domingo, 24 de novembro de 2013

SONHO E BUSSOLA: por que nós perdemos de nós mesmos?



O título surgiu depois do texto ficar pronto. Então, eu não vou responder a pergunta que deixo, não sei a resposta. Sã Carneiro dizia que se perdia de si mesmo, porque ele era labirinto. A maioria de nós não tem a complexidade subjetiva do poeta suicida, pelo contrário, somos superficiais como andar em linha reta, em fila indiana, com distância previamente determinada. A maioria das pessoas gosta dessa horizontalidade da vida. Gostam da simplicidade, gostam do pragmatismo de encontrar respostas rápidas, precisas, claras para os problemas da vida. 

Nélson Rodrigues dizia que a televisão matou a janela. Atualizando a reflexão, eu diria que a internet suprimiu o mistério, o espanto. Todas as respostas tem que ser rápidas, todo o universo tem que se locomover na velocidade da luz. Nem a natureza mais é permitida o seu ritmo, temos agrotóxicos para os alimentos, incubadoras artificiais para os animais, anabolizantes para os humanos. Enfim... temos pressa, muita pressa, pressa demais. Temos pressa em não sentirmos a tranqüilidade, o ócio, a contemplação. Diante dele, corremos mais e mais rápido. Não sabemos para onde, mas é isso que quero supor, corremos de nós mesmos.

Muitas pessoas não acreditam, mas encontrar-se é uma arte, é um mistério. Não é uma tarefa fácil, nem simples. Estava eu sentado aqui na minha poltrona, em reflexão comigo mesmo, quando perguntei: mas, por que não vejo mais claramente o universo energético que habito? Pai Jeremias na tranqüilidade de quem não tem pressa, conversou comigo, me forneceu imagens e me mostrou que para se ver imagens espirituais tem que ser minimamente espiritual. E eu em um determinado momento da minha história escolhi o pragmatismo. Eu coloquei disciplina na vidência: só vejo quando eu quero, na hora que eu quero e se eu quiser. Como a vidência era minha foi acatada a decisão, mas como muitas vezes não é a gente que vê e sim eles que se mostram, aparecem, eles procuraram outros com mais disponibilidade. 

Mas, o essencial não é esse ordenamento, o essencial é como que fechamos nosso corpo emocional e algumas percepções, entendimentos são dados por ele. Acreditamos que a racionalização é que bloqueia, quando na verdade, é o emocional que estabelece as permissividades, as alternativas. 


Algumas pessoas devem estar se perguntando: corpo o que? Emocional! Esse que a gente ignora, não escuta, não dá atenção a não ser quando ele nos trava. Quando adoecemos, quando aparece as síndromes, os pânicos, quando somos traídos, quando uma voz insuportável fica gritando na nossa cabeça que não valemos nada. Esse é o corpo emocional rompido, fendido, ofendido. Volto a falar dele, agora recupero um sonho que Primavera teve comigo. Conto o sonho, porque ele é o motivo desse texto.

No sonho estávamos em uma praia e eu tinha um caderno azul. Entreguei o caderno azul para ela e quando ela abriu não tinha páginas escritas, apenas sangue derramado, derramando. No sonho dela, eu também tinha a cabeça cheia de buracos, de feridas. Como eu dei o caderno e sai andando, deu apenas para um senhor que estava do lado fazer um comentário: “o moço ta mal mesmo!” 

O sonho é super curioso, porque ele aponta para algo que eu não quero ver e nem olhar. O sonho é de 2011. As feridas são do século passado e reabertas em 2005/6. Pessoas mais próximas, na verdade, mulheres mais próximas vêem essa ferida, eu não. E isso é estar perdido, desorientado.


A partir disso fiquei me perguntando: qualquer um que estivesse na rua sem saber onde está buscaria orientação, aceitaria ajuda; porque quando se trata do mundo interno a gente ignora?

É estranho como que cada vez mais nos aperfeiçoamos em localizações externas e ficamos perdidos em nos situarmos internamente. Como que cada vez mais temos milhares de nomes para as coisas, para os aparatos tecnológicos e estamos perdendo as adjetivações para o nosso mundo interior. Mais estranhamente ainda, como que os sentimentos, assim como os pensamentos mais elaborados, tem sido reduzidos a termos como: “uau. Da hora. Massa. Tipo, tipo assim, fraga”. Como que estamos nos distanciando do nosso universo interno e as vezes até desconfiando que ele não exista. Afinal, quem leva sonhos a sério? Consideramos o mundo virtual mais real do que o sonho? Mais verídico do que o sonhar, o imaginar? Essa análise hegeliana vai ficar para outra postagem.

Agora, quero problematizar ainda mais a questão: caso nos percamos na rua temos GPS. Em verdade, para qualquer lugar que desejamos ir o próprio aparelho celular faz as atualizações imediatas. Caso estejamos em algum outro país que desconhecemos o idioma, há programas que nos pedem apenas para dizermos o que desejamos que imediatamente ele converte para o idioma pretendido.
Quando estamos curiosos sobre algo ou alguma coisa do mundo, temos a net. Basta goolgar e a dúvida é preenchida, a resposta é dada. Mas, a minha questão é: e quando nos perdemos de nós mesmos? E quando não localizamos em nós aquilo que somos? Que deixamos de ser. A quem recorremos? Onde procuramos?

Temos dificuldade em responder a essas perguntas. Preferimos vagar sozinhos, desorientados, sem informação a buscar ajuda, auxílio. Alguns por desconhecimento, outros por preconceito. Nenhuma das opções deixam de ser estranhas e curiosas numa sociedade da informação como a nossa. Afinal, com dispositivos cada vez mais precisos sobre nossa localização, nosso entendimento, por que ainda nos assombra os labirintos internos? Os vazios existenciais? Como que não sabemos ainda qual a valia do trabalho terapêutico, seja do holístico, do psicólogo, do filósofo clinico, do programador neurolinguistico? Por que ainda é insondável e misterioso o universo interno? Seja nas suas dores, seja nas suas sombras, seja na sua luminosidade?

Difícil apontar para uma resposta e nem temos a pretensão. Mas a pressa, a velocidade, a rapidez, a busca incessante pela busca incessante, para que se tenha sempre algo para se buscar e acessar, nos afasta da gente mesmo. Gente por mais tecnológica que seja não nasceu de fibras óticas, não brotou das nuvens. Gente precisa de natureza, do ritmo natural. Precisa do sol e do luar, do mar e da cachoeira, do verde e da terra. Gente precisa respirar o ritmo do universo para compreender que a pressa é o vazio e quanto mais apressado, mais vazio, mais desprovido de sentido. Andamos a uma média de 60km/h e achamos que estamos indo devagar.


