sexta-feira, 27 de maio de 2016

CORPUS CHRISTIS: e o estupro da menina.


4É que, como num só corpo, temos muitos membros, mas os membros não têm todos a mesma função, 5assim acontece conosco: os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo, mas, individualmente, somos membros que pertencem uns aos outros. Rm 12
A imagem do corpo de Cristo é aos meus sentidos a mais significativa da mensagem do evangelho. A exortação paulina de que somos um só corpo é bela e sábia.
Bela por ser mística e transcender o tempo, o espaço. Sábia por ser temporal e propor uma reflexão edificadora. Nela o apostolo tardio pede para que imaginemos o corpo, com seus pés, mãos, rosto, cabeça e todas as partes. Qual a mais importante? Nenhuma, o corpo só é corpo na integração.

Nenhum corpo pode ser todo perna, ou todo olho, ou todo boca, ou todo cabeça, a não ser que se faça monstro. A beleza do corpo e a sua razão de existir está que cada parte se completa, se complementa. Invariavelmente, são sempre aos pares, mas mesmo sendo duplo (mãos, olhos, rins) é singular.



O corpo é então a melhor mensagem para nos compreendermos e para convivermos com os outros. Paulo fala do corpo de Cristo nos chamando para refletir sobre o corpo da igreja. Nós queremos refletir sobre o corpo de Cristo e a estrutura social.

Desse modo, esse texto vai para amigos(as), inimigos, afetos, desafetos que sofrem, que tem sofrido.

Esse texto tem o sentido de ser um conforto, um abraço, um balsamo, um copo de água, uma roupa de frio, um prato de sopa para quem está sentido o clima gélido e estéril dos acontecimentos recentes.
Esse texto é uma pena (diria uma Primavera xamanica) para alguns que acreditam que entraram em outra dimensão e que quando acordar o mundo vai estar no lugar.

Enfim, esse texto é para quem ainda sente, e alguns sentem tanto, que a alma está doendo, sofrendo.

Tentem ler com o coração, porque é tempo partido, tempo de homens partidos, divididos, cindidos, fragmentados. Tempo de cacos e espelhos quebrados. Em vão tua imagem fragmentada servirá para construir o todo que perdeu, que escapou de ti, que foge na medida em que tocas, que escoa quando tenta reter. Nesse tempo, nesses tempos é preciso cor+ação. Sentimento que transborda de si em direção ao outro e se unifica no abraço. Se funde nesse encontro do eu, do outro, que não é mais nem outro, nem você. É um novo corpo que estamos construindo. E, como todo novo corpo, como toda troca de corpo têm dores, gritos, gemidos. Mas, ainda não é o fim.


II

É loucura falarmos da construção de um novo corpo, mas é a imagem que me salta aos olhos quando os amigos me mostram e nos levam a observar os acontecimentos que vem visitando cada parte do planeta. Mencionando apenas os mais recentes: os atentados em Paris, na Somália. O caso da Valle em Mariana, Trump nos EUA, o golpe no Brasil, para falar de uns.

A gente quer chamar de bem e mal, de certo e errado, mas eles nos pedem mais distanciamento, menos julgamento para compreendermos uma nova lógica, uma nova forma de conceber e entender o universo.



Essa nova lógica é orgânica, sistêmica, neural. A Terra não pode ser mais concebida como uma massa inerte e sim como um ser vivo que regula toda vida planetária, com implicações cósmicas. Essa rede interliga os seres, as pessoas. Muitos de nós nascemos desconectados, mas muitos estão plugados nessa rede. Eles estão ligados uns aos outros, uns com outros de uma forma muito harmônica, criando e produzindo alterações mentais, perceptivas pelo simples fato de estarem juntos. Esse campo de ativação está se espalhando, está crescendo. Esse cabeamento ótico conecta a Terra ao universo. Ela se faz um ser vivo, com linguagem própria, vontade própria e muitos conseguem ouvi-la, outros vê-la, outros cheirá-la, outros a decifrarem e a decodificarem. Eles formam um corpo, um novo corpo tanto no seu estado material como no seu estado não físico e não local. É então algo físico, molecular, biológico, químico, orgânico, celestial, interdimensional, produzindo mudanças, alterações em nossa forma de estar no mundo.

