terça-feira, 29 de maio de 2018

O EU. A ELA. US NÓS: caminhando pelo labirinto das relações.



Uma partilhante, super querida, perguntou para o seu namorado: “quando você vai me tirar desse lugar?”

A pergunta da partilhante trouxe a minha mente o universo feminino. Trouxe à baila as perguntas que nunca consegui responder, que nem sei o que estava sendo perguntado, que não tinha a menor noção do que elas estavam falando. Trouxe à baila esse desafio que é o entendimento entre homens e mulheres. É uma pergunta que dificilmente um homem vai apreender o mesmo sentido, dar a mesma importância que uma mulher consegue dar. Para nós homens há nessa pergunta um obstáculo linguístico, muitas vezes intransponível. Esse abismo é superado pela troca, pela parceria. Um entra com a disposição de avançar, outra com o fio que irá trazer o rapaz audaz de volta. De toda feita, fica a ideia de que sem um fio condutor, homens não se aventuram para dentro de si mesmos, nem para dentro de nenhuma relação.  

Já para ela e outras mulheres a pergunta tinha a clareza de quem estava no escuro, no labirinto, num áporo e que o outro estava lá com ela, junto, abraçado de conchinha. E, assim, ou justamente por isso, ela se referia ao lugar como um óbvio, um dado, que qualquer cego responderia. Para ela a pergunta era clara, distinta, obvia, notória. Ledo engano. Todo outro é singular e todo dentro é um labirinto que precisa de GPS. É um espaço que alguns navegam com grande desenvoltura, mas a maioria fica perdido.  

A reveria disso e de forma inusitada, 99% das mulheres, sem nunca tê-la visto, sem saber nada da história, ou da historicidade dela, a conseguem localizar e ofertar ajuda. Conseguem acolhe-la, como se as duas estivessem de mãos dadas no mesmo espaço. Conseguem compreender a pergunta como Teseu e seu novelo num labirinto.

Já para a maioria dos homens, aquilo era um labirinto. Um labirinto enevoado, no qual nem nós mesmos nos sabemos perdidos, ou acompanhados. Não tínhamos a menor noção do que se tratava e creio que isso se deve ao fato de muitas vezes as mulheres nos considerar Teseu, quando na verdade somos o Minotauro. Em outros termos não somos o herói que salva Ariadne, somos o touro faminto, a besta humana que devora seres desavisados. Sair desse lugar é uma travessia mais difícil para nós homens do que localizar onde vocês estão; mulheres lindas que estendem seus fios de novelo para nos trazer de volta. As mulheres modernas é sempre importante afirmar: qual é o seu novelo? Conseguir ter ciência disso pode auxiliar o parceiro em suas buscas. 



Nessa toada, eu tive que informá-la, que a gente não sabia qual lugar elas se referiam. O GPS masculino é externo, mensura cartografias das paisagens do mundo objetivo. Dificilmente nos perdemos no mundo. Geralmente, sabemos onde ir, como voltar, calculamos riscos, apontamos padrões, marcamos territórios. Conseguimos calcular, mensurar, especular, compreender a logicidade das coisas, dos feitos, dos ditos. Somos máquinas binárias que agem buscando racionalizar os desejos.

Já o GPS feminino é interno, subjetivo. Sente, capta, apreende humores, desejos, pensamentos inconfessos, vontades súbitas. Elas se localizam internamente com grande facilidade, minto, elas são tão densas, profundas, sinuosas que se perdem, se conflitam, se desencontram, porém ainda assim, a referência interna, subjetiva permanece e continua. Conseguem mapear as emoções, os sentimentos por nomes, cores, cheiros que nos escapam completamente. Conseguem traduzir nuances de amor sem confundi-lo com tesão, ou com amizade, ou com... Nós homens confundimos, na verdade, fundimos tudo. Tudo é tesão e se não é tesão a maioria de nós não sabe o nome. É uma cartografia pobre, desnutrida, que nem gosta de variações e nuances dessas ordens. Já as mulheres separam, distinguem. São lindas, mas não acessamos essa cartografia. Não sabemos que o amor tem muitos nomes, que o sexo tem várias emoções, despertam sentimentos variados. Não sabemos que vocês têm o dom de a cada parceiro perder uma virgindade diferente e algumas conseguem perder vários tipos de virgindade com um mesmo homem. Para nós a virgindade é um hímen, quando rompe acaba, depois disso, não há quase nada de novo sob o sol. Somos Minotauros, uma espécie de ogros ancestrais, que teimam em permanecer assim, saindo e entrando dos labirintos sem saber que estão perdidos, sem saber o que encontram ou a quem perdem pelo caminho. 


