domingo, 25 de maio de 2014

HOSPITAL: a medicina contra a cura.

Ingenuamente, associamos os hospitais a cura, mas nada mais distante do hospital do que a cura. Os hospitais se aproximam mais de centros de reparo, quando alcançam isso. Nunca o termo hospital se aproximou tanto do seu significado etimológico hospes, hospedes, hotel. 

Na perspectiva administrativa um hospital é um grande hotel. A distinção óbvia é que um hotel cheio e com quartos sempre ocupados é sinal de lucro, já um hospital com quartos sempre lotado e com baixa rotatividade é sinal de prejuízo. Não devemos nos assustar, mas para muitos a saúde é isso. Qual o valor de uma internação? Qual o valor de um quarto numa UTI? Qual o valor de um ambulatório? É melhor dar alta para esse paciente ou mantê-lo? Uma cesariana ou um parto normal? Enfim, para muitos a lógica do hospital é mesmo comercial, mas qual é o preço da saúde? 

Se as primeiras considerações são fáceis de serem reguladas pelos conselhos éticos, por fóruns de discussão e regulação a última envolve uma alta complexidade. Afinal qualquer paciente deitado numa maca é um ser frágil, exposto, diante do maior temor existencial que trazemos: a morte. Nesse momento todo paciente é uma criança desamparada, que acredita em médicos, enfermeiros, psicólogos como se fossem deuses, e não são? Não podem reduzir a dor com uma injeção, um comprimido? Realizar uma cirurgia e mudar um quadro clinico? Sim, podem, fazem, é belo, importante, mas pode ser mais humano, humanista. 


De modo que o que dificulta, sobremaneira, a vida nos hospitais é que médicos, enfermeiros, assistentes sociais e pasmem, muitas vezes até psicólogos são formados para buscarem a saúde do paciente e não a cura. Há uma distinção que não é apenas ética, epistemológica, semântica, ela é ontológica e metafísica. Percebemos saúde como sendo um reparo. Já a cura virou um ente metafísico, distante, vazio; veremos. 

I

Descartes nos ensinou a distinguir, claramente, corpo de alma. Kant seguindo essa linha, assim que despertou do seu sono dogmático, nos ensinou a focar naquilo que nos aparece- fenômeno- e não na coisa em si. Diante disso construímos uma lógica mecanicista em que as relações de causa-efeito reinam em tudo e o corpo é entendido como máquina. Nessa lógica, se o corpo é uma máquina, a melhor coisa a se fazer com uma peça estragada é substituí-la. E nossa medicina não age de forma muito diferente. Tratamos o corpo do outro nos mesmos moldes que tratamos um carro. Um hospital e uma oficina tem muitas correlações. 
Na década de 1980 era comum encontrar anúncios de venda de rins. Hoje, mais avançados, falamos de escolhas genéticas, falamos até da criação de uma raça de seres que seriam usadas apenas para nos fornecer seus órgãos, tecidos. Mas, se o mecanicismo impera, o que impede essa substituição de uma peça por outra? Essa lógica, a gente chama de saúde. Quanto mais rápido for identificada a avaria e feito os reparos, mais saudáveis tendemos a voltar e a nos achar.

Essa lógica esconde o materialismo no qual estamos inseridos. Acreditamos, piamente, que corpo e mente são coisas distintas. Aliás, a maioria reduz a mente ao corpo, prescindindo da alma e de qualquer outra instância além da concretude do corpo. Sendo assim, tratamos o corpo promovendo seu restabelecimento, mas o restabelecimento do corpo podemos até chamar de saúde, mas não é cura.


II

A cura é um estado no qual o corpo e alma são tratados, identificados, acarinhados. A cura é o momento no qual somos levados a perceber como que determinados estados mentais induzem determinados estados emocionais que provocam específicos padrões de reação no corpo, que somatizadas geram as doenças. Ou seja, o corpo é espelho e reflexo de outras esferas que escapam a materialidade reducionista da matéria. E, embora se veja esforço, empenho, amor, entrega, nos profissionais da saúde, eles ignoram o fundamental- o corpo pode até se regenerar, rejuvenescer, mas não cura sem a consciência. Pode-se até sanar o corpo e a medicina realiza isso com destreza, mas isso ainda não é cura, não proporciona ao ser humano inteireza, integralidade.

Em verdade, se a saúde é do corpo, a cura é da alma. E hospitais estão preparados para cuidarem do corpo e as vezes se atém tão fortemente ao corpo que reduzem o Ser, o sujeito, a pessoa humana a uma patologia, a uma doença. Profissionais da saúde acabam perdendo a percepção de que estão lidando com um ser humano e não com uma patologia, uma doença. Os casos de médicos que receitam sem olhar o paciente são milhares. Os que cometem imperícias e erros, milhares. E, no fundo, credito boa parte disso, a nossa concepção fragmentada de ser. A nossa leitura equivocada de ser humano, assim como a extensão do modelo cartesiano-mecanicista para o campo médico.

Digo isso tudo, porque os hospitais podem ser centros de restabelecimento, centros integrados de cura. É isso que espaços alternativos, complementares buscam ser. Não substitutos a hospitais, mas espaços que proporcionam cura, que compreendam o ser em sua totalidade e inteireza. Somos espaços que buscam uma concepção mais alargada do que é o ser humano, isto é, um ser que está no seu corpo, se expressa por ele, se diz por meio dele, mas não se reduz a ele. Os corpos são muitos e é importante, se desejarmos cura, e quando se fala em cura, pensá-los em conjunto, em harmonia, em integração, levar essa concepção holística em conta.

