sábado, 21 de setembro de 2013

Sombra Espiritualista (2a parte): O Túnel Escuro

Esse texto continua a falar das sombras, do medo dos espiritualistas de lidarem com isso e, por conseguinte o campo de batalha que eles acabam criando em todos os lugares que frequentam e estão: família, trabalho, listas de discussão, encontros, seminários. Na percepção deles o universo os persegue por eles serem luminosos, as pessoas não os entendem por eles serem muito evoluídos. O que eles têm dificuldade de perceber é que espiritualistas ao combater as sombras, alimentam as trevas. As sombras internas ou dos outros não são oponentes a serem destruídos. Assim, dando prosseguimento a essa argumentação apresento O TUNEL ESCURO.


A PARABOLA

Imagine um túnel escuro com 1 km de comprimento. La dentro tem um breu no qual você não vê a um palmo de distância. Esse túnel são as trevas.
Com a finalidade de dissipá-la foram colocadas 1000 velas humanas para iluminar todo o túnel. Uma vela humana por metro. O túnel sabe que se todas elas acenderem, ou parte delas acenderem, acabou a escuridão. Assim, a única possibilidade de vitória das trevas é uma artimanha, a saber: combater toda vela humana que acenda.
A luz tem milhares de possibilidade, inclusive a de lutar contra si mesma. Pode, inclusive, combater a sua própria sombra. Quantos de nós, velas humanas acesas, não ficamos esmurrando as paredes? Dando cabeçada, socos, murros... nos machucando, enquanto acreditamos estar servindo à luz? Podem responder sinceramente. Só você esta lendo esse texto. Não somos nós mesmos que nos combatemos? Que nos difamamos e nos destruímos?
As trevas têm apenas uma possibilidade: impedir as velas humanas de se acenderem e de se integrarem, de se fazerem lux. Vamos entender por luz a chama que é a um só tempo interna e externa. Farol para muitos e despertar interno para si mesmo. De forma que quando a gente compreende que o sentido é acender a luz no túnel, você passa a agradecer quem esta com a luz acesa. E às vezes pedir ajuda: tem jeito de você me ajudar aqui?

Eis a parábola, mas ela encerra muitas outras questões e considerações.

Primeiras Considerações:

Nós sabemos que o escuro evoca os medos mais recônditos do inconsciente. Nesse escuro, seja ele fora, ou dentro de nós, qualquer barulho é um estrondo. Tudo amplia. Os mundos internos são atraídos à escuridão externa de tal sorte que em pouco tempo toda escuridão é medo. Um medo imaginário que se faz concreto, palpável. 
Assim, nesse breu, o primeiro inimigo é a vela humana que acende, porque, ela se faz perceptível. A nossa primeira ameaça é o medo da luz. Tanto tempo na escuridão, que a luz é uma ameaça, um crime, uma afronta. No nosso imaginário não temos outra solução a não ser atacá-la.



Segundas Considerações:

Somos treinados, religiosamente adestrados para combater velas humanas. De forma equivocada, somos convencidos por mentores espirituais, que o caminho da luz é o ataque ao ego e as sombras. E acredito que as trevas se divertem demais com isso, porque elas estão usando a sua única bala e possibilidade de impedirem a manifestação luminosa. Tento explicar:

Um ditado ioruba diz que nenhuma escuridão resiste a um palito de fósforo. Esse é o assombro das trevas, um simples palito de fósforo a dissipa. A escuridão é capaz de muitas coisas, mas não resistem a essa simplicidade do pequeno iluminar, do simples acender. Isso me recorda outro ditado, agora budista que explana algo assim: quando o mal combate o mal temos um bem, mas quando o bem combate o bem temos dois males.

A força das trevas é essa: nunca permitir que o mal se oponha ao mal e colocar o bem para combater o bem. Essa é a tática perfeita. Já fizemos guerra santa, fazemos jihad, hoje, em pleno século XXI esta ficando cada vez mais habitual pastores fazerem cruzadas contra as religiões afro-brasileiras. Alguém em sã consciência pode afirmar que isso é trabalho da luz?

Terceiras Considerações:

Fico imaginando a situação dentro do túnel. As 1000 velas humanas ajudariam milhares a realizar a travessia de forma mais segura. Fico imaginando também que o objetivo seria e deveria ser a solidariedade, algo como, quando uma vela humana estivesse apagando, outra a socorreria de pronto para que a chama continuasse acesa; mas, pelo contrário, uma briga na tentativa de ofuscar a luz da outra. Como se tal desiderato fosse possível. Não bastasse essa sandice eles criam as tochas humanas, se juntam, se reúnem, se condensam e se aprisionam em uma construção cuja luz se mantém apenas num ponto, precisa-se de um número muito maior de velas humanas para iluminar o mesmo espaço de 1 km.

Quartas Considerações:

Outro perigo ofuscante é que a vela humana acendida por outra chama fica eternamente grata àqueles que lhes deram a luz. Ficam cegos de gratidão por eles. E, gratos, eles se agrupam, não para iluminar o túnel, e sim, se tornarem tochas humanas. Cada tocha é convencida de que não é vela humana. De que as velas humanas devem obediência ao pastor do rebanho. Que as velas humanas não suportam a escuridão da existência sozinhas precisam estarem juntas, reunidas. Assim, constroem igrejas e mantém afastado deles toda escuridão.