O universo interno precisa de silêncio, de natureza, de tranqüilidade. É nesse habitat que os corpos se integram, conversam, se realizam, se unificam. É nesse habitat que a vida ganha luminosidade e a gente apreende todo o simbolismo da vida. Começa a ler as nuvens, o horizonte, a linguagem dos animais. É olhando para dentro que a bussola interna nos orienta, nos direciona, nos posiciona. E nos encontramos conosco. Pelo menos olhamos para nosso corpo emocional e o nutrimos com mais atenção, carinho. É no carinho do outro que nos recuperamos e as vezes é no sonho do outro que está a chave para nossa cura, nossa integração. 





sábado, 2 de novembro de 2013

QUAL O NOME DO VAZIO?


Como já declarei centenas de vezes- sou apaixonado pelo universo feminino. Há algo nele que me encanta, me seduz, me fascina, me alucina. Algo que eu quero adentrar, ver, captar, sentir, o mais próximo possível, mas sem ser. Não gostaria de ser mulher. Recordo de umas duas, três vidas nas quais fui mulher, eu não tenho palavras para descrever a tortura que isso foi para mim. De todas as prisões que habitei nenhuma foi mais angustiante do que ser mulher.

E não falo de ser do sexo feminino. Não é disso. Falo das mesmas dificuldades de ser negro, homossexual, diferente- falo da discriminação. Falo do exercício de provar que a inteligência, o gosto, as aptidões não são questões de gênero ou de raça. Falo da luta inglória contra uma cultura, contra hábitos, contra a gente mesmo, que em momentos passa a acreditar que de fato algumas escolhas e formas de existir são apenas para homens e outras apenas para mulheres. Mas, não é disso que quero falar.

Quero falar do site que uma amiga me enviou: perdimeubebê.blogspot.com.br  O blog é lindo. Delicado. Suave aos olhos. Cheio de dor, de sofrimento. Lá esse vazio que não sei dar o nome tem forma, tem cheiro, tem cor e é transformado em palavra por cada relato. A cada relato sobre a perda de um bebê, elas afloram tonelada de culpa, de medo, de agonia, de sofrimento que parece ser da humanidade inteira. Cada criança não nascida alivia e amaldiçoa cada uma delas. Em cada relato fica estampado diante da gente a nossa insensibilidade diante do tema, o nosso despreparo para acolher essas mães. Enquanto lia, muitas coisas me encabulavam, no entanto, uma mais do que as outras: essa culpa não pode ser de apenas uma mãe, uma mulher. Assim, da onde vem esse vazio?

Ele esta no ser. Não sei precisar quando ele se instala, ou se ele já vem instalado. Mas, ele parece estar lá esperando a primeira paixão, a primeira desilusão amorosa, a primeira transa para absorver praticamente uma existência inteira. Acredito que haja uma porta, uma fenda pela qual o vazio entra e por vezes nunca mais sai. 

Uma das falas freqüentes das mães era a de que os maridos, os companheiros pediam a elas que saíssem desse estado de sofrimento, de apatia, que elas tentassem esquecer, mas elas não conseguiam. Era como se estivessem mergulhadas dentro de um abismo. Nietzsche conta que as vezes de tanto olhar para um abismo, o abismo passa a olhar para você. Mais do que olhar, o abismo adentra o seu ser. Nietzsche de fato tinha essa profundidade abissal. Esse grande filósofo alemão dizia que tudo que é reto mente, assim, ele acredito que o abismo dele tinha até algumas curvas, mas de forma geral, os abismos masculinos são retos e jamais chegamos até o fundo. Os abismos femininos são fendas naturais, mas é cavernoso, escorregadio, insinuante, repleto de curvas. E o estranho em tudo, seja nos relatos, ou nas outras observações que fui recordando é que há uma dor e ao mesmo tempo uma adaptação natural a este lugar. O abismo é um habitat no qual elas se adaptam. Nós homens não damos conta dessas profundezas, menos ainda dos labirintos que esses abismos têm. Mas, elas vivem nesse lugar com mais naturalidade e isso é a ruína, ora porque elas se perdem nelas mesmas, ora porque parte delas vão sumindo ou se escondendo delas mesmas, mas, principalmente, porque há cavernas nesses abismos nos quais elas se identificam e sentem-se mais confortáveis do que em qualquer outro lugar do mundo. Numa visão ainda superficial e prematura, diria que nós homens corremos do vazio, enquanto a maioria das mulheres correm para ele. Grande parte do temor masculino é encontrar com a dor, com o sofrimento, com a finitude. Passamos a vida inteira construindo cultura, ciência, transcendência para não lidarmos com esse vazio. Grande parte da atração feminina é pela dor, pelo sofrimento, pela finitude. Elas querem fugir dos nossos conceitos complicados, das nossas explicações intermináveis e simplesmente se fundirem, ou sentirem o vazio. É paradoxal. Nós queremos dar sentido fugindo dele, elas dão sentido mergulhando nele.

Retornando ao site, a maior beleza dele é que lá elas se escutam, se entendem, se consolam, se apoiam. Elas fazem aquilo que não conseguimos fazer, talvez porque de fato não há algo a ser feito. Elas acolhem uma as outras.

Assim, eu quero falar do vazio. Chamo de vazio, mas o nome não é esse. É alguma outra coisa, cuja definição escapa, se é que tem. O que sabemos é que ele tem presença. Ele existe. Ele ocupa o ser das mulheres. Algumas o transbordam no olhar. Outras fazem dele uma redoma no qual elas estão no meio, absortas por ele. Em muitas, senão todas, o olhar delas, mesmo quando feliz, trás essa dor, esse eu não sei identificar. Esse sem nome. Esse sem lugar. Essa coisa que em muitas fica resguardado, acomodado, mas.... ainda assim é presença. 




Eu resolvi escrever sobre um tema que eu não sei o nome e nessa altura, a maioria dos homens já não sabem mais sobre o que estou falando, se é que chegaram até aqui. As mulheres já estão me chamando de burro, rindo e sensibilizadas com minha tentativa de compreensão, no entanto... Elas sabem que eu não sei. Elas também não têm nome para esse vazio, mas recusam serem chamadas de histéricas, histriônicas, ou de nomes dado por nós homens diante dessa falta imensa que transborda em algumas. 

UM NOME MASCULINO. 

