segunda-feira, 17 de março de 2014

Priapo interrogado por uma mulher: "Por que vocês (homens) são tão egoístas?" uma pergunta para além da biologia.

Ela me olhou, diretamente, nos olhos. Um olhar penetrante como uma adaga cigana.  Um olhar que escondia uma fúria contida, reservada, indignada. Um olhar que era na verdade, uma unhada, um estrangulamento. Em meio a esse olhar, ela lança a pergunta: por que vocês homens são tão egoístas?

Desviei o olhar como faz todo bom covarde. Busquei ar como tenta um afogado num último suspiro. Busquei encontrar refresco, fôlego como um boxeador nas cordas. Mas, não tinha jeito, ela me nocauteou. A pergunta não desgruda de mim, não sai de mim. Ficou impregnado em tudo o que eu sou, ou em tudo o que eu era. Depois de perguntas como essas, não voltamos a ser como antes, pelo menos, não de imediato. Algumas perguntas mudam nossa forma de ver o mundo. Ou nem tanto.

Nem tanto, porque fui remetido a Priapo e o seu pênis gigantesco. O seu desejo dionisíaco de devorar a existência, de possuir o infinito. O seu falo fascinante que hipnotizava mulheres, seduzia donzelas. Essa figura mitológica que tanto nos diz sobre o egoísmo masculino. Egoísmo que vou identificar, rapidamente e sem muito aprofundamento ao conceito de "vontade de potência" de Nietzsche. Não consigo parar de observar a relação entre o conceito do filósofo alemão com esse ente biológico, que por vezes, parece ganhar vida própria, destinação autêntica e cotidiana. 

Minha sorte foi que ela perguntou sobre nós homens, assim, eu pude fazer uso de toda biologia masculina, na verdade, de toda biologia animal. No entanto, o fato é: se o nosso egoísmo no caso especifico sexual, é fator sine qua non no mundo da selva, ele não se justifica no mundo da cultura. Pelo menos penso que não.
No mundo da cultura, na construção simbólica de referências e significados, nosso egoísmo é a prova cabedal do machismo. Seja o machismo de homens, ou de mulheres. É o machismo de fazer do outro não objeto do nosso gozo, algo natural, no mundo da cultura; mas fazê-la menos do que isso ao privá-la de nos deixarmos permitir ser objeto do outro. O filho de Dionísio (Priapo) retorna com toda sua força, mas para nos levar em direção a horda. A mesma horda que vislumbramos nos estupros coletivos praticados na Índia. Mas, se nas regressões à "barbárie" das orgias dionisíacas as mulheres tinham lugar para o gozo, para o prazer, ao que parece, na cultura que erigimos,  condiciona-se as mulheres a submeterem-se ao eterno não gozo, ao eterno não prazer, ao permanente não realizar-se. Enquanto que nós homens podemos transitar entre o retorno à horda ou se desejarmos uma barbaridade mais confortável, submeter a mulher ao mundo da cultura e da civilização, isto é, o espaço do não ser sexual. Mas, se esse é o dilema, como se encontra solução? Qual é a solução?


A biologia masculina, mais precisamente, do macho é diferente. Somos encantados pelo nosso esperma. Não o esperma em si, mas aquele procedimento que nos leva a sua produção e ao seu derramamento. Essa potência fertilizadora espalhada pelo cosmos e potencializada ao infinito é algo fascinante, tenhamos ou não consciência disso. Da primeira masturbação até o momento no qual o ato sexual é mera lembrança, recordação, nostalgia, todo fazer sexual dos homens se direciona ao derramamento, ao orgasmo, ao gozo. Sexo para nós tem como meta, as vezes missão, gozar. E quando encontramos a forma que nos possibilita isso, não a retardamos, pelo contrário, aceleramos o processo. E quando atingimos o objetivo, um relaxamento natural acontece e tendemos a quietude. No mundo da cultura isso pode ser observado como sendo egoísmo puro, mas no da natureza, absolutamente natural. O ponto é que seja na natura dionisíaca, seja na cultura a vontade de potência dos homens permanece. Essa é a nossa força e o nosso encantamento, nosso deslumbramento e também nossa perdição. 

Nas mulheres essa relação é obnubilada, literalmente, e não apenas. Primeiramente, porque mulheres são/foram ensinadas a não gozarem, não poderem ter orgasmo. Mulheres por muitos séculos não podiam se tocar e encontrar prazer na vida, menos ainda no ato sexual. Poderíamos dizer que isso é coisa do passado, mas... ledo engano. A culpa persiste, existe e parece que cada filha de Eva nasce com essa ferida aberta. Enquanto a anatomia masculina nos dota desse princípio ativo, dominante, externo a anatomia feminina se mostra escondendo, se revela ocultando. Se faz semelhante a uma fenda passaporte de emancipação em algumas, ferida e dor de morte, de culpa para várias. Em algumas, essa ferida, vai se abrindo e estanca, em outras, vai se fechando e se faz hemorrágica. Estou pensando na percepção interna, intima, que cada mulher vai ter da sua vagina e em sua relação com ela e o mundo.

Mas, a dificuldade de encontrar o gozo, o orgasmo, enfim o "egoísmo" do prazer,
caminha na direção das próprias mulheres saberem qual a finalidade do ato sexual. Se realizamos essa pergunta a um grupo de dez homens 12 dirão gozar. Num grupo de dez mulheres teremos vinte respostas diferentes. Vinte, porque a cada duas, uma muda de resposta de acordo com a lua. Umas responderão mexendo os ombros e a cabeça: “sexo não tem finalidade”. Outra numa resposta próxima a da primeira dirá: “ a finalidade do sexo é não finalizar nunca.” Uma terceira dirá tentando ser pragmáticas: “companheirismo”. Uma quarta: amor. Ouviremos milhares de respostas, mas quase nenhuma: gozar. Seja por medo, seja por culpa.



Tudo leva a percepção que o orgasmo para os homens é uma meta, já para as mulheres é um meio, por vezes, até um acaso. A maioria delas reconhece um prazer igual na satisfação do parceiro, namorado, amante do que no orgasmo em si. Uma grande parte tem culpa em alcançar o prazer orgástico com alguém que não se ama e não conseguir o mesmo feito e efeito com alguém que se ama. Situação impensada a grande parte dos homens.