Aumentando a intensidade da luz, aumenta-se o tamanho e a projeção das sombras. Foi assim que se inventou o diabo- da soma de muitos medos e de muitas tochas desconhecedoras de suas sombras. Foi assim também que se criou os inimigos, os oponentes a serem destruídos. É por essas vias que quando recebem o pedido de ajuda de outra vela humana respondem, não sem muita ira e indignação: “não tenho pacto com candomblecistas? Vai procurar ajuda em outro lugar.” Para não ficar para trás e nem deixar barato, a outra vela humana responde: “Sou kardecista de mesa branca, nada tenho a ver com vocês umbandistas!!” Quando é a vez do kardecista pedir ajuda, o outro grupo de velas humanas responde assim: "Não compactuo com você sou evangélico". E creio que as trevas devam gargalhar disso tudo, porque de fato seria muito engraçado não fosse trágico.

Quintas Considerações:

De forma geral as tochas humanas dentro do túnel, trancados em suas construções tem dois tipos de comportamento:
a-   apagar todas as velas humanas que não foram acesas por eles.
b-  queimar em nome de Jesus, ou desobsediar em nome dos espíritos superiores, ou se implodir, em nome de Ala, todos os que não concordam com o livro que julgam sagrado.

O que poucos observam é que Luz demais concentrada agrada tanto as trevas quanto a escuridão, em verdade, não há diferença, pois ambas cegam e mantém as pessoas cegas.

Minha diversão, disse-me certa vez um ser trevoso, é observar túneis e seres iluminados dentro deles. E em verdade vos digo, me falou ele querendo se passar por religioso: “nunca as trevas se ri tanto, quanto da estultice dos crentes e dos pios. Para começar, pelo fato de eles terem nos dado a segunda possibilidade que não tínhamos: a de administrar as velas humanas a serem acesas.

Referia-se a série de rituais criados para se acender.
Dizem eles no Manual pirotécnico das velas humanas, que contem 10 mandamentos da fundação Tabajara.

1-  nunca faça sozinho, pode ser perigoso.
2-  sempre tenha alguém por perto nesse momento, para evitar o perigo.
3-  procure um lugar sagrado, mas dê alguns milhões, ou realize algumas campanhas para que ele seja erigido.
4-  você precisa se purificar, mas antes tem que encontrar o seu purificador na Terra.
5-  você não pode se purificar sozinho, necessita de um papa, um guia, um bispo.
6-  Não se esqueça que nosso deus é o capital.
7-  Não se esqueça de que precisa dar condições para o deus reinar, isto é, honrarão o mercado, como sendo o filho prodígio de deus.
8-  Não se submetera a nenhuma outra seita que não a nossa religião única e verdadeira.


Considerações Finais:

E o manual segue sem que as velas humanas percebam que elas nasceram acesas e foram se deluzindo, se apagando até deixarem de ser luz. E de maneira obnubilada não percebem que levados a negarem a própria sombra e a combater outras luzes apiam mais as trevas do que a luz.

Nesse breu a regra no túnel, estipulado pelas trevas e seguido pelos filhos-guerreiros-trabalhadores da luz é a de que a escuridão deve permanecer. Afinal, o que essa gente vai fazer quando não tiver mais sombra e luz para eles guerrearem? Será que eles já podem amar? São maduros o suficiente para amar o inimigo? Cresceram o bastante para saber que por amor ao seu inimigo pode-se matá-lo de forma mais dura e cruel? Estão prontos para aceitarem que não há nenhum Deus a lhes castigar e lhes culpar? Já suportam um universo no qual não tenha mentor espiritual, arruda, guine, papa, bispos, preto-velhos a lhes dizer sobre o que somente eles podem fazer? Estão prontos para ajoelharem-se diante da própria consciência e assumir quem são? Como que dizendo: “Saio da minha ilusão!!”

As religiões estão aí organizadas para impedirem as velas humanas de acenderem-se e dissipar com as trevas. Por isso ela as fomenta. Não sabem viver de outra coisa e já nem conseguem mais ser outra coisa. Nada mais brilhante do que o padre de Dostoievski reconhecendo Jesus na praça de Moscou, prendendo-o como impostor em meio da turba. E em diálogo fraterno com o herdeiro do trono já na cadeia, o reconhecer e lhe explica, que ele não tem mais lugar entre os humanos e nem diante da igreja que ele fundou.

Desconfio que se Jesus voltasse homossexual não poderia entrar em nenhuma Igreja que fala em seu nome. Se Jesus voltasse mulher não poderia celebrar a eucaristia na maioria das religiões que foi fundada em honra a ele. Se Jesus voltasse Umbandista teria seu terreno apedrejado e o seu nome difamado por aqueles que pregam suas palavras. Enfim, estamos servindo a cegueira e não a luz.




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Sombra Espiritualista (1a) parte




O contato com a luz produz sombras. O contato com as sombras gera luz.
Sombra é uma coisa que nós espiritualistas corremos e não gostamos. Sombra, ego são palavrões que a gente acha que não podemos ter. No imaginário dos espiritualistas cada um é um ser de luz imenso, grandioso, radiante e muitas vezes se comportam para que sejam assim e muitos até são. No entanto, poucos percebem que quanto maior a luz, maior a sombra. E como a sombra entre nós é algo terrível, nós passamos a combatê-la.