Freud viu nesse vazio uma incompletude anatômica, a falta do pênis faz da mulher um ser castrado, mutilado. É ou deveria ser óbvio que esse olhar é metafórico, diz respeito a um arquétipo. Essa mulher de Freud, como não poderia deixar de ser, representa o arquétipo de Eva, a parceira de Adão. Eva é a mulher que nasce da costela, nasce como parte, se realiza enquanto “amiga” do seu parceiro único. Quando busca o conhecimento recebe toda culpa de ter desviado o ingênuo do Adão do caminho do bem. Assim, ambos são expulsos do paraíso cada um com sua sina, ele é amaldiçoado a trabalhar, ela a parir na dor. Esse vazio em nós é preenchido pelo trabalho. Enquanto laboramos, nos realizamos, acreditamos estarmos plenos. As mulheres encontram um preenchimento desse vazio na gestação, no ato de ser mãe. Mais uma vez recorro a Nietzsche, ele diz que a mulher para o homem é um fim. Mas, a mulher para o homem é apenas um meio. A finalidade dela é o filho. Será mesmo? 

Hoje na contemporaneidade, mais do que nunca, mulheres acreditam na realização pessoal em moldes masculinos- carreira, profissão, sucesso. E a maioria lida bem com isso até o relógio biologico determinar as últimas voltas do ponteiro para que a gravidez ocorra. Nesse momento a piração começa acontecer. Esse vazio transborda. Poucas sentem-se tranquilas ao olhar para trás e verem que construiram uma belísima carreira. Nessas falas que escuto fico sempre me perguntando: pode uma mulher não ser mãe? 



Nosso desejo masculino é o de estancar o vazio, curar a dor. Mas, não é disso que se trata, pelo contrário, trata meramente de ouvir o grito que não sai da garganta, mas a seca. Trata de  emprestar lenço para a lágrima que teima em brotar dos olhos, como nascente, como cascata. E nunca sabemos por qual motivo elas choram, talvez seja pelo mesmo motivo que a nascente escorre água, vai saber. Trata de apenas estar ao lado, silenciosamente, como se esse vazio fosse uma oração.

Isso nós homens nunca entendemos e jamais entenderemos. Nunca entenderemos essa racionalidade emocional. Nunca entenderemos como que a perda de uma gravidez de poucas semanas, quiçá meses, pode abalar o resto de uma vida. Nunca entenderemos, como que a perda de um filho viciado, drogado, as vezes até maldito, pode causar uma dor infinita, que nunca vai acabar, parar, cessar. Nunca entenderemos como que a morte da mãe, aquela que nos gestou possa causar essa mesma ausência, essa mesma falta e por vezes ampliar ainda mais esse vazio.

Assim, teve momentos que eu quis tirar esse vazio delas, mas fazer isso era como colocar um pênis entre as pernas delas. Era como colocar um estilingue de menino nas asas de um colibri. Era desnaturalizar o natural. Amigos muito sensíveis me ensinaram a ver, a observar, perceber que seja lá o que for essa falta, esse vazio, é por intermédio dele que elas conseguem se superar, se inventarem, serem. Loucura?

Recordo-me de alguns trabalhos mediúnicos, em que me encontrava desdobrado e ELAS chegavam, encarnadas e desencarnadas. Elas estavam lá pelos filhos, pelos maridos. Lá onde? As vezes nas filas intermináveis das visitas de hospitais, presídios, manicômios. Outras vezes nas casas espirituais pedindo ajuda. Outras tantas ao lado dos filhos como anjos protetores. E os filhos estavam em lugares que até os anjos não desciam. Mas, elas estavam lá. Lado a lado, rogando proteção, pedindo perdão. Em vão tentar mostrar que elas não tinham nada a ver com aquilo. Elas se responsabilizavam, elas se culpavam, elas se martirizavam. Elas tinham uma culpa que absolvia e absolve toneladas de equívocos, erros dos entes queridos. Ali fui aprendendo a ver a força da oração de uma mãe. Como que as rogativas delas chegam aos céus sem fazer curva, deslocando Serafins e Querubins para atenderem ao pedido. 


Finalizando, há a falta do filho. Não apenas a dos filhos mortos, mas a dos filhos que em determinado momento escolheu-se não ter e que hoje, elas desejariam, mas o relógio biológico não permite. Em toda mulher parece existir essa dor, essa força, esse vazio, essa busca. Elas querem algo que escapa. Buscam algo que encontram, as prendem, as ajudam, as aliviam, mas ainda não é o preenchimento. Em todas há uma busca, o desejo de que uma metade de mim seja preenchida, encontrada. É bom que ainda temos abraços como formas de fusão. 




sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Fragilidade


Um colega de pelada recebeu anestesia geral, quando acordou já tinha sido rasgado, costurado e não tinha lembrança de nada. A única coisa que nos dizia como um mantra era: "a gente não vale nada!!!"

Outro colega de pelada tinha comido, bebido no final de semana e no meio da outra semana veio a óbito por taquicardia. Não deu tempo para nada. Para dizer eu te amo a esposa, aos filhos. Estava de viagem marcada e os que foram na frente tiveram que acabar voltando. Como sempre, ninguém esperava. Nunca esperamos. 

Um aluno voltando de um show que realizou de madrugada acabou dormindo e se chocando contra uma caçamba. Acordou no dia seguinte no hospital sem se recordar de nada. Todos os três homens em idades diferentes. Todos os dois sobreviventes unânimes em sua afirmação: "a gente é muito frágil. Nós não valemos de nada." Eles na preocupação masculina diziam que se foram abusados, violentados nem se recordam.

Mas, no que tange ao "não valer nada" alguém ousaria discordar? Acho que não. O corpo é frágil. Ele é o que mais se adaptou as intempéries da natureza, mas ainda assim é frágil. No entanto, a fragilidade maior não é do corpo, a fragilidade maior é o significado que damos, ou que não damos à vida. Somos muito despreparados para lidarmos com a morte e isso nos fragiliza diante da vida. Poucos de nós damos conta da vida mesmo. Poucos de nós sabem lidar com a separação, a traição, o amor, a ofensa, a injustiça, a dívida material. Diante dele, nos perdemos, nos descabelamos. Ficamos aturdidos.


Falo disso, porque nós homens reconhecemos as nossas fragilidades materiais, físicas, mas a fragilidade que de fato nos deixa expostos é a emocional. Escuto os relatos, as conversas das mulheres em todos os lugares. Elas se queixam que os parceiros não interagem na discussão, que elas falam para as paredes. Que é preferido falar sozinha, que eles se sentem solitárias.