III

Nesse aspecto, retomo os centros de reabilitação em outros planos têm características diferentes, mas que poderiam ser incorporadas. Inicialmente, é impensável cura sem natureza. Isolar pacientes do contato com a luz solar, com os ventos, em algumas situações com a terra aumenta muitíssimo as possibilidades do que nesse plano chamamos de infecções hospitalares. Elas se dão a partir da falta de renovação, purificação e transmutação dos entes patológicos que gravitam naquela atmosfera. Miasmas é um bom conceito para ilustrar o que desejamos. Nesse aspecto no astral pacientes acamados, nos mais diversos estados são curados junto a natureza, com o verde atuando todo instante. Esse verde é mais do que cor é um estado vibracional no qual todos os envolvidos emanam. 

Outro aspecto igualmente relevante é como a energia humana de carinho, cuidado, atenção é mais importante do que os componentes tecnológicos, os exames realizados por máquinas. A verdadeira tecnologia é a da subjetividade. Sendo assim, a água é um dos remédios dos mais eficazes. A imposição das mãos sobre os pacientes é essencial, finalmente. 

A medicina é vibracional e nela cabe todas as ferramentas que auxiliam a integração da pessoa, ou melhor, a cura. Busca-se o reestabelecimento não do corpo e sim da alma. Isso é cura. 


sexta-feira, 9 de maio de 2014

Getúlio: uma sobreposição.



O filme está em cartaz. Não teve muito alarde, muita badalação, pelo menos, não vi. Fato é que o filme é lançado num momento muito especial, já que por intermédio do filme- Getúlio- pode-se estabelecer uma análise muito bem situada do Brasil atual. o filme chama-se Getúlio, mas os traços golpistas, oportunistas que o filme discorre, bem poderia ser denominado- Lula, ou Dilma. Vejamos:

Descobri a importância do cinema vendo Caramuru. Aquela apropriação do nosso romance, da nossa história, contada agora de forma imagética, projetada numa tela imensa, ampliava a nossa própria história, a nossa cultura, o nosso fazer no mundo. Foi somente ali, naquele momento, que pude conceber o cinema como arte. Aquela retratação, ou melhor, aquela possibilidade de nos identificarmos conosco, de nos vermos refletidos, espelhados é maravilhoso. Isso não tem preço, não tem nada igual. É de uma força impactante. Uma força que os nazistas usaram para se convencerem que eram de fato uma raça pura e superior. Uma força que a indústria cinematográfica americana movimenta, universaliza, seduz, hipnotiza criando e construindo uma imagem deles que já não importa se é real, porque, eles passaram a se ver assim. É uma indústria que vende ilusões, que fabrica um imaginário que mesmo estando longe do real, constrói uma identificação.


Usamos pouco dessa força. Na verdade, usamos essa força como bem nos lembra Nélson Rodrigues, como narcisos às avessas, cuspindo na própria imagem. Temos uma necessidade de mostrarmos a realidade e esse nosso real é muito cruel, por vezes estúpido para conosco mesmo. A idéia que quero passar é que nenhum povo cria um imaginário real do que se é, pelo contrário, vendem uma ilusão como bons estelionatários e se agarram a ela, se fiam por ela, se convencem dela e se fazem potência mundial. Nunca houve uma potência que se condenasse na sua forma de se ver e se imaginar. 

Falando nessa cinematografia que explora presidentes, quero ressaltar Margareth: a dama de ferro. Lincoln e JFK: a verdade que não quer calar. Todos contam uma história que educa o olhar, que faz com que vejamos cada um desses homens, repletos de erros (como todos os humanos) com mais condescendência. Quando acabei de ver Margareth eu quase encaminhei carta ao Vaticano solicitando a sua canonização e sabemos que o seu governo foi marcado por profundos desafios. Ela ao lado de Reagan retomaram o neoliberalismo. Ambos liquidaram os sindicatos, os direitos sociais, o tempo pode ter lhes feito justiça, mas não me cabe aqui julgar, nem analisar, porque quero falar apenas de Getúlio.



Pois bem, acabei de chegar do cinema. Fui ver Getúlio. O filme tem a produção da Carla Camurati, a donzela, que re-descobriu o império com o filme Carlota Joaquina. Ela nos trouxe uma visão do império que não tínhamos, que não estava nos livros de história oficiais, na verdade, nem Carlota existia como personagem histórico. Agora, ela retorna com Getúlio. Um Getúlio que talvez somente o povo e os familiares conhecessem. Um Getúlio difícil de aquilatar, de mensurar por todas as contradições que lhe é peculiar, que são inerentes a todo ser humano.  Mas, o filme tenta colocar Getúlio nos braços do povo de novo. E o filme toca, menciona, discute questões que estão à baila hoje, como: a criação da Petrobras, o petroleo é nosso, os ataques da opinião publica ao presidente. Eis a sobreposição mais clara e evidente que quero fazer.

Enquanto eu via o filme, eu tive a indelicadeza de discar para o cabinete da Dilma e para casa de Luis Inácio. Ligava e deixava mensagem dizendo: “corram imediatamente ao cinema. Vá antes de Aécio. Caso sintam-se constrangidos de sentarem-se na primeira fileira, contactem a Carla Camurati e solicitem uma fita para verem atentamente. Dispensem a pipoca.”

Toda situação tem que assistir o filme com urgência, com premência. A oposição é desnecessário, eles nunca, deixe-me repetir, nunca, mudaram de cena, ou de roteiro. Nunca houve um só presidente na história desse país que tendo se aliado as classes mais populares não fosse enxovalhado noite e dia, dia e noite, diuturnamente, não pela oposição, mas sim, pela imprensa. Getúlio, Jango, Jânio, Juscelino, Lula, Dilma e me desculpem... vou dizer a boca pequenas- Collor. O caçador de marajás caiu por motivos que a nossa cinematografia um dia vai investigar, mas nada a ver com corrupção. A casa da Dinda é casa de santa perto dos escândalos do governo FHC, Lula e Dilma. 