É preciso aclarar, que o lugar que minha partilhante linda estava dizendo é um espaço interno. O lugar que o namorado dela pensou é um lugar geográfico, externo. Nessas perguntas a gente deveria silenciar, mas elas nos instigam a falar, aí a gente responde e em nossa resposta fica aberta o hiato que nos separa. A distância que há entre esses lugares. Elas ocupam um mundo, dividem um mundo que tem certeza que estamos nele, mas quando respondemos mostramos que não. Nem temos noção das construções e espaços que coabitamos, que elas fizeram e sentem ser compartilhados. Nossas respostas espelham a solidão da relação a dois. Aquele casal de um que vemos de mãos dadas devido ao hábito, a rotina, a mesmice. Elas nos pensam Teseu e somos Minotauro. "Solidão a dois. Faz calor, depois faz frio..." Cantava o poeta. 



Inversamente, mostramos para ela nossas casas, os clubes, as conquistas que realizamos por elas, para elas. No entanto, estas conquistas não correspondem a esse espaço interno. Somos dois seres que se amam, falando a mesma coisa, mas de perspectivas diferentes, de óticas distintas, abrindo uma celeuma. Uma celeuma que se não discutida, ou se não conversada, ou se silenciada, transforma-se em cicatrizes irremediáveis. Viram dores e sequelas. É nesse lugar que se faz importante a construção do nós. E é basicamente sobre isso que o texto vai falar. ESSE TAL DO NÓS. Esse labirinto coletivo das relações, pois já não basta perdermos em nós mesmos, também precisamos nos encontrar nas relações. Nesse nós, essa construção inaudita que se faz com palavras ou silêncio, presença ou ausência. O nós ronda invisível sobre o casal, sobre as relações e as vezes abre buracos sob os pés dos mesmos e tudo desmorona, se perde. Outras vezes, ele soterra ambos com avalanches de acusações, situações inesperadas, terceiros excluídos. Outras vezes, o nós eleva o casal para um nível mais suave, menos denso, ou tenso; porém juntos eles fazem ser transitável, superado, transponível. A cooperação, a compreensão de ambos os conduzem para espaços, lugares agradáveis a dois. 

Antes, de falar mais desse nós, aproveito e faço uma digressão, porque a questão apresentada, me fez recordar três perguntas que três mulheres que amei e amo me fizeram em momentos diferentes e eu nunca as respondi. Nunca soube a resposta. Uma eu nem sabia o que estava sendo dito. Tomo a coragem de responde-las nesse embalo da escrita. 

Leitoras mais apressadas podem pular para Esse Tal de Nós.


1ª Pergunta.

Minha ídola me perguntava a cada encontro, quando namorávamos, se eu estava feliz. Ela não me perguntava se eu era feliz e sim se estava, o que tornava a pergunta metafisica, transcendental, tipo: qual o sexo dos anjos? Ou, eles se reproduzem por via sexual?

Hoje quase três décadas depois, espero que ela nunca tenha se sentido culpada por eu ser, por eu não estar. Espero que nenhuma de vocês mulheres sintam-se responsáveis pela felicidade dos seus parceiros, porque isso não nos afeta dessa forma, dessa maneira. Talvez só os malditos agressores, abusadores, espancadores ocupam esse lugar de creditar a própria felicidade ou infelicidade a mulher. Somos ou estamos felizes por nossas escolhas e ainda que não a banquemos pelo dito, o fato de estar com vocês é sinal de que estamos, ou somos felizes. Eu sei que não vale dessa forma. Vocês querem e merecem mais, e estamos preparando nossos filhos para que eles possam ser e estar numa relação felizes, sem que a mesma pese sobre as mulheres como uma culpa, a responsabilidade de uma e não de um nós.

