segunda-feira, 29 de abril de 2013

A PAPISA JOANA.



Era criança quando li pela primeira vez sobre o pontificado de Joana. Sim, corre ou corria em forma de lenda, que o poderoso Vaticano teve como sumo sacerdote uma mulher. Escrevi corria, porque agora já há fontes mais confiáveis que atestam isso com maior fidedignidade, muito embora não haja nenhuma posição oficial da Igreja Católica. De todo modo, a história é simplesmente sensacional.

E a retomo para tocar muitas questões: uma- o filme. Duas- o tarot. Três- a homossexualidade. Quatro- Pastor Feliciano.

O filme é uma narrativa de uma criança que Joana teria ensinado a pensar para além dos horizontes dados pela época. Essa menina que carrega um colar dado por Joana com a efígie de Santa Catarina também se torna monge, disfarçando-se de homem. Segundo o filme, teria sido essa Arnalda a contar a história de Joana, já que um dos seus arquirivais, mais precisamente, inimigo por vingança ao escrever um livro datado o período de cada papado simplesmente não registrou o de Joana. Na posterioridade isso acabou ganhando ares de lenda, de mito, uma narrativa que se tentava ridicularizar o poder de Roma.


No Tarot de Marselha um dos arcanos é a Grã-Sacerdotisa, ou Papisa mesmo como está em alguns idiomas. Na explicação do arcano, os autores não têm dúvidas em relacionar essa figura emblemática, em todos aspectos e sentidos, com a figura da papisa Joana. Assim, mais do que dialogar diretamente com o feminino, com as tradições matriarcais de magia e em certo nível ocultismo, há um diálogo também oculto, algumas vezes pouco explorado, com o poder temporal. Se a interpretação recorrente desse arcano relaciona-se ao silêncio, a contemplação, a espera, a sabedoria e compreensão. Há também um significado ‘novo’ de que esse arcano guarda um lugar; mais  especificamente retrata alguém que estaria “fora do lugar”. É paradoxal a imagem e a idéia. Primeiro, porque o lugar é dela e ela se adéqua muito bem a ele, no entanto, é uma inadequação. Mulheres não comandam! Mulheres não mandam nos homens! Mulheres não detem o segredo e a capacidade de decodificar os livros, os códigos humanos.

Esse não lugar da Papisa assinala o lugar das mulheres por milênios. Conhecedoras da natureza em si mesmas são discriminadas por não lhes ser garantido aprender o que a partir da frase de Galileu se cristalizou em mandamento: a linguagem da natureza é matemática. isto é, racional, elaborada, calculista. 

De certo modo e em muitos níveis todas essas chaves de leitura servem de entendimento para adentrar e compreender esse arcano e é a partir desse lugar inadequado que falaremos da homossexualidade.

É notório até no reino espiritual que a homossexualidade assusta, incomoda, tira as pessoas do lugar. Mas, filmes como esse, no qual um dos personagens tem um amor e depois oculta a própria sexualidade se travestindo, pode jogar luz nas nossas reflexões.

No filme, Joana por ser mulher tem todas as suas habilidades naturais desprezadas, ignoradas, repudiadas, inclusive seu amor por um conde casado. Todavia, essa vida de privações não lhe é aprazível, porque ela deseja mais e pode mais. Podia tanto que chegou a ser papisa, mas para tanto passou a ser João. De forma que todas as suas habilidades, qualidades que eram vis e ultrajantes enquanto mulher se tornaram qualidades positivas que a levaram ao papado, inclusive não desejar mulheres e assim ter a castidade protegida. Obvio, que mais do que de homossexualidade estamos falando de machismo. O interessante é que em suma não há diferença. O machismo é o que repreende o diferente. É o que desqualifica o não igual. O machismo é que julga o mundo com um falo que tem que ser introduzido num local muito especifico na hora e no momento em que o macho deseja. Todo os outros tempos e espaços para essa introdução são desmoralizantes, humilhantes, errado, pecados.  

Mas, faço a reflexão com a homossexualidade a partir de uma abstração que os convido a realizarem: se o amor da sua vida, numa pegadinha, resolvesse se travestir, no caso vestir-se de homem ou de mulher, rolaria? Conseguiria conter o tesão que um sente pelo outro? Conseguiria impedir que o afeto e a afecção que um sente pelo outro se transformasse em desejo, pele, sexo, cama? Nesse caso, pecado seria manifestar esse amor ou sublimá-lo, renunciá-lo, escandalizar-se?

Juro que não sei as respostas. Sei que algumas companheiras com as quais me relacionei nessa vida, relacionei com elas quando eram negras, coxas, louras, baixas, altas, vermelhas, até azuis. Quando fomos ambos homens não transamos, pelo menos não fisicamente, será mesmo que não? E, quando fomos ambas mulheres, não sei o que rolou.

No final, eu só quero refletir e esperar que alguém me responda: como é que julgamos o amor? Por que o colocamos na condição de pecado e infâmia?