Por outro lado, mulheres que sabem como chegam ao orgasmo, direcionam os parceiros para determinados pontos, toques, encaixes e deixam claro isso: "assimm, assimmm, aí, aí, não pára, não mexe. Vai. Mais forte. Mais rápido". Enfim... Elas têm o mesmo "egoísmo" masculino de em determinado momento se perder do outro, ir embora sozinho, sem medo de não ter como voltar. Elas têm aquela vontade de potência de se realizar, se afirmar, ser. 

E aqui é o conflito. Permitimos as mulheres terem esse "egoísmo"? Terem esse prazer individualista, de olhar apenas para si mesma e se permitir, se deixar, ir... mesmo sabendo que foi com a ajuda do outro que chegou-se até lá, mas em determinado momento é preciso largar da mão dele? Talvez sustentar isso seja a grande pedida e o grande ensinamento. Talvez seja esse aspecto, ranço que trazemos desde a horda, passando pela natureza e chegando a cultura. Nosso princípio de potência permanece ativo. Nossa identidade masculina se faz nele, seja enquanto machos, seja enquanto homens.  

A leitora atenta chama minha atenção dizendo que desviei a resposta de uma solução para as mulheres e não respondi a pergunta que cabe a nós homens: afinal, porque somos tão egoístas?

Tentei uma explicação, uma alternativa, mas tenho que reconhecer e comentar que no mundo da cultura, essa justificativa não cabe, não se legitima, seja por amor, seja por cumplicidade, seja por parceria. O sexo é um prazer e como todo bom prazer, ele é compartilhado. É impensado no mundo masculino, num relacionamento entre homens/iguais, somente um ter prazer sempre. Não estou pensando no ato genital, estou pensando em uma ida ao bar, numa pelada de futebol, num universo de compartilhamento masculino. Nesse universo o mais natural é a troca, o compartilhamento; hoje eu pago a conta, amanhã é você. Hoje meu time ficou mais forte, amanhã é o seu. Não se sustenta nenhuma relação entre homens na qual um leva vantagem sempre, ou ganha sempre, muitíssimo pelo contrário. A solidez das amizades masculinas esta intricada nessa igualdade dos dois se darem mutuamente, na mesma intensidade, com a mesma medida. No entanto, quando nós homens nos relacionamos com as mulheres isso escapa. Poucos de nós estabelecem essa relação de parceria e cumplicidade com as mulheres. Sexualmente então fica-se ainda mais difícil. 

Quando muito, pergunta-se para a parceira, namorada, amante, esposa: “gozou? Ou foi bom para você?” E com isso deseja-se mais sondar a performance do que se ela se divertiu também no ato. Assim, se pensarmos o sexo como uma diversão, como um prazer compartilhado, nosso egoísmo é feio, grotesco, nojento, abjeto. E no fundo, talvez, ele esteja dizendo, mesmo quando o texto diz o contrário: “o dever da mulher é dar prazer ao homem”. O lugar das fêmeas é submeterem-se completamente aos machos. Nessa lógica toda mulher é prostituta, ou menos do que isso, é coisa mesmo. É objeto de uso descartável. Na verdade, é menos do que isso. É um lugar de desvalia, de desqualificação. É um lugar claro para homens e mulheres. Um lugar que precisamos começar a mudar, a alterar. Um lugar que quando mulheres no melhor estilo Lilith mudam a posição levam a maioria dos homens a "impotência da ação". Essa impotência diz respeito ao receio, ao temor, a dificuldade de lidar com uma situação na qual a outra se faz igual, se iguala no discurso, no poder, na vontade de potência. Não como Priapo e o seu falo imenso. Mas, como desejo úbere que umedece o infinito para a existência ser fecundada. Essa parceria esta se construindo, mas ainda assusta. Sendo que quando focamos apenas o ato sexual, quando por anos a fio, transa a transa, não compartilhamos o gozo, o orgasmo com a parceira, a esposa, a mulher, a amante, o que inconscientemente estamos dizendo, tenhamos mais ou menos clareza disso, é que cada mulher é menos do que somos. 

Enfim.... Como não tenho justificativa válidas para o mundo da cultura, só posso pedir desculpas. Só posso fornecer meios para que em cado ato sexual e não apenas nele consigamos criar a relação de desejo, prazer mutuo. Onde cada um de nós brinda o outro com sua vontade de potência, com seu desejo de desejar o outro e o infinito. Queria assim, me desculpar em nome de todos os homens, os que já gozaram e não gozam mais, os que gozam, os que vão gozar. Mas, mais do que desculpas sugiro promessas, novos desejos, novas fertilizações, uma esperança de que nosso gozo seja como um gol: aquela sensação orgástica de se abraçar o estranho(a). Aquela sensação coletiva, dionisíaca de se comemorar e compartilhar a alegria, o entusiasmo que o gol provoca, que o orgasmo proporciona. Estabelecendo uma relação de parceria, cuidado, respeito, amor, inclusive no ato sexual. Na atenção da parceira, namorada, amante, esposa, encontrante; mulher. Espero levar essa alegria ao encontro da Primavera. Esse prazer de comemorar um gol juntos, abraçados. Esse prazer que deve ter tido Dionísio e Afrodite ao gerar Priapo. 






quarta-feira, 5 de março de 2014

A DANÇA: relacionamentos



Poucas pessoas trataram com tamanha elegância os dilemas da permanência e da mudança quanto Milton Bonder em “A Alma Imoral”. De uma maneira inusitada, ele mostra a busca do corpo pela permanência, pela manutenção, na sua aposta de transcendência pela perpetuação de si mesmo- a reprodução. Por esse apelo, segundo o rabino, o corpo é a tradição. Aquela que mantém as coisas como estão, que luta para deixar e manter as coisas como são. Nossa fidelidade ao corpo se mostra na fidelidade aos ritos, a cultura, as construções da civilização nos seus momentos de perpetuação.

Paralelamente, a essa condição de permanência a necessidade de irreverência, a postura iconoclasta da cisão, da fissura, da ruptura. A alma seria e é aquela que rompe com a tradição, que tenta ajustá-la ao tempo, ao agora, ao momento. O corpo é o passado e o anseio futuro. A alma é o presente, é o agora. É o significado e o sentido da existência. Por tudo isso a alma é transgressora, imoral. A sua transcendência se faz na plenitude do agora.