Por milhares de anos a capacidade de pensar, de manipular símbolos, de operar signos abstratos dentro da mente nos fez humanos. Deu-nos a capacidade de dominar a natureza, de subjuga-la, de submetê-la aos nossos desejos, caprichos e vontades. Nós dominamos a natureza e acreditamos que isso não teria preço, consequência.

Dentro dessa lógica de domínio e subjugação há a exploração, a escravidão, a opressão. O pênis se tornou símbolo dessa força.

Acreditamos que poder é ter essa força, esse pênis, essa capacidade de dominar e oprimir, subjugar e vencer. Essa lógica é forte na dimensão do capital e maneira de lidar com o mundo, com o outro.

Mas, o problema não é o capital.  A questão é a crença de que o lucro pertence a apenas alguns. A questão é a miséria do pensamento capitalista que acredita que a riqueza é bem individual e não coletivo, que acha que todo corpo é lucro e não prazer, festa, troca, dádiva. A tristeza é a difusão, até mesmo dentro da igreja de Cristo, que os 10% de cada um pertence a apenas um e não ao todo e a todos. E, não há outro nome para quem se apropria daquilo que é de todos, sem restituir e compartilhar novamente com o todo, senão ladrão.

Numa nova lógica orgânica, sistêmica, neural como estamos vivenciando, não mais se permite isso como natural. Não mais se tolera os monopólios, os oligopólios como vontade divina. Já não se aceita as normas do mercado como sendo uma voz sobrenatural. Embora a ambição, a vaidade, o orgulho tenham impulsionado a humanidade até aqui, foi ela também que manteve a roda girando, criando a expectativa de que o explorado pode ser o próximo explorador. Mas, essa sedução já não funciona mais. Eles estão brigando entre eles, querendo os restos dessa lógica miserável que acredita na exclusão.

Nessa nova lógica não estamos falando mais de esquerda e direita, coxinhas e mortadelas, estamos falando de seres humanos que despertam para além do pensar e apreendem uma linguagem amorosa de compaixão e outros que presos ao pensamento não conseguem ver, entender, compreender, respeitar a alteridade. Çeres que veem apenas os iguais e combatem com ódio os diferentes. E, é um engano acreditar que essa lógica da fagocitose vai parar em algum momento. A lógica é que ao final reste apenas ele mesmo se observando diante do espelho. Nenhum diferente, nenhuma diferença, tudo igual a ele. Vimos isso no nazismo, no fascismo, nas ditaduras. Vimos a intolerância diante do outro, do diferente. Vimos que essa massificação passa pela militarização, nada contra os militares, desde que compreendam que a ordem do dia é para os quarteis e não para as escolas, para os quartéis e não para as praças, para os quarteis e não para as casas. Desde que entendam que o corpo social tem atletas, militares, artistas, políticos e nenhum deles tem o direito de reduzir o outro a sua imagem e semelhança. Nenhum corpo pode ser reduzido a uma única parte.
Essa redução é o que denominaríamos de câncer social. Um processo doentio no qual a parte deixa de sentir parte do todo e assume funções que não lhe compete. Algo como Alexandre Frota, Revoltados online e companhia darem sugestões para educação.

O Frota e seus companheiros que estão orgulhosos de terem sido recebidos pelo ministro da educação/cultura tem que compreender qual parte do corpo eles pertencem- são um pênis. Mas, recebe-los não faz mal, ouvi-los também não, acreditar que eles podem direcionar todo o corpo.... é disfunção erétil.

II

Ontem essa tristeza que tem levado muitas amigas as lágrimas me invadiu. Não consegui identificar de onde ela vinha, o que ela queria, o que ela dizia. Na verdade, só fui compreender como tristeza mais tarde, já era madrugada.

Nesse momento, eu vejo como de fato os çeres se separam e se distinguem. Não é por pensarem ou deixarem de pensar, não é por ser coxinha, ou por ser mortadela; separam-se por sentirem ou não. E há um fosso que aumenta, um abismo que racha tudo ao meio. E, como isso é cansativo, desgastante, porque não importa os fatos, não interessa os acontecimentos, não interessa as intenções, menos ainda as razões; estamos mostrando quem somos pela vibração.