Agora entraremos no pastor Feliciano, mas esse é um post a parte. 

domingo, 21 de abril de 2013

DENTRO DO CRISTAL



Desde a década de 2000 venho me perguntando o que é uma entidade. Uma entidade é diferente de um desencarnado. Desencarnados tem CPF, RG, tiveram local de nascimento. Entidades por sua vez não. Entidades em grande parte não têm registro civil. Entidades às vezes parece ser uma composição anímica dos médiuns, representações internas bem avivadas que auxiliam a cada um trabalhar suas questões internas. As entidades seriam Aspectos dos médiuns, pelo menos é assim que venho entendo hoje trabalhos pioneiros como o de Luís Gasparetto e Geofrey. Eles fazem um trabalho no qual parte do que seria considerada entidade externa em centros espíritas e de umbanda seja compreendido pela pessoa como forças internas.
  
Faço a distinção para falar da relação com um amigo espiritual chamado Solano, el brujo. Fiquei negociando trabalhar com Solano por quase dez anos. O fato de ele ser bruxo me despertava muito preconceito. Fui aos poucos quebrando esse preconceito, conversando, aprendendo, negociando para dar condições de ele trabalhar incorporado.

A nossa interação aconteceu quando começamos a falar de cristais. Solano trabalha com cristais, na verdade, ele tem um conhecimento bastante significativo do que Kryon denominou de malha cristalina. O que implica num conhecimento tanto das figuras geométricas, quanto das simetrias internas das relações e de como isso cria uma teia, uma malha tanto inter como multidimensional. Os cristais são portais para os mais diversos universos. Mas, menciono Solano, porque ele me disse anos atrás que estava aprisionado dentro de um cristal.

Essas coisas, simplesmente, não dão para acreditar, levar em consideração. Quando ele me contou, eu ouvi por educação. No entanto, com o passar do tempo, ele foi me mostrando o sentido e significado dos cristais. Um deles seria o que a gente tem desenvolvido com muita habilidade- o conhecimento em rede. Cristais são redes. Eles estão todos interligados. Todos mesmo. À medida que os desenterramos vamos despertando habilidades que estavam adormecidas. À medida que os acionamos vamos liberando potenciais que não eram desvelados.

A idéia que ele me passava é que um cristal sozinho tem recursos e habilidades, mas sua força é potencializada quando outros cristais operam em rede, trabalham juntos. Ele me dizia que em determinado momento da nossa trajetória nós colocamos alguns conhecimentos num sistema de rede, isto é, eles só poderiam ser acessados por mais de uma pessoa. Isso diminuiria os riscos tanto individuais quanto coletivos. Falamos de conhecimentos capazes de libertar a humanidade de processos energéticos rudimentares como de certa forma destruir a própria humanidade. Quando eu “via” essa força em atuação pensava se tratar da energia nuclear, mas não é uma energia nuclear, porque ela não vem do núcleo dos átomos. Ela não se dá mediante a fissão ou até mesmo a fusão atômica. Essa forma de energia não dissipa tanta energia quanto essa e outros recursos que utilizamos. Ela de fato se aproxima do que se denomina energia limpa. E essa energia limpa é conseguida com a utilização de sistemas em rede. Dispostos e alinhados para que gerem o seu próprio potencial energético e conduza informações, objetos, seres, pessoas por seu fluxo.

Da para entender? É como se eles calculassem a natureza de cada cristal e soubessem, mediante esse cálculo, em qual outro ponto existiria um cristal alinhado a ele. Desse alinhamento far-se-ia a modulação “gravitacional” do que poderia ser transportado.

Continua parecendo absurdo e eu não tenho conhecimento em outras áreas para dar nome a isso, mas pensem por exemplo na transposição de um arquivo do seu desktop para o e-mail de um amigo que se encontra no Japão, ou mesmo no computador ao lado do seu. Esse percurso, se é que podemos falar em distância, não existe. Assim como que de certa forma podemos desprezar e ignorar a categoria peso e tempo. De modo que na concepção dele, poderíamos fazer o mesmo com objetos mais pesados e até mesmo com seres dimensionais ou não. O que é um ser dimensional? Um ser humano com carne e osso. Tudo isso tem possibilidade de se aplicar com aspectos internos da nossa psique. Seres que existem em nós e dentro de nós, assim como a seres que existem paralelos a nós.

Segundo eles não é bem paralelos e toda a dificuldade da nossa compreensão, visualização desses espaços vem de não compreendermos o papel da angulação refratária. Eles estão falando de algo relacionado a luz e ao laser que ativa esse padrão. Padrão que pode ser acionado pela consciência mediante a intencionalidade.

Os mundos não seriam paralelos e sim "inclinados" nos mais diversos ângulos. Há pontos em que eles se cruzam, se ligam e são nesses nós que as interfaces acontecem. Nesses pontos de interfaces mudanças desencadeiam transformações em vários momentos não apenas do espaço como também do tempo e da consciência. Essas são as malhas.

Como esses conhecimentos não pertencem apenas a um povo, a uma civilização, a um ser; ele foi codificado para que fosse usado apenas em rede. Essa rede se ativaria e ativaria os parceiros no momento exato. Ativaria aqueles que se encontram afinizados e sintonizados na mesma “vibração”.

Assim, ficar aprisionado dentro do cristal significa dizer ficar com seu potencial de transformação aprisionado na rede criptografada que criamos para nos protegermos de nós mesmos. Para que na afecção de um ser sobre outro, de um mundo sobre o outro nós não nos destruíssemos no sentido tanto literal de batalhas externas quanto no sentido de aculturação e perda de essências.


