam dizer ‘desconhecida’ emocionou a todos ao expor um trabalho tão singelo, tão sensível e tão fortemente embasado, costurado nas metodologias da FC.

O trabalho desenvolvido se dá num espaço pago pela prefeitura de São João Del Rey, sobre a supervisão de uma psicóloga e de uma artesã, que mediante pintura, crochê, pequenos reparos em material de demolição, música e outros ofícios auxiliam os participantes (muitos rotativos) a retornarem as suas vidas mediante o ato poiético. Nessa relação dialética, laborativa no qual o trabalho transforma a natureza, ao mesmo tempo em que transforma cada um dos envolvidos; alterando as vizinhanças, as autogenias. Toda casa é gestada e gerida numa ótica da sustentabilidade em que o produzido é vendido para o sustento da própria casa e a capacitação interna dos envolvidos.

Ana Cristina nos fala de alguns partilhantes, da dificuldade de se seguir a sequencia metodologica da FC da colheita categorial a aplicação dos submodos, devido a muitos fatores, especialmente, a própria dinâmica do lugar. Ela destaca em sua fala, três partilhantes. Primeiro (não em ordem de apresentação) o rapaz que sentia a cabeça como uma panela de pressão. Depois a que que se falava pela pintura das rosas, das flores. Em terceiro outra que mediante o canto, a música se falava, se desvelava. Esta chegava muda, ia em direção ao teclado e começava a cantar, a tocar. Depois de muito canto, ela falava das suas dores, do seu mundo, das suas representações. Nisso vinham outras músicas não apenas dela como de outras pessoas.

Essas pessoas se dizem com as semioses mais variadas, que Ana Cristina numa atenção sensível vai proporcionando, ou vai dando condições de eles se desvelarem da maneira que somente ele pode se dizer (singularidade). Singularidades encontradas pelo submodo da esteticidade.

Essa apresentação mexeu demais com todos nós, inclusive comigo, porque me lembrava o trabalho de uma amada-amiga junto a saúde mental lá nos idos dos anos de 1980 em São Paulo, mas quem vai retornar parte dessa história será o Dr Cláudio em sua fala. Enquanto ela ia narrando eu ficava pensando a necessidade de espaços como esses para acolher as pessoas que estão passando por ‘transtornos’ psíquicos e mais do que serem estigmatizados necessitam ouvir-se, perceberem-se para darem prosseguimento a sua vida. Prosseguimento que passa pela acolhida, pela produção não em série e em escala, mas a produção via poiesis, na qual aquilo que eu produzo, eu gero, eu faço não me aliena de mim, muito pelo contrário, possibilita que eu me veja e me perceba no objeto produzido. Nesse ponto eu valorizo aquilo que faço/sou. O sujeito passa a encontrar sentido na sua existência e amplia a sua sensibilidade, ou aprende a lidar com ela por intermédio da Arte.

Por muitas vezes eu fiquei para perguntar a ela: vc viu Nise da Silveira? Veja!! E arteterapia, ou já leu “O Mundo Secreto dos Desenhos”?

Enfim, a gente espera a escrita da Ana em um artigo para ampliar ainda mais nossa percepção. Foi uma graciosíssima presença.

·        16:30hrs FILOSOFIA CLÍNICA NO CUIDADO AO IDOSO: Patrícia Oliveira.


Uma abordagem ‘nova’ para a FC na qual Patrícia com extrema competência e clareza expõe a amplitude profissional do filósofo(a) clínico. Ela nos fala do posicionamento deste ao lado do seu partilhante, ressalta a necessidade de se cercar de bons profissionais e estruturar o seu trabalho no mais alto nível. Pode parecer bobagem, mas Patrícia nos ensinou que o cuidado ao outro não desassocia do cuidado de si mesmo. E, o prisma que ela utiliza para construir essa abordagem não é a terapêutica, que estamos acostumados e afeitos e sim a PROFISSIONAL, que as vezes escapa. Ou seja, cuidar de si mesmo aqui refere-se a responsabilidade de se compreender como alguém que estudou, se capacitou para exercer uma função e esta não pode ser meramente voluntária. Ela nos mostra a importância de se guardar um lugar e de se estabelecer numa posição de forma ética, clara, transparente. E tudo isso passa ou tem como ponto emblemático, um CONTRATO.

