quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Masculino e Feminino: parcerias e integrações.

Tenho feito uma pergunta a colegas, amigos, grupos. Algumas pessoas responderam, pontuaram, dialogaram com a pergunta. A pergunta é voltada aos homens e as mulheres. A masculina: é possível a um homem olhar para uma mulher percebendo-a como uma igual? Isto é, dando a ela as mesmas prerrogativas que se daria fosse ela outro homem?

A pergunta é surreal, eu sei, mas ela aponta para o patriarcado e a força dessa herança sobre todos nós. De modo que nenhum homem respondeu por escrito. Pelas conversas que tive com alguns, pude constatar que a maioria não compreendeu nem o que eu estava perguntando, ou seja, para eles tratamos as mulheres como iguais. Eles não se reconhecem ou não se vêem machistas. E quero ressaltar que de fato somos sem ser. O machismo consciente, deliberado é raro. Na maior parte das vezes ele é algo atávico, quase intrínseco, pode parecer por vezes quase inato. Vamos falar mais disso abaixo. 

A pergunta voltada às mulheres foi: é possível uma mulher olhar para um homem, no caso, namorado, noivo, marido sem super-estimá-lo? Isto é, sem se diminuir e achar-se menor do que ele? Bancando a si mesma?

As mulheres interagiram mais. Ainda assim, a grande maioria silenciou-se. Esse silêncio de ambos os sexos me mostrou sintomático, especialmente, quando estavam homens e mulheres juntos; o silêncio é maior. De todo modo, grande parte das mulheres não se reconheceram na pergunta. Elas não se viram sendo tratadas de forma menor pelos parceiros. Outras mostraram que seus relacionamentos foram construídos pela igualdade e na igualdade. Não questionei, em absoluto, nenhuma das respostas, muito embora a historicidade da relação, das rupturas pudessem dizer o contrário do que afirmavam.

No meu ponto de vista, quem melhor compreendeu a pergunta foi uma amiga homossexual e feminista. Ela conseguiu observar a soberba do olhar que estava me referindo e a estranha submissão que suas colegas de gênero, por vezes, muito mais capazes do que seus parceiros se auto impõe. Ela ainda destacava que não era uma imposição dada e, sim, quase voluntária. Mulheres altivas, persuasivas, debatedoras ferrenhas, por vezes até autoritárias, diante das idéias do marido acabam concordando, se submetendo. Ela menciona o exemplo de uma doutora política que faz palestras  e análises internacionais em universidades pelo Brasil afora, mas que se cala, se submete as concepções rasteira do namorado, empresário sem muito estudo.

Mas, qual a razão da pergunta? O FEMININO. O ETERNO FEMININO que amo, que busco, que tendo compreender, dialogar, visualizar.



Fiz duas oficinas do ACOLHENDO O FEMININO. E agora estou abrindo inscrições para uma terceira, mas em um formato de 4 encontros. 

E após ler o livro: “Não sou mais a mulher com quem você se casou” resolvi abordar o feminino discutindo a parceria, isto é, tirando o feminino de uma dinâmica estritamente energética, simbólica e buscar junto a ela uma integração tanto no campo psíquico, como no campo familiar, na esfera das relações. A abordagem já era um pouco diferente, porque trabalhava o feminino com homens e mulheres, ensinando a cada um observar essa energia dentro de si mesmo independente do gênero. 

Pois bem, tive a felicidade de ler o livro mencionado e vi que a situação era ainda mais grave, mais séria, numa profundidade que sai lançando as perguntas do início do texto para quem me desse brecha. Não contextualizei a pergunta o que reduziu o nível do entendimento, mesmo assim fiquei satisfeito com as interações. O que percebi escreve agora, mas me ficou claro que esse é um ponto cego da nossa sociedade. A dimensão patriarcal, ocidental, heterossexual, masculina, objetiva, externa nos alijou de entendimentos opostos a estes. Enfim...  


Até onde consegui recuar nos preconceitos não achei nenhum mais universal, permanente, constante, atualizado e repetitivo do que o voltado contra a mulher. Todavia, mais do que voltado contra as mulheres é voltado contra o feminino. A mulher, a natureza é a parte objetiva, visível em que repercute essa carência, essa falta, esse não lugar. Óbvio e ululante que existe o preconceito contra a mulher, mas não tão óbvio assim que esse preconceito trás no seu cerne o preconceito contra o feminino. 

Quero salientar que não visualizo até o momento como esse preconceito se perpetua a não ser com a opressão que as mulheres são levadas a fazer com o próprio feminino. De maneira análoga que nós negros por vezes nos escondemos, nos negando, ou ideologicamente sendo ensinados e ensinando que nossos valores e cultura são feios, inferiores. De maneira similar que se oprime pessoas com preferências sexuais diversas as aceitas. Isso parece que fica no ar, quando respiramos introjetamos esse olhar que passa a condenar, oprimir, separar, segregar o outro. Uma postura típica da cultura patriarcal que precisa separar, distinguir, analisar, classificar para determinar logicamente o eu e o não eu, a identidade e consequentemente, a diferença. 