"Em minha localidade a magia é natural. A possibilidade de deslocar objetos descomunais segue esse princípio que usam com desenvoltura em seus aparelhos tecnológicos de comunicação. A tecnologia que utilizam é a forma com que lidamos naturalmente com nossas informações, mas sem o uso de aparelhos externos. Essas faculdades são interfaces que estão inseridas dentro do cérebro-mente de vocês, encontrando apenas ativados ou desativado em cada um.



Mas, quando um humano ativa essa rede interna e os cristais auxiliam na recordação desse potencial, outros seres de outras localidades e temporalidades vão sendo acionados. E cada um dos seres com suas chaves conseguem liberar conhecimentos, informações que ficaram por milhares de anos desativados esperando a maturidade de cada ser respeitar o ordenamento de outros aspectos.

Quando o rapaz diz não gostar de bruxos, ele afeta seres que são brujos. E na concepção dele são tidos como Brujos, porque eles movimentam energias nas quais o jovem não tinha condições intelectivas de compreender. Mas, essa energia de pré-conceito ajudava na destruição dessa força e desse canal. Igualmente ao brujo que dizia que não gostava dos caras com olhos de gato. Cada vez que ele fazia essa colocação isso diminuía o nosso potencial de viajantes das estrelas, nos movimentarmos por esses canais. Utilizo a imagem do preconceito para ilustrá-lo como nosso  maior obstáculo e fronteira de intercâmbio. 

Outro complicador em todo intercâmbio é que cada ser percebe o canal como sendo individual, como sendo algo interno. O brujo acredita que aciona o canal realizando o seu ritual. O jovem acredita que aciona o canal friccionando o cristal, colocando-o na testa. Nós ensinamos que vocês acionariam o canal realizando atos devocionais- seja de friccionar os cristais, seja de praticar rituais- quando na verdade o que aciona o canal é a consciência.

Assim, fomos observando, que dentro e fora, interno e externo, tempo e espaço eram apenas denominações para algo que não existia. Estamos todos interligados por uma rede articulada pelo criador das existências. Iguais aos nadis do sistema veda de acupuntura. Da mesma forma que eles compõem um sistema vivo que afeta e é afetado por sistemas áuricos imperceptíveis. Igual a Terra com seus meridianos e pontos. A galáxia, o sistema também possui os seus nadis. Uma das chaves desses nadis são os cristais, as redes cristalinas.



Eles (cristais) são guardadores desses portais: interno-externo, aberto-fechado, dentro-fora, tempo-espaço. É nesse lugar-não local que movimentamos e nos integramos. É nele que somos um e nos fazemos continuum.

De modo que o brujo cigano, o sacerdote asteca, quando realiza seu ritual nesse momento no seio da pirâmide de Qualtmoltec (não sei do que se trata) esta acordando o jovem do século XX curioso pelo mundo invisível, mas com pré-juízos que devem ser extinguidos para que a malha não seja desativada. E, enquanto, ambos pensam que a nave que eles avistam vem do céu, algumas vezes, ela vem do interior deles. Isso mesmo, nós podemos navegar tanto pelas linhas externas quanto pelas linhas internas. No final não há uma coisa e outra e estamos todos interligados".

Hoje, sete anos depois, compreendo que o Solano saiu de dentro do Cristal porque nós liberamos não apenas o potencial dos quartzos, mas porque liberamos uma rede cristalina que liberta habilidades, conhecimentos, que não circulavam na face da Terra por muitos séculos. E, ao que parece, não circulava na Terra há milênios, refiro-me a energia sexual, sexualizada do feminino.

Na verdade, não é apenas isso. A energia sexual e sexualizada do feminino é apenas uma imagem e representação da poderosa suavidade dessa forma energética. Essa energia já esta entre nós e pirando todos aqueles que resistem a acessar seus outros níveis de estrutura tanto psíquica quanto genética.   

domingo, 7 de abril de 2013

“O FUTURO DA HUMANIDADE”



"O Futuro da Humanidade" é um livro de Cury. Um livro que apresenta idéias ousadas, inspiradoras, passíveis de serem praticadas, especialmente, por quem não é da área médica. O melhor do livro é sua dimensão humanista. A tentativa de um jovem sonhador, realizador e mais tarde inspirador (Marco Polo) ofertar novas buscas e rumos para si mesmo e aqueles que estão em sua volta.

Numa dessas contribuições, o jovem estudante de Medicina e mais tarde Psiquiatra, desvenda a historicidade dos cadáveres da sala de anatomia. Uma postura simples que ajuda a humanizar alunos e professores no trato com outro ser, mesmo que defunto, morto.


Num segundo momento, o desbravador encontra-se com os moradores de rua. E junto a eles aprende a história de cada um, as dores e amarguras de cada um. Ali fica estampado a nossa dificuldade, não em lidar com nosso sistema de pensamento, e, sim com as nossas emoções e sentimentos. Nossa dificuldade é suportar as agruras quando o nosso emocional transborda e derruba nossas crenças, nossas concepções prévias, nossas resistências. Poucos, raros indivíduos suportam e não sucumbem diante dessa avalanche. E uma parte considerável dos moradores de rua são seres cujo o emocional transbordou e avassalou paisagens internas e externas. Encontrar outro ser humano, com suas dores e dilemas por detrás da sujeira, da bebida, dos transtornos emocionais e mentais é tarefa árdua, mas é realização humana, isto é, algo possível de ser feito.