De toda forma, nunca a respondi, mesmo porque nunca compreendi a pergunta. Hoje, mais de vinte anos, quase trinta, eu posso dizer que sim: eu estava feliz. O olhar dela alegrou meus dias e o choro dela me afligiu por vezes. Mas, fui feliz, estive feliz. Ela me ajudou a ancorar na Terra, ela me deu o Além-de-mim e a Minha Dádiva que me uniram a Gaia. Fixaram minha alma ao meu espirito e ele ao mundo, ao barro, ao pó. E as dores, aos tormentos que se sente quando se está no corpo. Sentindo somente aquilo que o corpo pode dar, por isso ele é tão virtuoso e a ponte de muitos mundos. Você foi para mim um sol.


2ª Pergunta

Essa foi feita numa Primavera. Nunca me esqueço dessa estação. Ela sempre floresce em mim, me rejuvenesce, me alegra, me eterniza. Foi uma noite, numa praça. Com ela sentado entre as minhas pernas, olhando para as luzes da cidade que teimavam em não dormir. Ou caminhávamos dando voltas na praça enquanto voltávamos ao mesmo ponto, ela me perguntou: “quando você vai me tirar desse lugar?” Rigorosamente, a mesma pergunta que minha partilhante fez ao seu namorado.   

Eu pensei que fosse da praça, mas claro que eu não era tão ogro assim. Então sabia que se tratava de algo sexual, que ela queria apimentar ainda mais a relação. Era uma súplica que eu não poderia deixar passar. Sim, nós ogros somos lamentáveis. Demorou quase cinco anos para eu compreender que lugar era esse. Qual era a Sibéria que eu a tinha colocado e como poderíamos sair de lá juntos, vestidos ou nus, abraçados ou correndo um pra cada lado, mas que eu visse que naquele desterro, sozinha, sem radinho de pilha, ela não poderia continuar, que ela doía de estar lá. Ela queria gritar nosso amor para o mundo. Ela queria brigar com o mundo e eu a protegi numa redoma: não se exponha! Não dê aos cretinos como eu, o prazer de pensar mal de você.
Hoje eu diria a ela que sim, eu a deixei no ostracismo. Não por vergonha dela, mas para protege-la. “Eu protegi teu nome por amor.” Cantava Cazuza. 

Ela saía de um casamento, ainda não tinha se dado a separação judicialmente, não queria que ela recebesse o mesmo olhar de condenação e maldição que eu lancei para ‘minha’ ex-esposa. Então o lugar que eu a coloquei foi o de proteção, cuidado, resguardo, mas quem falou que mulheres querem príncipes encantados? Da onde tiramos que mulheres reais não podem se proteger sozinhas? Que elas necessitam de um terceiro, de um outro para lhes proteger?

Quem disse que Ariadne foi para o labirinto sem vontade e por condenação só conhece um lado da história, a contada pelo herói. Nos diários de Ariadne, logo nas primeiras páginas, sem nenhum constrangimento e com um baita orgulho ela diz, textualmente:

Fui ao labirinto buscar a mim mesma. Buscar a mim mesma pelas pernas e mente de outro. Lá vi minha parte bicho, lá vi minha parte homem. Diante das duas ferocidades, descobri minha parte mulher, feminina. E essa parte minha desejou o touro que havia naquele homem e quis o homem que existia naquele touro. Mas, antes que ele me possuísse para eu ser completa, o herói o transpassou com sua espada. Mas, o herói nunca soube que a sua força vinha da mesma bestialidade. O herói ao esconder de mim sua fúria teve que me abandonar. Eu amei o herói, eu amo o herói. Mas, ele roubou o meu destino, o de ser presa pela minha própria vontade e querer. Ele roubou o meu sagrado. Apossou de uma glória que era minha. Ao me salvar, ele me deixou perdida para sempre, a não ser que ele se transforme na besta humana. A não ser que ele seja capaz de me mostrar toda a sua ferocidade e temendo meu olhar de pavor, reconhecesse a excitação do meu amor. E temendo que eu o devorasse, me fizesse sua. Eu então seria dele, completamente dele, não importaria com quantos homens eu me deitasse, com quantas batalhas eu lutasse; ele seria meu herói. Mas, ele não deu conta, me deixou para Dionísio e tudo o que escrevo aprendi no lençol do deus do vinho. O único que compreendeu que meu novelo era a saída e a descoberta dos nossos mundos. O único que aceitou ser o mais humano dos deuses, enquanto Teseu recusou ser o mais bestial dos homens.    
Isso tudo eu li no diário de Ariadne, tinha muito mais coisas, mas ninguém mais tem paciência de ler e saber dessas coisas que as moças já nascem sabendo e só ogros bobos ficam contando como se fossem novidade. 