Essa lógica fez com que a mulher fosse a primeira propriedade privada de cada homem. Independente da força, da inteligência, dos ganhos, ter uma mulher era uma honra, continua sendo. E é recente a diferença entre ter uma mulher e ter uma propriedade, ambos são posse. E a posse da mulher muitas vezes representa alijá-la dela mesma. A ficar despossuída de si mesma. 
A mulher como dona de si mesma é um fenômeno recente. A mulher ser dona do seu corpo, do seu gozo é uma conquista, é uma retomada, mas o que quero salientar não é a mulher e sim a parceria.

É a parceria que me interessa, porque se sonhamos uma sociedade diferente, é importante darmos atenção a como lidamos com o outro (a) e nós mesmos. Essa observação nos remete ao feminino, nos remete a percebermos como seres integrados- com aspectos masculinos e com aspectos femininos. E para essa integração é fundamental olharmos para o feminino. O feminino não é macho ou fêmea, não é homem ou mulher. O feminino é uma polaridade que pode ser assimilada na interioridade psíquica com que Jung denominou anima nos homens, ou pode ser visualizada no mundo da vida naquilo que os chineses denominaram energia Yin.


Ponto de acordo é que a energia Yin necessita da sua energia complementar e oposta- yang. É essa dinâmica que se realiza pela força dos contrários que eles denominam TAO. O Tao é a complementaridade do interno e do externo, do psíquico e do material , do interno e do externo, do eu e do outro, do macho e da fêmea, do homem e da mulher.

É sobre essa dinâmica que precisamos recuperar, retomar para consolidarmos espaços mais harmoniosos, integrados, sagrados. Espaços nos quais se compreendam que as diferenças e singularidades de gênero, raça, outras não podem estabelecer superioridade entre os seres. Os seres não se aquilatam pelas suas singularidades, pelo contrário, é na complementaridade que nos fazemos humanos, conseqüentemente belos. A beleza da vida esta nessa aceitação. E parece que uma das formas de encontrarmos essa beleza, essa integridade e interação é olharmos para dentro.



Estamos convidando homens, mulheres a olharem para dentro e visualizarem o feminino. Serão 4 encontros, as segundas-feiras às 20:00 horas em que conversaremos sobre como cada um percebe essa dinâmica em si, seja individualmente, seja nas parcerias, seja socialmente. Em cada encontro propomos uma prática bioenergética para ampliar nossa percepção e capacidade de lidar com o externo. Creio que o mais importante seja a interação de homens e mulheres conversando aberta e francamente sobre como cada qual compreende e se situa nessa dinâmica. 

Venham participar conosco.






domingo, 12 de outubro de 2014

Um Amor em Paris - um pretexto para falar de parceria.





Era sábado a noite. As ruas e bares de BH agitados pelo calor e pela curtição de mais um fim de semana. Brisa me aguardava para irmos ver uma exposição ou um filme. Pelo tardar das horas a exposição tinha acabado, restava um filme que não tínhamos idéia de qual estava em cartaz. Vimos, lemos e ficamos entre três. Eliminado um, optamos pelo filme AMOR EM PARIS.

O filme dizia respeito a temática que vou tratar no curso vivencial que abri as inscrições, de forma que o filme me serve de pretexto para falar da temática que pretendo conversar, versar e ser versado ao longo do curso- parcerias. Mas, antes de chegar a elas tenho que perguntar:
O amor supera uma traição? O amor termina depois de uma traição? É possível perdoar uma traição? Existe traição? Uma traição é algo a ser compartilhado com o parceiro(a) ou algo a ser segredado no mais intimo de si mesma(o)?

O filme de uma forma bem singela, sem ter essas ocupações, acaba por responder a essas perguntas. Mais do que responder a isso, o filme explora os relacionamentos, as parcerias onde elas agarram, se desgastam, se machucam, se ferem.

A nossa personagem (Isabelle) esta lá, ao lado do marido (Xavier), com ele. Eles se amam, mas há coisas num e no outro que eles não gostam. O gostar é diferente de amar e Martin Luther King é quem nos ensina isso de uma forma muito bonita. Prega o pastor americano que Jesus nos ensina amar os inimigos e não a gostar dos inimigos, porque não tem como gostar do policial racista que solta os cachorros em cima de você e da sua esposa, não tem como gostar da discriminação e do discriminador, mas é possível amá-los. Na convivência, no partilhar a vida a dois com um outro(a), dividindo tempo, espaço em todos os níveis e muitas dimensões tem coisas que não gostamos, mas o amor permanece, continua. Pelo menos até o momento no qual o amor também não basta. E esse momento existe, embora ninguém nos alerte, nem mesmo a pessoa que amamos. Precisamos falar e contar para todo mundo que o amor não basta, que por amor as pessoas se perdem, matam, suicidam, se desesperam. Também por amor as pessoas se constroem, se reconstroem, se capacitam, se emancipam. Mas, o amor sem o outro não basta. E tem vezes que o amor chega tarde, ou cedo demais. Ahhh esse amor!!