Eu ia vendo o filme, e Paulo Henrique Amorim ia vindo a minha cabeça, Mino Carta ia vindo palavra por palavra. Diante do filme até quem não acreditava começa a acreditar que o PIG existe, isto é, o PARTIDO DA IMPRENSA GOLPISTA. Carlos Lacerda foi o seu mais fiel exemplar, mas ele tem muitos seguidores. Nas palavras ainda de Nélson: “Carlos Lacerda é o assassino de um suicida.” E o dramaturgo naquela sua observação genuína e fidedigna, contava que o tiro de Getúlio matou a ambição e a sanha desvairada de Lacerda. Vendo Lacerda fico a pensar: o que querem os Azevedos, os Jabores e outros tantos? O suicidio da Dilma? O assassinato passional de Dilma por Lula e Lula por Dilma? O golpe de Estado? 

Não sei. Sei que recomendo a todos verem o filme. A verem com atenção, não porque tememos a possibilidade de um golpe, não, esses já faleceram ou já estão na reserva, esperando a hora de serem escalados para jogarem no time do céu, ou do inferno. Mas, recomendo que vejam para que reflitam se a popularidade da Dilma caiu porque o governo é mesmo um desastre, um ‘mar de lama’, ou porque desde o primeiro dia que Luis Inácio colocou os pés no Planalto não houve um dia, uma semana que o seu governo e a sua administração não sofresse ataque. A Veja revista que ninguém deveria mencionar, não passa uma semana, sem produzir um factóide, sem explorar um fato mínimo ao máximo, com ou sem provas. Nessa direção, não há popularidade que suporte ataques tão veementes, acintosos, constantes. Até o nome de um santo passaria a receber rejeição.   

O que eles fazem é desonesto, é desumano, é covarde, é hediondo. Por muito menos, mais infinitamente, muito menos, Obama se indispôs com a Fox. Por muito menos Cristina na Argentina, Chaves na Venezuela fecharam jornais impressos e redes de Tv. Aqui mencionar uma regulação da mídia é visto e colocado como ataque.
É trágico, porque eles se aliam não ao melhor para o país e sim o melhor para eles. Venderam a imagem de um salvador da pátria, um caçador de marajás e de corruptos e quando esse caçador ousou mais do que o script passado, sofreu impeachment. Eu não pintei a cara, mas fui às ruas. Hoje me pergunto: o que de fato aconteceu? 

No entanto, o mais desolador no cenário atual é que ao menos no tempo de Getúlio, a oposição tinha voz no plenário. Hoje, a voz da oposição são os meios de imprensa na venda dos seus jornalões e por vezes nas pesquisas de opinião.

O governo petista é desastroso, eles têm aliados que são melhores do que quaisquer inimigos, adversários; mas a oposição tucana é vergonhosa. Um partido de centro esquerda que se aproxima do discurso de direita e extrema direita para conseguir apoio e espaço é um tipo de náusea. Serra, Alckim, Aécio são um tipo de três patetas modernos. FHC é um Walt Disney sem Mickey. No final... pobre de nós brasileiros, cujo governo/situação tem aloprados que são piores do que os inimigos. E tem uma oposição que é inapta, débil, infantil, tosca, covarde, canalha. Luta pelo poder mesmo que isso signifique trair o próprio povo. Aliás, nunca, em nenhum momento se alinharam com o povo. A casa grande e a senzala permanece. Um adendo, apesar do desastre da administração petista, eles têm uma qualidade que cobre milhões de pecado- eles não cospem na cara do próprio povo. Eles têm a ousadia de fazer com que os excluídos da nação se sintam brasileiros. Isso é pouco, mas é muita coisa.  

Precisamos todos ir vermos Getúlio. E, ao acabar carregarmos homens como Patrus Ananias nas costas, ou propormos desobediência civil. Precisamos todos começar a ler o script dos Donos do poder para não sermos massa de manobra, para não alijarmos os poucos que lutam por nós. 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Espiritismo e alternativas


Kardec pensou o espiritismo sobre um tripé: ciência, filosofia, concepção moral, pelo menos, foi assim que o lemos aqui no Brasil. Estudiosos kardecistas, mais rigorosos, gostam de apontar que nunca houve um tripé e sim uma cadeira de quatro pés.

O kardecismo no Brasil virou espiritismo. Isto é, se fez religião. Uma religião que tem matrizes católicas muito fortes e proeminentes (haja vista a quase canonização de Chico e a romaria para Uberaba). Esta mesma religião tenta guardar o seu lugar marcando posição diferenciada, distinta das religiões de matrizes afro. Enquanto esses de maneira geral se assumem espíritas, os espíritas tentam mostrar-se hierarquicamente mais evoluídos e assim, diferentes, mais europeus, civilizados, brancos.



Foi numa contenda como essa que Zélio de Moraes fundou a Umbanda. Movimento lindo, de renovação e integração das mais diversas práticas e culturas. Uma descrição mais exata de como se dá o ecumenismo pelo cosmos a fora. Todos juntos, misturados, dando o melhor de si para ajudar a si mesmo e aos outros. Isso independe de sexo, origem, nacionalidade, idade, ou quaisquer outras diferenças que erguemos. A Umbanda implodiu com todas elas, embora haja terreiros que não se sintam felizes com essa integração.



Outra alternativa ao modelo de espiritismo sai com Waldo Vieira. Waldo trabalhou anos com Chico Xavier, para muitos seria o seu substituto. Waldo cuja psicografia de Tolstoi não permitiu ver a diferença entre o autor, tamanha a fidedignidade do texto, abriu uma porta esplendida para todos nós. A projeciologia. Waldo faz uma pergunta que foi basicamente: se eu posso contatá-los do outro lado, porque vou ficar esperando eles desse? 