Em sua fala, ela aborda alguns casos, como o de alertar a equipe médica que sua partilhante que estava no CTI não podia receber determinada medicação, registrando e aclarando a atenção que ela dispensa aos seus atendimentos, ao cuidado prestado e envolvido a cada partilhante. Ela nos conta também do acompanhamento junto com as/os partilhantes a uma consulta médica e a garantia a essa partilhante que ela tenha voz, seja ouvida. Já que algumas vezes os médicos ignoram a presença da pessoa buscando se comunicar apenas com os familiares, ignorando a percepção e a representação do outro. Fica da sua apresentação o profissionalismo, a ética pessoal e profissional como grande marca.

Também esperamos um artigo, ou uma vídeo conferência, um curso virtual falando e expondo para mais pessoas essa experiência exitosa.   

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 17:30hrs ESTÁGIO SUPERVISIONADO: para que orientador? - Guilherme Gomes Caiado

Parte dessa exposição já podemos ler na Partilhas desse ano. Guilherme de uma forma bem aconchegante inicia a sua apresentação com uma dinâmica de apresentação. Após isso, ele nos coloca para refletir e depois falar sobre o papel do orientador.

Guilherme em conjunto com Maíra sua amiga e colega de turma escrevem dos contratempos que teve ao longo de seu pré e estágio supervisionado. O ápice do contratempo se dá quando a sua partilhante, depois de setenta páginas escritas, acaba largando a terapia. Ele desesperado, descontente, pensa em largar de vez a busca pelo certificado A.

Chama atenção em sua fala e no diálogo que se estabeleceu a partir da sua exposição, o sentido metodológico e especialmente que escapa a metodologia na formação do filósofo clínico. Mais precisamente, parece que todo ensinamento metodológico da FC tem o objetivo que aprendamos aquilo que não se ensina por nenhuma técnica: o respeito a singularidade e a escuta. 
Particularmente, gosto de pensar que o pré-estágio é o momento no qual o filósofo clínico se coloca na condição de partilhante (espacialidade) sem a qual a clínica fica dificultada. Guilherme nos fala da necessidade de entrega, da confiança, da organização não apenas mental quanto psíquica para a clínica acontecer de forma mais clara e elegante.

14 de outubro

·        9:30hrs ABERTURA DOS TRABALHOS: Izabel Cristina.

Realizou uma dinâmica que serviu de orientação para pensarmos algumas situações.

·        10hrs A QUESTÃO DO AUTOCONHECIMENTO NA FILOSOFIA: da identidade à singularidade- uma contribuição para a prática da Filosofia Clínica. Marta Batallini.

Sem dúvida foi o trabalho que pautou as discussões do dia e atrevo-me a dizer do encontro. Por uma via muito bem sedimentada academicamente, Batallini nos fala da construção da identidade a partir do daimon (voz interna) grega, passando pela conceituação de persona/mascara pelo viés sociológico de Talcott Parsons de (ator social).

Essa construção identitária serve para ela pensar os múltiplos papeis existenciais que vivenciamos e a necessidade de: 
a)   não soma-los, isto é, deixar que a esposa se alce ao papel de namorada, ou de mãe, ou a de professora, ou a...
Na matriz sociológica que ela fundamenta muito bem sua percepção, as mascaras sociais que utilizamos são frutos de uma soma e não de uma divisão. Ou seja, todo número multiplicado por 1 é ele mesmo. Nessa condição há um mesmo (nossa identidade) que deve ser multiplicada e não somada. Quando a somamos tendemos a nos dividir e a levar problemas de uma persona para outra. Essa somatória segundo a percepção dela tende a acarretar problemas existenciais, que valendo-se de seus procedimentos são fáceis de auxiliar o outro. Sem dúvida que é clinicamente interessante.