Há um momento na relação, em que como disse uma partilhante certa vez: “a tolerância fica insuportável.” Tudo que o outro faz ganha a dimensão de agressão, de ataque. Aqueles pequenos desagrados ganham força, amplitude, tamanho, dimensão e eclipsa o amor em magoas, ressentimentos, dores, rancores, que fica difícil visualizá-lo de novo. É aqui que muitos perdem o outro, perdem a si mesmo, se machucam, se ofendem, caminham para uma direção cujo retorno fica mais difícil. É clichê dizer que nesse momento damos abertura para outras pessoas. E uma pessoa que chega nos apresentando novos gostos que esquecemos, novas alegrias que já não tínhamos dá um colorido para nosso ser que vai ocupando um espaço não preenchido, esvaziado. A partir disso tenho me feito a pergunta: é o amor um hábito? Uma rotina? Uma ocupação? Por vezes, parece que sim.



Retomando o filme, vemos o amor um pelo outro. Vemos também as tensões entre o gostar de um e outro. Vemos como o peso da rotina a acaba oprimindo, no mesmo sentido que a forma dele resolver as coisas, ou melhor, não resolvê-las, a cansa. E tudo caminha para o marasmo infinito até que um jovem chega pedindo fogo. Talvez mais levando fogo do que pedindo e isso a acende. Dá a ela uma sobre vida que ela tinha perdido, abandonado, deixado de lado, por que? Quem pediu isso a ela? Por que fazemos isso? Ela não sabe, a maioria de nós nem pensa nisso, em como que fomos abrindo espaço, dando espaço, cedendo espaço e tempo em nós para o outro(a) e de repente não temos mais a nós mesmos.

Nessa perda amplia-se a sensação de vazio, de dor, de angustia, de ausência de algo que era e não se tem mais. Esse quadro de insatisfação moderada ou profunda é tratado hoje como depressão, com base em anti-depressivos, com remédios para dormir, para controlar a ansiedade de um gosto abandonado, esquecido. Diante desse cenário ataca-se o outro(a) ininterruptamente. Acusa-se e ressente-se com o parceiro(a) por essa perda de si mesmo. Os conflitos ficam ainda maiores, porque reaver espaço ocupado por terceiros é briga inglória. Sabe terreno abandonado que o outro construiu? Pode ser barracão ou mansão, não importa, o outro(a) acha-se dono, com ou sem razão. Esse desalojar cria tensão, briga, insatisfação, mas a reflexão é: de quem é o espaço? Onde foi construído esse espaço?


Há espaços que são do outro, há espaços que são nossos, há espaços que são conjuntos. Todo o desgosto parece vir da perda desse referencial. Alguns casais só têm o dele. Outros só têm o dela. Outros perderam o nosso, isto é, aquilo que é gostoso para os dois. Mas, insisto, não sabemos disso antes de desgostarmos tanto do outro(a) que a convivência se torne insuportável. Parece que há uma interdição em falar desses espaços, desse tempo, desses gostos. Parece que há uma necessidade em cada um ficar eternamente cedendo e suportando, suportando e cedendo até que uma parte abandonada do próprio ser, grite pedindo ar, refresco, clareza, lucidez, prazer.

Essa parte gritou na nossa personagem e ela tirou dois dias para ir a Paris procurar o rapaz que conheceu na festa. O encontra, mas não acontece nada. Acontece com um terceiro vindo de um país escandinavo para uma palestra. Todavia, o marido desconfia e vai a Paris e indo, esperamos que ao vê-la saindo com outro do hotel vai fazer um barraco. Depois ao segui-la pelo metro, esperamos o mesmo, mas ele vai até o Louvre, pára diante de uma tela que recorda a sua esposa. Encontra o seu filho razão de des-gosto e tensão entre ele e a esposa, porque ele gostaria que o rapaz estivesse fazendo agronomia e o filho escolhe fazer acrobacia. E ao assistir a apresentação do filho, um dos pontos mais sensíveis do filme, porque o rapaz brinca com o ar, com o equilíbrio, com o tempo, com a leveza, ele se emociona. Conversa com o filho que ele ama, mas não gosta da escolha, ou não gostava e volta para casa.

Voltando, ele teme que ela não retorne mais, que ela tenha se apaixonado por outro. Ele teme perdê-la. Ele confidencia com um conhecido que a viu com outro e o conhecido diz que ela vai retornar porque eles se amam. E o mesmo revela o caso de amor que ela descobriu dele e também ficou perturbada, abalada, esperando o retorno dele. Ela volta. Eles não falam do assunto. Ele não toca nisso. Até que num momento depois de novamente felizes, ela descobre que ele a viu, que ele sabe o que houve. Ela também nada diz, apenas o ama mais. Na verdade, passa a gostar mais dele.

O amor precisa do gostar. Não é que ele seja um hábito, ou um costume, mas ele é um cultivar. O amor precisa ser cultivado e ele o é por gestos, por falas, por ações, por silêncios, por lembranças, recordações, projetos. O amor é cultivado junto. Ele amplia e cresce sozinho, mas a sua significação se dá no encontro com outro.