Não temos dúvida em dizer que a projeciologia, a conscienciologia se tornou, se fez, a cara de Waldo. Uma experimentação científica, rigorosa, meticulosa, por vezes desprovida de muitos sentimentos. Mas, a técnica, a proposta, abre as portas para a auto-ajuda. Obvio, que Waldo, não deve gostar do termo, mas o que ele fez, enquanto busca inicial, foi fornecer condições para cada um, sair do próprio corpo e encontrar seus entes queridos, visualizar o mundo espiritual, sem necessitar do trabalho mediúnico para tanto. Nessa proposta abriram-se as portas para se pensar e repensar a mediunidade por outro viés.

Na direção da ruptura tivemos Luís Gasparetto. Gaspa caminhou decisivamente para a auto-ajuda. Criou, construiu, expandiu, mantém e banca um espaço no qual ensina as pessoas a lidarem com as suas próprias forças. Gaspa esta revolucionando o mundo psíquico. É uma pena que ele não publique suas pesquisas, mas o trabalho dele de empoderamento mediante o uso consciente das forças que eram consideradas de outros (entidade, ou do médium) são sensacionais.


O que quero salientar é que para Chico espiritualidade é moralidade. O componente moral direciona, supervisiona as praticas. Nesse formato Chico conseguiu unificar o espiritismo, colocando o seu cerne não no Livro dos Espíritos, no estudo, na cientificidade, mas no Evangelho. Isso foi importantíssimo para que não perdêssemos tantos médiuns como perdíamos. A aproximação da faculdade mediúnica com o ideário da santificação possibilitou o triunfo de inúmeros médiuns, dirigentes e do próprio espiritismo em nossas terras, não sem razão, basicamente, só entre as nossas terras.




A unificação realizada pela Umbanda já registrei acima e um dia as pessoas vão se abrir para ver que a espiritualidade nunca foi diferente. Qualquer vidente atento pode constatar que na missa há monges budistas, caboclos, tibetanos. Nos centros kardecistas há cohans, pretos-velhos, exus; nos terreiros há padres, médicos, mentores, trabalhando como erês, ciganos e outros. Entidades se movem pela luz e se firmam pela luz, o resto é estultice nossa, humana, demasiadamente humana.

Uma estultice que um segundo de consciência fora do corpo retiraria. E essa é a integração promovida por Waldo. De muitas formas, ele retoma a pesquisa, a experimentação, a necessidade de se cortar a dependência do contato espiritual estritamente pelo médium e dar meios para cada um alcançar o conhecimento do outro lado. Ele é o primeiro a dar um tapa na face da prepotência mediúnica ao fundamentar um método no qual se pode acessar o plano espiritual por si mesmo.

Gasparetto pega os elementos da umbanda e aplica no seu viés psicológico. Ao término, nós temos a dimensão de psique expandida para um nível que somente os kardecistas trabalham, sob o nome de umbral, sem saber que isso é parte, criação, de um estado mental coletivo. Se apenas essa linha no trabalho de Gaspa já é genial fornecer mecanismos de cada um acessar/incorporar suas forças e fazer uso para resolver a própria vida é a integração que todas as correntes psicológicas buscaram e buscam até hoje e por vezes falham.

De todos esses caminhos, eu gosto da arte. Gosto de pensar a espiritualidade pelo viés artístico. A arte é a própria transcendência. No criar, cada um se faz co-criador e isso expande nosso ser, nosso viver. Quando criamos nos conectamos, passamos a ser. Gosto de pensar a vida como essa obra de arte que nos cabe produzir, gerando o belo, criando o formidável, expressando o encantamento. Gosto de aproximar a espiritualidade dessa vertente, desse sentido, dessa direção. O resultado é a criação de si mesmo. E, nada pode ser mais artístico do que isso.

Por esse viés estamos abrindo o ATELIÊ DO ESPAÇO INTERIOR para aqueles que desejam ampliar a sua sensibilidade, as noções de co-criação. 



domingo, 30 de março de 2014

MEDIUNIDADE SEM MEDO.

Muitos não gostam do nome e já sentem aversão ao ouvi-lo. Outros já querem dar ao nome (mediunidade) uma concepção religiosa, que sabemos todos, ou deveríamos presumir, que escapa. Diante disso: como lidar com a mediunidade sem recorrer a um apelo religioso, ou a uma concepção materialista? Como evitar os extremos e os opostos? Mais importante como lidar com as habilidades que possuímos, independente do nome, sem nos machucar e nos prejudicarmos?

São a estas perguntas que queremos responder. Não conceitualmente, mas auxiliando as pessoas que vivenciam essas dores, conflitos, dúvidas, suspeitas, medos, lidarem tanto com o fenômeno, quanto e principalmente consigo mesmas.

A tarefa não é fácil, mesmo porque, envolve perdermos nossos preconceitos, sejam pro religião, seja contra religião. A grande questão é que o fenômeno mediúnico não é uma especificidade kardecista, umbandista, candomblecista. Não é também destinado a um segmento específico da população. Em outras palavras, ela independe de sexo, idade, religião, escolaridade, etnia, preferência sexual, condição moral, grau de adiantamento estético, ético e quaisquer outras coisas. A mediunidade esta em todos os lugares e entre todas as pessoas. Como é sabido é um fenômeno universal na maior amplitude do termo.

O meu ponto então é: porque uns lidam bem com esse fenômeno e outros não? Por que uns são felizes com ele e outros não? Por que uns tem a vida resolvida com isso e outros não? Por que uns se prendem a dogmas, religiões, doutrinas e outros não?
A resposta direta seria porque cada um é um e somos todos diferentes, singulares. Isso é um fato, mas precisamos tentar chegar mais perto, olhar de mais perto, mais próximo. E nesse olhar o que observo é o uso que cada sujeito dá.