Estamos diante de uma contradição clássica, mas que elegantemente, muitas vezes à Nietzsche, Bonder desnuda a alma, aclara o corpo, nos mostrando como somos seres que a todo instante nos perdemos na ruptura e na permanência. Mas, escrevo tudo isso para falar de relacionamentos.

Quando estive fora tive o prazer de ficar na casa de quatro casais. Cada um com sua dinâmica, cada par com seu ritmo, sua dança, seus equilíbrios, suas tentativas de permanecer dançando essa música invisível e por vezes inaudível. Música que ora é da vida, ora é de cada um de nós. Música que por vezes é harmônica a do outro, outras vezes desafina e não se harmoniza com a do outro. De todo modo, o que observei nos casais mais felizes é que eles nunca deixaram de ser namorados e nos casais mais taciturnos é que o espaço para o namoro havia se fechado.



Chamo de namoro o prazer que cada um mantém de dançar o ritmo que o outro propõe. O namoro é esse equilíbrio alegre de bailar sem exigir partitura, roupa apropriada, local preparado. O namoro respeita o improviso e o inesperado como quem abre os braços para acariciar o vento. O namoro é o espaço no qual cada um pode ser um e ainda é acolhido pelo outro, recebido pelo outro. E, tudo isso é diferente dos casais que perpetuam a imagem congelada do que foram.

Imagem congelada é aquela percepção, entendimento que se guarda do outro, que aprisiona o outro, que não permite ao outro mexer um milímetro fora dessa imagem que nós construímos na nossa cabeça e não deixamos o outro escapar. Imagem congelada é a camisa de força que colocamos o outro. Ela é mental, emocional, invisível, mas muitas vezes perceptível.

E aqui retomamos a ALMA IMORAL. Estamos diante do nosso medo de mudança. Queremos tanto o outro, a imagem do outro, que não o vemos mudando diante de nós, dos nossos olhos. Reclamamos e clamamos a este outro que ele volte a ser o que ele era, mas como isso é possível? Como impedir o outro de crescer, ser, mudar, se é essa a essência da vida, seja enquanto alma, seja enquanto corpo, seja enquanto congraçamento desses dois aspectos? Na verdade, porque tememos tanto as mudanças, especialmente afetivas?
E o que vejo nas separações ora são as traições, o terceiro(a) que surge no meio da relação, ora são esses afastamentos que vão aumentando, ampliando até um momento no qual a distância se faz abissal, sepulcral. E o que fazer?

Aceitar a dança da vida. Aceitar o bailar do outro. Aceitar as alternâncias de ritmos. Quando não for possível aceitar determinados ritmos que o outro evoca, ser claro o suficiente para alertá-lo que ali, ele(a) deve bailar sozinho. Dar e garantir o direito a individualidade para que a alma não se ressinta e que a dinâmica do casal não se anule. Em casos mais extremados, serem capaz de dizer que houve incompatibilidade rítmica e agora nada mais resta a cada um, do que encontrar novos bailados.


Mas, de forma alguma, deveríamos desqualificar os movimentos que realizamos, os passos que damos com esse outro(a). Menos ainda deveríamos impedir o outro de ser o que ele é, o que ele pode ser, porque fizemos dele(a) uma imagem nas nossas cabeças.  

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Feminino

ACOLHENDO O FEMININO.

Este é o nome que Beatrice (entidade espiritual) pediu para que déssemos ao nosso trabalho que aborda uma entrada no campo emocional. Mais do que entrar no campo emocional, o trabalho tem como sentido abraçar, recepcionar nosso aspecto feminino.

Beatrice tenta mostrar que o feminino não é a mulher. O feminino passa pela mulher, corresponde a ela, mas não a define propriamente dito. Numa leitura bem próxima a analítica, ela tenta salientar, que os homens também possuem o feminino- anima. Assim, como as mulheres possuem o masculino- animus; sendo um equivoco apresentar uma oposição entre o masculino e o feminino nos moldes de homens contra mulheres. A questão é outra.

E é nesse outro que ela abre as portas para os campos social e existencial, nos mostrando, como apartamos essa energia de nossas vidas. De como, sejamos homens ou mulheres, separamos o feminino de nossa convivência. De como espezinhamos, desprezamos, ignoramos esse feminino de uma forma ruidosa, desrespeitosa, negligenciando tudo o que corresponde a esse princípio que os taoistas denominaram muito bem como Yin. 

Assim, acolher o feminino é a um só tempo abrir espaço em nossa subjetividade, em nossa interioridade, como também permitir que ele adentre o social, a sociedade, as nossas formas de fazer e de se relacionar. Permitir o feminino em nós abre campos e espaços para ele ocupar um lugar no mundo. 

Essa manifestação que podemos sentir e visualizar em alguns atos, salientam que fazemos o mesmo só que de forma diferente. Na lógica binária do pensamento yang, do terceiro excluído como premissa inevitável, abre-se espaço e lugar para uma lógica na qual o diferente se faz igual. Não em uma igualdade normatizadora e sim numa igualdade em que se respeita a diversidade, a alteridade, o não eu, com sua singularidade repleta de direitos e significados como a minha. 


No campo familiar avistamos a figura paterna demonstrando afeto, emoção e cuidando dos filhos não no sentido de proteção, mas de carinho, afetividade. Em vários lugares, essa força começa a se fazer notar, o que não a impede de ser rechaçada, discriminada, especialmente quando ela desponta em homens. Afinal, como lidar com a própria doçura? Como lidar com a própria candura e ternura sem ser taxado de homossexual? E, nada contra a homossexualidade, que em parte é uma manifestação desse mesmo principio feminino que falamos, mas aqui numa esfera que não se faz genital; sexual ela sempre é, por isso assusta tanto. 

Nessa ótica, Beatrice nos mostra que acolher o feminino é receber nossa subjetividade, nossa afetividade, nossa interioridade. Parece simples, mas pouco de nós damos espaço para isso. Poucos de nós lidam com o campo emocional com a mesma seriedade que damos ao corpo físico e ao corpo mental. Pouco de nós prestamos atenção ao nosso prazer, ao nosso desejo não por sexo em si, mas pelo gozo, esse prazer mais prolongado, mais demorado, mais compartilhado. O gozo é o prazer da alma, na alma. É o roçar sussurrante do espírito. E nossa sociedade, cada vez mais hedonista e sexualizada, se faz menos amorosa, porque o amor é o gozo supremo, mas nosso desejo é pelo prazer rápido- fast-food (foda rápida). 