Luis Soares um amigo espiritual nos contava lá no início do ano 2000 que amor e alguns outros atributos que encaramos como sendo sentimentos são seres. O amor na concepção dele seria um ser, assim como a Harmonia, a Gentileza, a Honra e todos os outros. Sendo o amor um ser a gente precisa aprender a cultivá-lo, a engendrá-lo, a acolhê-lo. E parece que isso esta no gostar, no querer bem, no tratar bem e veja que gostar, querer bem e tratar bem nada tem a ver com poupar o outro, tem a ver com saber que o outro esta com você e você com ele, porque mesmo não gostando de algumas coisas há amor. E é somente nesse ponto que o amor basta. O amor sem cuidado com o outro, sem perder o receio de quebrar o outro não basta, não supre, é esvaziado pelo desgostar.



Finalizando, o ponto mais interessante do filme é a maturidade desse cuidado. Como que um e outro se poupam de revelar que sabe que traiu e foi traído. Como que de forma silenciosa, eles se calam e se gostam mais. Já outros casais necessitam que isso fique aclarado, colocado, posto. Parece que não tem uma fórmula para isso e nem para nada nessa vida, a não ser o respeitar o próprio gostar e a partir de uma escolha conjunta ampliar o respeito ao gostar do outro e juntos acolher e cultivar o amor. Um amor em Paris, em Bh, em nós mesmos, com o outro, com o mundo. Um amor. 


Essa temática do amor, das parcerias será apresentado por nós num curso vivencial em 4 encontros aqui em Bh. Todos os que se interessarem, sintam-se convidados para realizar as inscrições. 


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Suicídio: a vida e o absurdo.

Ao meu Unbermensch, minha superação, pela coragem com que defende e ampara aqueles que amam. Eu te amo cada vez mais.

Ela não encontra razão na vida, mas como encontrar? O estupro dilacerou sua confiança, seu corpo, seus sonhos e em tenra idade.

A outra sai de casa com as lágrimas nos olhos, com o choro da alma até chegar na escola. Ao chegar, procura os lugares mais inacessíveis e sobe. Todos a pedem para descer. Nos olhos dela, eu vejo o desejo de se jogar; quando ela desce, nós falamos da tristeza. A mãe disse que se ela não fosse filha dela a jogaria no lixo. Tento relevar, mas a ferida já esta aberta. E a forma que a menina encontrou para dar conta é se equilibrar. Diz ela que é bom, faz bem. Fico pensando quando é que a vontade de pular será mais forte do que a do equilíbrio?!

A outra encontra em Deus seu sentido, mas está numa fase da vida cujo fogo da carne queima mais do que o do Senhor. Nesse momento, mesmo que seja por alguns instantes, Deus e a vida perdem o sentido, porque junto ao desejo pelo corpo do amado, vem a imagem do abuso e da violência recebida no passado. A dor parece ser dupla.

A outra chega todos os dias na escola com uma blusa de frio que esconde os cortes desenhados na pele. Segundo ela e tantos outros que fazem o mesmo, a dor dos cortes não se compara com as dores que sentem n’alma. Se cortar é um alívio.



A pergunta que me ocorre é que dor é essa? Independente do nome, estamos diante de suicidas potenciais. Todas elas poderiam ser uma única pessoa, mas são várias. Elas são aquelas que buscam um sentido na vida, mas esse sentido não é que seja difícil de encontrar, é insuportável tolerar. A vida tem nelas, neles um peso que massacra, que afunda, que deprime, que dilacera. É um peso que daremos o nome de absurdo e esse peso tem uma fome, um espaço, que o chamaremos de angústia.

Assim, por vezes, para lidarem com esse vazio, esse absurdo, eles se cortam, eles buscam alívios para uma dor na alma que não conhecemos, mas a dor existe, está lá, chagada.
Por que não vemos? Por que não acudimos?

II

Os cortes físicos, as dores invisíveis me fazem lembrar Iessienin, o jovem poeta russo, que ao cortar os pulsos escreve seu último poema a sangue nos quartos do hotel. Maiakowiski, meu poeta fabuloso, após as centenas de homenagens ao jovem poeta, se pergunta: se as tintas acabaram e agora era necessário escrever com sangue? A resposta vem anos mais tarde, quando num outro quarto de hotel, longe da gelada e aconchegante mãe Rússia, o fabuloso se mata com um tiro no peito.

Sim, todo suicida brinca com o drama, com a tragédia. Para eles não importa somente a morte, o se matar, e, sim, a forma com que serão lembrados, não serão esquecidos. O desejo é mais a dramaticidade, a esteticidade, como um desejo de embalar a dor nos braços das vicissitudes.