Outro processo de humanização se dá mediante a escuta desse portador de transtornos mentais que se encontra não apenas enclausurado em si mesmo, mas também em um manicômio. É ali na seara difícil do diagnostico que se busca ir além dos rótulos. Se deseja ir além da medicação pura e simplista, se deseja chegar as causas dos sofrimentos internos que assolaram as paisagens internas do individuo. Nessa busca há um reencontro com a individualidade do paciente, mas igualmente com os componentes sociais nos quais ele abandonou e foi abandonado. Esse encontro é a cura não de um, mas de muitos. É a apresentação do transtorno numa visão mais sistêmica e menos individualizada. 


Em cada passo, em cada construção, em cada realização o que acompanhamos é uma tentativa de enxergar o outro como SER HUMANO. Na busca por esse olhar, o personagem realiza o percurso da Interdisciplinaridade. Para além do ato médico, ele postula a necessidade de se estudar neurologia na Psicologia e na Medicina estudar Psicologia. Mais do que meramente estudar como se faz e se tem feito, ele conclama à necessidade desses saberes se abraçarem para possibilitarem um olhar mais humano ao paciente.


É nessa direção que tacitamente, durante todo o livro esta inserido a FILOSOFIA. Não para pensar sobre o pensamento. Não para criar hipóteses e confabulações acerca de si mesmo, mas para indo ao encontro do outro, de frente a dor e o desamparo do outro, reconhecer esse outro como igual e singular. Esse olhar que ele apresenta ao longo de todo livro falta, invariavelmente, a sociedade como um todo. Falta nos cursos superiores, falta aos profissionais. Falta a postura de se assumir humano e aceitar a humanidade por vezes desumana do seu alter, do seu outro, do seu igual.


É nessa direção que retomo o post mais comentado desse blog e também mais lido: “A Menina que Nasceu Esquizofrênica”. O que aquele post quer dizer e poderia ter dito mais claramente é que um ser não pode ser reduzido a sua doença. Não pelo menos sem que a gente retire dele as inúmeras possibilidades e potencialidades que esse ser possui. Tal redução acarreta no desprezo, no descaso e na coisificação ou na 'doentificação' dos seres humanos. Finalizando, outra coisa que aquele post quis refletir era sobre o sentido da medicação. Quis discutir qual a crença, a ideologia que se encontra por detrás do uso desses remédios. Qual o caráter salvífico que passou a se dar a componentes exógenos que afetam os neurotransmissores supostamente alterando condutas? Até que ponto o ‘sucesso’ desses medicamentos não poderiam ser alcançados por técnicas de escuta, respeito, compreensão do outro?


Enfim, a ideia era discutir não meramente o surto, momento no qual a medicação se faz necessária e adequada para controlar os diversos e multifacetados impulsos do ser fora de si mesmo, ou ensimesmado por demasia. A discussão do texto era ir ao encontro da pergunta: O QUE FAZEMOS DEPOIS DO SURTO? E me parece que depois disso precisamos largar rótulos, métodos, fórmulas e ir em direção ao outro. Abraça-lo, tocá-lo, vê-lo. Ainda não fazemos esse movimento, seja porque há um entorpecimento medicamentoso do paciente que lhe impede de sentir; seja porque há um entorpecimento teórico, acadêmico por parte dos profissionais que lhes impede de envolver. 

Nesse lugar que é o meio do meio do caminho só os rótulos são possíveis. Somente a ideia salvífica seja a de acreditar que há cura sem medicação, seja a de acreditar que só há cura medicando, seja a de acreditar que se cura sem ajuda. Mas, quero crer e acreditar que há um lugar no qual os saberes se encontram e ficam desimportantes; porque o fundamental é a compreensão do outro, desse não eu. Nesse lugar acho que existe não a cura, mas o encontro. 

Nesse lugar que é o meio do meio do caminho só os rótulos são possíveis. Somente a ideia salvífica seja a de acreditar que há cura sem medicação, seja a de acreditar que só há cura medicando, seja a de acreditar que se cura sem ajuda se fazem práticas. Mas, quero crer e acreditar que há um lugar no qual os saberes se encontram e ficam desimportantes, porque o fundamental é a compreensão do outro, desse não eu. Nesse lugar acho que existe não a cura, mas o encontro, o abraço.
  

segunda-feira, 25 de março de 2013

O FEMININO: algumas visões.

UMA VISÃO EXTERNA-SOCIAL.

Jung nos ensinou que a mulher e o feminino não são a mesma coisa, na mesma medida em que o masculino e o homem não são sinônimos. O psiquiatra suíço seguindo a tradição do Tao nos mostrou que em cada homem há uma parte feminina (anima) e em cada mulher uma parte masculina (animus). Isso desgrudou o que até então parecia sinônimos. De modo que há mulheres yang, isto é com um aspecto masculino mais desenvolvido e há homens yin, ou seja, com aspectos femininos mais acentuados e não estou me referindo à sexualidade, pelo menos, não ainda.



No entanto, faço essas colocações para salientar como trabalhamos mal com o feminino. Como este feminino esta sendo e sempre foi massacrado, excomungado, torturado, silenciado.

O que tenho observado é que o feminino não tem lugar. Cada vez mais os lugares do feminino são diminuídos, negligenciados, desrespeitados, desvalorizados. Nossa sociedade valoriza, sempre valorizou, mas agora muito mais, as dimensões masculinas do existir. A distinção com outros momentos é que antes os espaços femininos da casa, do lar, da maternidade mantinham-se invioláveis. Hoje não. Todos esses espaços foram igualmente ‘contaminados’. Não há mais exclusividades, os espaços são compartilhados. Somos cada vez mais uma cultura unissex e para alguns se tornará bissexualizada. Mas é um unissex que sobrevaloriza o masculino. Não sei.