Ela ainda avança para a questão da singularidade que não me atrevo a buscar expor aqui de forma breve. Não preciso dizer que é provocante a visão e concepção por ela apresentada, mas de fato muito boa e interessante. Digna de um artigo para melhor apreciação e discussão. Partilhas e nós aguardamos.

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             11:30hrs A FILOSOFIA CLINICA NA PSIQUIATRIA: Cláudio Fernandes

Uma apresentação cuja marca foi a humildade. Talvez tenha sido essa a grande impressão que o Dr Cláudio provocou em todos nós. Com um texto pronto, ele o guarda e prefere o diálogo conosco e com a apresentação da Marta Batallini que o antecedeu.


Ele nos fala de três grandes matrizes, a da psiquiatria e a classificação via DSM. Fala dela com certa dificuldade e incomodo (percepção minha, ele não fala disso diretamente). Mas, ao longo da exposição dele vai ficando claro a insatisfação e dificuldade de fazer uso desse mundo pronto e acabado no qual irá apenas se enquadrar o outro.

Nessa dificuldade psiquiátrica, ele fala da FC a abertura que ela proporciona de abordar o outro em seu universo. Nesse ponto, ele nos conta das suas atuações históricas junto aos vários movimentos psiquiátricos e antipsiquiátricos, culminando sua fala para o Programa Braços Abertos da cidade de São Paulo. Fala da acolhida aos usuários e dependentes químicos. Nos conta da sua abordagem em ouvir, escutar as demandas dessa população, assim como dos coletivos que lidam com eles, médicos, enfermeiros. Nessa sensibilidade, ele fala da importância inusitada dos dentistas para a recuperação arcaria dessas pessoas e com isso todas as implicações que isso acarreta ao recuperar a aparência, a mastigação.

Por um ato falho, ele esquece a psicanálise que lhe serviu de esteio por décadas, mas não se alonga muito por ela, apenas a registra. O cerne então da sua fala foi a escuta, mais do que uma escuta, é o desapropriar-se de qualquer pre-juízo. É o estar nu mentalmente para acolher e receber o discurso do outro, seja qual for o discurso. 

E, junto a esse discurso abrigar, acolher o outro numa atenção profunda, eidética, de acolhimento. Poucas vezes eu ouvi uma tentativa tão radical ( no sentido de ir às raízes) de se buscar e de fato entregar ao outro um lugar no qual ele pode ser ele mesmo e não se ter nenhuma metodologia definida, nada a ser utilizado, a não ser a escuta daquele ser que sofre.

Foi em pontos como esse que a humildade dele foi reconhecida, já que o psiquiatra tem o poder da imputabilidade. Poder social utilizado com os fins mais perversos e mercadológicos. Cláudio parece abrir mão de tudo isso para ouvir esse outro e a partir dessa escuta propor alternativas que não firam, não destruam, não abalem, não destitua o ser da sua singularidade. A beleza e o respeito a isso é de uma luminosidade estonteante.

Esperamos que de certa forma o texto não lido possa ser acolhido pela revista Partilha para uma publicação. Assim como maiores detalhamentos de como ele tem desenvolvido a sua prática médica. Recordei em parte do livro Visita de Médico.


·        14:30hrs PERSPECTIVAS DA FILOSOFIA CLÍNICA

Everaldo realizou o relato de sua busca por si mesmo, pelo autoconhecimento. De forma breve, mas bem pontual, ele nos contou, sua ‘historicidade’. Bacharel em música, toca flauta clássica, aos 24 anos sente uma angustia existencial que encontrou apaziguamento ao ir morar e estudar (flauta) na França. Depois de um ano, ele percebe que a angustia era um pouco maior e resolve dar um passo ainda mais instigante. Já estava lançado na facticidade da existência, ousou um pouco mais, foi estudar yoga na Índia.