Mas, fora o fato deu ser dramático, trágico, escrevo sobre o suicídio, porque muitas pessoas têm me procurado, falando que isso lhes tem passado pela cabeça. É estranho o suicídio passar pela cabeça e não pelo coração, mas ao que indica, ele passa é pela cabeça. Uns pensam em se cortar, vagarosamente, até todo o sangue do corpo se esvair; outros pensam em se jogar de pontes, outros em entrar na frente de carros, outros de deixarem a moto se chocar com o muro, como se fosse acidente, outros acreditam que serão mortos por uma pessoa que as ama. Fico vendo esse movimento nas mais diversas idades e o que há em comum em todos é um abandono, uma rejeição, uma violação, um abuso- sexual ou não. Há uma orfandade não preenchida, há uma dor não suturada, há um grito inaudível até para elas/eles, como um choro constante, ininterrupto, incessante que distraí com alguma coisa, mas muitas vezes volta mais forte, resoluto e firme. Há um desejo de se matar, mas matar o que?


III

A idéia do suicídio me perturba, não em me matar, nada disso, mas o que leva uma pessoa a isso? Como ela chega a esse ato? Parece que há etapas, fases, caminhos. O suicídio longe de ser um ato isolado como vemos, um sinal de desespero como taxamos, ele é uma construção. O suicídio é construído paralelamente a significação da existência. Num jargão da Física, o suicídio é a anti-matéria da vida. Por que não vemos?
Não vemos, porque a maioria dos seres são indiferentes tanto a vida quanto a morte. A maioria não nasceu, conseqüentemente, não irá morrer. A morte e a vida lhes são indiferentes. Um amigo espiritual os chama de abortados.

Outra parte significativa opta pela vida e a significa. E a significa não porque não convivem com os abortos, não porque não tenham tido e recebido o peso do absurdo, mas é que focam mais na vida do que na ‘anti-matéria’. Ao que parece, o campo gravitacional dos suicidas é mais denso, a força que os oprime e os dilacera é maior. Em certa medida, eles já passaram o umbral da indiferença, mas ainda não chegaram a alcançar o sentido. Esses são os suicidas em potenciais. O que me leva a pensar o suicido como processo, fase.

IV

Nélson Rodrigues via nos suicidas os juízes do mundo. Nesse tempo, eu os via como seres incompreendidos. As razões para o suicídio nesse momento estavam para mim na inadequação deles ao mundo, ou seja, era um ato do corpo mental. Uma solidão, um vazio existencial que não lhes davam alternativas senão o fim. Eram seres incompreendidos que encontravam no fim uma forma de descanso, paz. Hoje, acredito que essa sentença que lançam ao mundo é tardia, parece ser a última fase.
Tive por vezes a concepção do suicida como um chantagista emocional. Um cara que premedita todos os atos, elabora o efeito psíquico que causará nas pessoas que ficam, sendo tudo nele premeditado até mesmo como o corpo vai ser encontrado e por quem. Essa premeditação chantagista existe de fato, mas dentro do processo é uma forma de se fazer visto, visível, perceptível, melhor, o que se quer mostrar não é o ser e sim a dor que o ronda, o invade, o toma, se apodera dele de todas as formas.

Hoje parece que tudo isso é um processo, um desenvolvimento, que inicia na falta de sentido, o que os existencialistas denominam de ABSURDO e culmina na ANGÚSTIA, esse estado de morte que ronda todo ser vivente, mas que em alguns a boca dela é muito maior.




A boca é quase a de uma jibóia que dá um abraço forte, moendo todos os ossos, todos os sonhos, todas as esperanças, todos os fins. Quando a pessoa acha que acabou, ela ainda moe o fim do fim, até chegar ao fim do término. Muitos desistiram bem antes. Relutaram, mas não foram vistos; de “repente” são engolidos, como a baleia engole Jonas. Abrigados na própria angústia, embalados pelo próprio absurdo deveriam ser capazes de encontrar o sentido, mas... qual?


Queria estar exagerando, mas não estou. Há pessoas que só encontraram dor, crueldade, frieza na vida. Não conhecem outras construções que não sejam essas. As que encontram um gesto de carinho, um ato de amor encontram força para significar a vida num alto grau de empatia, mesmo porque conhecem como poucos as dores do outro. Estou falando de muitos religiosos, policiais, psicólogos, professores, que conseguiram significar sua vida, por terem sido acolhidos e agora acolhem com um envolvimento de jibóia.  

Hoje, aos meus olhos, o suicídio é a parte visível de uma dor lancinante, devoradora, silenciosa, invisível que vai tomando a pessoa dia-a-dia até culminar no ato final. Nesse aspecto, o suicida é de novo o julgador do mundo. Afinal, como não vimos que o outro tem toda essa dor na alma? Como não oferecemos cuidado a esse outro que se encontra mutilado ao nosso redor?

V

Mesmo sendo da mística, não acredito em um sentido dado, em um sentido único. Acredito num sentido construído, numa significação que damos à existência. Nesse aspecto o sentido é cada um significar a sua vida, mas a vida parece em teimar em nos mostrar que o sentido, dado, construído ou encontrado, nunca se faz na solidão, o sentido se dá no encontro com o outro. É no outro que o sentido se plenifica. É no outro que o significado ganha plenitude e é também na falta e na ausência desse outro que o sentido desbota.