O que tenho observado é que a mediunidade, isto é, essa habilidade, seja de ver, ouvir, falar, intuir, perceber, comunicar com outras dimensões, seres faz parte de uma estrutura psíquica maior. A mediunidade não é um apêndice da aparelhagem psíquica. Ela esta inserida dentro de uma totalidade que não definimos claramente. Dentro dessa estrutura complexa é um equivoco acreditar que fingir não ver, não ouvir, não perceber pode contribuir para que o fenômeno desapareça. Não pode. Aliás, pode, mas tal auto-engano provoca diversas outras situações nas quais não compreendemos os efeitos colaterais.

Por essa ótica não é que a mediunidade seja um castigo, uma maldição como muitos querem; não é. Mas é como um sujeito abrindo mão dos óculos seja de miopia ou de astigmatismo e depois reclamando que não está vendo direito, que a cabeça tem doído muito, que os olhos lacrimejam, demasiadamente. Alguns efeitos apresentam correlação direta, outros bem indiretamente com esses fenômenos psíquicos não são nada diferentes.

E esse é o diferencial, pelo menos parece ser. Pessoas que desenvolveram e fazem uso dessas suas habilidades independente se pro ou contra religião, são felizes, se realizam. É como se ao fazerem uso dessa peça existencial todas as outras engrenagens da vida seriam ativadas, estariam correlacionadas. Diferente disso são as pessoas que não aceitam essas habilidades delas como sendo natural. Elas ignoram, trancam, escondem, maldizem essas habilidades e nessa repressão essa força psíquica se volta contra elas mesmas. Não é castigo. É uma retenção de uma força que precisa sair por algum lugar.

A grande questão que os amigos espirituais, especialmente os artistas me colocam e devolvo é: como ensinar as pessoas a fazerem uso dessas habilidades sem recorrer ao religioso? E tento mostrar que é naturalizando essa visão. É salientando que essa faculdade não é nada demais, mas é importante. Mostrando que a pessoa não pode se realizar, se integrar, se a parte mais importante da engrenagem, ela não usa por medo, por preconceito. Isto é, precisamos ensinar as pessoas a realizarem novos e outros usos das próprias habilidades que lhes são imanentes. Se tenho um óculos sobre medida, porque não o uso? Por que fico reclamando de dor de cabeça, da luz solar, do lacrimejar?

A relação de que o fenômeno mediúnico não pode ser pensado exclusivamente sobre a perspectiva religiosa vem na lida com os artistas. Afinal, o que distingue o mediúnico do intuitivo. O que é inspiração e o que é arte? O que é do artista e o que é soprado? Quando é performance do ator ou quando é incorporação? Quando enxergar um caminho que ninguém vislumbrou é vidência ou é tino empresarial? Quando apostar em uma cotação é feeling para os negócios ou ajuda espiritual? Os exemplos são milhares e não param. E o mais importante nos exemplos, como queremos salientar é o uso. É como nos predispomos a fazer uso das nossas habilidades e ferramentas.

Aqueles que acreditam em si, que se empoderam fazem uso da sua habilidade e se realizam. Aqueles que a temem, que a escondem, se definham. E dentro dessa imanência, podemos desenvolver a via de mão dupla, da integração entre o céu e a terra. O vidente pode aprender com o empresário arrojado e este com o vidente. Um pode dar materialidade ao seu dom e o outro transcendência a sua habilidade. Nessa confluência teríamos seres humanos melhores, seres humanos mais integrados, conectados.

É essa tentativa que faremos no curso que desenvolveremos no mês de abril, quiçá maio: MEDIUNIDADE SEM MEDO.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Priapo interrogado por uma mulher: "Por que vocês (homens) são tão egoístas?" uma pergunta para além da biologia.

Ela me olhou, diretamente, nos olhos. Um olhar penetrante como uma adaga cigana.  Um olhar que escondia uma fúria contida, reservada, indignada. Um olhar que era na verdade, uma unhada, um estrangulamento. Em meio a esse olhar, ela lança a pergunta: por que vocês homens são tão egoístas?

Desviei o olhar como faz todo bom covarde. Busquei ar como tenta um afogado num último suspiro. Busquei encontrar refresco, fôlego como um boxeador nas cordas. Mas, não tinha jeito, ela me nocauteou. A pergunta não desgruda de mim, não sai de mim. Ficou impregnado em tudo o que eu sou, ou em tudo o que eu era. Depois de perguntas como essas, não voltamos a ser como antes, pelo menos, não de imediato. Algumas perguntas mudam nossa forma de ver o mundo. Ou nem tanto.

Nem tanto, porque fui remetido a Priapo e o seu pênis gigantesco. O seu desejo dionisíaco de devorar a existência, de possuir o infinito. O seu falo fascinante que hipnotizava mulheres, seduzia donzelas. Essa figura mitológica que tanto nos diz sobre o egoísmo masculino. Egoísmo que vou identificar, rapidamente e sem muito aprofundamento ao conceito de "vontade de potência" de Nietzsche. Não consigo parar de observar a relação entre o conceito do filósofo alemão com esse ente biológico, que por vezes, parece ganhar vida própria, destinação autêntica e cotidiana. 

Minha sorte foi que ela perguntou sobre nós homens, assim, eu pude fazer uso de toda biologia masculina, na verdade, de toda biologia animal. No entanto, o fato é: se o nosso egoísmo no caso especifico sexual, é fator sine qua non no mundo da selva, ele não se justifica no mundo da cultura. Pelo menos penso que não.
No mundo da cultura, na construção simbólica de referências e significados, nosso egoísmo é a prova cabedal do machismo. Seja o machismo de homens, ou de mulheres. É o machismo de fazer do outro não objeto do nosso gozo, algo natural, no mundo da cultura; mas fazê-la menos do que isso ao privá-la de nos deixarmos permitir ser objeto do outro. O filho de Dionísio (Priapo) retorna com toda sua força, mas para nos levar em direção a horda. A mesma horda que vislumbramos nos estupros coletivos praticados na Índia. Mas, se nas regressões à "barbárie" das orgias dionisíacas as mulheres tinham lugar para o gozo, para o prazer, ao que parece, na cultura que erigimos,  condiciona-se as mulheres a submeterem-se ao eterno não gozo, ao eterno não prazer, ao permanente não realizar-se. Enquanto que nós homens podemos transitar entre o retorno à horda ou se desejarmos uma barbaridade mais confortável, submeter a mulher ao mundo da cultura e da civilização, isto é, o espaço do não ser sexual. Mas, se esse é o dilema, como se encontra solução? Qual é a solução?