Acreditou que era somente chegar, sentar na posição de lótus e se tornaria professor, aprendeu que a Yoga tinha escola, graduação, mestrado, PHD, aulas cinco, seis dias da semana, conhecimento da anatomia humana nos seus mais diversos corpos. Implicações das glândulas, dos hormônios. Relação entre as asanas e as ativações hormonais, glandulares, fisiológicas. Estudou tudo isso, virou PHD e voltou ao Brasil depois de sete anos. Entrou na faculdade de Filosofia, formou-se, tem se especializado e dedicado a filosofia da mente, abriu um Centro de yoga em Poços onde dá aulas e acabou encontrando a FC, que está já no estágio supervisionado.

·        15:30hrs FILOSOFIA CLÍNICA E LEITURA ENERGÉTICA: uma percepção sobre a singularidade e a universalidade. Kélsen André

Como bem situou o Marcio antes mesmo da apresentação: e o particular? Tem o universal, o singular, cadê o particular?

Ótima provocação. Como já tive a oportunidade de falar e quase me arrepender do que disse, agora escrevo sobre o que eu não falei e gostaria de ter dito, rsrs.

Pensei no diálogo, o realizei comigo e em mim e agora compartilho com vocês, ressaltando àqueles que não estiveram lá, que não foi assim que se deu.

Meus problemas eram dois: o que é isso, singularidade? Quanto mais nos aproximamos da singularidade, mais universal nos tornamos. Diante disso, minha questão era: é possível chegar ao conhecimento do outro? Estou querendo dizer e pensar se há uma singularidade na qual me identifico e me defino? Como alguém pode se tornar aquele que ele é? Diante dessa tensão, o que é isso singularidade?

Nessa pergunta, eu estava buscando a identidade e partindo de um a priori de que ela existe. Para isso falei da Leitura energética e outras práticas esotéricas como a astrologia que parte de um pressuposto da possibilidade de se conhecer o outro, mais do que ele mesmo. Parte-se dessa possibilidade, porque de certa maneira há uma convicção de que algumas artes divinatórias, algumas técnicas bioenergéticas captam a essência e não o aparente. Ou seja, estava afirmando sem conseguir provar, mas tinha convicção, rsrs de que há um universo vibracional e que antes de qualquer coisa, esse universo se manifesta.

Uma clara contradição performativa pelo viés filosófico, especialmente o da filosofia clínica para quem eu só venho conhecer esse outro se ele se apresenta e a partir da apresentação que ele me fornece. Aqui então temos uma intercessão entre esses dois universos, a saber; é no recorte, na historicidade, que eu conheço o outro. Todavia é ingenuidade o filósofo clinico acreditar que ele conhece o outro, já que esse forneceu apenas um recorte de si mesmo.

Nesse ponto, eu gostaria de ter estreitado uma discussão mais clara com a perspectiva da Marta Batallini e a fala do Dr Cláudio, no sentido de incorrer na impressão de que haveria uma identidade, algo que nos faz ser quem somos. Esse algo chega antes da minha atuação social e do meu papel existencial. É algo que eu vibro falando ou calado. É algo que me identifica e me singulariza. Torna-me eu e não outro. E, diferentemente do apontado pela colega todo sentido existencial é conhecer essa voz e agir por ela, de modo que se houver uma representação social, o único papel que eu posso representar é o de Mim Mesmo. E, esse eu mesmo se dá no conhecimento dessa voz profunda que existe em mim. E é essa voz que deve coordenar todas as minhas outras representações sociais.

Nessa visão, caminharia para a concordância do pensamento do Dr Cláudio que nos disse num outro contexto, mas com o mesmo sentido, que ir à clínica empossado desse olhar é um pre-juízo, é contaminar o olhar e talvez a escuta no que esse partilhante nos trás. No entanto, todo o trabalho terapêutico seria uma forma de devolver o si mesmo para a pessoa e não ensiná-la a se comportar nos mais diversos atos e representações sociais que a gente atua. Obvio que eu voltaria ao meu paradoxo da demarcação de até onde e até que ponto é legitimo minha crença nesse si mesmo, por exemplo, pensando num si mesmo de um sócio ou psicopata? Teria ele o direito de matar exercendo a sua vibração e essência? Terapeuticamente, essa poderia ser uma descoberta legitima- um assassino por natureza como rezou Quentin Tarantino?