As mulheres captam e lidam melhor com a fragilidade emocional. Elas reconhecem que esse é um terreno no qual a gente depende do outro, precisa do outro. Elas não têm problemas em pedirem ajuda, conselhos, buscarem alternativas. Por outro lado, são raros os homens que empreendem a mesma busca. Num primeiro momento da nossa existência a mãe adivinhava o que nós sentíamos, num segundo momento essa tarefa passa para as namoradas, parceiras, amantes, esposas. São poucos os que conseguem expor aquilo que sente sem necessidade de auxilio e sentirem que vão morrer após terem dito. São mais raros ainda os que são capazes de mostrar que há uma fragilidade nessa área. E como somos frágeis.

Esse parece ser o motivo de tensão entre homens e mulheres. Homens de forma geral tendem a se expressar emocionalmente somente diante da morte, do termino, da separação, o que acaba muitas vezes  se dando de forma mais atropelada e atabalhoada. O que me faz recordar um caso de uma amiga. Na concepção dela, ela namorava um eremita autista. Quando terminou com o cara, ele falou assim: "eu estou comprando casa, arrumando moveis, fazendo isso, aquilo, e você vem com isso?"  Naquela altura, ela apenas respondeu, entre surpresa e perplexa: “ você nunca me falou nada!!!”

Ele jamais tinha manifestado tudo isso, nem mesmo o afeto. Quando manifestou foi tarde, era tarde, ela já tinha ido embora. Quando ele foi capaz de expor a fragilidade dele largado no mundo sem ela, já era tarde; ela já tinha ido embora e ele estava só. 

Para nós homens é difícil percebermos que é essa fragilidade que fortalece o vinculo entre as pessoas, que é essa fragilidade física, material, emocional, mental, espiritual que nos leva ao encontro do outro, na troca com o outro. É na tentativa de cada um de nós crescermos que trocamos, nos realizamos, nos fazemos humanos. É pelo paradoxo da fragilidade que nos fortalecemos e nos humanizamos. Alguns casam, constituem família, criam filhos, formam família. No entanto, ainda assim não aprendemos que são nas fragilidades que nos constituímos.

A fragilidade deve ser considerada a nossa maior força, assim como a reflexão sobre a morte a nossa melhor maneira de viver melhor. Esperar os minutos finais de vida para se fazer tudo o que se deseja é um desperdício existencial. Na mesma medida em que esperar os momentos de tensão, de ruptura para se falar do que somos, do que desejamos, do que sentimos é também um desperdício da relação, um tiro arriscado que pode dar certo, mas que não vale o desgaste. 


domingo, 29 de setembro de 2013

Sombra Espiritualista (3a parte)-




Como tentei mostrar nos dois textos anteriores, espiritualistas se ocupam, demasiadamente, com a luz. E a luz afasta as pessoas da vida, da Terra, do chão, da cidade dos homens. Numa outra direção, mas ainda refletindo sobre a luz, algumas religiões dão demasiada força e atenção ao ADVERSÁRIO, ao Cramunhão. Em muitos desses lugares tenho uma convicção interna de que adora-se, cultua-se mais ao diabo pelo medo que ele provoca do que a Deus e a Jesus pelo amor que eles transmitem. Nos dois casos temos a cegueira interna que insufla os fieis a se tornarem guerreiros. De modo que nossa reflexão final é percebermos que falamos da luz, nos ocupamos com as trevas, mas é a sombra que nos traz respostas. Falamos de Deus, do criador, discutimos sobre a ação dos seus filhos, mas nos esquecemos da mãe. De modo geral, espiritualistas são órfãos de mãe, desconhecemos suas qualidades e nem percebemos que muitas vezes o que se deseja despertar são essas mesmas qualidades, princípios. Nesse texto colocamos algumas reflexões da mãe como que tentando equilibrar a balança. 

Se seu pai lhe disse que você é filho da luz, peça para ele lhe apresentar a sua mãe. Verá que as mulheres, o feminino, o corpo, o prazer sempre foram tratados como o caminho para a perdição do mundo, mas, em parte, tudo isso é calúnia. E, por sermos ainda filhos sem mãe, nos falta a candura e o acolhimento de quem nada tem que provar para ninguém. Nessa orfandade que estamos inseridos proibiram-nos, justamente, os caminhos que nos levariam a ascender sem ajuda do ritual tabajara. A criação masculina que nós recebemos ocultou o aprendizado do carinho e doçura da mãe.

Assim, se você é guerreiro da luz, abaixe suas armas. Descanse um pouco. Nesse universo inteiro só uma coisa morre: a ignorância. Se você não matar a sua, você gera todos os outros nascimentos, principalmente, o das trevas que guerreia.

Se você é trabalhador da luz, aceite o ócio. Até Jeová, que se proclamou Deus único, apos seis dias de trabalho, descansou e se recolheu no colo da sua consorte.

Finalmente, respirem fundo!! Acalmem-se. Desconfie um pouco da própria luz. Acolham mais a sua sombra. Ria das suas trevas e vamos ser vela humana. Uma por metro quadrado. É pouco, é nada, mas é suficiente para acabar com a escuridão de todos os túneis que habitamos e cavernas que construímos. Tem energia em cada vela humana acesa, suficiente para que a gente ilumine todo túnel e ainda movimente-se por eles e por outros buracos de minhocas do universo.

Há luz suficiente em cada vela humana para acender todo universo, porque no final, não é a iluminação do túnel que importa e sim a nossa. E de todo modo, não há diferença entre o interno e o externo, o evangélico e o candomblecista, o masculino e o feminino, o dentro e o fora, o eu e o outro; a luz e a sombra.

sábado, 21 de setembro de 2013

Sombra Espiritualista (2a parte): O Túnel Escuro

Esse texto continua a falar das sombras, do medo dos espiritualistas de lidarem com isso e, por conseguinte o campo de batalha que eles acabam criando em todos os lugares que frequentam e estão: família, trabalho, listas de discussão, encontros, seminários. Na percepção deles o universo os persegue por eles serem luminosos, as pessoas não os entendem por eles serem muito evoluídos. O que eles têm dificuldade de perceber é que espiritualistas ao combater as sombras, alimentam as trevas. As sombras internas ou dos outros não são oponentes a serem destruídos. Assim, dando prosseguimento a essa argumentação apresento O TUNEL ESCURO.