Como a maioria dos espiritualistas se vê, se entendem, se projetam como sendo um mestre ascencionado, um anjo humano, um espírito humilde, endividado, mas devotado ao mestre Jesus, combate-se aos outros. Na verdade, massacra-se o outro. As listas de discussão dos espiritualistas é um campo de batalha na qual os cegos (eu inclusive), se digladiam para destruir o outro. Essa percepção quem me passou foi mestre Yub- a de que espiritualistas não lidam com sombras e aspectos sombrios da própria psique. Tentar aplicar esse mesmo universo no mundo virtual foi um pulo para que eu entendesse como que pessoas que falam de seres arque angelicais, não humanos, intergalácticos, superiores tinham comportamento acerca do outro tão bestial e brutal. (Volto a insistir que não estou me excluindo disso). É que as listas virtuais, os pontos de encontros físicos dessas pessoas se transformam no campo projetivo. Eu não vejo em mim, cego que sou, reconheço no outro, monstro que ele é.

Talvez isso seja benéfico, mas um pouco mais de conhecimento acerca de nós mesmos, um tanto mais de tolerância por nós mesmos, resultaria em coisas diferentes e num crescimento menos doloroso para todos.

DISTINÇÃO ENTRE TREVAS E SOMBRAS

Eu gosto de trabalhar com o que as pessoas denominam trevas, sombras. E quero salientar uma distinção entre uma e outra a partir de conversas com mestra Elo. A sombra é refrescante (pensando em uma árvore) agradável, assustadora, mas não faz mal, não prejudica. A sombra é parte integrante da luz. Um professor da federal em suas aulas sobre Habermas e a filosofia da linguagem gostava de nos lembrar que "ninguém pode desgrudar de sua sombra." Isso para mim é um koan e fiquei pensando em inúmeras situações e possibilidades em se romper com a própria sombra. Não as encontrei.

Fala-se de ascensão, de caminho espiritual, ignorando o ego e as sombras, mas não há possibilidade de ascensão sem sua sombra. E não existe iluminação de sombra. Existe aceitação da sombra. Aceitar a sombra implica que a luz incomoda, cega e é chata demais. Seres luminosos na Terra são pessoas chatas. A Terra física não é lugar para seres iluminados. Imagina o sol a noite, durante todo tempo? Uma hora alguém suplica: "Filho, eu quero dormir!" E Apolo (sol) diz todo portentoso: "minha missão na vida é te iluminar, esclarecer!" Tem sentido isso? Para mim quem faz isso é um chato. Lembra-me uma situação inversa, mas idêntica. Alexandre passando pela Grécia foi procurar Dionísio, o cão. Este, como de costume estava dentro do seu barril. Alexandre na sua magnificência o chama e estreitando conversa diz: “grande filósofo! Peça qualquer coisa que eu te darei.” Todos, inclusive Alexandre, esperavam que Dionísio pediria algo grandioso, mas o cão, na sua forma cínica de ser, apenas disse: “saia da frente do meu sol.”

Um homem que se contenta com o sol, que tem o sol e a natureza não tem nada que possa fazer com que outros o bajulem. E isso me remete aos mestres do espaço, que nos chegam escondendo sua luz. Eles ficam até mesmo dentro do barril. Todas as vezes que falo disso a imagem que me vem a mente é o arcano IX do Tarot de Marselha.



O ermitão, assim como os mestres sabem que a luz fere, machuca, cega, tonteia. Ter a medida correta da iluminação é sabedoria. E a justa medida é a capacidade de dar a intensidade correta, mediante a necessidade do outro. O respeito ao outro garante a luminosidade, porque o importante não é a luz. Acender luz é simples. Ate meus amigos trevosos sabem acender luz. E nunca na história da humanidade se achou tão luminoso quanto na idade média no período da inquisição. Acender luz é fácil, mas não é isso que os mestres consideram relevante, porque a luz não pode ser acesa de qualquer jeito. A relevância esta no respeito incondicional do outro permanecer no escuro. Está na aceitação plena de que mesmo podendo mais, você assegura ao outro, apenas o que ele pleiteia. E o mais louco disso tudo é que você está lá por si mesmo, assim não lhe cabe mandar, apenas servir. Se você é um ser iluminado que saiu de outra galáxia e veio aqui para Terra, problema é seu, escolha é sua, não venha acusar os humanos de ingrato. E nem esperar que se reconheça a sua luminosidade intergaláctica. Enfim, deixe de ser chato.

Mas a distinção a ser feita é que a sombra é parte da luz. E quanto maior a clareza e aceitação tivermos dela, mais reconfortante ela é para o outro. As pessoas não chegam aos mestres devido a sua luz. Geralmente, a gente nem consegue aquilatar a luz deles. Quando um Buda, um Krishna, um Jesus, um Sai Baba esta entre nós, poucos chegam até ele para obter conhecimento. As pessoas chegam até eles para serem consoladas, compreendidas, aceitas, amadas. É a sombra delas que acolhe, que recebe as pessoas. A luz delas é o que faz com que as tema. A luz deles é o farol que nos assinala a sua localização, mas é a sombra deles que nos reconforta, que nos acomoda em nós mesmos, que nos coloca em direção a nossa própria luz. Talvez essa seja a grande distinção entre o verdadeiro mestre e os falsos profetas. Aqueles salientam que a luz que eles vêem no mestre é reflexo da luz deles. Estes vivem de cegar os outros com a sua luz.