Sem lugar para o afetivo, para o emocional, os prazeres são furtivos, breves, rápidos, desencontrados, desmotivados e nada contra, mas é o prazer que não alcança o gozo. É o prazer que rapidamente chega à finalidade- a ejaculação- mas não chega ao sentido. Talvez, porque, o sentido, o sentir, não possa ser dado nem na racionalidade estrita e nem na instintividade básica. Talvez, porque o gozo se de no encontro de dois, na criação do três, na aceitação do quatro, na confluência dos muitos.


Acolher o feminino é então uma dinâmica, uma oficina que desenvolvemos com o sentido de nos movermos, ou melhor, de percebermos o nosso movimento amoroso, sossegado, tranquilo, calmo, paciente, que nos possibilita acolher partes nossas, aspectos nossos que não escutávamos, não ouvíamos, não damos atenção, mas que tem coisas importantes a nos dizer. 





segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Peter Pan x o adulto

A CRIANÇA INTERIOR: o adulto contra Peter Pan.



Uma restauração do mítico, do imaginal e do arquetipal supõe uma descida ao interior do reino infantil da criança. A nossa consciência, fortemente centrada sobre o eu, a coisa que teme mais é uma tal descida. O pior insulto é alguém passar por ‘imaturo’, ‘acriançado’, ‘infantil’. Nós inventamos portanto todas as espécies de medidas para nos defender contra a criança – e contra o fantasma arquetipal. Nós chamamos a essas defesas a consciência do eu forte, madura e desenvolvida.

A citação é forte, clara. Todo nosso desenvolvimento se faz enquanto negação da criança que fomos. Ser adulto passa mais por adulterar essa natureza infantil do que amadurecer. Preocupamos muito mais com esse adulterar, esse trair o que há de mais simples, conectado a valores nobres em nós do que de fato amadurecermos seja psiquicamente ou não. 

Isso me faz pensar no termo adolescente, adolescer, que simboliza um ritmo, um processo de crescimento do indivíduo demarcado não pela cronologia, mas por um estado interno de interação. A adolescência mais do que uma fase, representaria um estado, uma forma de estar desenvolvendo o ser. Todavia, infância e adolescência são duas fases vivenciadas como algo a ser descartado, superado, alterado. Uma concepção que está ficando cada vez mais célere, conclamando a todos a serem jovens eternamente

O ponto que queremos tocar nesse post é o de pensarmos a infância como um processo de crescimento- adolescer- no qual culmina em um adulto capaz de não trair a criança que ele é. Um adulto capaz de adolescer suas crises de insegurança, possessividade, rejeição, abandono sem culpar o mundo e o outro por isso. Um adulto que se faça um ser humano melhor durante todo o seu processo- adolescer. 

Em certa medida podemos insinuar que é apontando essa direção que o Mestre da Galiléia adverte seus discípulos dizendo: “Em verdade vos digo que, se não converterdes e não vos tornardes como criança, de modo algum entrareis no reino dos céus.” É em certa medida a isto que Jung está explanando na sua citação acima também.

Psiquicamente, a criança alinhava nossas carências emocionais mais recônditas com o adulto que somos, com as coisas que fizemos e fazemos. Em nada, um se distingue do outro. E, talvez para pensar todo esse cenário, nada mais ilustrativo, do que a figura de Peter Pan. Há uma síndrome com esse nome que se refere a pessoas que se recusam a crescer. É uma analogia fantástica, muito condizente com a proposta dos quadrinhos.

Nessa analogia, portadores da síndrome de Peter Pan seriam adultos que se recusam a crescer, que se recusam a viver o mundo dos adultos, o mundo real, concreto, objetivo. Outro lado mais acentuado da síndrome, segundo os psicólogos, seria a infantilidade emocional. A tese é boa, forte, creio que um olhar mais apurado identificaria muitos casos, mas será que esse é o único olhar possível para Peter Pan? Esse olhar não pode ser considerado uma critica mais dura a própria criança e a infância? Por diversos motivos penso que sim e tento mostrar.


I

Recordo-me de um dia, lá pelos meus onze, doze anos, sem saber como, surgiu uma revistinha que contava a história desse personagem. Nunca gostei de gibis, mas esse eu li em uma sentada. Fiquei encantado com a Terra do Nunca. Esse espaço no qual nenhum adulto entra, acessa. Fiquei ainda mais extasiado, porque ele batia na janela das crianças e elas saiam voando.

Tudo isso me fazia recordar os meus amigos que chegavam a noite até a cabeceira da minha cama tendo atravessado as paredes. Amigos que estiveram presentes durante toda a minha infância e que naquele momento, tinham reduzido a presença deles perto de mim. Recordo-me que eles me pegavam pelas mãos e saiamos voando ora furando o teto, ora atravessando janelas. De forma que “A Terra do Nunca” para mim nunca foi uma fantasia, uma ilusão. Peter Pan nunca foi um ser que se recusou a crescer, ele era a personificação dos amigos espirituais que me visitavam. E, parte desses visitantes os reconheci como sendo entidades que trabalham comigo há décadas, mas também como filhos, sobrinhos que hoje encarnaram e largaram a Terra do Nuca. 



Assim, para falar de Peter Pan, para ser justo com tudo o que acredito, só posso escrever isso sobre outra ótica, uma versão que contraria a interpretação psicológica na sua concepção inicial, mas estreita diálogo com ela mais no fundo, vejamos.

A representação psíquica estendida para Peter Pan é a de que ele é uma criança que se recusa a crescer e quer de todas as formas, de todos os jeitos busca parceiros para não ficar completamente só. Peter assim é associado a adultos que fogem das relações afetivas, emocionais, profissionais, recusando-se se tornar adulto e ser adulto. De certa forma isso pode ser observado em várias pessoas. O que filosoficamente me ocorre é a possibilidade de existir Peter em cada um de nós. Não completamente, como em alguns, mas em alguns pontos. E é esse Peter Pan que nos mantem saudáveis psiquicamente. É a terra do nunca em cada um de nós, seja lá a forma com que cada um lida com ela, que nos mantém vivos, felizes, saudáveis.