A PARABOLA

Imagine um túnel escuro com 1 km de comprimento. La dentro tem um breu no qual você não vê a um palmo de distância. Esse túnel são as trevas.
Com a finalidade de dissipá-la foram colocadas 1000 velas humanas para iluminar todo o túnel. Uma vela humana por metro. O túnel sabe que se todas elas acenderem, ou parte delas acenderem, acabou a escuridão. Assim, a única possibilidade de vitória das trevas é uma artimanha, a saber: combater toda vela humana que acenda.
A luz tem milhares de possibilidade, inclusive a de lutar contra si mesma. Pode, inclusive, combater a sua própria sombra. Quantos de nós, velas humanas acesas, não ficamos esmurrando as paredes? Dando cabeçada, socos, murros... nos machucando, enquanto acreditamos estar servindo à luz? Podem responder sinceramente. Só você esta lendo esse texto. Não somos nós mesmos que nos combatemos? Que nos difamamos e nos destruímos?
As trevas têm apenas uma possibilidade: impedir as velas humanas de se acenderem e de se integrarem, de se fazerem lux. Vamos entender por luz a chama que é a um só tempo interna e externa. Farol para muitos e despertar interno para si mesmo. De forma que quando a gente compreende que o sentido é acender a luz no túnel, você passa a agradecer quem esta com a luz acesa. E às vezes pedir ajuda: tem jeito de você me ajudar aqui?

Eis a parábola, mas ela encerra muitas outras questões e considerações.

Primeiras Considerações:

Nós sabemos que o escuro evoca os medos mais recônditos do inconsciente. Nesse escuro, seja ele fora, ou dentro de nós, qualquer barulho é um estrondo. Tudo amplia. Os mundos internos são atraídos à escuridão externa de tal sorte que em pouco tempo toda escuridão é medo. Um medo imaginário que se faz concreto, palpável. 
Assim, nesse breu, o primeiro inimigo é a vela humana que acende, porque, ela se faz perceptível. A nossa primeira ameaça é o medo da luz. Tanto tempo na escuridão, que a luz é uma ameaça, um crime, uma afronta. No nosso imaginário não temos outra solução a não ser atacá-la.



Segundas Considerações:

Somos treinados, religiosamente adestrados para combater velas humanas. De forma equivocada, somos convencidos por mentores espirituais, que o caminho da luz é o ataque ao ego e as sombras. E acredito que as trevas se divertem demais com isso, porque elas estão usando a sua única bala e possibilidade de impedirem a manifestação luminosa. Tento explicar:

Um ditado ioruba diz que nenhuma escuridão resiste a um palito de fósforo. Esse é o assombro das trevas, um simples palito de fósforo a dissipa. A escuridão é capaz de muitas coisas, mas não resistem a essa simplicidade do pequeno iluminar, do simples acender. Isso me recorda outro ditado, agora budista que explana algo assim: quando o mal combate o mal temos um bem, mas quando o bem combate o bem temos dois males.

A força das trevas é essa: nunca permitir que o mal se oponha ao mal e colocar o bem para combater o bem. Essa é a tática perfeita. Já fizemos guerra santa, fazemos jihad, hoje, em pleno século XXI esta ficando cada vez mais habitual pastores fazerem cruzadas contra as religiões afro-brasileiras. Alguém em sã consciência pode afirmar que isso é trabalho da luz?

Terceiras Considerações:

Fico imaginando a situação dentro do túnel. As 1000 velas humanas ajudariam milhares a realizar a travessia de forma mais segura. Fico imaginando também que o objetivo seria e deveria ser a solidariedade, algo como, quando uma vela humana estivesse apagando, outra a socorreria de pronto para que a chama continuasse acesa; mas, pelo contrário, uma briga na tentativa de ofuscar a luz da outra. Como se tal desiderato fosse possível. Não bastasse essa sandice eles criam as tochas humanas, se juntam, se reúnem, se condensam e se aprisionam em uma construção cuja luz se mantém apenas num ponto, precisa-se de um número muito maior de velas humanas para iluminar o mesmo espaço de 1 km.

Quartas Considerações:

Outro perigo ofuscante é que a vela humana acendida por outra chama fica eternamente grata àqueles que lhes deram a luz. Ficam cegos de gratidão por eles. E, gratos, eles se agrupam, não para iluminar o túnel, e sim, se tornarem tochas humanas. Cada tocha é convencida de que não é vela humana. De que as velas humanas devem obediência ao pastor do rebanho. Que as velas humanas não suportam a escuridão da existência sozinhas precisam estarem juntas, reunidas. Assim, constroem igrejas e mantém afastado deles toda escuridão.

Aumentando a intensidade da luz, aumenta-se o tamanho e a projeção das sombras. Foi assim que se inventou o diabo- da soma de muitos medos e de muitas tochas desconhecedoras de suas sombras. Foi assim também que se criou os inimigos, os oponentes a serem destruídos. É por essas vias que quando recebem o pedido de ajuda de outra vela humana respondem, não sem muita ira e indignação: “não tenho pacto com candomblecistas? Vai procurar ajuda em outro lugar.” Para não ficar para trás e nem deixar barato, a outra vela humana responde: “Sou kardecista de mesa branca, nada tenho a ver com vocês umbandistas!!” Quando é a vez do kardecista pedir ajuda, o outro grupo de velas humanas responde assim: "Não compactuo com você sou evangélico". E creio que as trevas devam gargalhar disso tudo, porque de fato seria muito engraçado não fosse trágico.

Quintas Considerações:

De forma geral as tochas humanas dentro do túnel, trancados em suas construções tem dois tipos de comportamento:
a-   apagar todas as velas humanas que não foram acesas por eles.
b-  queimar em nome de Jesus, ou desobsediar em nome dos espíritos superiores, ou se implodir, em nome de Ala, todos os que não concordam com o livro que julgam sagrado.

O que poucos observam é que Luz demais concentrada agrada tanto as trevas quanto a escuridão, em verdade, não há diferença, pois ambas cegam e mantém as pessoas cegas.

Minha diversão, disse-me certa vez um ser trevoso, é observar túneis e seres iluminados dentro deles. E em verdade vos digo, me falou ele querendo se passar por religioso: “nunca as trevas se ri tanto, quanto da estultice dos crentes e dos pios. Para começar, pelo fato de eles terem nos dado a segunda possibilidade que não tínhamos: a de administrar as velas humanas a serem acesas.

Referia-se a série de rituais criados para se acender.
Dizem eles no Manual pirotécnico das velas humanas, que contem 10 mandamentos da fundação Tabajara.