A biologia masculina, mais precisamente, do macho é diferente. Somos encantados pelo nosso esperma. Não o esperma em si, mas aquele procedimento que nos leva a sua produção e ao seu derramamento. Essa potência fertilizadora espalhada pelo cosmos e potencializada ao infinito é algo fascinante, tenhamos ou não consciência disso. Da primeira masturbação até o momento no qual o ato sexual é mera lembrança, recordação, nostalgia, todo fazer sexual dos homens se direciona ao derramamento, ao orgasmo, ao gozo. Sexo para nós tem como meta, as vezes missão, gozar. E quando encontramos a forma que nos possibilita isso, não a retardamos, pelo contrário, aceleramos o processo. E quando atingimos o objetivo, um relaxamento natural acontece e tendemos a quietude. No mundo da cultura isso pode ser observado como sendo egoísmo puro, mas no da natureza, absolutamente natural. O ponto é que seja na natura dionisíaca, seja na cultura a vontade de potência dos homens permanece. Essa é a nossa força e o nosso encantamento, nosso deslumbramento e também nossa perdição. 

Nas mulheres essa relação é obnubilada, literalmente, e não apenas. Primeiramente, porque mulheres são/foram ensinadas a não gozarem, não poderem ter orgasmo. Mulheres por muitos séculos não podiam se tocar e encontrar prazer na vida, menos ainda no ato sexual. Poderíamos dizer que isso é coisa do passado, mas... ledo engano. A culpa persiste, existe e parece que cada filha de Eva nasce com essa ferida aberta. Enquanto a anatomia masculina nos dota desse princípio ativo, dominante, externo a anatomia feminina se mostra escondendo, se revela ocultando. Se faz semelhante a uma fenda passaporte de emancipação em algumas, ferida e dor de morte, de culpa para várias. Em algumas, essa ferida, vai se abrindo e estanca, em outras, vai se fechando e se faz hemorrágica. Estou pensando na percepção interna, intima, que cada mulher vai ter da sua vagina e em sua relação com ela e o mundo.

Mas, a dificuldade de encontrar o gozo, o orgasmo, enfim o "egoísmo" do prazer,
caminha na direção das próprias mulheres saberem qual a finalidade do ato sexual. Se realizamos essa pergunta a um grupo de dez homens 12 dirão gozar. Num grupo de dez mulheres teremos vinte respostas diferentes. Vinte, porque a cada duas, uma muda de resposta de acordo com a lua. Umas responderão mexendo os ombros e a cabeça: “sexo não tem finalidade”. Outra numa resposta próxima a da primeira dirá: “ a finalidade do sexo é não finalizar nunca.” Uma terceira dirá tentando ser pragmáticas: “companheirismo”. Uma quarta: amor. Ouviremos milhares de respostas, mas quase nenhuma: gozar. Seja por medo, seja por culpa.



Tudo leva a percepção que o orgasmo para os homens é uma meta, já para as mulheres é um meio, por vezes, até um acaso. A maioria delas reconhece um prazer igual na satisfação do parceiro, namorado, amante do que no orgasmo em si. Uma grande parte tem culpa em alcançar o prazer orgástico com alguém que não se ama e não conseguir o mesmo feito e efeito com alguém que se ama. Situação impensada a grande parte dos homens.

Por outro lado, mulheres que sabem como chegam ao orgasmo, direcionam os parceiros para determinados pontos, toques, encaixes e deixam claro isso: "assimm, assimmm, aí, aí, não pára, não mexe. Vai. Mais forte. Mais rápido". Enfim... Elas têm o mesmo "egoísmo" masculino de em determinado momento se perder do outro, ir embora sozinho, sem medo de não ter como voltar. Elas têm aquela vontade de potência de se realizar, se afirmar, ser. 

E aqui é o conflito. Permitimos as mulheres terem esse "egoísmo"? Terem esse prazer individualista, de olhar apenas para si mesma e se permitir, se deixar, ir... mesmo sabendo que foi com a ajuda do outro que chegou-se até lá, mas em determinado momento é preciso largar da mão dele? Talvez sustentar isso seja a grande pedida e o grande ensinamento. Talvez seja esse aspecto, ranço que trazemos desde a horda, passando pela natureza e chegando a cultura. Nosso princípio de potência permanece ativo. Nossa identidade masculina se faz nele, seja enquanto machos, seja enquanto homens.  

A leitora atenta chama minha atenção dizendo que desviei a resposta de uma solução para as mulheres e não respondi a pergunta que cabe a nós homens: afinal, porque somos tão egoístas?

Tentei uma explicação, uma alternativa, mas tenho que reconhecer e comentar que no mundo da cultura, essa justificativa não cabe, não se legitima, seja por amor, seja por cumplicidade, seja por parceria. O sexo é um prazer e como todo bom prazer, ele é compartilhado. É impensado no mundo masculino, num relacionamento entre homens/iguais, somente um ter prazer sempre. Não estou pensando no ato genital, estou pensando em uma ida ao bar, numa pelada de futebol, num universo de compartilhamento masculino. Nesse universo o mais natural é a troca, o compartilhamento; hoje eu pago a conta, amanhã é você. Hoje meu time ficou mais forte, amanhã é o seu. Não se sustenta nenhuma relação entre homens na qual um leva vantagem sempre, ou ganha sempre, muitíssimo pelo contrário. A solidez das amizades masculinas esta intricada nessa igualdade dos dois se darem mutuamente, na mesma intensidade, com a mesma medida. No entanto, quando nós homens nos relacionamos com as mulheres isso escapa. Poucos de nós estabelecem essa relação de parceria e cumplicidade com as mulheres. Sexualmente então fica-se ainda mais difícil. 

