quinta-feira, 20 de setembro de 2018

SILÊNCIO II: o orgasmo como fala. O outro como falta.




Fico ouvindo minhas partilhantes, algumas amigas, algumas namoradas falando de sexo, sexualidade, prazer, frustração, culpa... 

De forma machista, isto é, considerando o mundo a partir do nosso falo, somos levados a acreditar que na transa a mulher quer gozar. Que o que elas esperam de nós é que as levemos ao orgasmo. Como se elas não pudessem chegar a isso sozinhas, ou com outra pessoa. Temos essa fixação que é mesmo muito do nosso universo masculino no qual sexo é gozar e gozo é orgasmo. Feito isso, alcançamos o sucesso. Cumprimos a meta. 

É uma mecânica do prazer bem direta, simplista, altamente satisfatória viu minhas amigas. Rsrs.   Não tem complexidade nessa elaboração.


Já às mulheres, o sexo não se resume ao orgasmo. O prazer delas começa antes e termina depois do ato sexual em si. O durante é só um processo que a gente não dá conta. Como compreender que o bom dia das seis horas da manhã, ou a falta dele, tem uma relação direta com o sexo a ser realizado, ou não, às dez da noite?


Meu amigo, isso tem relação direta. Para elas é tão claro e óbvio quanto dois mais dois são quatro. É um esquenta, um aquecimento, dado em pequenos gestos. Sinais sutis tais como a brasa de uma fogueira. Em suma, o sexo para elas não é só genital. Mexe e envolve um carinho, um cuidado, uma atenção. Mas, não é o cuidado, a atenção, o carinho pre-m-editado. Vou falar/fazer isso para ganhar aquilo. Vou dar bom dia às seis da manhã para transar às dez da noite. Há uma relação com o acumulo, com o recorrente, com uma constância e permanência. Não é a gentileza de um dia. 

Então se o sexo para elas não se reduz ao orgasmo, não é meramente algo mecânico, se reduz a que? Primeiramente, não se reduz. Tenho observado que para todas as mulheres, especialmente, as que se dizem RESOLVIDAS, que o sexo sempre é algo especial. É sempre algo a mais do que uma transa, uma trepada; mesmo quando é só isso.  


A transa mais banal para as mulheres tem componentes mágicos, íntimos de quem abriu as portas do seu universo para outro visitar. De quem seja por qual for o motivo de escolha, permitiu-se, concedeu ao outro acesso ao seu mundo, ao seu universo. Assim, já não me iludo mais, com os dizeres delas: foi só sexo. É só sexo. Parece, que biologicamente, por pior e mais decepcionante que seja, nunca será só sexo. E que bom que não seja. O sexo carrega uma entrega, que para poucos de nós homens tem. O sexo guarda um sagrado, que em nossa forma exploratória, mecânica, simplista, a banalizamos.  




Então, quando na escuta mais atenta, compreendemos que há uma dor na relação na qual o cara entrou, visitou e foi embora. Fica uma coisa aí. Algumas anestesiam e têm se anestesiado. Não sentem nem a entrada, nem a saída. Ficam nelas, com elas e fazem um uso genital  da transa, como a maioria de nós (homens) fazemos. Aquele relaxamento gostoso que a ejaculação proporciona. Isso satisfaz algumas, pelo menos a curto prazo e numa dimensão mais epidérmica. Quando adentramos em camadas mais profundas, o emocional, por exemplo, há uma falta. E nessa falta uma queixa, uma angústia. Um espaço no qual a busca não é pelo gozo e sim pelo outro. Ou melhor, é esse encontro com o outro que plenifica o orgasmo. 

Torna-se bonito ver mulheres encontrando esse prazer no sair com as amigas, na ida ao teatro, na ida ao campo de futebol. É belo observar que os espaços de gozo, prazer delas tem se ampliado. Mesmo com uma identificação confusa em algumas que levam esse espaço para a mesma banalização que muitos homens. A ejaculação mecânica, que por vezes até prescinde do outro. O que Reich chamava de "masturbação vaginal".   

Que fique claro, não falo dessas mulheres. Estas tem se resolvido a sua maneira, ou seja, tem se dilacerado sem perceber, porque desativaram o corpo emocional. Nós homens fazemos isso há milhares de anos. Por isso é tão fácil, tão simples e tão mecânico algumas relações. Porém pelo que tenho observado, a desativação do corpo emocional, amplia feridas, dores, que poderiam estar remediadas. 


Busco então, falar com o outro polo dessa mesma vibração, na qual encontramos milhares de mulheres que mesmo com vontade, com necessidade fisiológica de transar, não conseguem fazer sexo por sexo. E, nisso há culpa e frustração. Falo das que estão casadas e os caras as silenciam durante todo o dia, toda a semana e na noite da folhinha, querem sexo. E, reclamam da entrega e do desempenho delas. Aumentando o vazio, a falta de uma cumplicidade. 


Falo das que estão solteiras e por terem saído de um casamento de muitos anos, ter conhecido o cara certo na hora errada, hoje tem receio de voltar para esse cara, de ver se ainda tem química. Acredito que ele esteja te 'esperando'. 