1-  nunca faça sozinho, pode ser perigoso.
2-  sempre tenha alguém por perto nesse momento, para evitar o perigo.
3-  procure um lugar sagrado, mas dê alguns milhões, ou realize algumas campanhas para que ele seja erigido.
4-  você precisa se purificar, mas antes tem que encontrar o seu purificador na Terra.
5-  você não pode se purificar sozinho, necessita de um papa, um guia, um bispo.
6-  Não se esqueça que nosso deus é o capital.
7-  Não se esqueça de que precisa dar condições para o deus reinar, isto é, honrarão o mercado, como sendo o filho prodígio de deus.
8-  Não se submetera a nenhuma outra seita que não a nossa religião única e verdadeira.


Considerações Finais:

E o manual segue sem que as velas humanas percebam que elas nasceram acesas e foram se deluzindo, se apagando até deixarem de ser luz. E de maneira obnubilada não percebem que levados a negarem a própria sombra e a combater outras luzes apiam mais as trevas do que a luz.

Nesse breu a regra no túnel, estipulado pelas trevas e seguido pelos filhos-guerreiros-trabalhadores da luz é a de que a escuridão deve permanecer. Afinal, o que essa gente vai fazer quando não tiver mais sombra e luz para eles guerrearem? Será que eles já podem amar? São maduros o suficiente para amar o inimigo? Cresceram o bastante para saber que por amor ao seu inimigo pode-se matá-lo de forma mais dura e cruel? Estão prontos para aceitarem que não há nenhum Deus a lhes castigar e lhes culpar? Já suportam um universo no qual não tenha mentor espiritual, arruda, guine, papa, bispos, preto-velhos a lhes dizer sobre o que somente eles podem fazer? Estão prontos para ajoelharem-se diante da própria consciência e assumir quem são? Como que dizendo: “Saio da minha ilusão!!”

As religiões estão aí organizadas para impedirem as velas humanas de acenderem-se e dissipar com as trevas. Por isso ela as fomenta. Não sabem viver de outra coisa e já nem conseguem mais ser outra coisa. Nada mais brilhante do que o padre de Dostoievski reconhecendo Jesus na praça de Moscou, prendendo-o como impostor em meio da turba. E em diálogo fraterno com o herdeiro do trono já na cadeia, o reconhecer e lhe explica, que ele não tem mais lugar entre os humanos e nem diante da igreja que ele fundou.

Desconfio que se Jesus voltasse homossexual não poderia entrar em nenhuma Igreja que fala em seu nome. Se Jesus voltasse mulher não poderia celebrar a eucaristia na maioria das religiões que foi fundada em honra a ele. Se Jesus voltasse Umbandista teria seu terreno apedrejado e o seu nome difamado por aqueles que pregam suas palavras. Enfim, estamos servindo a cegueira e não a luz.




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Sombra Espiritualista (1a) parte




O contato com a luz produz sombras. O contato com as sombras gera luz.
Sombra é uma coisa que nós espiritualistas corremos e não gostamos. Sombra, ego são palavrões que a gente acha que não podemos ter. No imaginário dos espiritualistas cada um é um ser de luz imenso, grandioso, radiante e muitas vezes se comportam para que sejam assim e muitos até são. No entanto, poucos percebem que quanto maior a luz, maior a sombra. E como a sombra entre nós é algo terrível, nós passamos a combatê-la.

Como a maioria dos espiritualistas se vê, se entendem, se projetam como sendo um mestre ascencionado, um anjo humano, um espírito humilde, endividado, mas devotado ao mestre Jesus, combate-se aos outros. Na verdade, massacra-se o outro. As listas de discussão dos espiritualistas é um campo de batalha na qual os cegos (eu inclusive), se digladiam para destruir o outro. Essa percepção quem me passou foi mestre Yub- a de que espiritualistas não lidam com sombras e aspectos sombrios da própria psique. Tentar aplicar esse mesmo universo no mundo virtual foi um pulo para que eu entendesse como que pessoas que falam de seres arque angelicais, não humanos, intergalácticos, superiores tinham comportamento acerca do outro tão bestial e brutal. (Volto a insistir que não estou me excluindo disso). É que as listas virtuais, os pontos de encontros físicos dessas pessoas se transformam no campo projetivo. Eu não vejo em mim, cego que sou, reconheço no outro, monstro que ele é.

Talvez isso seja benéfico, mas um pouco mais de conhecimento acerca de nós mesmos, um tanto mais de tolerância por nós mesmos, resultaria em coisas diferentes e num crescimento menos doloroso para todos.

DISTINÇÃO ENTRE TREVAS E SOMBRAS

Eu gosto de trabalhar com o que as pessoas denominam trevas, sombras. E quero salientar uma distinção entre uma e outra a partir de conversas com mestra Elo. A sombra é refrescante (pensando em uma árvore) agradável, assustadora, mas não faz mal, não prejudica. A sombra é parte integrante da luz. Um professor da federal em suas aulas sobre Habermas e a filosofia da linguagem gostava de nos lembrar que "ninguém pode desgrudar de sua sombra." Isso para mim é um koan e fiquei pensando em inúmeras situações e possibilidades em se romper com a própria sombra. Não as encontrei.

Fala-se de ascensão, de caminho espiritual, ignorando o ego e as sombras, mas não há possibilidade de ascensão sem sua sombra. E não existe iluminação de sombra. Existe aceitação da sombra. Aceitar a sombra implica que a luz incomoda, cega e é chata demais. Seres luminosos na Terra são pessoas chatas. A Terra física não é lugar para seres iluminados. Imagina o sol a noite, durante todo tempo? Uma hora alguém suplica: "Filho, eu quero dormir!" E Apolo (sol) diz todo portentoso: "minha missão na vida é te iluminar, esclarecer!" Tem sentido isso? Para mim quem faz isso é um chato. Lembra-me uma situação inversa, mas idêntica. Alexandre passando pela Grécia foi procurar Dionísio, o cão. Este, como de costume estava dentro do seu barril. Alexandre na sua magnificência o chama e estreitando conversa diz: “grande filósofo! Peça qualquer coisa que eu te darei.” Todos, inclusive Alexandre, esperavam que Dionísio pediria algo grandioso, mas o cão, na sua forma cínica de ser, apenas disse: “saia da frente do meu sol.”

Um homem que se contenta com o sol, que tem o sol e a natureza não tem nada que possa fazer com que outros o bajulem. E isso me remete aos mestres do espaço, que nos chegam escondendo sua luz. Eles ficam até mesmo dentro do barril. Todas as vezes que falo disso a imagem que me vem a mente é o arcano IX do Tarot de Marselha.