Sei que o feminino esta sendo repreendido por homens e mulheres e parte considerável da nossa tristeza, da nossa angústia, das nossas depressões, dos nossos remédios tarjas pretas é que não há mais úteros na sociedade. Por qualquer lugar que se ande todos têm um pênis. Estamos cada vez mais irascíveis, mais violentos. Ao ponto de agredirmos as mulheres, espancarmos, matarmos, minuto a minuto. Não apenas no Brasil como no mundo todo. é um mundo de espadas que competem a todo momento querendo mostrar ora seu tamanho maior que dos outros, ora seu corte mais profundo que do outro.  

Aos meus olhos não sabemos mais o que fazer com essa energia do feminino que em contrapartida aumenta a sua intensidade. É um paradoxo: na medida em que se intensifica a energia feminina, mais sem lugar esse feminino fica. Misticamente falando há uma energia feminina no ar. Pais carregam filhos no colo, os beijam, andam de mãos dadas, os levam e os buscam na escola. Mães saem pela manhã vão para o trabalho, depois a faculdade e retornam para casa. É um engano pensar a energia feminina com as representações de chatura e meiguice com que ela é apresentada. A energia feminina é suave, mas a suavidade dela é similar a da água- já viram enchente? Tsunami? É tudo água, a mesma que nos banhamos, a mesma que bebemos, a mesma que se conforma a qualquer coisa, objeto, mas exatamente a mesma que supera qualquer obstáculo. A energia feminina é a energia da persistência, da paciência. Sabe mãe de presidiário que viaja toda semana para ver o filho? Sabe mãe de dependente químico que sai toda noite a procura do filho? Até que o primeiro saia da prisão, até que o segundo se liberte das drogas. Sabe aquela coragem feminina que mesmo diante da ameaça de morte, de prisão, de desterro, continua acompanhando o corpo do filho, marido, amigo crucificado? Quando os homens por prudência resolveram se retirar?

Enfim, a energia feminina não tem nada das representações molengas, sem firmeza que apresentamos. A energia feminina é intransigente. É firme. É convicta. As maiores qualidades que atribuímos aos homens não vem do seu aspecto masculino e sim de suas dimensões femininas. Este resgate fica mais ou menos declarado no ditado popular: “por trás de um grande homem sempre há uma grande mulher.” Esse por trás não é meramente físico é igualmente psíquico.

Mas, o ponto contraditório é que essa energia assusta. Essa energia é assustadora. Não sabemos o que fazer com ela, como lidar com ela. Não se ensina nada sobre ela. Afinal, o que fazer com a ternura? Quando eu sinto ternura, compaixão, por alguém que nunca vi, não conheço, o que eu faço? E se for outro homem, acaso eu sou gay? Um parênteses, acho que uma maioria de homossexuais são  pessoas que interpretaram esse feminino como sendo questão de gênero, não necessariamente.

UMA VISÃO INTERNA-PSÍQUICA.

Prosseguindo... internamente, tenho visualizado nos atendimentos que presto, sobretudo entre as mulheres, que o feminino esta preso. Preso mesmo. Energeticamente, ao analisar os corpos sutis, muitas e muitos trancaram seu feminino em torres de marfim (a minha esta em uma), outras continuam fazendo uso de cintos de castidade. Algumas ignoram por completo onde estão esses aspectos delas. São mulheres, mas o feminino enquanto desejo, sedução, querer, magia esta completamente esquecido, negligenciado. E é incrível como é essa energia que se volta contra elas. Como é essa energia que se torna a maior rival e as vezes inimiga delas. Essas energias se apresentam algumas vezes aos meus olhos como Pombas-Giras, outras vezes como Ciganas, outras vezes como mentoras espirituais.

Sem entrar no mérito da incorporação dessas forças, elas estão presentes e atuantes no entorno delas. Provocando doenças, desentendimentos, mas tendo como intenção chamar atenção, se fazer vista, lembrada. É como se uma parte nossa nos chamasse atenção para a existência de um aspecto negligenciado.

Focando o caso das mulheres, mas agora pelo universo externo, quando eu pergunto a elas o que elas acham das mulheres que andam de burca, das que são apedrejadas por terem cometido adultério, enfim quando falo de machismo, elas sobem nas tamancas. Acham um absurdo que isso ocorra no século XXI. Fazem discursos maravilhosos. No entanto, quando digo que internamente, elas são ainda mais repressoras, elas se assustam; mas são. Quando tento mostrar que elas têm feito com o feminino delas é mais opressor, elas se assustam. Mas, quando se faz possível visualizar esse corpo sutil, muitas se encontram de burca, outras aprisionadas em torres, algumas com cinto de castidade. Outras recebendo o que hoje poderíamos chamar de assédio moral.

O FEMININO SEM LUGAR.

De modo que o feminino não tem espaço não é só no mundo, o feminino não tem espaço dentro de nós. Poucos de nós dão espaço para o feminino e são para estes que as coisas acontecem. As chaves da prosperidade, da mudança, da criatividade, da inventividade esta no feminino preso, torturado, amarrado, castigado. Ficamos nos perguntando por que as coisas não acontecem em nossas vidas e elas não acontecem por não darmos espaço para o feminino.