O que chamamos de crescimento, de ser adulto é algo que em suma perverte e mata a criança na sua beleza, humildade, sinceridade, espontaneidade, veracidade; mesmo quando mente, tenta enganar, se envaidece. De modo que acho possível ler Peter Pan, a Terra do Nunca como, respectivamente, nosso amigo espiritual que não precisa mais de reencarnar e nem quer reencarnar e a nossa casa espiritual.

Veja que pode parecer então imaturidade, mas no caso não é. Muitos de nós não queríamos reencarnar e viemos porque tínhamos algo a oferecer, a ofertar e principalmente a ganhar. Os amigos que ficaram nunca nos deixaram sozinhos, eles sempre estiveram e estão conosco, brincando, cantando, se divertindo, sem perder o senso de humor, sem perder a humildade, sem deixarem de ser espontâneos, sinceros, verdadeiros. Eles são Peter Pan. E alguns de nós já fomos, desejamos ser. Em certa medida é nossa destinação, pelo menos é assim que iremos interpretar a fala do Mestre da Galiléia: “em verdade vos digo que não serdes como essas criancinhas, não entrareis no reino dos céus.”

É a essa circularidade psíquica que Jung apostava uma integração. Sermos capazes de mesmo adultos manter a nossa criança interior, que em outras palavras representa nossa espontaneidade, humildade. A criança interior é a nossa parte pura, integra, incorruptível que não se esquece de onde veio, não se esquece de quem é, mesmo que ela não saiba definir, classificar como somente o adulto vai aprender mais tarde. A criança interior é a parte que nos mantém em contato com nosso Eu Superior, nosso Anjo da Guarda, Mentores Espirituais, Gurus, Centelha Divina dêem o nome que acharem relevante, a essa fonte de água limpa. Independente do nome, é ela que nos propicia parte significativa da nossa cura psíquica.

É a nossa criança interior que nos leva a conectar com o Sublime, com o fantasioso, com o invisível. É ela que melhor representa e simboliza nosso conceito de fé: acreditar naquilo que não se vê, para ver aquilo que se acredita. Essa confiança e entrega a essa força sem duvidar por um segundo é a criança interior que proporciona. E fico pensando que toda a nossa jornada da infância a maturidade é o percurso interno de retornarmos essa confiança, de restabelecermos essa conexão.  

De forma que se no plano material ser Peter é uma maldição, um estrago, já que representa uma eterna criancice, uma perene meninice, no plano espiritual não há nada além para ser alcançado. Sendo que a tristeza, a recusa de Peter Pan não é a de crescer e sim a de reencarnar e deixar para trás sua verdadeira identidade.


E é a formação dessa identidade que é o ponto de discussão. Temos educado para negarmos nossa identidade. Cada vez mais cedo estamos ensinando identificações na qual a criança se perde, é corrompida e com ela a nossa conexão com a fantasia, com o invisível, com o sublime. Ao ferirmos a criança interior, ao alijá-la da sua fonte de conexão perdemos a humanidade, ou melhor, aquilo que nos torna humanos.






sábado, 18 de janeiro de 2014

Criança Interior


"Em todo adulto espreita uma criança - uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo, e que solicita, atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa"Carl Gustav Jung psquiatra suiço (1875-1961)

A ‘criança interior’ é um ente complexo já que se mistura, se confunde, se esconde na criança que fomos. Como, biologicamente, a infância passa, acreditamos, piamente, que essas marcas do interno foram apagadas, esquecidas, superadas. O que queremos destacar é que a complexidade desse movimento evidencia que a idade cronológica em nada tem a ver com a idade psíquica, mais precisamente a idade emocional. Aquilo que fomos, que experimentamos de fato, que vivemos mesmo, se confunde e mescla com o que fizemos, como lidamos, como percebemos cada um desses acontecimentos. O real e o imaginário se coadunam.


Emocionalmente, a maioria de nós, não saiu da infância. Por isso lidamos tão mal com a separação, a traição, as conquistas, o poder. Em cada uma dessa e outras situações retorna a nossa mente o sentimento de abandono, desamparo, fraqueza, impotência experimentado na infância. Em cada uma dessas e outras situações, não é o adulto que está na situação e sim uma criança assustada, indefesa, desamparada. É ela que imerge do fundo de nós mesmos e tenta dar conta da dor de antes. É nesse irromper, é diante dele, que pensamos em uma maturidade emocional. Muito diferente da que reputamos importante, se tornar adulto, isto é, adulterar a criança. Corromper o que tem de mais puro e melhor em nós.

Assim nos colocamos diante de duas posições: a criança e a infância. Vamos tratar a criança como um ente real, objetivo, transitório, algo que fomos. Já a infância é um componente subjetivo, imaginário, por vezes fantasioso. A criança interior é esse ente que pode ser localizada dentre de um tempo cronológico, situado, ao mesmo tempo em que vivencia o não tempo, o não lugar do imaginário. De forma que embora desprezada, ignorada, ela dita as regras de funcionamento interno da nossa psique. Ela é uma das peças chaves dessa engrenagem.

A proposta junguiana, ou melhor, a idéia da citação é encontramos esse espaço em nós. É nos abrirmos à sabedoria dessa criança interior. Ela é uma das peças de integração da nossa psique como temos comentado desde o post passado.



Historicamente, a infância é recente. Estas foram tratadas em nossa cultura ocidental como adultos em miniatura, desde a vestimenta até os hábitos e anseios. De modo que é recente o olhar que lançamos sobre a infância e as crianças. Hoje, elas denotam uma fase especial, um momento único. Em todo o reino animal, em toda natureza, a ‘infância’ dura meses, poucos e escassos anos. Biologicamente, em poucos meses, as crias são adultas e podem até mesmo reproduzir tendo os seus progenitores. Nos homens a infância dura décadas e agora temos descoberto que ela não acaba, não cessa, não finda, ela perdura dentro de nós até que consigamos realizar uma aproximação do nosso adulto com essa criança interior.

II

E as formas com que a vida nos coloca diante dessa integração, desse reencontro são inúmeras. A mais comum é nos tornando pais. Quando nos tornamos pais, mais do que educar os nossos filhos, nós estamos nos educando. Estamos aprendendo a lidar conosco, a enfrentar nossas carências, nossas angústias, nossos vazios. A vida nos dá a chance e oportunidade de suavizarmos onde fomos severos, de endurecer onde fomos mole.

