sexta-feira, 23 de março de 2018

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: a miséria espiritual.

Seria fácil falar da teologia da prosperidade numa perspectiva meramente religiosa. Gostaria de reduzi-la a esse nicho, apontar uma meia dúzia de igrejas, uma dezena de pastores e aclarar o que pretendo expor. Porém, é algo mais árduo, mais demorado, menos específico. O que pretendo denominar como Teologia da Prosperidade diz respeito a um conjunto de ensinamentos que se baseando numa concepção distorcida do sentido da gratidão, produzem sensação de fracasso, miséria moral e espiritual ao invés de dar solução. Preciso que venham comigo.

I- 


Há energia mais graciosa do que a GRAÇA? Há atributo mais abundante do que a GRATIDÃO? Eu lhes respondo, não há. Tudo que somos emana da Graça e tudo o que podemos ter e somos é fruto da Gratidão.
Esse pulsar preenche a existência. O que somos, o que podemos ser é fruto dessa relação. Posto isto a pergunta que se segue é: pode-se ensinar sobre a GRAÇA? Pode-se tornar alguém grato a Deus, à vida, ao outro? Provavelmente não, e isso é o início da miséria e das falácias que cercam essas palavras. Então, quando falamos de graça e gratidão conjuntamente estamos falando de FELICIDADE, PLENITUDE, PROSPERIDADE, RIQUEZA. Na tradição cristã há três símbolos que representam isso: Pedro, a rocha. Jesus, o Cristo. Maria de Magdala, a "amaldiçoada".

Pedro era um pescador. Era feliz dentro do seu mundo, pescando no lago de Cafarnaum. Tinha o necessário para viver. Não passava fome, tinha um teto, tinha família, possuía amigos. Pedro era rico, mais a frente vou aclarar o sentido de riqueza. Um dia, ele conhece Jesus. Este nasceu em uma manjedoura. Dele mesmo pelo que se sabe não tinha nada, talvez a carpintaria do pai em Nazaré. Mais nada. Não tinha duas túnicas, ou duas sandálias. Não tinha um travesseiro para repousar a cabeça. Não se fala dele com moedas no bolso. Dele mesmo, ele tinha o corpo, porque até a vontade ele atribuía a Deus, seu pai. 


Alguém ousa chama-lo de pobre? Alguém? Mas, economicamente ele era e isso nunca lhe importunou. Jamais foi ao templo orar pedindo dinheiro para o seu Pai que ele ensinou ser nosso também. Não se tem relatos dele organizando campanhas de doações para aumentar o tamanho dos templos. Não se tem notícias de que os que se aproximavam dele eram levados a fazer ofertas e apostas contra Deus para ele lhes honrar. Não obstante, conta-se que quando parou certa vez para ver as pessoas indo ao templo, chamou atenção para uma pobre viúva que dava parcas moedas e nos ensinou dizendo algo como: ela dá daquilo que ira lhe fazer falta, os outros tiram de onde há muito mais.” 

Sim, para o Neymar dar cem mil reais é muito, mas é pouco. Um assalariado dar 900 reais é pouco, mas é tudo. Em todo Novo Testamento a ideia de riqueza é outra. A riqueza no novo testamento não é a ostentação, a exibição pública, pelo contrário, são os atos internos, silenciosos, de completa cumplicidade entre o sujeito e Deus. Riqueza no novo testamento é o crescimento dessa relação intima com Deus sem mediadores, sem platéia. É assim que pode-se ver a passagem da viúva, é assim que pode-se ler os pedidos que Jesus fazia para que os curados não comentassem nada para ninguém. É assim que ele pode dizer: " Dai a Cesar o que é de Cesar. E em outro momento: "atire a primeira pedra quem nunca pecou." 


Em cada um desses ensinamentos, ele está ensinando sobre um tesouro onde as traças não roem. Ele está falando de uma riqueza imperceptível aos homens daquela e da nossa época. Tanto lá quanto cá compreende-se como riqueza as roupas de Salomão e os palácios que ele edificou, porém Jesus nos falava dos lírios do campo. Antes dele alguém tinha visto beleza nos lírios do campo? 

Pois bem, os adeptos da teologia da prosperidade captam a essência prospera de Jesus, mas o transforma em miserável quando constroem esse discurso de conquista, cobiça, querer, desejar, ostentar em detrimento de ser.  