O ermitão, assim como os mestres sabem que a luz fere, machuca, cega, tonteia. Ter a medida correta da iluminação é sabedoria. E a justa medida é a capacidade de dar a intensidade correta, mediante a necessidade do outro. O respeito ao outro garante a luminosidade, porque o importante não é a luz. Acender luz é simples. Ate meus amigos trevosos sabem acender luz. E nunca na história da humanidade se achou tão luminoso quanto na idade média no período da inquisição. Acender luz é fácil, mas não é isso que os mestres consideram relevante, porque a luz não pode ser acesa de qualquer jeito. A relevância esta no respeito incondicional do outro permanecer no escuro. Está na aceitação plena de que mesmo podendo mais, você assegura ao outro, apenas o que ele pleiteia. E o mais louco disso tudo é que você está lá por si mesmo, assim não lhe cabe mandar, apenas servir. Se você é um ser iluminado que saiu de outra galáxia e veio aqui para Terra, problema é seu, escolha é sua, não venha acusar os humanos de ingrato. E nem esperar que se reconheça a sua luminosidade intergaláctica. Enfim, deixe de ser chato.

Mas a distinção a ser feita é que a sombra é parte da luz. E quanto maior a clareza e aceitação tivermos dela, mais reconfortante ela é para o outro. As pessoas não chegam aos mestres devido a sua luz. Geralmente, a gente nem consegue aquilatar a luz deles. Quando um Buda, um Krishna, um Jesus, um Sai Baba esta entre nós, poucos chegam até ele para obter conhecimento. As pessoas chegam até eles para serem consoladas, compreendidas, aceitas, amadas. É a sombra delas que acolhe, que recebe as pessoas. A luz delas é o que faz com que as tema. A luz deles é o farol que nos assinala a sua localização, mas é a sombra deles que nos reconforta, que nos acomoda em nós mesmos, que nos coloca em direção a nossa própria luz. Talvez essa seja a grande distinção entre o verdadeiro mestre e os falsos profetas. Aqueles salientam que a luz que eles vêem no mestre é reflexo da luz deles. Estes vivem de cegar os outros com a sua luz.

Então, finalizando. Atualmente, ser guerreiro esta em moda de novo. Mas é preciso frisar que ser guerreiro da luz não é combater sombras em si ou dos outros. Ser guerreiro da luz é combater as trevas. Coisa completamente diferente de sombras. As trevas é a cegueira da luz diante de sua sombra. É a intransigência da sua sombra, perante sua luz. Essa tensão, esse nível de desgaste é o que vou chamar de trevas. Isto é, a luz impedida de iluminar e a sombra impedida de confortar. O acumulo disso por anos, séculos, milênios são as trevas, que a gente guerreia.

O pedido a ser feito é: não guerreia não. Combata, com elegância, com destreza, mas sem fazer dela sua inimiga. Ela pode ser a sua inimiga, mas você não precisa ser o dela. E isso não implica em concordar, acatar, temer. As trevas devem ser respeitadas, mas nunca temidas. Eles ainda não conseguiram armas contra a iluminação. E não há nenhuma treva que resista a iluminação; em qualquer lugar, em qualquer tempo, um pau de fósforo derrota as trevas. E é essa premissa que por ignorância nossa acaba alimentando e fortalecendo as trevas.


quarta-feira, 21 de agosto de 2013

HORÁcio: a teatralização da vida.



Ontem, 18/8/2013 fui com Primavera ver uma peça teatral- Horácio. A peça aborda as reflexões de um homem em três momentos da sua vida. HORA/CI/O. Esta é uma abordagem comum, acompanhamos esses temas na literatura e no cinema. A novidade é que as reflexões são realizadas por três artistas o que dá a encenação a dinâmica da simultaneidade, da multidimensionalidade. O mais interessante ainda é que embora conflituosos, eles se escutam, não concordam, mas se escutam, estreitando um diálogo entre cada um deles. Na peça não seria nenhum exagero ver nesse diálogo a relação freudiana entre Id, superego e ego.

A peça por si só é boa, não apenas pela trama, mas como essa trama é emaranhada pelos objetos cênicos, no caso espelhos que HORA refletem o próprio personagem, HORA reflete a face de um dos seus outros momentos. Um pêndulo que oscila, malditamente, sem parar, ainda que bem no fundo do palco, imperceptivelmente.

Fato é que as abordagens são inúmeras, desde a que esta relacionada ao tempo cronológico, linear, que caminha para a finitude- passado, presente, futuro- simbolizado, respectivamente por: um jovem que sonha ser poeta; por um adulto que se torna advogado; por um idoso que se encanta e desencanta com a vida e tenta elaborar a síntese, a reflexão final.

Uma dessas reflexões é a traição. O Horácio velho acusa o Horácio adulta de ter traído a ele e ao jovem. De ter matado os sonhos deles virem a ser poeta. A marca dessa traição localiza-se num acontecimento traumático, um acidente fatal que culmina com a morte do pai de Horácio. Mais do que a fatalidade do acontecimento, o drama, o trauma repousa na forma, que segundo o Horácio adulto relata a ordem recebida pelo policial para que ele leve a moça que acompanhava o pai na viagem e deixe o velho, no caso o pai dele.

A partir desse acontecimento, HORAcio muda toda a sua vida. E nessa mudança com inúmeras reflexões sobre a vida, a morte, a finitude, o tempo, que a peça se desenvolve, mas não linearmente, e sim, ciclicamente, já que a reflexão final retoma a inicial, mas agora de maneira mais profunda com o HORÁcio velho, sentado, na verdade, “infartado”, reflete sobre qual a diferença entre morrer na beira da estrada ou com plano de saúde? Interroga a si mesmo e ao seu interlocutor adulto sobre o sentido da vida, naquilo que ela tem de mais pessoal- a própria existência. Se valeu a pena ter deixado de ser poeta, vivido na sarjeta para se tornar um advogado respeitável, quando no final das contas.... o fim chega para todos? A morte é igual para todos, deixando como legado aquilo que fizemos, ou no caso, deixamos de fazer. A grande pergunta, tácita é se vale a pena não vivenciar os sonhos?
Essa é a grande pergunta e é sobre ela que falaremos do espaço terapêutico.

II O eu terapêutico.

Dentro do espaço terapêutico é indubitável que temos muitos eus e não estou falando de vidas passadas. Estou falando desses eus, que a peça HORAcio explora tão bem.