Por isso que a todas essas pessoas, conhecidas ou não, próximas ou não, é fundante mostrarmos outras formas de contato e convívio que não seja a das dores, da violência. É importante sermos capazes de mostrarmos que há outros encontros que não o da violação, do abuso, da violência, do desrespeito, da diminuição, da sabotagem, da injúria, enfim da maldade. Muito embora, a experiência tem me mostrado que mesmo nos valendo de outra força que não essas citadas acima, muitas delas transformarão nossos atos em medo da vida; temerão as carícias no corpo e na alma como se fossem tapas; acreditarão que todas as primeiras, segundas e terceiras intenções das pessoas sejam machucar, por mais que tenham aprendido o cuidado com o outro. Não nos resta alternativa senão convivermos com elas, mostrando o que a vida tem de melhor, de mais puro, de mais integro, de mais belo. Talvez esteja falando de amor e tolerância, paciência.

Um amor tão forte, que a sua suavidade segura a existência de um ser na vida, dá a ela condições de caminhar pela vida. Uma presença tão suave que da força para as pessoas resistirem a sensação de solidão. As vezes para se evitar que uma pessoa se mate basta apenas isso. Pelo mesmo lado, as vezes não há nada para se evitar, o peso do absurdo e a fome devoradora da angústia são maiores, muito maior e pode parecer bizarro, o amor chegou tarde.

VI


No aspecto espiritual penso no slogan da década de 1990 da Federação Espírita de Uberaba: “não se mate, você não morre.” Talvez, essa seja uma das formas de transcendência que podemos ofertar a essas pessoas e a nós mesmos. Conhecermos nosso aspecto energético longe dos preconceitos e prejuízos morais que acompanham a escolha mais profunda de todo ser vivente: viver ou se matar? Podemos nos matar? Podemos dar fim a nossa própria vida? Todo existencialismo, todo absurdo, toda angústia, todo niilismo, toda plenificação e sentido repousa nessa escolha, seja ela qual for- viver ou se matar?

Aqui é o início da Filosofia, não enquanto conceitos, mas enquanto problema real e concreto- a finitude da vida. Podemos dar fim a nossa? Se não, cadê nossa escolha? Se sim, por qual razão? Acredito hoje, agora, que encontraremos nosso sentido apenas quando lidarmos com a angústia do fim. É por trás dele (fim) que nasce as condições de novos términos e muitos outros inícios. É nesse mergulhar que conseguimos dissipar as indecisões.

Por esse molde a pergunta que tenho feito e estendo a aqueles que pensam no ato é: o que você deseja de fato matar? O que você de fato você quer que morra? Creio que essa resposta nos direciona ao sentimento de mudar a vida, de viver mais, de sair de um relacionamento estafante, de um trabalho estressante, de uma condição de vida que por vezes não temos como mudar, ou a cabeça pensa não ter.

Vida é mudança e parte da dor, ou toda ela é ficar resistindo ao mudar, é ficar tentando de todas as formas encaixar a mudança dentro da nossa conformidade e adequação. Aceitar o desafio da vida eis... o sentido. Como diz, o poeta fabuloso:

Nesta vida/morrer não é difícil./O difícil/ é a vida e seu ofício.

Maiakowiski.



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

PELÉ NAS TEIAS DA IDENTIDADE: o caso Aranha


Uma ex-namorada costumava dizer, relembrando a frase de um ex namorado dela, pertencente ao movimento negro, que “preto é lápis de cor”.

Pelé não é preto, não é macaco, não é negro, não é Príncipe Etíope. Pelé é o anti-negro. Pelé se construiu, se afirmou, negando sua negritude, mas dessa vez, ele foi longe demais. Rechaçar Aranha foi ardiloso como uma teia de mentira e cretinice. Uma rede de ilusões de quem não se conhece, ou melhor, não se reconhece. Pelé recorda a frase de Nélson que dizia que o brasileiro é um narcisista as avessas, cospe na própria imagem, seguindo a lógica da frase, Pelé é o negro as avessas, cospe na própria identidade. 

I
A construção da identidade não é fácil para ninguém, requer espelhos, exemplos, perspectivas, objetivos, mas também expectativas, carinho, confiança e base. Se isso é difícil para todos, para nós negros tem componentes fortes que dificultam essa construção. 

Na minha infância não tinha Racionais. Esses caras ensinaram e ensinam a construção da identidade e identificação negra. São importantes. Na escola que estudei da 1ª a 4ª série estudavam três negros- Vander, Meu irmão e eu. Vander era o melhor aluno da escola; meu irmão estava entre os dez, eu entre os últimos. Ser negro era difícil, inclusive pela situação econômica dos meus colegas, cujos pais eram classe média alta, exceção a nós três citados, ou mais uns dez, no máximo em toda escola.