Então, finalizando. Atualmente, ser guerreiro esta em moda de novo. Mas é preciso frisar que ser guerreiro da luz não é combater sombras em si ou dos outros. Ser guerreiro da luz é combater as trevas. Coisa completamente diferente de sombras. As trevas é a cegueira da luz diante de sua sombra. É a intransigência da sua sombra, perante sua luz. Essa tensão, esse nível de desgaste é o que vou chamar de trevas. Isto é, a luz impedida de iluminar e a sombra impedida de confortar. O acumulo disso por anos, séculos, milênios são as trevas, que a gente guerreia.

O pedido a ser feito é: não guerreia não. Combata, com elegância, com destreza, mas sem fazer dela sua inimiga. Ela pode ser a sua inimiga, mas você não precisa ser o dela. E isso não implica em concordar, acatar, temer. As trevas devem ser respeitadas, mas nunca temidas. Eles ainda não conseguiram armas contra a iluminação. E não há nenhuma treva que resista a iluminação; em qualquer lugar, em qualquer tempo, um pau de fósforo derrota as trevas. E é essa premissa que por ignorância nossa acaba alimentando e fortalecendo as trevas.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

HORÁcio: a teatralização da vida.



Ontem, 18/8/2013 fui com Primavera ver uma peça teatral- Horácio. A peça aborda as reflexões de um homem em três momentos da sua vida. HORA/CI/O. Esta é uma abordagem comum, acompanhamos esses temas na literatura e no cinema. A novidade é que as reflexões são realizadas por três artistas o que dá a encenação a dinâmica da simultaneidade, da multidimensionalidade. O mais interessante ainda é que embora conflituosos, eles se escutam, não concordam, mas se escutam, estreitando um diálogo entre cada um deles. Na peça não seria nenhum exagero ver nesse diálogo a relação freudiana entre Id, superego e ego.

A peça por si só é boa, não apenas pela trama, mas como essa trama é emaranhada pelos objetos cênicos, no caso espelhos que HORA refletem o próprio personagem, HORA reflete a face de um dos seus outros momentos. Um pêndulo que oscila, malditamente, sem parar, ainda que bem no fundo do palco, imperceptivelmente.

Fato é que as abordagens são inúmeras, desde a que esta relacionada ao tempo cronológico, linear, que caminha para a finitude- passado, presente, futuro- simbolizado, respectivamente por: um jovem que sonha ser poeta; por um adulto que se torna advogado; por um idoso que se encanta e desencanta com a vida e tenta elaborar a síntese, a reflexão final.

Uma dessas reflexões é a traição. O Horácio velho acusa o Horácio adulta de ter traído a ele e ao jovem. De ter matado os sonhos deles virem a ser poeta. A marca dessa traição localiza-se num acontecimento traumático, um acidente fatal que culmina com a morte do pai de Horácio. Mais do que a fatalidade do acontecimento, o drama, o trauma repousa na forma, que segundo o Horácio adulto relata a ordem recebida pelo policial para que ele leve a moça que acompanhava o pai na viagem e deixe o velho, no caso o pai dele.

A partir desse acontecimento, HORAcio muda toda a sua vida. E nessa mudança com inúmeras reflexões sobre a vida, a morte, a finitude, o tempo, que a peça se desenvolve, mas não linearmente, e sim, ciclicamente, já que a reflexão final retoma a inicial, mas agora de maneira mais profunda com o HORÁcio velho, sentado, na verdade, “infartado”, reflete sobre qual a diferença entre morrer na beira da estrada ou com plano de saúde? Interroga a si mesmo e ao seu interlocutor adulto sobre o sentido da vida, naquilo que ela tem de mais pessoal- a própria existência. Se valeu a pena ter deixado de ser poeta, vivido na sarjeta para se tornar um advogado respeitável, quando no final das contas.... o fim chega para todos? A morte é igual para todos, deixando como legado aquilo que fizemos, ou no caso, deixamos de fazer. A grande pergunta, tácita é se vale a pena não vivenciar os sonhos?
Essa é a grande pergunta e é sobre ela que falaremos do espaço terapêutico.

II O eu terapêutico.

Dentro do espaço terapêutico é indubitável que temos muitos eus e não estou falando de vidas passadas. Estou falando desses eus, que a peça HORAcio explora tão bem.


Embora haja, invariavelmente, uma justaposição de um eu sobre outro, muitas vezes, não vemos e nem percebemos esse acontecimento. Nem observamos como que determinadas situações evocam nossa criança, outras, nosso adolescente, outras nosso jovem. Como que pulamos de tempo para tempo tentando alinhavar tudo entorno de uma ordem, de uma coerência que no final da contas não podemos afirmar que existe, a não ser para nossa cabeça. Essa busca cria muitas tensões.

Mais do que tensões, geram conflitos, porque há uma falta de relação e sintonia entre o que eu penso e o que meu corpo sente. Entre a minha experiência sensória e a minha idealização imagética. E de forma geral por desprezarmos o corpo queremos, de todo modo, a todo custo, que a vida se adapte as nossas exigências. Queremos que a vida siga nossas regras, ainda quando o corpo, o outro, o mundo, a vida esteja nos mostrando que estamos em desarmonia.

Os exemplos são milhares tanto pessoais quanto de amigos, conhecidos, de livros, filmes, etc... Mas, vou citar como exemplo um amigo que em sonho se viu casado, noivo de uma menina que não tinha mais do que 13 anos. Por muito tempo, ele quis se ver como pedófilo, mas essa conceituação não era condizente ao momento no qual ele vivenciou a estória, século XIII, XIV. De forma que em nossos deslocamentos trazemos esses olhares descontextualizados e produzimos uma carga imensa, enorme, sobre nos mesmos, quando o sentido seria esvaziarmos desses pesos.

