domingo, 4 de fevereiro de 2018

GRATIDÃO

Isso aconteceu lá nos meses finais do ano de 2017. Uma visita rápida, breve, apenas para saber como a moça estava se recuperando, como vinha evoluindo do quadro que se encontrava. Durante a visita algumas imposições de mãos, alguns toques específicos, furtivos, bem discretos e sutis, pois estamos no hospital.


Quando termino a realização dos toques, fico observando a moça deitada. Discretamente, olho para a irmã que a acompanha e naquele silêncio gracioso recebo um olhar que eu chamei de GRATIDÃO. Um olhar que entrou na minha alma por completo. Deixou-me ao avesso. Um olhar inesperado como beijo roubado, igual toque despretensiosamente mal intencionado no corpo do outro. Um olhar nu, desvelado, repleto de abundância. Um olhar que adentra minha alma, revira meu ser e destrava espaços, padrões, fechaduras e cadeados trancados a sete chaves, a setenta vezes sete segredos. O olhar daquela moça transporta uma candura, uma doçura, uma reciproca, um amor que está além de tudo o que convencionamos; além do que tento exprimir em palavras. O olhar dela abraçava meu ser de dentro pra fora, por inteiro. Um olhar acompanhado de uma fala que a única palavra que me lembro foi: obrigada. Mas, as palavras dela eram olhar e minha única ação diante dessa ação foi abraça-la. Até onde eu sei não tinha nada ali a ser feito a não ser permitir o encontro de dois corações. Deixa-los bater no mesmo ritmo, numa mesma cadência de felicidade e gratidão. 

II

O olhar da moça me retornou à dimensão da gratidão. Palavra ultimamente tão gasta, tão prostituida. Todos dizem gratos, pedem gratificação em vez de salário, pagamento como que associando o dinheiro a uma impureza e sublimando um sentimento que não se tem, não se possui, ao ponto de chamarem empregados e funcionários de colaboradores e manterem uma relação escravagista.


Quando acesso o olhar da moça, a energia transportada pelo olhos dela é algo que não tem preço. Não há nada que eu receba, não há preço que possa pagar a expressividade daquela moça. Como em certa medida, fazendo um deslocamento e indo em direção ao universo dela, posso insinuar que ela daria qualquer coisa, pagaria qualquer preço por aquele estado. Está troca é de uma riqueza impagável, incalculável. Esse nível de riqueza é o que mais se aproxima do dai de graça o que de graça recebestes.

A frase fala desse estado vibracional de imenso amor, carinho, respeito, sacralidade e despojamento no qual não se tem cobranças, não se tem o código de defesa do consumidor de um lado e a busca pela implementação do ISO 9000 de outro. Há uma entrega, um acolhimento, uma troca amorosa que culmina nesse estado de gratidão. Nessa plenitude graciosa e dadivosa.

E isso me empele de novo ao receber, agradecer, redistribuir. E esse ato não importa se você faz sem cobrar, ou se você cobra um bilhão de reais. O que de fato está sendo trocado, a magia que de fato está ocorrendo não pode ser paga por nenhum dinheiro, por nenhum imóvel, por nada material. Ao mesmo tempo em que o material apenas simboliza e por vezes interdita essa beleza de funcionar. Quero dizer que uma pessoa poderia te dar uma galinha, outra te dar uma ilha, outro uma fazenda, outra um carro, outra cem reais, outra uma bala, outra um abraço; porém tudo isso representaria, simbolizaria o olhar terno, mágico, leve, sagrado, grato da moça. É essa troca que vai além do comercial, do material. Essa troca envolve a engrenagem invisível que movimenta nossos feitos, nossos afazeres. Essa energia é sagrada e envolta no sacro-ofício que vai da carpintaria de Jose, relaciona-se com o ser veículo para a materialização de um novo ser tal qual Maria e todas as mães, ou como o sermão na montanha, ou lançar redes ao mar.  

III



O olhar da moça entrou em minha alma. Eu estava impotente diante daquilo. Não sabia o que falar, o que dizer, então eu apenas a abracei e recebi aquilo que ela me dava e o que ela dava não há dinheiro que pague. O que ela dava não tem nada material que seja capaz de valorar. Num olhar, ela se deu por completa, por inteira e os efeitos que isso causou em mim foram avassaladores. E se ela me desse todo ouro, toda mirra e todo incenso simbolizaria todo amor, toda prosperidade, toda luz que havia naquela troca.