Ia dizendo que mulheres precisam de proteção, mas na medida correta em que nossa proteção não lhes rouba a história, o protagonismo de elas serem quem são. Da mesma forma que nós homens somos.

Ela queria que eu a tirasse desse lugar. Mas, como sendo machista? Sendo mineiro? Sendo homem? Onde se aprende sobre isso? Como se aprende essa relação de igualdade senão com mulheres aprendendo e dominando outras linguagens? Nos ensinando novos idiomas e alfabetos? Nós homens necessitamos. Usem o novelo de Ariadne, conte para os seus parceiros que vocês sabem que para combater o Minotauro é preciso força, raiva e que mostrar esse lado para vocês não nos diminui. Mostre a eles que o que lhe torna herói é justamente ter essa parte bestial que ele domina, e quando escapa, você tem o novelo de lã para nos aplumar.

Mas, tudo isso para lhe dizer, anos depois, que o seu lugar está em mim, comigo, seja num sofá na lua, seja de mãos dadas na praça, seja com um beijo na alma, seja como uma transa de olhos abertos. Seu lugar sempre vai ser ao meu lado, ainda quando buscamos novos ângulos, novos arranjos e combinações. Seu lugar é o da liberdade de estar onde se sinta feliz. Entre meus braços e os Ha-braços.


3ª Pergunta


Essa amada-amiga, mulher, companheira, me perguntava sobre o nós. Ela ficou anos tentando me ensinar que existe o eu, existe o outro e existe o nós, que precisamos cuidar do nós.

Eu não sei o que é nós. Num relacionamento, eu nunca concebi um NÓS, essa construção coletiva. Isso não existia no meu horizonte. Eu via as pessoas falando, vivenciando isso, mas nunca entendi. O cara que passa todo salário para esposa. O cara que fala para mulher onde está indo e a que horas volta. O imaginar isso me paralisa. Eu não sei o que é isso, como se faz isso. Eu nem entendo por que se faz algo parecido. Não tenho esse registro.

Assim, ela me 'acusava' de não cuidar do nós, do nosso. Falava que eu fazia parceria com todo mundo, até com entidade, mas com ela, eu não conseguia. Falava do meu peixes interceptado (astrologues) e.... falava.... Mas, eu não sabia o que era isso. Para mim tinha eu e ela. Para mim tem eu e o outro. Os dois são livres para ser, fazer o que desejar. Entre dois, estabelece-se um contrato moral: seremos monogâmicos? Nossa relação é aberta! eu sou seu dono. Não temos nada um com o outro? Cada dois estabelece as regras. Posto isto, funciona como acordaram. Nunca vi nisso um nós.


Eu fiquei quase uma década tentando compreender o nós. E foi ouvindo as partilhantes que o vislumbrei. E aqui retorno o texto. Nosso Nós foi uma das coisas mais importante e bonita que me aconteceu. Os laços que nos unem, te ligam a mim, faz a ponte entre nós, onde quer que estejamos. O nós é um lugar que passei observar a partir de você. É o olhar com qual vejo e acolho os que me chegam.   



Esse tal de NÓS

A educação masculina é erigida na construção de uma centralidade. Ao se nascer com pênis, automaticamente vai se aprendendo que o universo gira entorno dos nossos desejos, das nossas vontades, do nosso querer. Toda educação dita ou não dita, ensinada diretamente, ou aprendida por exemplos é voltada para o eu, centrada no eu, voltada para o si mesmo. Lidam melhor com o mundo adulto aqueles que potencializam e expandem esse eu.

Esse eu é o ego mesmo. Epidérmico, superficial. Não é o eu de uma identidade yogue. É o eu construído para dar conta do mundo material, com valores de conquistas, superação. Um eu que se constrói como fora, cujas identificações se dão fora. Identificamos com o nosso trabalho, com o nosso time, com nossa casa, com nossas conquistas. É um eu projetado e lançado no mundo. Quanto maior melhor. O nosso eu é um pênis e a necessidade de fecundação, reprodução. Um eu/ego no qual tudo e todos giram envolta. Tudo existe para ele e por ele. Pensamos e desenhamos a existência a partir desse lugar: fecundadores do mundo.