Situo isso, porque Pelé podia ser negro e tornar a construção da nossa identidade mais suave, menos densa. Fosse ele negro e seria mais tranquilo para mim e milhares de outros negros a construção da nossa identidade. Olharíamos para frente e para cima e teríamos a quem mirar, visualizar. Para não perder o momento desabafo, Mussum que todos amam, adoram, era para mim motivo de vergonha. Não o homem que não conheci e nada sei, mas o personagem: bêbado, tolo, ingênuo, motivo de chacota semanal, de fracasso permanente e constante. No domingo, eu já antevia as 'brincadeiras' racistas da segunda. "Racistas"? Para muitos não era, não é, talvez não seja. Em nosso país, a classificação é de injuria racial e não de discriminação racial. Existe isso no Brasil?

II



Aqui é o ponto. Não creio que a moça destemperada seja de fato racista. Não creio que o negro que xinga Aranha de macaco seja racista. E é esse o nosso racismo. Para nós o crime racial é brincadeira inofensiva. Para nós a injúria racial é chilique de preto que não quer ser considerado objeto (lápis de cor) e dá o seu grito, mostrando-se humano. Por todas essas vias o racismo no nosso país é diferente, perverso. Nunca encontraremos um racista, mas nunca deixamos de ser. O racismo esta em todo lugar, mas não esta em lugar nenhum. O racismo é tido como ressentimento e recalque de negros que não gostam de si mesmos. 

Tal percepção partir de brancos é natural, compreensível, eles não estão na nossa pele. Mas, tal insinuação ser realizada pelo negro mais conhecido do mundo, pelo cara que conseguiu ser mais conhecido que os Beatles, por um dos poucos, senão único jogador cuja história é maior do que a do clube que jogou é um ato de covardia que supera até mesmo a omissão histórica dele. 

A cretinice de Pelé se superou. Foi além do combinado, do negociado, nem os neonazistas esperavam uma adesão tão voluntária como a dada por ele. Suponho que se Pelé encontrasse com Aranha na Vila Belmiro o expulsaria a pontapés e chibatadas como um capitão do mato tomado de vergonha, por ter visto um dos seus 'negrinhos' se rebelando contra os açoites morais que era alvo. 

Mas, suponho que os personagens do mal gosto não sejam de fato racistas, a pergunta que não quer calar é: o que precisaria para sê-lo? Pendurar negros em árvores? Esbofetear Aranha na cara? O que precisa ser feito para aceitarmos e reconhecermos que somos racistas. Brancos, negros, pobres, ricos, Estado brasileiro, somos racistas num nível tão perverso que achamos que discriminação não é violência, é brincadeira. E essa brincadeira não é apenas contra negros, é também contra mulheres, homossexuais. No Brasil a discriminação contra as minorias é quando muito, injúria. O IPEA mostra dados estarrecedores de que nosso racismo é um apartheid institucional, ainda assim, nós colocamos contrários as ações afirmativas, que buscam não reparação histórica, mas condições de igualdade. 

III

Por tudo isso, ser negro era, continua sendo uma afirmação contra o mundo, porque volto a insistir, não havia negros para se mirar. Nélson Rodrigues dizia que o único negro do Brasil era Abdias Nascimento. Vim a conhecer ambos já na faculdade, com a identidade negra consolidada. 




Mas, escrevo para falar que Pelé é definitivamente o anti-negro. Nunca houve um personagem que sentisse tanta raiva da sua etnia quanto Pelé. O discurso dele por décadas reforça o imaginário e a concretude do racismo institucional, genético, social do nosso país seja tratado como problema econômico. 

As declarações anteriores de Pelé era a de que ele nunca tinha sofrido racismo. Nunca!! Ele poderia mentir ao menos em solidariedade aos pais dele, mas ele ajudou em cada discurso, em cada omissão a promover o mito, não da democracia racial, mas a da discriminação social-econômica. A questão do negro é muito mais do que ter ou não dinheiro. E, o fato é: mesmo tendo dinheiro não se tem espaço, acessibilidade. 

O que Pelé fez com Aranha, fez de novo com a luta contra o racismo, foi pior do que queimar a casa da garota que grita de forma transtornada injúrias e despropérios.  Pelé age como um capitão do mato; açoitou Aranha em praça pública. Fez mais do que açoitar, mostrou que Aranha está errado em não se permitir, em não aceitar ser confundido com macaco. Pelé quis colocar Aranha no lugar dele, no lugar no qual Pelé nunca saiu: naquele que precisa da aprovação e do consentimento dos brancos para se afirmar. Ou melhor, não consegue se ver como negro, por ter estado muito tempo na Casa Grande. Malcon X gostava de lembrar que havia uma diferença espectral. Os negros da casa grande admiravam seus senhores, já os escravos da senzala os odiavam. Pelé sempre foi da Casa Grande, por isso tão anti-negro, por isso tão branco, por isso tão aceito.  

Pelé é menos negro do que Michael Jackson, porque esse se declarava negro, mesmo clareando a pele. Pele não tem pele, nem consciência. Pelé no que se refere a consciência racial, não é nem lápis de cor; mas não o culpemos muito, ele também não teve referências para construir e consolidar a sua identidade. 