Esse homem pobre, até mesmo se comparado a Pedro que tinha barco, casa, desvelou um mundo que Pedro pôde ver o seu tamanho. Pedro poderia ter morrido sem conhecer esse universo que Jesus lhe possibilitou. E ele seria sem esse conhecimento, porém quando conhece, ele ganha uma riqueza que o eleva e o posiciona como SER na melhor acepção da palavra. É sem dúvida um dos encontros mais lindos da Bíblia, porque aquele estranho de olhar doce o persuade a voltar ao mar. Segundo alguns faz mais: entra na embarcação e no alto do lago diz a Pedro: “joga as redes!” Pedro um teimoso, um orgulhoso, um vaidoso se nega e deve ter jogado com muita resistência. Talvez tenha jogado só com a intenção de provar que não havia peixes e humilhar aquele estranho atrevido que tentava lhe dar 'ordens'. 


Mas, depois de jogar a rede, depois de ter sido acolhido por aquele olhar, Pedro não seria mais o mesmo. Ele não sabia, não tinha como saber. Tirando a vez em que Krishna foi estreitar diálogo com Arjuna em pleno campo de batalha nunca mais na Terra tivera um encontro e um diálogo como aquele. Pedro, fica sem chão, sem referência quando ao arrastar a rede há centenas de peixes. Fica estarrecido quando o estranho lhe diz que ele não pescaria mais peixes e sim homens.

Pedro foi pescado, fora fisgado. Ele não sabia. Pedro podia ficar sem peixe mais uns dias, mais alguns meses. Isso fazia parte do mundo que ele habitava. Ele compreendia aquela natureza, aquele universo. Pedro conhecia aquele lago, aquele barro, aquele solo com cheiro de Mediterrâneo. Mas, o que ele tinha visto, ouvido, ele nunca ouvira falar. Aquilo que ele veio a conhecer e a ser, ele não imaginava. E como se paga isso? Como se retribui a GRAÇA? 

Pedro era apenas mais um pescador de Cafarnaum, por que ele? Por que um ser daquele tamanho, com aquela magnitude o escolhe? E, o escolhendo como ele pode retribuir? Como ele pode pagar? 

Não se tem outra possibilidade senão servindo. Pedro saiu da riqueza material para a riqueza espiritual. O pescador fisgado iria aprender a fisgar almas e quando ele acha que domina esse oficio, quando ele acha que é o especial, quando ele acha que pode ser o dono da GRAÇA, eis que Jesus, o seu amigo, o seu herói, o seu tudo, lhe olha no momento mais doloroso e angustiante da existência e lhe diz num tom que se saísse da boca de outro poderíamos pensar se tratar de raiva, mas era de alerta contra a soberba e a vaidade de Pedro, de cada um de nós: “antes que o galo cante, você ira me negar três vezes!!!”



Foi uma bomba no coração de Pedro. Ele que não era o mais esperto, nem o mais inteligente, nem o mais sensível entre os apóstolos, mas era o mais fiel. Acreditava ser o mais fiel. Ser acusado de traição, de traidor? Ele que deixara tudo para seguir o seu mestre e agora estava em Jerusalém, longe de casa, da própria vida. Doeu. Magoou, feriu. Mas, o mestre precisava alertá-lo. E quando o galo cantou e ele havia negado Jesus por três vezes, a decepção dele para com ele mesmo foi imensa, enorme. Onde um orgulhoso esconde seu fracasso? Em quem ele poderia lançar a culpa? Se não tivesse sido advertido pelo seu mestre, amigo, jamais se recuperaria. Jamais. A advertência foi a salvação psíquica dele. E, quando os dois se reencontram, Jesus lhe pergunta: “Pedro, filho de Jonas, você me ama? Apascenta as minhas ovelhas.” Ele repete a pergunta três vezes. Era fundamental ele afirmar esse amor três vezes. 
E gravado no coração, na alma, Pedro se torna o representante da Graça, o que ele liga na Terra está ligado no céu e o que ele liga no céu está ligado na Terra. Isso é PROSPERIDADE.



II- 

É estranho não reconhecermos o lado simbólico dessas representações. Mais estranho é não compreendermos o lado concreto dessas situações. E por ignorarmos isso somos confundidos, somos enganados, somos manipulados.