As mulheres em sua maioria não têm esse 'eu'. Toda educação feminina é edificada na castração desse querer, no silenciamento e esvaziamento desse eu. É uma educação construída voltada para o outro. Elas se centram no outro. São educadas não para si mesmas e sim para agradar, receber, compreender, acolher o outro. Muitas passam a vida inteira sabendo das preferências e gostos de todos, menos o delas, porque o delas é o de proporcionar o prazer do outro. Claro que há um prazer e uma realização nisso, porém tem algo nesse lugar que anula a possibilidade de valorização, de re-conhecimento tanto de si mesma, quanto de outros. Creio que a frase de Sarte o "inferno é o outro" nasça da observação que o filósofo francês fez de sua amada Simone de Beauvoir. No masculino egocêntrico, egoico, típico e padrão de 90% de todo homem, não há esse lugar. Esse inferno é o lugar do feminino. Só nele encontra-se essa ocupação em agradar, em saber se está agradando, e agradando se está mesmo tudo certo, na medida correta. Se a mãe dele está gostando? O que estão achando da roupa dela? E da toalha na mesa e do papel no banheiro? Enfim... o inferno.     

Não obstante, uma mulher que busca essa centralidade tida como masculina, perde o lugar na sociedade, ela fica deslocada entre as mulheres e entre os homens. Ela não é compreendida, aceita. Como se o botão do foda-se não pudesse ser apertado por elas. Como se trazer à tona essa centralidade, esse eu no qual outros giram em volta mudasse o lugar, corrompesse, desvirtuasse toda sociedade. Independente disso, muitas tem realizado a dura e árdua tarefa de uma jornada dupla, tripla e mesmo assim não é suficiente. Continuam se cobrando e sendo cobradas, continuam sentindo-se frustradas, massacradas. Não importa se é bonita ou feia, gorda ou magra, casada ou solteira, mãe, ou sem filhos, jovem ou velha, rica ou pobre. Não importa se são bem sucedidas, há um peso sobre elas que dificulta elas permitirem-se permitir. 


As mulheres em geral têm um eu subjetivo, introspectivo. Captam e sentem o ambiente envolta, mas não projetam pra fora. Esse é um espaço um lugar social que é castrado, limitado. O acesso é difícil, nosso machismo não lhes cede espaço, não lhes dá trégua. É um massacre, especialmente, porque além disso, lhes imputamos a responsabilidade do nosso.   



Aqui penetramos o abismo das relações. Mulheres que procuram um nós. Homens que procuram um ela. 



Inúmeras vezes, nas relações, as moças, automaticamente, estão projetadas no nós. Elas saltam para o nós sem passar, mapear o elas, mesmo porque, o elas é o outro. Para a maioria das mulheres, a construção do nós é a coisa mais simples e fácil. De modo geral, elas observam com muita acuidade esse nós, elas cuidam com muito desvelo do relacionamento. O complicador disso é que falta o ela. Poucas mulheres têm esse ela constituído de uma forma que é re-conhecida e colocada numa posição de igualdade. 

 Por outro lado, homens não alcançam a dimensão do nosso. Ficam travados no eu. Cobrando e massacrando o eu/ela delas. Não é um massacre direto, ele é cultural, familiar, relacional. Os deveres, as obrigações da casa, da família, da relação são delas. E isso não precisa ser dito. São elas que devem ceder, que devem adaptar, que devem se submeter para que o outro seja e a relação perdure, permaneça. Há um fastio, um cansaço nisso. Nossas avos ficaram nessas relações por décadas, até que a morte os separassem. Nossas mães buscaram um equilíbrio nessa balança, separaram quando o prato ficou muito desigual. Minha geração e as da minha filha não dão mais do que três avisos sobre esse desiquilíbrio. Elas não estão com receio de partir, sair e buscar uma nova relação, ainda que nos amem. Inúmeras relações tem terminado não por falta de amor, mas de equilíbrio. No entanto, essa ação não as apazígua, elas continuam carregando um peso, uma culpa, uma inadequação.     