Não é questão partidária, religiosa, embora tudo isso possa camuflar o verdadeiro motivo. Há pessoas que pensam e não conseguem ir além da lógica. E a racionalidade está em colapso. Poderia dar milhões de exemplos, mas me contentarei em dizer que diante de um estupro coletivo há quem culpe a moça. No entanto, eles não apenas a culpam, eles ofendem, eles seguram o pênis dos agressores nas mãos e os carregam como troféu. São quase heróis. A moça com sua vagina dilacerada é mais uma, como tantas outras, que cumprem a sua sina de mulher. Esse posicionamento machista é encontrado entre homens e mulheres, de todas as idades, de todos os meios.

Assim, o que chocou não foi apenas a brutalidade do ato, mas nenhum (eram 30) broxar diante da violência. Pelo contrário, isso era mais excitante. E, a excitação prosseguiu, porque colocaram as cenas nas mídias sociais. Mas, aí é que a brutalidade se torna banalidade, porque os indignados veem até o fim e passam para frente até o último contato. A menina será estuprada por mais 10/15 anos todos os dias.


Choca ainda mais saber que a cada dez bailes funks, ou a cada dez Raves, ou a cada cinquenta calouradas há nó mínimo dois, a três casos como esses. Não com 30 homens, mas três, cinco. E, que muitas meninas não relatam, porque tem medo e outras por não verem o ato como violência. É mais maluco ainda o fato de que na busca pelas novinhas, a maioria esmagadora de gravidas na adolescência o são de homens na faixa dos 25/30 anos, mas sempre condenamos as grávidas na adolescência.

Tudo isso ontem causou tristeza, mas, a dor não terminou aí. A dor ficou maior porque colegas de grupo virtual, lindas, belas, pensantes, independentes, nos impediam de abraçá-las. A dor era tanta, a revolta era tamanha que cada homem era visto como um inimigo, cada homem era um estuprador. E, não somos? Claro que sim!! Como não seriamos!
O discurso dessa moça/mulher dizia isso, deixava claro: ser homem era ser opressor. Eu quis levantar a mão e dizer: sou negro, sei o que é isso!! Sei o que é sentir o mundo contra, mas fiquei quieto. Com uma vontade de gritar. Foi quando compreendi que minha vontade era novamente, outra forma de estupro, outra forma de violência. Assim, eu esperei.



As imagens do corpo de Cristo foi vindo. A imagem de um novo corpo foi desenhando. A violência e a associação entre o corpo da mina estuprada, o corpo do travesti crucificado, o corpo das mulheres agredidas, o atentado contra a atriz famosa por um fã, as agressões sexistas a Dilma, todos corpos violados.

Corpos que não reconhecemos como sendo de Cristo, nem delas. Corpo que cada homem de maneira congênita tende a achar que é seu, feito para ele. Corpo que enseja e traduz toda opressão que relatamos do capital na sua busca pelo lucro. O corpo da mulher é tido, antropologicamente, como a 1ª e talvez única propriedade privada de cada homem. O corpo da mulher é tido como um objeto.



A mulher não é vista como uma igual e nisso vem a razão do texto- aprendermos a conviver com a alteridade, com a diversidade. Odeiam-se tanto as mulheres, porque elas são a expressão máxima da diversidade. 


Não se pode transformar uma mulher em homem, um homem em mulher e isso provoca todos os tipos de agressões, desencadeia todas as formas de violência.






Caminho para o final, mas entrando na parte mais complexa de tudo isso, que é sermos capazes de sair das nossas dores individuais, de nossos guetos e nos abraçarmos. Abraçarmos todos aqueles que independente de idade, cor, gênero, opção sexual, condição social é capaz de se reconhecer no outro ou não.



No depoimento doido da maioria das mulheres que amo e respeito percebi que precisamos ser capazes de ultrapassar e transcender nossos limites, nossas diferenças, ou estamos imersos à barbárie. Estamos fadado a sociedade narcísica de que não há face além da nossa, ser além de nós, corpo além do próprio, gozo fora o masturbatório. Porque numa ato em que 30 homens se deitam sobre um ser desacordado, fora violência, houve apenas masturbação.

De forma que, ou conseguimos ir além do ato de pensar e com isso sentir as injustiças do mundo e nos fazermos fraternos, ou de fato estamos fadados a guerra absoluta contra o outro, até que só reste nós e a nossa imagem no espelho, se é que a suportaremos.


Precisamos do outro. Precisamos de cada parte. Precisamos compreender que somos um corpo. Precisamos compreender que mulher é mais que vulva e vagina e homens podem ser mais do que pênis. Podemos começar a descobrir o coração.

 


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