Falo para outras que estão vivenciando o celibato forçado por questão de raça. As preteridas por serem negras. Preteridas pelos homens brancos e também por nós homens pretos. Falo para as que sendo extremamente gostosas, foram convencidas de que sem um corpo tipo modelo exportação, elas não tem chance. E, assim se destroem internamente buscando um padrão inatingível, ou buscando se esculpir fazendo dietas intermináveis, cirurgias irremediáveis. Desejando ser aceita. Falo para as que se sentem velhas. Falo para tantas outras que não sei mapear. Falo para essas nas quais localizamos dor, amargura, e uma armadura. 


Para a maioria delas o sexo não se reduz ao ORGASMO e sim ao cuidado, a gentileza, a atenção. E, na cama, no ato sexual em si, o que elas desejam é o SILÊNCIO.


Não há nada mais erótico, sedutor para a maioria das mulheres, do que serem ouvidas, escutadas e ao mesmo tempo, quando isso resulta em ato sexual, encontrar alguém que as silencie. Alguém que numa transa por amor, por dinheiro, por pegação, por... consiga conduzi-la para um espaço no qual ela se escute. Ou melhor, nem ela mesma se escute.

É um lugar no qual toda agitação, toda falação se equaliza com o ato sexual. É o ponto certo. É o acertar a veia. Isso é raro de acontecer. Por vezes não envolve amor, nem técnica. É um encaixe, um ajuste que dois conseguem ter e encontrar. Isso é especial. 

Tão especial e mágico que suscita o silêncio. Um vazio que a preenche, a arruma. Similar a um closet que está organizado sem que ela faça nada, apenas fique lá. E as roupas fazem combinações perfeitas sem que ela precise montar. As peças se auto combinam da roupa intima até os sapatos, passando pelos óculos, a bolsa, a cor do esmalte, batom. Tudo se adéqua e se conforma sem esforço, sem pedido, sem luta, sem cobrança.

Quando a maioria delas falam dessa boa transa, elas falam que chegaram nesse closet. Nesse silêncio. Nesse lugar.

Nós homens nos silenciamos com maior facilidade, mesmo pq temos o falo para silenciar os outros a nossa volta. O silêncio para grande parte de nós não é uma questão. Nós homens conseguimos um alto nível de relaxamento vendo um jogo de futebol, com uma cerveja na mão. Podemos aumentar esse nível de relaxamento nos masturbando ou transando. Alcançamos esse nível sem muita complexidade.

Já a maioria das mulheres tem vozes na cabeça que falam com elas o tempo inteiro. Vozes imemoriais. Juro para vocês que muitas moças escutam Adão e Eva como você está escutando sua voz interna lendo esse post. Escuta de travar no lençol, lembrar da mãe e imaginá-la sabendo que ela está transando. Isso independe da idade. Vai dos 13 aos 91 anos. Tem vozes que acompanham as moças por toda a vida. Essas vozes as cerceiam, mas elas ainda escapam.

No entanto, há as vozes dos maridos, dos filhos, dos chefes, dos funcionários, das amigas, dos inimigos, dos pais, dos amigos do marido. Há vozes demais. E, para completar nós queremos transar com elas para elas gozarem, pq assim, segundo o que acreditamos, elas vão relaxar!

De modo geral, aumentamos a pressão.

Finalizando, elas me contam que a transa mágica não foi a que o cara fez o kama sutra em duas horas. Ou o cara que conseguiu seis seguidas sem parar. Elas falam que foi o cara que as silenciou.

Não é o silenciamento do cala a boca. 

É o silenciamento de estar com alguém e o pensamento não flutuou para outro lugar senão lá. O cara encontrou um ponto, um lugar no qual ela estava presente, inteira. Ela conseguia ser ela. Um ela que por vezes, ela desconhecia, mas achava fascinante e incontrolável. Por isso, magicamente, excitante. Ser e não ser ela, mas sobretudo, não se repreender, se controlar, se cercear. 


Então, se vc é marido, namorado, amante (esses fazem isso com mais naturalidade), comece transado com a sua esposa no café da manhã. No bom dia, na ajuda das tarefas, na escuta do que está acontecendo com ela no trabalho e com seu filho na escola. Pode parecer loucura, mas isso é excitante.

Se o seu colega de trabalho, seu amigo estiver reclamando da vida sexual dele, ajude a sua companheira de trabalho a não ser assediada, física, moralmente. Não a assedie. Quando, ela disser não para sua cantada não a chame de puta, vaca, piranha ou vagabunda; você vai estar contribuindo demais para a melhora da vida sexual do seu amigo.

Se você é filho, filha, não deixe que ela fale com você mil vezes a mesma coisa toda semana. Se ela for a sua professora, não pense que ela é a sua mãe. Só as mães amam incondicionalmente.


Finalmente, não vote no coiso. Você não pode transferir para terceiro a sua impotência. Ou até pode, mas o melhor seria, se perguntar e perguntar a sua companheira: como podemos ser mais felizes?

Essa pergunta, para elas já é uma forma de orgasmo. Poucos prazeres são maiores para muitas mulheres, do que o de se sentir compreendida, agradecida no seu cuidado e dedicação.

Bora, buscar o silêncio conjunto sem precisar de silenciarmos negros, negras, homo, bi, trans, mulheres, gordos, gordas, estrangeiros.



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