Quando muito, pergunta-se para a parceira, namorada, amante, esposa: “gozou? Ou foi bom para você?” E com isso deseja-se mais sondar a performance do que se ela se divertiu também no ato. Assim, se pensarmos o sexo como uma diversão, como um prazer compartilhado, nosso egoísmo é feio, grotesco, nojento, abjeto. E no fundo, talvez, ele esteja dizendo, mesmo quando o texto diz o contrário: “o dever da mulher é dar prazer ao homem”. O lugar das fêmeas é submeterem-se completamente aos machos. Nessa lógica toda mulher é prostituta, ou menos do que isso, é coisa mesmo. É objeto de uso descartável. Na verdade, é menos do que isso. É um lugar de desvalia, de desqualificação. É um lugar claro para homens e mulheres. Um lugar que precisamos começar a mudar, a alterar. Um lugar que quando mulheres no melhor estilo Lilith mudam a posição levam a maioria dos homens a "impotência da ação". Essa impotência diz respeito ao receio, ao temor, a dificuldade de lidar com uma situação na qual a outra se faz igual, se iguala no discurso, no poder, na vontade de potência. Não como Priapo e o seu falo imenso. Mas, como desejo úbere que umedece o infinito para a existência ser fecundada. Essa parceria esta se construindo, mas ainda assusta. Sendo que quando focamos apenas o ato sexual, quando por anos a fio, transa a transa, não compartilhamos o gozo, o orgasmo com a parceira, a esposa, a mulher, a amante, o que inconscientemente estamos dizendo, tenhamos mais ou menos clareza disso, é que cada mulher é menos do que somos. 

Enfim.... Como não tenho justificativa válidas para o mundo da cultura, só posso pedir desculpas. Só posso fornecer meios para que em cado ato sexual e não apenas nele consigamos criar a relação de desejo, prazer mutuo. Onde cada um de nós brinda o outro com sua vontade de potência, com seu desejo de desejar o outro e o infinito. Queria assim, me desculpar em nome de todos os homens, os que já gozaram e não gozam mais, os que gozam, os que vão gozar. Mas, mais do que desculpas sugiro promessas, novos desejos, novas fertilizações, uma esperança de que nosso gozo seja como um gol: aquela sensação orgástica de se abraçar o estranho(a). Aquela sensação coletiva, dionisíaca de se comemorar e compartilhar a alegria, o entusiasmo que o gol provoca, que o orgasmo proporciona. Estabelecendo uma relação de parceria, cuidado, respeito, amor, inclusive no ato sexual. Na atenção da parceira, namorada, amante, esposa, encontrante; mulher. Espero levar essa alegria ao encontro da Primavera. Esse prazer de comemorar um gol juntos, abraçados. Esse prazer que deve ter tido Dionísio e Afrodite ao gerar Priapo. 






quarta-feira, 5 de março de 2014

A DANÇA: relacionamentos



Poucas pessoas trataram com tamanha elegância os dilemas da permanência e da mudança quanto Milton Bonder em “A Alma Imoral”. De uma maneira inusitada, ele mostra a busca do corpo pela permanência, pela manutenção, na sua aposta de transcendência pela perpetuação de si mesmo- a reprodução. Por esse apelo, segundo o rabino, o corpo é a tradição. Aquela que mantém as coisas como estão, que luta para deixar e manter as coisas como são. Nossa fidelidade ao corpo se mostra na fidelidade aos ritos, a cultura, as construções da civilização nos seus momentos de perpetuação.

Paralelamente, a essa condição de permanência a necessidade de irreverência, a postura iconoclasta da cisão, da fissura, da ruptura. A alma seria e é aquela que rompe com a tradição, que tenta ajustá-la ao tempo, ao agora, ao momento. O corpo é o passado e o anseio futuro. A alma é o presente, é o agora. É o significado e o sentido da existência. Por tudo isso a alma é transgressora, imoral. A sua transcendência se faz na plenitude do agora.

Estamos diante de uma contradição clássica, mas que elegantemente, muitas vezes à Nietzsche, Bonder desnuda a alma, aclara o corpo, nos mostrando como somos seres que a todo instante nos perdemos na ruptura e na permanência. Mas, escrevo tudo isso para falar de relacionamentos.

Quando estive fora tive o prazer de ficar na casa de quatro casais. Cada um com sua dinâmica, cada par com seu ritmo, sua dança, seus equilíbrios, suas tentativas de permanecer dançando essa música invisível e por vezes inaudível. Música que ora é da vida, ora é de cada um de nós. Música que por vezes é harmônica a do outro, outras vezes desafina e não se harmoniza com a do outro. De todo modo, o que observei nos casais mais felizes é que eles nunca deixaram de ser namorados e nos casais mais taciturnos é que o espaço para o namoro havia se fechado.



Chamo de namoro o prazer que cada um mantém de dançar o ritmo que o outro propõe. O namoro é esse equilíbrio alegre de bailar sem exigir partitura, roupa apropriada, local preparado. O namoro respeita o improviso e o inesperado como quem abre os braços para acariciar o vento. O namoro é o espaço no qual cada um pode ser um e ainda é acolhido pelo outro, recebido pelo outro. E, tudo isso é diferente dos casais que perpetuam a imagem congelada do que foram.

Imagem congelada é aquela percepção, entendimento que se guarda do outro, que aprisiona o outro, que não permite ao outro mexer um milímetro fora dessa imagem que nós construímos na nossa cabeça e não deixamos o outro escapar. Imagem congelada é a camisa de força que colocamos o outro. Ela é mental, emocional, invisível, mas muitas vezes perceptível.