Embora haja, invariavelmente, uma justaposição de um eu sobre outro, muitas vezes, não vemos e nem percebemos esse acontecimento. Nem observamos como que determinadas situações evocam nossa criança, outras, nosso adolescente, outras nosso jovem. Como que pulamos de tempo para tempo tentando alinhavar tudo entorno de uma ordem, de uma coerência que no final da contas não podemos afirmar que existe, a não ser para nossa cabeça. Essa busca cria muitas tensões.

Mais do que tensões, geram conflitos, porque há uma falta de relação e sintonia entre o que eu penso e o que meu corpo sente. Entre a minha experiência sensória e a minha idealização imagética. E de forma geral por desprezarmos o corpo queremos, de todo modo, a todo custo, que a vida se adapte as nossas exigências. Queremos que a vida siga nossas regras, ainda quando o corpo, o outro, o mundo, a vida esteja nos mostrando que estamos em desarmonia.

Os exemplos são milhares tanto pessoais quanto de amigos, conhecidos, de livros, filmes, etc... Mas, vou citar como exemplo um amigo que em sonho se viu casado, noivo de uma menina que não tinha mais do que 13 anos. Por muito tempo, ele quis se ver como pedófilo, mas essa conceituação não era condizente ao momento no qual ele vivenciou a estória, século XIII, XIV. De forma que em nossos deslocamentos trazemos esses olhares descontextualizados e produzimos uma carga imensa, enorme, sobre nos mesmos, quando o sentido seria esvaziarmos desses pesos.

Ainda nessa mesma linha, me recordo de uma mendiga que entrou na lanchonete pedindo alimento, dinheiro. Ninguém deu e eu ofereci um pastel assado que tinha levado uma minúscula dentada. A moça olhou para mim, agradeceu com certo desdém e disse que não comia resto. Eu a compreendi, especialmente, porque no momento no qual ela dizia isso, eu não a via mais como sendo mendiga, eu a via como uma donzela, de pele muito clara, cabelos louros, segurando uma sombrinha, com um chapéu e vestido de renda típico da corte francesa do século XVII, XVIII. Como um negro tem a audácia de dirigir a palavra para uma donzela e ainda oferecer pastel assado mordido? Sei que na lanchonete as pessoas me olhavam querendo se desculpar pela humilhação que eu recebi, mas eu estava super bem. Ela não quis e a vida segue. Para mim, ela está presa a uma imagem dela do século XVIII. Ela esta presa num desses espelhos da existência.

De modo que, terapeuticamente, acredito que seja possível colocar um Horácio conversando com outro, ouvindo o outro, um tomando consciência da existência do outro e curando as feridas e dores do outro. Podemos exemplificar com a dor da menina abandonada aos 7 anos. Hipoteticamente, ela pode ser acolhida pela mulher de 55 hoje. Ela e mais ninguém pode pegar essa menina no colo e a acolher, cuidar dela, mostrar como elas caminham juntas. E a loucura maior é que é essa menina de 7 anos que cura a mulher de 55 do seu medo de ser traída, abandonada, humilhada. É ela que a auxilia a tirá-la do espelho.

De uma maneira que aqui não cabe adentrar, os tempos subjetivos não obedecem a linearidade do tempo cronológico. Todos ao olharem para essa mulher bonita acreditam que ela é uma adulta, que ela tem 55 anos e resolveu suas questões; todavia, a verdade, é que emocionalmente, ela esta estacionada nos 7 anos. Quando o bicho pega, é para esse tempo, para esse lugar que ela retorna. Ela continua se vendo desprotegida, sem lugar, sem saída. Assim como ela, se dá com cada um de nós. Poucos, pouquíssimos de nós têm a idade cronológica atrelada à idade mental, emocional, sexual para falar de meramente três. Esses tempos são outros e muitas vezes não percebemos.

III Atêlie Interior. 

Mas a razão pela qual escrevo isso é que amo a arte. Amo como a arte, o palco, o teatro, a pintura, a escultura, a música, o poema esclarecem aquilo que precisamos de muitas páginas para explicar. Se a peça ficasse mais tempo em cartaz levaria alguns “partilhantes” para assistirem. No diálogo entre os artistas acredito que ressonaria as vozes caladas, massacradas do nosso ser que vamos impedindo de falar. Essas vozes então passam a gritar e ainda assim são ignoradas, assim, elas se distendem e ainda assim não são percebidas, até que elas se separam, aí, geralmente, é tarde para uni-las. Em todos esses movimentos, fica notório, que o tom aumenta quanto menos se dá vazão e escuta a essas vozes. E, em certa medida, todo trabalho terapêutico, consiste em harmonizar cada uma delas. Dar espaço para cada uma delas. Permitir que cada uma delas seja o que elas são.

HORAcio toparia ser advogado, ele aceitou a advocacia, mas o que o matou foi ele não ter dado espaço para o seu poeta. O poeta de Horácio não podia morrer. Talvez, ele não fosse Drummond, nem Castro Alves, mas seria Horácio e isso se não valesse de nada esteticamente, seria a redenção dele, existencialmente. O vazio existencial dele não seria tão grande, tão forte, tão imponente. Bastava, ele ter escrito e publicado os seus poemas, deixado essa energia fluir, permitido essa energia caminhar. 

E esse é o ponto interessante, que durante a apresentação da peça me reportou diretamente a uma conversa que tive com um dramaturgo brasileiro meses atrás. Como não me canso de dizer, os artistas desencarnados continuam suas atividades, mediante, oficinas, palestras, cursos, workshops e outras variedades de facilitação interior. E é muito salutar visualizar como essas oficinas são desdobradas no plano físico. É muito legal perceber essas intercessões entre os dois lados. 

Uma dessas intercessões denominei de Ateliê do Espaço Interior cujo foco sempre foi com os poetas, músicos e artistas plásticos. O trabalho com os dramaturgos é recente, esta em gestação e tenho que afirmar, que terapeuticamente, tem alto impacto na transformação e conscientização das pessoas. A técnica, hoje, amplamente utilizada no plano físico consiste no desdobramento da personalidade da pessoa para que ela se veja representada, encenada no palco da existência. Ou seja, desdobra-se a personalidade para que ela seja projetada, exteriorizada. De modo que olhando para si mesma, ela consegue integrar aspectos, partes que antes andavam soltas, sem lugar.

A peça me remeteu, diretamente, a essas práticas, a essas possibilidades de se auxiliar o outro mediante práticas teatrais.