Ainda nessa mesma linha, me recordo de uma mendiga que entrou na lanchonete pedindo alimento, dinheiro. Ninguém deu e eu ofereci um pastel assado que tinha levado uma minúscula dentada. A moça olhou para mim, agradeceu com certo desdém e disse que não comia resto. Eu a compreendi, especialmente, porque no momento no qual ela dizia isso, eu não a via mais como sendo mendiga, eu a via como uma donzela, de pele muito clara, cabelos louros, segurando uma sombrinha, com um chapéu e vestido de renda típico da corte francesa do século XVII, XVIII. Como um negro tem a audácia de dirigir a palavra para uma donzela e ainda oferecer pastel assado mordido? Sei que na lanchonete as pessoas me olhavam querendo se desculpar pela humilhação que eu recebi, mas eu estava super bem. Ela não quis e a vida segue. Para mim, ela está presa a uma imagem dela do século XVIII. Ela esta presa num desses espelhos da existência.

De modo que, terapeuticamente, acredito que seja possível colocar um Horácio conversando com outro, ouvindo o outro, um tomando consciência da existência do outro e curando as feridas e dores do outro. Podemos exemplificar com a dor da menina abandonada aos 7 anos. Hipoteticamente, ela pode ser acolhida pela mulher de 55 hoje. Ela e mais ninguém pode pegar essa menina no colo e a acolher, cuidar dela, mostrar como elas caminham juntas. E a loucura maior é que é essa menina de 7 anos que cura a mulher de 55 do seu medo de ser traída, abandonada, humilhada. É ela que a auxilia a tirá-la do espelho.

De uma maneira que aqui não cabe adentrar, os tempos subjetivos não obedecem a linearidade do tempo cronológico. Todos ao olharem para essa mulher bonita acreditam que ela é uma adulta, que ela tem 55 anos e resolveu suas questões; todavia, a verdade, é que emocionalmente, ela esta estacionada nos 7 anos. Quando o bicho pega, é para esse tempo, para esse lugar que ela retorna. Ela continua se vendo desprotegida, sem lugar, sem saída. Assim como ela, se dá com cada um de nós. Poucos, pouquíssimos de nós têm a idade cronológica atrelada à idade mental, emocional, sexual para falar de meramente três. Esses tempos são outros e muitas vezes não percebemos.

III Atêlie Interior. 

Mas a razão pela qual escrevo isso é que amo a arte. Amo como a arte, o palco, o teatro, a pintura, a escultura, a música, o poema esclarecem aquilo que precisamos de muitas páginas para explicar. Se a peça ficasse mais tempo em cartaz levaria alguns “partilhantes” para assistirem. No diálogo entre os artistas acredito que ressonaria as vozes caladas, massacradas do nosso ser que vamos impedindo de falar. Essas vozes então passam a gritar e ainda assim são ignoradas, assim, elas se distendem e ainda assim não são percebidas, até que elas se separam, aí, geralmente, é tarde para uni-las. Em todos esses movimentos, fica notório, que o tom aumenta quanto menos se dá vazão e escuta a essas vozes. E, em certa medida, todo trabalho terapêutico, consiste em harmonizar cada uma delas. Dar espaço para cada uma delas. Permitir que cada uma delas seja o que elas são.

HORAcio toparia ser advogado, ele aceitou a advocacia, mas o que o matou foi ele não ter dado espaço para o seu poeta. O poeta de Horácio não podia morrer. Talvez, ele não fosse Drummond, nem Castro Alves, mas seria Horácio e isso se não valesse de nada esteticamente, seria a redenção dele, existencialmente. O vazio existencial dele não seria tão grande, tão forte, tão imponente. Bastava, ele ter escrito e publicado os seus poemas, deixado essa energia fluir, permitido essa energia caminhar. 

E esse é o ponto interessante, que durante a apresentação da peça me reportou diretamente a uma conversa que tive com um dramaturgo brasileiro meses atrás. Como não me canso de dizer, os artistas desencarnados continuam suas atividades, mediante, oficinas, palestras, cursos, workshops e outras variedades de facilitação interior. E é muito salutar visualizar como essas oficinas são desdobradas no plano físico. É muito legal perceber essas intercessões entre os dois lados. 

Uma dessas intercessões denominei de Ateliê do Espaço Interior cujo foco sempre foi com os poetas, músicos e artistas plásticos. O trabalho com os dramaturgos é recente, esta em gestação e tenho que afirmar, que terapeuticamente, tem alto impacto na transformação e conscientização das pessoas. A técnica, hoje, amplamente utilizada no plano físico consiste no desdobramento da personalidade da pessoa para que ela se veja representada, encenada no palco da existência. Ou seja, desdobra-se a personalidade para que ela seja projetada, exteriorizada. De modo que olhando para si mesma, ela consegue integrar aspectos, partes que antes andavam soltas, sem lugar.