No olhar daquela moça, eu vi o que meu trabalho produz. Consegui ter um vislumbre do que recebo e pude ver o movimento da GRATIDÃO  e os seus efeitos na minha alma. E talvez tenha se dado por ter sido tão inusitado, tão inesperado, tão indireto. Eu não estava esperando nada e aquilo foi tão glorioso que desci os seis andares de escada, caminhei toda Alameda Ezequiel, adentrei o Parque Municipal para compreender o que tinha acontecido. Que energia mais graciosa, encantadora. Que energia mais generosa e amorosa era aquela. Que coisa elegante é essa tal de gratidão.

Pessoas apressadas, desavisadas acerca da sutileza dessa energia tendem a confundi-la como sexual. Não que ela não seja. É que transportá-la para esse nível é uma redução selvagem, ogra. A gratidão está lá no sétimo céu e claro que a pessoa que demonstra isso para você tem afeto por você. Obvio que esse afeto pode se tornar e se fazer genital, mas é fundamental professores, alunos, mestres, gurus, compreenderem que essa afeição é de outra ordem e de outro campo.

Insisto no entendimento que quando falamos dessa diferença de nível não estamos elevando o espiritual  e diminuindo o sexual, tampouco separando-os. Estamos só querendo mostrar como isso é facilmente confundido, especialmente, em momentos de carência, de fragilidade, ou de ‘esperteza ao contrário’ como diria Estamira.


V

E aqui sugiro algumas coisas que aparecem no consultório, nas consultas, tem a ver comigo e talvez faça algum sentido para você:

UM: RECEBA!

Venho a muitos anos falando para muitas pessoas que o problema delas, enquanto dinâmica existencial, está em não conseguir receber. Grandes partes das pessoas que atendo não têm problemas em dar. São boas pessoas, estão e têm um padrão vibracional interessante, porém, elas não sabem receber. Aceitar receber, ter a HUMILDADE de receber o que a vida dá é tão difícil, porque mexe no orgulho. Quando você está dando, você se encontra numa posição que o seu ego acredita estar no controle, mas quando você recebe, para o ego, você está numa posição abaixo e esse contraste, essa oposição obstaculiza a vida, o fluxo do existir, porque nela há a dinâmica da troca. Uma troca que médiuns, espiritualistas quebram a corrente por acreditar que vieram no mundo para pagar, então eles só dão, só doam e a vida fica querendo nos dar, em nossa porta se acumulam flores e frutos e não os recebemos, por ORGULHO, PRESUNÇÃO, VAIDADE. Então aprenda a receber.

DOIS: PERCEBA

Aquela moça entrou em uma parte minha que estava trancada, travada e ela abriu mil portas com uma delicadeza, com uma elegância, com um desprendimento que não houve luta, não houve resistência. Ela me dava, se doava. Dava tudo o que ela tinha, doava tudo o que ela era e eu acolhia, recebia em mim. Fiquei percebendo a movimentação dessa energia na minha alma, nos meus espaços subjetivos.

Nessa dinâmica não tinha mais um ego que consciente ou não gosta de se elevar, gosta de acreditar que há uma superioridade no ato de dar. Ali o que eu recebia tinha o mesmo carinho, a mesma carga de tudo o que eu dou e só aí eu fui compreender o carinho de muitas pessoas para comigo, o respeito de muitas delas para comigo. Eu nunca compreendi e só não era mais seco, mais rude com isso, porque fingia ser sociável, mas definitivamente, nunca entendi até aquele olhar.

TRÊS: AGRADEÇA



Nesse dia, sincronisticamente, quando eu cheguei em casa, uma dupla de amigos que tínhamos combinado de irmos ver o jogo do Ronaldinho, depositaram um dinheiro para mais alegando que pagariam a minha. Em outro momento, eu não aceitaria. Em momentos anteriores, questionaria o ato, mas depois daquela dinâmica, eu só disse a eles que recebia de coração. E, recebia devido a isso, era um carinho para além do valor monetário. 




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