Outra questão igualmente inglória é que as mulheres que tem a si mesmas, que tem ela, assustam e amedrontam a nós homens. Em grande parte, não estamos preparados para essa relação de igualdade. Para a relação na qual seja necessário lidar com um querer que não é o próprio. Não estamos preparados para uma dimensão compartilhada, pensada conjuntamente. Sabemos lidar com o eu, com o ela, mas há dificuldade de se pensar o nosso. E isso é maravilhoso e tento dar um exemplo.

O pensamento feminino é inclusivo. Busca-se o melhor encaixe e o bem estar de todos, para todos. O pensamento masculino é exclusivista, estando bom para mim, está ótimo. Não há cuidado. Há contrato, que tenta uma justa medida entre dois quereres selvagens. No feminino há um acolhimento. Quando um partilhante não pode vir, ele me manda um zap dizendo: "hoje não vai rolar. Depois a gente conversa!" Esse depois as vezes nunca chega e está tudo certo. As vezes surge um imprevisto e para os caras eu digo: "vou atrasar! Ou, essa semana precisarei desmarcar!"Isso é natural. Está tudo certo. 

Com elas isso é impossível. O ato não pode ser unilateral. Tem que ser discutido, debatido, encontrado o melhor para ambos. É praticamente uma partilha discutindo como podemos encontrar outro dia, outro horário. É lindo! Muito diferente da marcação do eu. Eu não posso, você se resolve aí. Com elas há uma ocupação, uma busca, as vezes um sofrimento para fazer dar certo. E isso é em todas as relações. Elas criam uma cumplicidade maravilhosa e agem assim até que larguem, deixem, se decepcionem. Aí acabou a relação. 


Agora podemos voltar a pergunta: “quando você vai me tirar desse lugar?”

Talvez a saída seja conjunta, dupla. Sair desse lugar começa pelo reconhecimento de que habitamos universos distintos, lugares diferentes. Nos aproximamos, nos unimos, mas ainda assim, cada um vive num universo intimo. Sem senhas, sem novelos de lã, o outro é indecifrável. Por outro lado, a questão não é ir a lugares, homens são exploradores, adoram fendas e mistérios. Mas, a maioria dos homens estão perdidos e solitários num desses buracos que eles entraram e não encontraram saída. Numa dessas relações nas quais acabou perdido num labirinto. Acreditem, entrar é sempre mais fácil que sair, retornar, entrar novamente e percorrer esse mundo subjetivo do outro como uma parte sua, um solo sagrado. 

É importante que a gente comece a desvelar a linguagem do outro, sentindo o mesmo desejo que degustamos a língua, o toque, as caricias. Compreender o universo emocional é tão cativante e exploratório quanto a descoberta do corpo físico. Exige atenção, trato, amor, comodidade. Exige fantasia, partilha, carinho. Exige tradução. 



Assim, é incrível como que uma mulher compreende essa pergunta como se elas tivessem um GPS. Como se elas estivessem no mesmo local, vendo a mesma paisagem. Nós porém estamos na outra casca da laranja, do outro lado do universo. É preciso construir uma ponte para atravessarmos e é fundamental que na construção dessa ponte elas não se decepcionem conosco. 

Tenho visto na maioria das mulheres uma capacidade sensacional de suportar os desejos dos parceiros, mas muitos de nós não damos conta de lidar com isso. Ainda acreditamos que Ariadne precisa ser salva, assim a preservamos do nosso lado bicho. E desencontrados, desconexos, o labirinto nos devora. O Minotauro toma conta de nós. As relações terminam porque o medo, o receio, não rompeu a única virgindade que não pode faltar: a da confiança. E é nela que o laço se efetiva. É sobre ela que mulheres encontram o seu lugar. E ficam nele com alegria, amor, gratidão. 

E talvez seja essa e não outra a saga de Teseu, matar o Minotauro foi fácil, ser o homem que confia seu desejo àquela que ele idolatra como casta é de fato integrar o Minotauro que existe nele. É conduzir o relacionamento para um nível no qual poucos de nós fomos. É a escrita de novos mitos, novos heróis e novas sagas.

Está na hora de cada casal escrever a sua...

Era uma vez...


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