E aqui retomamos a ALMA IMORAL. Estamos diante do nosso medo de mudança. Queremos tanto o outro, a imagem do outro, que não o vemos mudando diante de nós, dos nossos olhos. Reclamamos e clamamos a este outro que ele volte a ser o que ele era, mas como isso é possível? Como impedir o outro de crescer, ser, mudar, se é essa a essência da vida, seja enquanto alma, seja enquanto corpo, seja enquanto congraçamento desses dois aspectos? Na verdade, porque tememos tanto as mudanças, especialmente afetivas?
E o que vejo nas separações ora são as traições, o terceiro(a) que surge no meio da relação, ora são esses afastamentos que vão aumentando, ampliando até um momento no qual a distância se faz abissal, sepulcral. E o que fazer?

Aceitar a dança da vida. Aceitar o bailar do outro. Aceitar as alternâncias de ritmos. Quando não for possível aceitar determinados ritmos que o outro evoca, ser claro o suficiente para alertá-lo que ali, ele(a) deve bailar sozinho. Dar e garantir o direito a individualidade para que a alma não se ressinta e que a dinâmica do casal não se anule. Em casos mais extremados, serem capaz de dizer que houve incompatibilidade rítmica e agora nada mais resta a cada um, do que encontrar novos bailados.


Mas, de forma alguma, deveríamos desqualificar os movimentos que realizamos, os passos que damos com esse outro(a). Menos ainda deveríamos impedir o outro de ser o que ele é, o que ele pode ser, porque fizemos dele(a) uma imagem nas nossas cabeças.  

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Feminino

ACOLHENDO O FEMININO.

Este é o nome que Beatrice (entidade espiritual) pediu para que déssemos ao nosso trabalho que aborda uma entrada no campo emocional. Mais do que entrar no campo emocional, o trabalho tem como sentido abraçar, recepcionar nosso aspecto feminino.

Beatrice tenta mostrar que o feminino não é a mulher. O feminino passa pela mulher, corresponde a ela, mas não a define propriamente dito. Numa leitura bem próxima a analítica, ela tenta salientar, que os homens também possuem o feminino- anima. Assim, como as mulheres possuem o masculino- animus; sendo um equivoco apresentar uma oposição entre o masculino e o feminino nos moldes de homens contra mulheres. A questão é outra.

E é nesse outro que ela abre as portas para os campos social e existencial, nos mostrando, como apartamos essa energia de nossas vidas. De como, sejamos homens ou mulheres, separamos o feminino de nossa convivência. De como espezinhamos, desprezamos, ignoramos esse feminino de uma forma ruidosa, desrespeitosa, negligenciando tudo o que corresponde a esse princípio que os taoistas denominaram muito bem como Yin. 

Assim, acolher o feminino é a um só tempo abrir espaço em nossa subjetividade, em nossa interioridade, como também permitir que ele adentre o social, a sociedade, as nossas formas de fazer e de se relacionar. Permitir o feminino em nós abre campos e espaços para ele ocupar um lugar no mundo. 

Essa manifestação que podemos sentir e visualizar em alguns atos, salientam que fazemos o mesmo só que de forma diferente. Na lógica binária do pensamento yang, do terceiro excluído como premissa inevitável, abre-se espaço e lugar para uma lógica na qual o diferente se faz igual. Não em uma igualdade normatizadora e sim numa igualdade em que se respeita a diversidade, a alteridade, o não eu, com sua singularidade repleta de direitos e significados como a minha. 


No campo familiar avistamos a figura paterna demonstrando afeto, emoção e cuidando dos filhos não no sentido de proteção, mas de carinho, afetividade. Em vários lugares, essa força começa a se fazer notar, o que não a impede de ser rechaçada, discriminada, especialmente quando ela desponta em homens. Afinal, como lidar com a própria doçura? Como lidar com a própria candura e ternura sem ser taxado de homossexual? E, nada contra a homossexualidade, que em parte é uma manifestação desse mesmo principio feminino que falamos, mas aqui numa esfera que não se faz genital; sexual ela sempre é, por isso assusta tanto. 

Nessa ótica, Beatrice nos mostra que acolher o feminino é receber nossa subjetividade, nossa afetividade, nossa interioridade. Parece simples, mas pouco de nós damos espaço para isso. Poucos de nós lidam com o campo emocional com a mesma seriedade que damos ao corpo físico e ao corpo mental. Pouco de nós prestamos atenção ao nosso prazer, ao nosso desejo não por sexo em si, mas pelo gozo, esse prazer mais prolongado, mais demorado, mais compartilhado. O gozo é o prazer da alma, na alma. É o roçar sussurrante do espírito. E nossa sociedade, cada vez mais hedonista e sexualizada, se faz menos amorosa, porque o amor é o gozo supremo, mas nosso desejo é pelo prazer rápido- fast-food (foda rápida). 

Sem lugar para o afetivo, para o emocional, os prazeres são furtivos, breves, rápidos, desencontrados, desmotivados e nada contra, mas é o prazer que não alcança o gozo. É o prazer que rapidamente chega à finalidade- a ejaculação- mas não chega ao sentido. Talvez, porque, o sentido, o sentir, não possa ser dado nem na racionalidade estrita e nem na instintividade básica. Talvez, porque o gozo se de no encontro de dois, na criação do três, na aceitação do quatro, na confluência dos muitos.


Acolher o feminino é então uma dinâmica, uma oficina que desenvolvemos com o sentido de nos movermos, ou melhor, de percebermos o nosso movimento amoroso, sossegado, tranquilo, calmo, paciente, que nos possibilita acolher partes nossas, aspectos nossos que não escutávamos, não ouvíamos, não damos atenção, mas que tem coisas importantes a nos dizer.