Essa sabedoria da vida é formidável e sensacional, porque enquanto acreditamos que estamos realizando algo pelo outro, fazendo pelo outro (filhos), sendo importante para esse outro, a vida está nos dando a oportunidade de nos reinventarmos, de unir as linhas da história que rompemos por um lado, ao mesmo tempo em que podemos romper completamente com outras.

Todos nós que somos pais dizemos: “não farei com meus filhos o que meus pais fizeram comigo. Ou farei para os meus filhos, o que meus pais fizeram por mim.” Em cada uma das situações temos o ensejo da tradição e traição (Bonder), da permanência e da ruptura com nossa história, com nossa jornada. Mas, independente dessa relação, o movimento que esta se dando, é uma conversa, um diálogo entre o adulto e sua criança interior. É assim, que ao nascer um filho muitos pais se renovam, se remoçam, se desarmam, se abrem para vida. É assim também que muitos se fortalecem, se armam, se fecham, parte para o mundo para trazer o sustento a esse novo ente. A criança física renova todas as crianças que foram e não estavam sendo. O nascimento de uma criança embala e reestrutura toda energia da família. É um processo belo, lindo.

Pelo menos é essa visão que psicólogos e terapeutas recuperam quando olham para dentro dos seus partilhantes. Embora, eles estejam de frente para homens, mulheres, jovens, nas mais diversas idades, sobrepostas holograficamente a cada um deles, têm uma criança querendo falar, dizer, se expressar. A construção do nosso caráter, da nossa estrutura de pensamento dialoga estritamente com a criança que fomos, com a infância que desejamos, com aquilo que não gostaríamos de ser. Toda essa miscelânea junta, reunida nos coloca frente a frente ou de costas a educação, a formação que recebemos e o que fizemos dela. Essa atemporalidade psíquica é ‘absurda’, mas ajuda a mostrar a outra lógica que cerca o universo psíquico. Das brincadeiras de vencedores e vencidos, polícia e ladrão, passa-se as competições por melhores cargos, salários, status, reconhecimento. De brincadeiras com bonecas passa-se a criar filhos, de brincadeiras com carrinhos passa-se a adquirir, trocar, acariciar, preservar, carros de verdade. Em cada uma dessas interações tem uma criança atenta, conduzindo o adulto no seu fazer e no seu realizar. Ela esta presente dando confiança, pedindo confiança, mas quem escuta criança? Quem dá atenção de fato aos desejos de uma criança? Nós as cercamos de cuidado, de preocupação, de atividades, mas damos pouca atenção, no sentido de suprir o real desejo. Escutamos e sabemos pouco sobre o que de fato queremos, desejamos, menos ainda as crianças. Tudo isso nos direciona para os modelos educacionais.


III  

Acreditamos que sabemos o que é melhor para as nossas crianças. Acreditamos nisso, porque somos adultos e temos o dever de conduzi-las para onde não chegamos, evitar que elas passem por aquilo que passamos. Perceba que já não se distingue mais a criança interior, um ente fabricado por tudo o que fomos, fizemos, deixamos de fazer, gostaríamos de ter feito, nos impediram de fazer; com a criança real, resoluta, histórica que fomos e deixamos de ser. Todo nosso processo de crescimento se faz em oposição à criança real e imaginária que somos. Crescer é negar-se como tentarei abordar no próximo post ao tratar de Peter Pan. Crescer é se afastar daquilo que se é para se tornar aquele ou aquilo que modelaram como sendo melhor para nós. Nós, enquanto individuo familiar, nós enquanto sujeitos, fruto de um tempo e um espaço determinado. Sendo que os processos familiares e pedagógicos castram a infância. Robotizam o ser.

Como professor de Filosofia observo isso constantemente. A maioria dos alunos passa a vida na escola sem jamais terem feito uma pergunta ao professor, saem da escola repletos de dúvidas, porque tem medo e receio de perguntarem. Não conseguem compreender a Filosofia, porque ela na sua ‘atitude filosófica’ enseja que sem perguntar: o que? Como? Por que? não nos Espantamos com o mundo, com o ser, com as coisas. Sem esse Espanto, esse “pasmo original”, não se faz ciência, filosofia, arte, porque elas nascem do Espanto/Thauma, da simples capacidade infantil de indagar, questionar, inquirir, buscar. Assim, essas três perguntas naturais em toda infância, comum para toda criança, enfadonha para cada pai cansado, torna-se o início da castração. Primeiro pelos pais, que cansados com essas perguntas infindáveis, encaminha o filho para escola. Junto ao encaminhamento vai a orientação de que é no espaço escolar, junto a coleguinhas e professora que essas perguntas são e serão respondidas. Essa ilusão perdura até o terceiro questionamento curioso, infantil do aluno(a) e a ira da professora mandando ela(e) calar a boca, prestar atenção e aprender aquilo que para ele(a) não tem sentido, importância, significado. Ele é ensinado a não perguntar, a não questionar, a se conformar com o dado, com o posto, mesmo quando sabemos que toda descoberta, toda criatividade saiu justamente de um novo olhar sobre o dado. Onde todos viam igual um viu diferente e revolucionou nossa percepção. E a revolução não veio de uma resposta, veio de uma simples pergunta. Por exemplo, foi a pergunta de Newton: “que força é essa que atrai os corpos em direção ao seu centro?” Foi a pergunta de Einstein: “será que a queda de um corpo é igual para quem esta caindo e para quem esta vendo?” Foram essas perguntas ridículas, que qualquer estudante médio tinha a resposta, que revolucionaram nossa forma de ver o mundo. Eles estavam diante do mesmo, eles sabiam as respostas oficiais, mas desconfiaram dela, desconfiaram do mundo, desconfiaram de todos, apostando na criança interior delas e no universo de Deus. Tentaremos falar dessa integração quando tratarmos do Peter Pan. De como se deixar fiar por essa criança interior é a fonte de segurança, coragem e criatividade que temos em nós.

De modo que a escola longe de potencializar o desenvolvimento da criança interior se faz o espaço da castração, eu a vejo por anos. Nenhum lugar privilegia tanto a burrice quanto a escola. Nela não há lugares para perguntas novas e sim para as respostas de sempre, de ontem, que mantiveram a escola onde está e como esta. Esta é a mesma situação das religiões, assim como do espaço familiar. Não é de graça que são instituições em crise, elas não acompanham as mudanças, elas não abrem espaço para a espontaneidade, o inusitado, o casual, o imprevisto, o inesperado. Ela não dá condições de cada um ser visto como si mesmo.