O feminino representa nossa potencialidade. O feminino representa nosso prazer, nosso sonho, nossa fantasia, mas a gente é ensinado a não levar isso em consideração. Somos ensinados a acreditar que mesmo gostando de cozinhar o futuro é ser engenheiro, que amando escrever o futuro é ser padeiro. Somos desacreditados dos nossos sonhos, porque não sabemos onde colocar na vida.

A busca pelo sucesso que descabela as pessoas tem a fórmula masculina da dedicação, da ambição, da metodologia, da disciplina, mas tem também a feminina que é DESEJAR e aceitar que aconteça.

É simples. De uma simplicidade que amedronta. Mas é a simplicidade de se saber que o seu filho não deve sair hoje, nem casar com essa pessoa. A simplicidade de apostar o que tem na bolsa de valores e dar certo. A simplicidade de acreditar que a sua intuição esta certa. Essa simplicidade que não é lógica, não é convencional não tem um lugar seguro para desenvolver. Durante séculos aqueles que demonstraram esse tipo de conhecimento foram queimados, expulsos, barbarizados. Durante milênios aqueles que desenvolveram habilidades opostas as masculinas foram incompreendidos, violentados, degradados, ridicularizados, torturados, explorados.

De modo que ainda hoje falamos que há espaço, muitos de nós continuamos guardando, na verdade, trancando o feminino do mundo e nessa tranca aprisionamos o que há de melhor em nós. Num primeiro olhar mais apressado esse lugar é o lugar do desterro, é o lugar da repressão e da reprovação. Num olhar mais acurado, em grande parte das vezes, esse é o lugar da proteção. É o lugar no qual o cavalheiro encontrou para proteger a sua amada das dores, dos sofrimentos, da sua falta, das suas ausências e especialmente das habilidades que ela possui e amedronta as pessoas.

Liberta o feminino é mais do que proteger as mulheres é dar espaço para os sonhos, as fantasias, especialmente os desejos e os quereres. 

domingo, 17 de março de 2013

7 de março


Desde o dia 7 uma inquietude me agita. Estava dando aula no 1º ano, quando uma aluna disse que amanhã elas estariam dispensadas. Não entendi o motivo e quase me zanguei. No que ela me explicou se tratar do dia 8. Mas, aí olhei para ela, olhei para as outras alunas, imaginei todas minhas alunas e tive que fazer a pergunta: vocês são mulheres?


A pergunta é cretina, eu sei! Mas o que eu queria discutir é se elas se viam mulheres, não enquanto gênero. Eu na minha ignorância estava me perguntando: o que é SER MULHER? Por que dentro do meu imaginário, simplesmente, elas não se encaixavam.


Sei que o que é SER MULHER é outra pergunta absurda, ridícula, mas diante do meu imaginário e a presença física de cada uma delas, eu tive que a realizar. Nisso, uma aluna me disse que já se nasce mulher. Eu, rapidamente, recupero Simone de Beauvoir e fico pensando comigo mesmo... será? Enquanto gênero eu concordo. Enquanto gênero, elas são mulheres desde o quinto mês de gravidez, mas isso ainda não é ser mulher. Nascer mulher não é ser mulher. Parece que o SER mulher é uma construção social repleto de hábitos, costumes, desejos. Hoje há uma universalização e plastificação das identidades, mas já houve tempo que as mulheres nórdicas, guerreiras e combatentes eram tidas como homens para os romanos que deixavam suas mulheres em casa e possuíam outras ocupações. 


Na minha juventude, isto é, no milênio passado, alunas não recebiam parabéns pelo dia das mulheres. Era notório na mentalidade da maioria, inclusive delas mesmas, que elas não eram mulheres na acepção maior do termo. Hoje não. A maioria das alunas da sala se reconhece e se afirmaram mulheres. O que inicialmente é bom, mas como pai eu fiquei super preocupado. Explico a preocupação mais no final.


Uma aluna me disse: “ se eu trabalho, cuido de casa, cuido dos meus irmãos, estudo; eu sou mulher!” Como dizer o contrário? Se uma garota de 16 anos trabalha fora para ajudar em casa, se a outra cuida dos irmãos para que os pais trabalhem fora, se a outra tem a vida sexualmente ativa, como não compreendê-las como mulheres? Por que eu fico desafiando o bom senso e também não concordo, dizendo simplesmente: sim vocês são mulheres?


Simplesmente, porque como me disse outra: “ uma semente, ainda que não plantada já é um fruto. Uma maça mesmo verde, já é maça.” E eu aproveitei a metáfora do fruto, pedi desculpa pela grosseria, mas tive que dizer: sim, mas o fruto verde, ninguém come.