A peça me remeteu, diretamente, a essas práticas, a essas possibilidades de se auxiliar o outro mediante práticas teatrais. 


domingo, 11 de agosto de 2013

HANNAH ARENDTH na Comissão da Verdade,




Semana retrasada fui com Primavera ver “Hannah Arendth”. Apaixonei-me ainda mais por ela. Fiquei ainda mais maravilhado por ela e pensando uma série de coisas nas quais enumero as principais:

1-      Todo brasileiro, de esquerda ou de direita, que seja favorável ou contrário a ditadura militar tem o dever moral de ir assistir o filme. Digo mais, deveria ser prática obrigatória para quem fosse depor- assista ao filme antes.
  2-     Não deveriamos pensar mais a construção do conhecimento, sem termos nitidamente, a importância de cada interlocutor oculto, que auxilia a compor o contexto de uma época, de uma mentalidade, de um imaginário.
 3-            A discussão entorno do OUTRO e da alteridade tende a se constituir, se é que já não se constitui a parte mais importante da filosofia atual e da sociedade de modo geral.
I

Para muitos o filme é cansativo, exaustivo e até a diretora brinca com isso ao falar da inviabilidade de se fazer um filme sobre um filósofo. No filme não há carros em fuga, tiros a esmos e mudanças de cenas rápidas e velozes. O ritmo é outro, respeita-se o tempo interno, subjetivo das reflexões.

E o ponto alto da reflexão do filme se dá sobre a “banalidade do mal”, mais precisamente, sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém. Não é preciso dizer que qualquer nazista depois do fim da 2ª guerra já estava condenado, aliás permanecem condenados até hoje. O que fizeram foi inominável. Foi a mais brutal forma de violência que presenciamos, devido a sistematização racional orquestrada, inclusive por Eichmann e outros. Essas violências são sistemáticas e repetitivas na história da humanidade: romanos lançaram cristãos aos leões; depois cristãos lançaram hereges na fogueira. Como isso era pouco, cristãos e mulçumanos fizeram guerra santa; não obstante, em nome da fé e na crença que uma raça é superior a outra mataram índios e escravizaram negros.


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Historicamente, após a abolição da escravatura, homens de bem, racionais, acreditaram que algo tão nefasto não mais se repetiria, mas o preconceito permaneceu e permanece ainda. Sem perder as esperanças, acreditamos que entraríamos em uma era de respeito, qual não é a nossa surpresa ao depararmos com os nazistas que assassinaram 6 milhões de judeus, milhares de ciganos. Um pouco mais estarrecidos, quase sem forças, pensamos que o último suspiro do mal foi em 1945. Qual não é a nossa surpresa ao vermos as mesmas brutalidades sendo realizadas nas ditaduras militares latinas, africanas e asiáticas.

Em todos os casos, desde antes de cristãos serem lançados aos leões, até hoje quando se assassina homossexual, negros e outros, o que esta em evidência é o desrespeito ao outro. Matou-se pelo outro ser o que ele era. Mata-se por não aceitar que o outro seja aquele que ele é. Eis a banalidade do mal na sua forma mais torpe, mais vil, mais banal. Mata-se, porque não se suporta conviver com o diferente, com as diferenças.

Mas, a discussão que Hannah deseja não é essa. A discussão que ela suscita só se faz mais clara se formos à França visitarmos Sartre. Após analisar o nazismo todos querem entender.... por quê? Mais chocante do que buscar o motivo é constatar que depois de 6 milhões de morte de um povo, sem contar a dos ciganos, a dos homossexuais, a dos deficientes, não havia um único culpado. 7 milhões de mortos e ninguém se responsabilizava. Ninguém era responsável. Como isso é possível?

Se por um lado temos a infantilidade, a irresponsabilidade do outro temos o endemoniamento do mundo, a atribuição de que o que aconteceu se deveu a monstros, a seres fora da história. Nos dois casos temos a banalidade do mal, justamente, por retirar a condição humana dos sujeitos.



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Retomando Sartre, justamente por pensar esse mal, que colocando palavras na boca dele, chamarei de absurdo, é que ele desenvolve e amplia a sua discussão sobre liberdade. Liberdade não pode mais ser encarada como uma expressão liberal, de dimensão individual, sem relação e comprometimento com o outro, com a vida, apenas consigo mesmo. Essa percepção egóica, demasiadamente individualista precisa ser revista e revisitada. E nesse novo viés, Liberdade é escolha e comprometimento. Liberdade não é um atributo abstrato, uma condição ideal. Liberdade é uma atitude imanente, situada, por vezes determinada. A liberdade não é um ente solto e vazio, pelo contrário, ela só existe no ser que escolhe, de forma que se há possibilidade de escolha, estamos falando de liberdade.

E se liberdade é escolha, sou livre quando opto, quando elejo, quando escolho. A liberdade esta naquele que escolhe, esta com quem escolhe escolher e até mesmo no que renuncia a escolha. Em todas as situações se é responsável por isso. Ninguém esta isento de culpa seja por ter atirado em um judeu, seja por apenas tê-los colocado dentro de um vagão de trem.