Para os judeus não há Messiah que não seja rei, ou seja, não há poder temporal sem poder espiritual. Por isso esperam ainda por um Messias, Jesus na concepção deles é apenas um profeta. Seria o enviado se tivesse lutado contra os romanos e garantido um poder de orgulho, ostentação e temor. Se tivesse livrado Israel do julgo romano seria o messias deles. Esse é o papel temporão, esse é o papel dos humanos que talvez coubesse a Jesus não fosse ele o Cristo. Esse é o diferencial entre os profetas, os reis, os que batizavam com água. Ele trás o fogo divino, nele o pai, ele e essa presença divina se fazem um. 


Ele se negou a fazer esse papel. Afirmou que o reino dele era de outro mundo. Tentou nos mostrar que essa luta não finda, não termina, precisamos de consciência. Uma consciência capaz de compreender que as dualidades são dois lados de uma mesma moeda. Energia.
Então, 'dinheiro é bom sim se essa é a pergunta'! Ter dinheiro e ser rico não é pecado, pelo contrário, porém isso é muito diferente de buscar a Deus para ter casa, carro, Smartfone. Transformar o evangelho nisso é de uma pobreza miserável descabível. Apenas miseráveis conseguem transformar a riqueza em teologia da prosperidade como estão fazendo. E fazem na música, no esporte, nos aconselhamentos, nos coach. Ficam ensinando a miséria e o pior é que ensinam isso roubando a riqueza das pessoas.

Pedro era rico, sempre foi. Não podia deixar de ser. Quando, ele conheceu Jesus, ele passou a ter riqueza material e espiritual. Pedro foi a lugares que nunca sonhou, esteve com pessoas que nunca imaginou que existia. Viu coisas que marcam a alma dele para o resto da existência. Mas, se Pedro estivesse no século XXI seria convencido de que era pobre. Seria convencido a achar que o universo devia alguma coisa a ele, que as pessoas devem alguma coisa a ele; por ele ser filho de Deus ele não pode aceitar a casa que ele tem, o barco que ele tinha. Ele tem que QUERER mais, DESEJAR mais, CONSEGUIR mais, porque só assim ele honra Jesus, ele honra DEUS. Pedro seria transformado em um miserável. Sentiria-se derrotado, porque as ambições dele não seriam atendidas, ou seja, ele não compreenderia que elas não são atendidas, justamente para que ele não perca o que há de divino e prospero nele. 



III
Quem promove esse discurso sabendo o que ele é, não serve a Cristo. Serve a outras forças. Percebam que Pedro melhorou a vida dele e isso é lindo. Entendam que você deve e pode melhorar a sua vida, a dos seus amigos, irmãos, pais, familiares, conhecidos. Entenda que essa melhora se faz pela GRATIDÃO e o caminho que os teóricos da prosperidade ensejam é o da provocação. Claro que funciona, óbvio que dá certo. Jaco lutou contra o anjo. Os dois exauridos, o anjo querendo ir embora e Jaco lhe diz: “ só te soltou quando o senhor me abençoar.” Ele recebe a benção do anjo e o mesmo dá a ele outro nome- Israel. E a vida dele muda.

Mas, você não precisa brigar com anjos todas as noites. Você não precisa desafiar os céus toda a sua existência. Basta aceitar a GRAÇA e ser GRATO. O crescimento disso não é imediato. Você não vai acordar amanhã numa mansão, a não ser que já more em uma. Porém ao longo dos dias, dos anos, sua vida vai sendo conduzida para isso, é o caminho natural. Simplesmente, um momento sua energia não cabe mais naquele ambiente, você cresceu, expandiu, igual feto na barriga da mãe; igual recém nascido que do berço vai para cama. O crescimento do universo é natural. 


É preciso muita força, muita violência, muita crueldade para que a pobreza, a feiura, triunfe, prospere e se reproduza. Elas não são naturais, pelo contrário, e agora caminho para o fim.








IV
Sabemos que há forças que fazem de tudo para que a gente enquanto humanidade não cresça, não avance. E, vocês devem imaginar, saber que há seres lindos e maravilhosos como Jesus que lutam por nós e conosco a cada instante, momento.