Para finalizar essa parte, atualmente, nas escolas de BH estão achando avanço pedagógico ensinar crianças de 3 anos reconhecer o alfabeto, ler aos cinco, estar alfabetizada aos seis. Essas crianças que deveriam estar brincando, cantando, dançando estão aprendendo algo que se elas aprenderem seis anos, cinco anos depois não vai fazer nenhuma, absolutamente, nenhuma diferença na vida delas, aliás, a única diferença é que elas não terão tido a infância estuprada.

IV

Enfim, de modo geral, nós evoluímos. Combatemos as violências físicas, por vezes psicológicas realizadas contra as crianças reais e isso é um avanço. Mas, no que se refere às violências contra as crianças interiores estamos mais distantes. Porque, de modo geral, para se proteger a criança interior tem que se insuflar de um amor por si mesmo, por um respeito pelo que se é, por um senso de honestidade, de moralidade que somente uma criança sabe ter e tem. E essa criança como vimos esta morta, desiludida, abandonada dentro da maioria de nós. É essa criança interior que conduz os adultos, nossa felicidade. 





domingo, 12 de janeiro de 2014

Unificações ou tentativas



Alguns usos, termos, conceitos não sabemos ao certo de onde vêm, como nascem. O termo ‘criança interior’, ‘feminino ferido’, ‘sombra’ fazem parte desse jargão. Já ouviram falar disso?

Alguns sim, outros não. A maioria deles deriva, ou se fundamentam na analítica junguiana. Jung, um psiquiatra suíço, discípulo de Freud, para muitos o “príncipe herdeiro” buscou na mitologia, na filogenética e ontogênese coletiva o entendimento desses que se tornariam mais tarde conceitos. Partindo de estudos filológicos, mitológicos, psicanalíticos, o psiquiatra suíço encontrou ‘estruturas’ psíquicas que iam além do aspecto sexual demarcado por Freud. A tentativa de compreender esse espaço, esse território explorado pelas artes divinatórias (astrologia, tarot, I Ching), por loucos, filósofos, artistas, ajudaram a refletir a imagem de arcabouços psíquicos inerentes a todos os humanos, pouco explorado e abordado pela ciência oficial. Sendo que, a pouca exploração desses espaços acabam resultando no apartamento do individuo com o cosmo, nas doenças mentais, nas neuroses como diagnosticou Freud. Esse é um campo de muita pesquisa, de muita literatura, com muita informação que grande parte dos psicólogos possui.

Alguns devem estar se perguntando: ‘qual a importância disso na vida humana, concreta, palpável? O que muda na vida de alguém apropriar-se desses conceitos e conscientizar dessas experiências?”
E a resposta mais sincera é: tudo e nada. A) Nada, porque caso não saiba da existência desses conceitos, ou quaisquer outros de qualquer natureza, não muda o fato de que ele existe e que a pessoa pode saber lidar com ele muito bem. Como Krishnamurti enfatizou milhares de vezes: “a palavra não é a coisa.” Nós lidamos com essas coisas, independente de sabermos ou não. B) Tudo, porque se formos capazes de compreendermos o conceito, de observarmos em nós o fenômeno temos melhores condições de lidar com a situação. Exemplificando- a força que atrai os corpos em direção ao solo sempre existiu, mas é com Newton que a gravidade passa a existir. E de posse do conceito de gravidade fomos capazes, enquanto humanidade, de mudarmos nossa relação com o espaço, com a densidade, enfim, revolucionamos o nosso fazer no mundo.

E aqui estamos diante de um impasse. Epistemologicamente nós avançamos cada vez mais rápido e com mais segurança. Não sabemos para qual direção avançamos e menos ainda o que esse avanço representa, de todo modo, crescemos, expandimos no terreno intelectual, na área da informação. Proporcionalmente, no quesito emocional não avançamos. Não porque falta conhecimento é que o campo emocional é de fato encarado como sendo de menor importância e relevância. Os psicólogos, os terapeutas estão aí e não me deixam mentir. Parte do sofrimento humano é destratado, ignorado, subestimado, negligenciado porque não confiamos que exista ferramentas competentes para auxiliar e que esses ‘males’ são oriundos da mente/alma e não do corpo. Nessa direção de desconfiança se aposta na psiquiatria, ou melhor, na hipótese de que sendo o nosso corpo uma máquina, a psique não é nada diferente, de tal forma que se pudermos ajudar a fisiologia corporal fabricar os hormônios que lhes faltam, curaremos as doenças da mente, da alma. Nada mais lógico, mas nada tão falso. Assim, o universo emocional continua inexplorado, já que a natureza dele não é a mesma do corpo, pelo contrário até. O corpo como máquina é uma relação possível, mas a alma/mente como máquina é uma comparação equivocada que acirra a dor, o sofrimento.


A divisão entre corpo e mente se acentua. O corpo fica por conta da medicina e a mente/alma por conta das religiões. Os intermediários ficam sem um lugar, mais precisamente, ocupam um lugar que recebe a desconfiança dos doutos de um lado, dos religiosos do outro e o desconhecimento da população de forma geral. Afora esse lugar ingrato ocupado entre psicólogos, terapeutas, filósofos clínicos e tantos outros há entre nós a posição ora iconoclasta, de vanguarda que cai em rebeldes sem causa, ora a visão proselitista de que fora da ‘nossa abordagem’ não há vida inteligente e possibilidade de triunfo.
Mas, escrevo tudo isso, porque eu gosto das pontes, das travessias, da união entre os mundos, da complementaridade dos opostos. Gosto das combinações e do trabalho de mesclar, unificar, tentar deixar claro aos opostos onde eles estabelecem intercessões. E, agora estou na fase de buscar, pesquisar, explorar, estudar essa intercessão no espaço psíquico. Primeiramente, busquei isso no espaço religioso, depois no filosófico, em seguida no cientifico. A tudo isso resolvi denominar energético. Agora, há cinco anos, mais ou menos, três com mais dileção, tenho acompanhado o espaço psíquico.