Vou tentar escrever sobre isso e publicar junto a Partilhas e peço perdão aos queridos colegas pela falta de maior clareza acerca do diálogo que eu gostaria de ter realizado e promovido. Na próxima vez que for tão instigado por falas anteriores, que mexem tanto na apresentação que faria, abrirei uma mesa de discussão.



Ali, eu queria mais ter ouvido, promovido um debate do que falar do paradoxo entre singularidade e universalidade, pelo menos no que tange a pessoa humana no seu universo terapêutico.

·        17hrs MESA REDONDA: considerações acerca do I Curso de Aconselhamento Filosófico em Faro/Portugal: mediador Márcio José Andrade da Silva. Participantes Maria da Conceição Silva e Leonardo Ricco.


O caríssimo Márcio abre a fala mostrando paisagens de Portugal e trilhas por onde passaram. Em cada foto, ele nos conta um pouco do vivido, do experenciado, das relações. Talvez a grande foto seja a da visita a um vilarejo de pouquíssimos habitantes e a convivência com uma velha moradora que além de lhes abrir as porteiras para chegarem ao lago/rio que banha o vilarejo, os leva para casa para saborearem o vinho que ela mesma faz.

Em seguida Leonardo Ricco trás seu artigo que está publicado na Partilhas n° 3 trazendo sua percepção sobre o esoterismo e os vários significados que esse termo possui. Mesclando sua fala com o que escreveu, o que vivenciou e as paisagens internas que ele visitava em lembrança, Leo foi tecendo um universo interno, no qual ele queria nos levar para dentro, nos dar um olhar a partir da sua pupila.

Assim, como Márcio nos brinda, revive e explica suas memórias e percepções mediante fotos, nos levando junto com ele no seu olhar significado. Leo de forma ainda mais artística tentou nos levar junto dele, tentando nos fazer perceber e compreender que cada conceito construído era fruto de um sabor (sapere) experimentado. Nenhuma daquelas palavras eram apenas palavras e sim sentido de algo que marcou a sua alma e alterou seus passos (metodologia). 

Caminho que se faz ao caminhar, na sua abordagem. Claro que não conseguimos captar o que ele nos disse com a singeleza e singularidade que ele nos apresentou. Entrar no tempo subjetivo do outro é sempre um desafio. Mas, a beleza desse lugar, a ousadia de tentar mostrar essas paisagens é sempre emocionante, comovente, cativante. O artigo de Leo vale a pena demais ser lido, assim como todas as outras coisas que ele faz, devido a essa coragem, essa ousadia de buscar caminhos pouco explorados, as vezes inabituais. Poucos de nós filósofos clínicos temos a ousadia de ir tão longe e de arriscar tanto.

A terceira a tecer considerações foi Conceição, que entre o registro cativante e intersubjetivo de Márcio e as impressões internas subjetivas de Leo, nos dá em sua fala a objetividade do relato. Ela fala do encontro, da quantidade de Pintos e outro sobrenome que esqueci que ela encontra em todos os cantos. Fala de como num primeiro momento a abordagem ‘selvagem’ do aconselhamento lhe causou um certo estranhamento. Não somente a ela, como a muitos outros filósofos clínicos. Expondo uma resistência e desconforto inicial que ela vivenciou. Aos poucos, ela foi compreendendo o método, a metodologia e hoje está no nível III do Aconselhamento Filosófico. No ano de 2017, ela deve retornar a Portugal para junto de Jorge Dias terminar o Project.

Um ponto interessante que escutei de duas pessoas que fazem o curso é de como que o foco no problema, a abordagem centrada nesse problema, ajuda na clínica para pessoas que tem emergência, ou querem apenas uma solução para o que em FC denominamos de assunto imediato, sem um tempo maior para terapia. Tanto na visão da Conceição, quanto no da Marta Claus isso foi um grande ganho que o aconselhamento lhes proporcionaram. Aprender técnicas de abordagem para uma terapia breve, para questões emergenciais.