É esse cenário que Hannah nos desenha e que o filme nos coloca que tenta analisar a situação, ou seja, longe de ver Eichmann como um monstro, um ser sem alma, Hannah nos convida a vê-lo como humano, demasiadamente humano. Esse senhor era uma pessoa comum, um sujeito comum, ou como diagnosticou Wilhem Reich- Zé Ninguém. E o mundo estava e esta cheio deles. Pessoas que cumprem ordens sem lidar com a responsabilidade de seus atos. Pessoas que escondem o mal ao não optarem pelo bem. Pessoas que estão prontas a praticar o mal, porque não pensam o seu fazer no mundo, o seu ser na existência. E é diante disso que trago a comissão da verdade.
É dever histórico relembrar, recontar, não deixar esquecer. É dever histórico apontar lados, práticas, métodos. É dever histórico salientar que a história não é neutra, não é dada, mas é uma construção coletiva dos atores sociais envolvidos e inseridos naquele momento. A comissão da verdade busca mostrar que houve torturas, que teve sevicias, que tiveram práticas perversas, maldosas no olhar de qualquer tempo, de qualquer época. E aos que não sabem é preciso que fiquem sabendo, que se recordem, que se lembrem para nunca mais voltar a acontecer. Não se pode dar nome de praças e ruas a torturadores. E a sociedade brasileira tem que discutir isso. Um país não pode fechar os olhos para o que aconteceu. Temos milhares de pessoas desaparecidas. E alguém é responsável por isso, independente de terem agido certo ou errado; não é esse o julgamento. O julgamento é: houve violação do direito das pessoas e o mínimo que o Estado pode fazer já que não vai prender ninguém, condenar ninguém é apontar os responsáveis. E como parte deles acham que agiram certo e que fariam tudo de novo não há motivo para que se escondam, que não queiram lidar com o que fizeram.

II

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De certo modo, eu já caminhei para dois ao falar de Sartre, Nietzsche, Reich. No entanto, não posso perder de vista, Heidegger e Levinas.

Thomas Kuhn pensa a ciência como um quebra-cabeça, deixando claro que não temos todas as peças. Com isso, ele quer salientar que o conhecimento científico é uma construção, não nasce pronto. Essa percepção que já era cara as ciências humanas adentrou o universo das ciências duras, hoje não se discute ciência sem pensar nas várias interlocuções. Um cientista, ainda que gênio desenvolveu e estabeleceu diálogo com o seu entorno. E esses diálogos são essenciais para a compreensão de qualquer conhecimento.

Vendo o filme é formidável as rodas de conversa, as tensões estabelecidas entre os envolvidos. Quando adentramos historicamente podemos ver como que a partir de um professor em comum- Heidegger- Levinas e Hannah discutem sua obra. Obras que somos convidados a ler como sendo autorais, biográficas, particulares, mas que durante o filme me veio a intuição de que o pensamento de cada um deles, acompanhado de outros tantos conhecimentos compõem uma obra única. Sendo mais claro, a obra de Hannah adentra na de Levinas, que adentra na de Simone de Beauvoir, que se estende na de Sartre, que desemboca em Reich e não se esgota e se renova em Hannah, reiniciando um novo ciclo que nos permite vê-los como discutindo a mesma coisa, cada um com um ângulo específico, mas que são peças do mesmo quebra-cabeça.
Espero que consigamos formar esse espectro de uma época o mais rápido possível, libertando o conhecimento de suas amarras individuais de forma idêntica cada um desses pensadores libertou o conceito de liberdade da sua dimensão individualista.

III

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De certo modo a história da filosofia tem sido a filosofia histórica do eu, do masculino, da identidade, da igualdade. Essa história não vai mudar, talvez não deva. O importante é saber que correlata a ela tem uma filosofia histórica e uma história da filosofia que trata do outro, do feminino, da alteridade, da diferença. Essa filosofia precisa de lugar não na academia, mas dentro de nós. Essa Filosofia que tem no respeito a sua grande marca, que tem na tentativa de compreensão do mundo, o outro como ponto de reflexão. Essa face, esse rosto que Levinas nos informa. Precisamos disso cada vez mais, especialmente no nosso país que murmura saudades da ditadura, acirra-se o patrulhamento aos homossexuais, amplificam-se nos parlamentos os discursos fundamentalistas religiosos e matam-se jovens negros por serem pretos demais para existirem.


Ver Hannah, ler sua obra, discutir suas idéias podem ser de muita ajuda e valia. 

domingo, 28 de julho de 2013

Snowden: a sociedade discutindo a liberdade individual.


O caso de espionagem de Snowden reacende velhos debates e considerações- a mais importante aos meus olhos é a da liberdade na sociedade de informação. No entanto, o mais curioso para mim é o espanto indignado, quase com ar de surpresa e estupefação sobre a espionagem. Fico me perguntando: será mesmo que o roubo de informações, a bisbilhotagem internacional é algo mesmo recente, súbito, inesperado como a maioria dos governos pintaram e querem fazer acreditar? Cada um mais surpreso que o outro com algo que entre eles não é apenas comum, como fundamental, essencial e faz parte do métier; ou seja, não há informação capturada por uma agência de inteligência que não seja compartilhada no mínimo com outras duas.

Sem adentrar a história, mas também não a deixando a reboque, é bom recordar que a Inglaterra para cada kg de ouro saqueado em alto mar dispunha de uma rede de roubo de informações igualmente elaborada e destemida. Entrando no século XX e passando pelos países latino-americanos, não houve um, siquer um, cujas ditaduras não tenha se efetivado e se cristalizado sem o apoio irrestrito da CIA (inteligência americana) que ensinou tudo, inclusive tortura. Assim, me causa espécie, trinta e poucos anos depois, toda essa gente se mostrar indignada, como se de fato isso fosse novidade. Assim me pergunto: há alguém de fato, que não saiba que somos vigiados e que o uso gratuito da internet, especialmente de sítios como faceboock e google, alimentam as estatísticas mundiais? Ou melhor, o quanto eles custam caro à liberdade individual, mas que aceitamos pagar esse preço numa renúncia coletiva de nossa individualidade?

Tentando acreditar nessa inocência fiz duas pesquisas rápidas. Uma relacionada a hackers e outra mais melindrosa que exponho daqui a pouco.