II

O espaço psíquico é imenso, incomensurável. A cada movimento fico mais intrigado com o alcance desse universo. Mas, como um explorador, eu gosto é de verificar as fronteiras, os limites, precisar onde a savana se torna caatinga, onde o mar vira sertão, onde o cerrado se translitera. Foi por essas vias que me dediquei, pesquisei e estudei as fronteiras do espiritual. Passei uma boa parte da vida lendo, freqüentando esse universo espiritual tendo na Filosofia a ponte que me permite transitar entre esses universos, saber para onde apontam, conhecer os seus limites, mesmo quando afirmam não ter.

Concomitante a essa busca, sempre houve a das unificações e foi visitando o universo da Física que me ficou claro que elas não são apenas possíveis como são elegantes, no sentido matemático do termo. A história da Física, que tem sido o modelo de ciência e cosmovisão é a história das unificações: Platão (o ser e o não ser); Newton (mundo sub e supra lunar); Einstein (tempo e espaço); e agora a tentativa do campo unificado ou teoria de Tudo. Nesse olhar, meu orientador, um físico, me ensinou que o conhecimento se dá não meramente no acerto, mas na margem de erro. Quanto mais precisa a margem de erro, mais proximal o conhecimento. A busca então é pela margem de erro.

E dentro dessa margem de erro a pergunta inicial é: onde o universo espiritual, externo aos sujeitos se encontra com o universo psíquico, interno ao individuo? Na mesma linha e direção, onde e em que ponto esse espaço psíquico é espaço mental, corpo emocional? Essa tem sido a minha investigação, o meu olhar. Tentar compreender como que a partir do que espiritistas e espiritualistas denominam ‘freqüência e sintonia’ cada um de nós co-cria um universo envolta. E como que a partir dessa freqüência vibracional somos capazes não apenas de alterar a fisiologia mental, emocional do corpo, como também situações de nossas vidas (relação amorosa, profissional e tantas outras), como também em muitos casos, positivamente, ou não, a de outras pessoas.

De modo que esses espaços, esses lugares tem irrompido diante de mim em alguns atendimentos. Foi nisso que elaborei uma vivência denominada “ACOLHENDO O FEMININO”. A proposta era lidarmos com o feminino, independente do sexo. Perceber como que esse feminino esta negligenciado, excluído, sem lugar não apenas dentro da nossa sociedade, como que dentro de nós mesmos também e principalmente.

Tudo corria bem, até que Primavera me falou da ‘criança interior’ conceito que ignorava a procedência, a finalidade, o sentido. Parei, observei, fui buscar. Na busca li sobre as queixas de abandono, negligência a nossa criança interior. Era como se eu estivesse lendo sobre o feminino. Até mesmo as imagens que reproduzem mitologicamente, oniricamente um e outro se afinizam: o circulo, oroboro, a androgenia. Ambos (feminino e criança interior) são vistos pelos especialistas como o pote de ouro para uma dimensão mais integrada da nossa estrutura psíquica.

Tudo isso me levou a pensar: qual é a distinção? Qual a diferença entre um conceito e outro? Haveria de fato alguma? Estaríamos falando da mesma coisa utilizando nomes diferentes?

A criança interior é um ente real. Fomos crianças. Vivenciamos e experimentamos a infância. Para muitos é a melhor fase da vida. Temos assim essa criança real que fomos e a criança que somos convidados a renunciar, a nãos ser mais. Todos nós somos chamados para o crescimento e em nossa concepção crescer é matar a criança, deixar de ser criança. Na maioria das pessoas a criança fica restrita ao fundo, do fundo, do fundo do espaço psíquico. Não se dá a ela nenhum espaço, nenhum lugar, mesmo quando a vida nos chama.

Mas, esse é também o lugar do feminino na sociedade atual. E, se psiquicamente podemos falar de uma bissexualidade, ou mais precisamente de um hermafroditismo que caminharia rumo à androgenia, cadê o lugar do feminino em nossa estrutura psíquica?
Esse como tenho observado mais atentamente é uma fenda, um vão, um espaço aberto, não preenchido. Falaremos desse lugar, assim como da criança interior em post futuros, agora quero apenas mencionar o fato desses dois conceitos estarem na literatura sobrepostos. Na estrutura psíquica não. Eles denotam lugares diferentes, funções diferentes. A criança interior é um reflexo da criança que fomos, das carências, angústias, tristezas, represálias, alegrias, satisfações, prazeres, que encontramos durante a infância. A questão dela e que trataremos adiante é que a infância nunca acaba, nunca cessa, nunca finda, pelo menos não psiquicamente. O cessar da infância psíquica é o surgimento do adulto, do adulterar, essa é a primeira ou talvez a única traição. Já o feminino é um ente não tangível. Tudo em nossa sociedade remete a negação do feminino, desde o estereótipo associado às mulheres até o inefável, esse intangível relacionado ao imaginário.  De forma que esse espaço fechado, escuro, esse deposito de todas as negligências, que não vemos em nós, Jung denominou de sombra. Ao que tudo indica a sombra é formada pela negação do feminino, da criança interior e de tantos outros ‘objetos’ mentais, emocionais, instintivos que carregamos em nós.


Finalizando, o ponto que quero destacar com maior destaque é que há técnicas energéticas que colocam o partilhante diante desses espaços, dessas carências, dessas lacunas. Nessa hora, até onde consigo compreender o denominar, o conceituar pode ajudar; com isso, quero dizer, que há uma parte do trabalho energético que necessita da fala, da palavra, do conceito. Nessa direção acredito, que o trabalho de psicólogos, seriam abreviados se eles fizessem uso de alguma dessas técnicas bioenergéticas. Pois, elas vão aonde as palavras não chegam, onde o outro não verbaliza, onde às vezes, ele não vê. A consciência desse espaço por parte de trabalhadores do emocional ajudaria a clarear esses espaços taciturnos dentro da gente. Esses espaços que para serem vistos, se mostrarem acabam irrompendo como ataque, ou como denominou Jung- sombra. A sombra para se mostrar, se fazer visível, muitas vezes, senão todas irrompe contra o próprio sujeito.

Para visualizarmos nossa sombra, sabermos o que de fato ela projeta, precisamos casar a acolhida do emocional à metodologia e ferramentas do mental. Esse é um belo trabalho, uma linda jornada para todos aqueles que escolheram essas navegações. É isso que temos realizando assim como muitas outras pessoas.