Conceição discorre ainda sobre maiores detalhes de uma e outra técnica, mas aguardamos maiores detalhamentos também na escrita de um artigo.
15 de outubro

·        10hrs NOSSA HISTÓRIA NA FILOSOFIA CLÍNICA: Izabel Cristina Pereira e Márcio José



Como diria José Trajano: “não cheguei aqui ontem, eu tenho uma história.” E que bela história. Izabel Cristina nos remete aos anos de 1990 quando toma conhecimento dessa terapêutica, mas não tinha ninguém em Poços. Entra em contato com o Instituto Packter por intermédio do computador de uma amiga, já que ela ainda não tinha. Do Instituto ela recebe a informação de que o responsável pela região era o Sebastião. Procura o mesmo, mas ele só teria turma a partir do outro ano. Ela vai até São Paulo e localiza um professor que diz que se ela conseguisse uma turma de 8 pessoas, ele abriria uma turma. Ela consegue 12 sendo que apenas 3 buscam a certificação A. Tem um imbróglio territorial, que interrompe o curso.

Ela muda para Salvador e lá refaz o curso, mas quando chega no momento do estágio, a maioria desiste, mas ela não. Cumpre o estágio e se torna filosofa clínica. Retorna a Poços e auxilia na construção das mais diversas associações ao longo do país, que culminará com o nascimento da ANFIC.

Nesse momento surge a pergunta sobre a ruptura ANFIC x IMFIC e Márcio expõe os motivos, as razões. Márcio conta a história do IMFIC, como nasceu, como se estrutura, qual o objetivo, deixando claro que ele é um centro de formação e não um sindicato de representação dos filósofos clínicos. Que na concepção dele e de muitos outros deveria ser o papel da ANFIC.

Particularmente, acredito que ainda que ela se julgue no direito de emitir carteirinha de filósofo clínico apenas para quem passar, num digamos exame de ordem, mas ela não pode legislar sobre os centros, e institutos de formação, por mais que seja compreensível um ordenamento mínimo do que a gente vai reconhecer como filósofo clínico.

A partir disso várias outras tessituras foram consideradas e saliento duas, uma jurídica e outra acadêmica;

a jurídica foi posta por Luiz que das muitas contribuições aponta o caminho de se buscar junto aos municípios a introdução da filosofia clínica como prática integrativa e complementar pelo SUS. Isso garantiria e respaldaria nosso trabalho profissionalmente.

Gláucia acha que não deveríamos ficar nessa fissura de legislação, reconhecimento pelo Mec e coisas similares, porque a nossa prática em certa medida já é maior que a academia. Não no sentido de ser melhor, mas no sentido de ela pode crescer, se estruturar, se fortalecer, se fazer um movimento alternativo a essa loucura que as pessoas tem discutido e tentado fugir. Ela utiliza a mesma lógica para falar da revista e de não entrarmos na loucura de buscar qualis e similares que funciona pelo viés quantitativo, produtivo, que tem pirado e ao mesmo tempo diminuído a qualidade das publicações.

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Enfim... é algo que temos muito a discutir, a construir. Nas recordações de Izabel, de Márcio íamos vendo o tanto que já se andou e o tanto que ainda temos para andar. Ele responde uma dúvida que carreguei de onde estavam as associações que tinham revistas e publicações diversas e percebi que elas foram criadas, mas se ‘dissolveram’ na criação da ANFIC que precisa definir sua posição como REPRESENTANTE DOS FILÓSOFOS CLÍNICOS, precisamos muito disso.

Bem, isso foi o que aconteceu dentro daquele espaço, pelo olhar desse que vos escreve. Cada um de nós lá presente teve um olhar, uma percepção podendo ser complementar, oposta a essa. Fiquem a vontade para produzir asteriscos e continuar a composição do belo encontro realizado.


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