De modo que o ser mulher é uma discussão sobre a mentalidade e também sobre a sexualidade. Algumas quiseram ligar o ser mulher a maternidade, mas nem precisei entrar no mérito, porque muitas objetaram essa visão. Falando que não achavam a menina grávida de 13 anos mulher. Outra, já revoltada comigo, me perguntou: “ e o que é ser homem?” E isso é tão mais claro, tão mais tranqüilo, tão mais límpido. O homem é homem desde o nascimento, mas podemos demarcar sem maiores implicações- infância, adolescência, juventude, adulto.Poucos alunos se aborrecem quando chamados de jovens e salientando- vocês não são “homens” ainda. Essa clareza esta sendo perdida no universo feminino. Todas já se acham mulheres, independente da idade. Meninas de dez anos se vestem como “mulheres” de vinte e cinco. Passam maquiagem como mulheres de trinta. Meninas de quinze, dezesseis anos entram no bisturi como se tivessem quarenta, cinqüenta. E mulheres de sessenta usam mini-saia como se tivessem treze. Esse fenômeno é estudado por outro viés, mas aponta para as diretrizes da sociedade de consumo que tem como vigor e centralidade das suas informações a juventude.


O ideal primaveril, jovem, sarado, gostoso, bonito, novo no qual todos devem se submeter. As rugas são proibidas, as celulites um atentado ao pudor. Toda pele tem que ter a marca de vinte e poucos anos de idade. Nessa toada, nossas alunas não podem ser mais crianças, menos ainda adolescentes, agora não podem nem ser mais jovens; são mulheres no sentido adulto do termo.


Essa é a minha preocupação. Há uma pressa para ser mulher que só agrada a pedófilos e tarados. Há uma forçação de barra para o amadurecimento que chega a ser grosseiro, temerário, escandaloso.


Ao final, eu disse para elas que o meu receio em cada uma delas em se ver mulher e se achar mulheres no sentido adulto do termo é que provavelmente aos 19 anos elas vão se casar, terão filhos, cuidarão da casa, do marido sem antes ter desfrutado dos encantos da feminilidade. Mais trágico ainda, aos meus olhos, é que elas estarão e estão prontas para o abate. Elas são presas fáceis para pedófilos, conquistadores de todo monte. Alguns podem estar se perguntando, mas não foram sempre? Antes a inocência protegia. Agora, sem inocência, precisa-se ter uma maldade, uma malícia que provavelmente não se tem aos quinze anos, pelo menos não para confrontar com alguém de vinte e cinco, trinta anos ou mais.

Falei mas não defini o que é Ser mulher para mim; faço isso no post seguinte. 


SER MULHER



Primeiramente, não posso definir o que é SER MULHER. Não sou mulher, falta-me útero para comportar o universo que é gerado. Em outros termos, me falta entendimento para clarear e rastrear esse incognoscível.


Diante disso, eu suponho que ser mulher é fazer a descoberta do seu útero. Não o físico, mas desse estado de acolhimento, de abrigo, de aconchego. Mas isso se aprende quando? Como? De que modo? Onde se ensina sobre esse poder fantástico e formidável, que nas sociedades matriarcais igualavam mulheres a deusas?


Eu sou homem, então a minha função social é ir acompanhando os despertares do Ser mulher. É no despertar delas que nos fazemos homens, nos tornamos homens, nos fazemos pais, nos reconhecemos irmãos, nos tornamos avos. Eu queria ter a paciência de acompanhar de perto uma única mulher em todo esse processo, mas eu me maravilho com processos de outras e quero ver de perto também. Acompanhar, tentar entender o que é isso- SER MULHER.

Dá para imaginar: sangrar por dias e não morrer? Carregar um ser dentro de si mesmo? Expulsar, esse ser de dentro de si e mesmo cortando o cordão umbilical se manter ligada, conectada? Ok ser mulher é um para além do ato de ter filhos.


Talvez aqui eu encontrei o que é SER MULHER para mim. É descobrir o ato de dar no sentido mais chulo, rameiro, puta; assim como no sentido mais refinado, cósmico, santo, sagrado.




No primeiro sentido é a descoberta da sexualidade. A descoberta do próprio corpo, do próprio orgasmo. A descoberta dos prazeres que o corpo proporcionam, mas que vão para além do corpo. O prazer de sentar ao lado de quem se gosta e falar de como foi o dia. Essa descoberta, esses prazeres são master card- não tem preço.


 
No segundo sentido é a descoberta do descobrir-se e descobrir o outro. A descoberta do prazer em acolher, receber, distribuir, compartilhar, abraçar, beijar. Falo da generosidade feminina do sacrificar-se, do esperar. Vou cuidar do meu filho e depois volto aos estudos. Vou trabalhar para ajudar meu marido. Vou sair mais cedo para levar meus pais ao médico. Vou para balada porque fulano(a) esta na fossa e precisamos nos divertir. 





Eu fui gerado por uma mulher fantástica, filha de uma mulher sensacional. Fui casado com minha ídola, que me decepcionou como somente uma ídola pode fazer, mas que é linda como somente uma estrela pode ser. Namorei mulheres sensacionais, deslumbrantes, a quem sou grato eternamente. Tenho uma filha que é a mais linda do mundo e a mulher que eu mais admirei em todas as minhas vidas. Ela é minha musa, minha estrela guia.


Ser mulher é sorrir diante da burrice masculina

Chorar diante da insensibilidade embrutecida feminina.

Ser mulher é gozar de alegria

E ter um gozo maior na culpa ou na fantasia.

Ser mulher é escolher no pai dos futuros filhos

O amante para toda vida.

Ser mulher é com-fundir pegada com amor

E chorar quando o pegante deu uma patada- ele não me ama?

Claro que não! Obvio que sim!

Você se ama?

Ser mulher talvez seja algo similar ao que disse Maiakowiski ao falar de si mesmo:


“O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração.”


Creio que parte considerável do SER Mulher é ser todo coração.