Conta a lenda que era preciso a gente compreender que a riqueza é divina, que Deus é rico, prospero, abundante. Precisavamos ensinar entre as pessoas, especialmente, as religiosas, que ser feliz, ser alegre, ser gostoso, fazer sexo em plenitude, gozar deliciosamente, gastar dinheiro, ter dinheiro, sentir prazer em ir a um bom restaurante, nada disso é pecado. Pelo contrário, Deus, os parceiros dele ficam altamente felizes e satisfeitos com nossa felicidade, com nossa plenitude. 

Assim, reza a lenda, que para isso acontecer, era preciso quebrar algumas dicotomias, quebrar uns paradigmas, isto é, modelos que a gente tem na cabeça, na sociedade. Sendo assim, muitas pessoas vieram com a missão de fazer isso. Estava dando certo. Os caras vieram ensinar que podemos nos apropriar das coisas e usufruirmos delas; mas qual foi a tentação, a casca de banana na qual temos derrapados, na qual transforma esse discurso de amor, de prosperidade em miséria moral, espiritual, econômica?

Antes da resposta, uma última referência, dessa vez a uma estória da mitologia grega. Gostaria que mentalmente, vocês comparassem esse rei a Pedro.

O nome do Rei é Midas. Midas era rico, tinha tudo o que o dinheiro podia comprar. Tinha filhos, esposa, mas ele desejava mais, queria mais. Por ironia do destino, Sileno estava perdido e foi levado a sua corte, onde foi muito bem tratado. Depois de quase duas semanas, Midas o leva de volta para Dionísio. Este agradecido garante a Midas o direito de fazer um pedido e o tê-lo concedido. Midas, seguindo a ambição do seu coração, o seu desejo de QUERER, CONSEGUIR, DESEJAR cada vez mais, pede para que tudo o que ele tocasse virar ouro.
Midas fica embasbacado com a sua capacidade, vai tocando os mais diversos objetos e todos vão se transformando em ouro. 

Aposto que ele deve ter organizado um banquete para mostrar a todos o seu poder, pura OSTENTAÇÃO. E, tudo caminhava bem, até que ao tentar se alimentar, os alimentos viravam ouro antes dele levar a boca. A água, o vinho tinham a mesma sorte. Até a filha que foi abraçá-lo se transformou em estátua de ouro. As pessoas foram se afastando, afinal a qualquer toque, elas perderiam a vida. Caminhando para um estado de inanição, Midas roga a Dionísio que desfaça aquele pedido, que ele possa voltar ao normal. Dionísio lhe pede para se banhar em água corrente que o dom desapareceria. Assim, ele faz e volta ao normal. Pode tocar as coisas, pode abraçar a filha. Mas, conta o mito que ele resolve largar tudo e seguir Dionísio, porém essa é outra estória, tem a ver com a Gratidão, com a retribuição, mas é outra estória. 

O legal é compreenderem como a teologia da prosperidade tem esse toque de Midas. Como que eles insistem nessa visão miserável de que transformar o mundo em ouro é riqueza. Porém no mito, riqueza é poder se banhar na água do rio, isto é, permitir o fluir da existência com suavidade, com alegria, com prazer. 


Riqueza é a de Pedro que pode pescar, sabe pescar, depois aprende a pescar almas. Não há riqueza maior. Porque quando estamos falando dela, o que a mede não é a conta bancária e sim esse estado de PLENITUDE e FELICIDADE que ela lhe garante e lhe assegura.






Claro que Pedro tinha uma dor, um vazio e foi preenchido por Jesus, por Cristo. Obvio que Midas tinha uma dor, um vazio, que num primeiro momento, ele preencheu com riquezas, depois com ouro. Mas, a vida pôde mostrar para Midas o quanto ele era MISERÁVEL e ao largar tudo e seguir Dionísio, ele encontra um sentido.


Os coaching que ensinam a vida como luta, os artistas da ostentação, os teólogos da prosperidade são todos MISERÁVEIS. E em suma, o que eles ensinam, no melhor estilo de praga dos infernos, de devoradores de almas, é a você vender a sua riqueza divina para obter a MISERABILIDADE FINANCEIRA que eles são portadores a partir da ilusão que vendem. 


“buscai o reino dos céus e tudo lhe será dado por acréscimo.” No Evangelho riqueza é aceitar o que se é.