I Hackers



No que se refere a hackers institucionais, com carteirinha de governo e tudo, encontrei inúmeros, mas destaco os chineses que tem roubado informações corporativas do mundo inteiro, inclusive de embaixadas, como fizeram com a canadense por anos a fio. Não obstante, encontrei uma denuncia de hackers informando que agência de segurança alemã estava introduzindo trojans em computadores dos seus usuários. Nessa loucura toda, o que ficou implícito é que quanto mais clandestino, caso de hackers russos, mais ousado são os ataques a embaixadas e a dados oficiais.


II Espionagem psíquica

Foi nessa direção de encontrar órgãos oficiais e oficiosos que me recordei de filmes como “Scanners sua mente pode destruir”. Era um filme da década de 80 que falava do uso de paranormais para obtenção de informações privilegiadas. Esses paranormais eram treinados por agentes do governo, no caso russo e americano para realizarem espionagem e contra espionagem.

Assim, a partir dessa idéia “ingênua, surreal”, exagerada do filme fui buscar mais informações e pude verificar que a guerra psíquica é um tema amplamente documentado, especialmente pelos russos. Inúmeros psicólogos publicaram seus vários anos de pesquisa de ponta. Esse know How foi jogado fora? Será mesmo que as autoridades militares que ridicularizam o fenômeno psi em público fazem o mesmo em meios fechados? Independente das respostas hoje sabemos sem sombra de dúvidas que a guerra psíquica foi uma arma utilizada por potencias mundiais no período da guerra fria e depois dela também.


III Relações



Nesse ponto, o que acho interessante delinear, de forma mais clara, é que, praticamente, não há distinção entre o espião psíquico e o hacker. O mais inusitado de tudo é que acreditamos que é mais possível realizar isso de posse de um artefato tecnológico do que por mecanismos naturais (mente e os outros sentidos). As habilidades são correlatas. Adentrar um computador, invadir um sistema à distância é similar a acessar a mente de outro ser humano; mas volto a insistir que achamos isso muito menos provável e possível, o que não deixa de ser uma pena.

IV O Imaginário  

Sendo que entrando nesse imaginário, que recupero filmes como “O Inimigo do Estado” (1988), “ A Rede” (1995); “A Senha” (2001); “Controle Absoluto” (2008) para falar dessa relação do Estado com mecanismos tecnológicos  capazes de espiar a vida de seus cidadãos. Mais do que espiar são capazes de adentrar, invadir e controlar a vida dos cidadãos. E a se espelhar pelos filmes mencionados, cada vez com maior nível de precisão e sufocamento. 

É então de posse desse cenário e desses argumentos que recupero Snowden e a espionagem. Acreditar que não estamos sendo vigiados, controlados, mapeados é um deleite da inocência. É um pensamento ingênuo de quem não esta atento às transformações e imposições de uma nova sociedade. Nesta nova ordem, ao que parece, não tememos abrir mão de nossa liberdade individual desde que tenhamos condições e meios de usufruir dos recursos que nos oferecem. No final das contas podemos dizer que vendemos a nossa liberdade por um preço bem barato. Ou, pode-se alegar, que o conceito de liberdade foi deslocado e isso é paranoia filosófica.

De todo modo, a espionagem esta em toda parte, em todo lugar. Há câmeras de vigilância espalhada pelas cidades. Câmeras de vigilância no supermercado, lojas, casas, apartamentos; por enquanto, poupam os banheiros. Os programas de televisão de maior apelo são os que expõem a vida das celebridades, noticiando desde o que elas comeram até com quem saíram, o que vestiram e coisas do gênero. Pelo Twitter e face pessoas comuns registram um a um dos seus passos durante o dia, num pedido incomum de ter a vida compartilhada, ou vasculhada. Muitas vezes essa é uma pessoa que pede ao pai e o marido sair do quarto para não invadir a privacidade dele, sem ver nisso nenhuma contradição. Isso tudo sem contar  os programas de monitoramento no qual se acompanha a vida das pessoas passo a passo, meses a fio, e que no Brasil já dura mais de uma década. 

V Snowden

Finalizando, Snowden expõe as feridas de um mundo que recusamos a enxergar. Ele indica, claramente, que no momento no qual mais se fala de liberdade individual, na qual achamos, ou sabemos, que gozamos de um grau de liberdade nunca experenciado em toda a história da humanidade, nunca estivemos tão controlados. Essa contradição é algo que teremos que aprender a lidar nos próximos anos, talvez décadas. Teremos que aprender a lidar com os limites do controle, dos acessos, dos registros, das informações criadas na sociedade da informação. Sendo que nessa nova abordagem não podemos ser ingênuos de acreditar que uma tecnologia como o Google Earth pode ser disponibilizada para o mundo inteiro sem ter ficado completamente obsoleta para quem as criou por volta dos anos 50/60. Ou vamos continuar acreditando que os satélites e telescópios de milhões, bilhões de dólares são mesmo para as telecomunicações pacíficas e não bélicas? Vamos continuar acreditando que o sequestro de informações por parte de agentes oficiais é monitoramento contra possíveis ataques terroristas? "Rede de Intrigas" (2008) seria o ícone do que estamos falando, tanto nos furos, quanto na possível paranoia desse mundo que antes privado e seleto tem se tornado mais coletivo, por vezes brutal e totalitário. 


E ainda acerca desse controle não vou entrar no terreno dos monitoramentos e implantes realizado por... por???