Ainda que se perca, “que na bagunça do coração o sangue se errou de veia e se perdeu.” 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Não aos Rótulos



ROTULOS
Minha visada espiritual é artística. Gosto da forma como os artistas compreendem, organizam, percebem a realidade. Nessa perspectiva me afinizo muito com a percepção que eles têm da vida.

Em nossas oficinas a loucura, as dores da alma, as aflições da existência são temas comuns e recorrentes. Ficamos estudando sobre as intercessões entre loucura-arte-mediunidade tentando clarear para nós mesmos essas lacunas, esses espaços ora monstruosos, ora repletos de beleza. Não obstante, lançamos um olhar muito agudo e compassivo para os lados ainda mais destoante dessas intercessões que são as psicopatias e as lideranças carismáticas de caráter perverso e suicida.

Como podem depreender brevemente do exposto acima este é um campo de estudo de várias áreas, vários segmentos, sempre aberto para quem deseja falar desse universo a partir de si mesmo. Essa é uma das condições: que cada um fale da sua vivência para poder compartilhar das vivências dos outros. Isso abre o espaço para a tolerância, o respeito, a compaixão. Isso retira os seres da condição de analisados e analisandos. Todos passam a ser estudiosos, aplicados e interessados em saber um pouco mais sobre si mesmo.

Conto isso, porque anônimos ou não, famosos ou não, cada qual traz sua narrativa de dor, sua experiência e sua vivência. E eu perguntei a alguns deles em algo similar a uma mesa redonda:
você teria sido você sendo classificado de bipolar, ou autista, ou esquizo? Mais ainda: teria desenvolvido sua obra tomando antipisicótico?

"Van falou que os rótulos sempre existiram, o pernicioso é que agora eles são clínicos e colocados como verdades absolutas. É assustador verificar o desconhecimento dos rotuladores da plasticidade neural, das mudanças sinápticas que o cérebro é capaz de fazer, das próprias mudanças que os seres realizam ao longo da sua trajetória de vida. Assim, embora sempre tenham existido rótulos é criminoso o peso clinico, médico, psicológico nas costas e nas mentes de crianças tão tenras, adolescentes em formação. Por outro lado, quanto ao uso dos antipsicóticos, teria impedido, com quase 90% de chance deu ter cortado minhas orelhas. Teria também ‘impedido’ deu sentir o mundo na intensidade que ele me incidia. Teria minimizado minhas dores, mas foram as minhas dores que me fizeram ser quem eu sou. Não posso ser sem mim. Cortar as orelhas foi um ato de desespero, de dor lancinante, uma tentativa de amputar meu ser; mas mesmo dilacerando, cortando todo meu corpo, eu não deixo de ser aquele que sou. Ser o que sou, expressar o que sou, somente a arte me serviu de remédio, de alivio, de consolo. Pintar, não para ser o mais vendido, mas para encontrar uma paz, um equilíbrio, um eu que podia sair de mim sem que necessitasse deu me cortar para vê-lo e sabê-lo. Isso, os antipsicóticos cortam, mutilam, apaziguam, mas o eu adormecido, enfurecido encontra-se dopado e uma hora estaremos frente a frente com ele. Acho que o antipsicóticos seria minha ruína".

Outro que se propôs a responder a essa questão foi um dramaturgo francês.

"Os rótulos não importam, somos mais fortes do que isso. Moldamo-nos a partir e para, além disso. Aos antipsicóticos somos impotentes. Não se tem força contra um controle que domina o próprio corpo, que destroem caminhos de conexão entre a alma e o corpo. Os antipsicóticos são a destruição. Ninguém resistiria a eles, ninguém seria com eles. Na minha loucura fiz meu teatro. Minhas vozes fizeram personagens, minhas alucinações fizeram montagens e figurinos. Essa irascibilidade incontida, desenfreada é que nos faz artistas. Foi quem me fez ser quem sou. Precisa-se de espaço para o eu e não de confinamento. A própria idéia de eu é uma temeridade quando se fala de mente, de psique. Deixo isso para o filósofo, porque toda essa discussão me cansa, me causa fastio. Necessitamos de liberdade, de espaços, de criações. Necessitamos de aberturas para as manifestações do ser nos seus aspectos de criatividade e originalidade. Precisamos de poesia e metáforas. Necessitamos do teatro".

Vou caminhar para o arremate. Os rótulos prendem, segregam e é difícil romper com eles, ir além deles. Quando o rotulo vem acompanhado de pílulas mágicas, as prisões e correntes ficam mais grossas, espessas, rudes. Estamos aprisionando com rótulos e fórmulas miraculosas mentes que possuem outra configuração.

O que os fármacos desejam é que o corpo não sofra, não doa, não morra. Eles querem o melhor para o corpo e o corpo para eles é uma máquina. Agora estenderam essa mesma lógica para a mente. Na concepção deles a mente é um programa de computador, um software. Uma extensão da máquina que somos. E como a dor, a morte são tidas como avarias desprezíveis, busca-se de todos os modos e de todos os jeitos minimizar as dores do corpo. No entanto, A dor no corpo é reflexo de dores nos campos mentais, emocionais que os fármacos podem cortar, isto é, ‘analgenizar’. Mas a fonte e origem da dor permanecem e precisam ser tratado. Uma das formas utilizada para minimizar esse sofrimento se dá pela arte e na arte.