Eu que comecei a escrita desse post bravo com Pelé termino quase que condoído com uma constatação: Pelé é assim tão miserável, porque ele não teve nem ao menos um anti-negro como ele se tornou para firmar nossa identidade, ainda que pela negação. 

Pelé não teve nem o anti-negro para afirmar sua identidade, negando-se. Nesse sentido Pelé nos serve de contra-exemplo. Pele é a pele da omissão e dos covardes. 



sábado, 16 de agosto de 2014

SIMULTANEIDADE: o continuum do encontro.


A simultaneidade é para mim um dos temas mais intrigantes. Não apenas porque envolve o tempo, mas é porque integra o tempo a dois, ou mais eventos acontecendo ao mesmo tempo em lugares diferentes e por vezes, pessoas diferentes.

A gente dá pouca importância a isso, mas é algo mágico. Imagine todo o esforço, toda a sincronia para dois carros colidirem num determinado ponto? Ou de um grupo de pessoas específicas estarem em uma sala de cinema, ou num avião, ou num bar? Essas pessoas saíram de lugares diferentes, acordaram em tempos diferentes, fizeram movimentos diferentes e tudo convergiu para que se encontrassem, exatamente, naquele ponto, local, tempo. Isso é mágico. Qual sentido e significado vamos atribuir a esses acontecimentos é da peculiaridade de cada um.

Mas, o ponto que quero destacar mesmo é de duas pessoas vivendo o mesmo tempo subjetivo, poderíamos chamar isso de amor, paixão? Uma pausa. 




Estou lendo Peter Galison, um historiador da ciência americano, que fala dos “Relógios de Einstein e os Mapas de Poincaré”. Mas, o que me chamou atenção nas páginas iniciais foi a simultaneidade, ou mais precisamente, a forma com que ele interpreta a teoria da relatividade. Como que ele, naturalmente, nos fala da necessidade de dois relógios para se medir as variações do tempo, variações? Sim! Fugindo de uma concepção de tempo absoluto como concebia Newton, Einstein visualiza a existência de muitos tempos, de muitos relógios e apenas a velocidade da luz como constante. Para Newton, Deus é um relojoeiro, dos bons. Desses capazes de pela simples escuta saber os tempos de atraso e de adiantamento. Um relojoeiro capaz de provocar eventos, encontros e desencontros mediante a sua vontade. Einstein nos permite levantar a hipótese de que esses eventos sejam provocados internamente, pelos desejos e vontades de cada um. Uma hipótese que fazemos a partir da leitura da sua teoria. Até onde sei, ele não fala sobre isso.  

De modo que, quando observamos, sejam as simultaneidades, seja o que Jung denominou sincronicidades é difícil não retornamos a uma concepção de tempo absoluto. É difícil nos colocarmos como sendo agentes eficazes desses encontros e desencontros, afinal, nós apaixonamos ou somos apaixonados? Batemos o carro, ou somos batido por ele? Bebemos ou somos bebidos? Temos algum comando sobre as forças da existência, da vida, ou pelo contrário, somos seres passivos diante dela? É complicado, complexo, difícil, mas, igualmente, intrigante e excitante.

Numa concepção newtoniana somos agentes passivos do destino. É essa concepção que temos, quase que naturalmente. Somos ensinados que não temos poder de comandar eventos que acontecem em nossas vidas. É uma concepção que estou chamando de EXTERNA. Ela é ensinada na escola, nas igrejas, nas religiões, no trabalho, pelo Estado, pela família. Não temos controle nem autoridade sobre nós mesmos, a não ser, pela obediência a todas essas instituições mencionadas. 

Numa concepção relativista, podemos ousar nos vermos como sendo agentes ativos do destino, isto é, responsáveis diretos pelo que acontece em nossas vidas, inclusive do que atribuíamos como inevitáveis: morte, amor, paixão. Essa é uma concepção menos usual, mas já encontra-se vasta literatura sobre isso, utilizando o conceito de co-criação. Essa concepção estou chamando de INTERNA. O aspecto ingênuo dela postula um universo no qual tudo é fruto do pensamento positivo e da intencionalidade emocional, esses modeladores transformariam o universo ao bel prazer dos sujeitos conscientes desse mecanismo.

Como podemos inferir, as respostas não são finais. Há um grupo de físicos, que radicalizando a idéia inicial de Einstein de que o observador influencia a realidade, salientam que o papel do observador é ainda mais decisivo. Por observador, eles entendem a consciência. De modo que, sem uma consciência, o universo seria morto e inerte. Resta saber se essa consciência é única- o relojoeiro de Newton- ou se plural, coletiva. 

As implicações disso é que por mais que haja leis, regras e forças no universo, elas entram em operação a partir da forma com que nossa consciência a alinhava. Entre as concepções EXTERNAS- o universo age sobre nós- e a posição INTERNA- nós movemos o universo- deve haver um meio termo no qual as forças externas e internas se alinham determinando tempos e espaços. Uma boa fonte dessa observação é a astrologia, isto é, como que os posicionamentos mesmo sendo de ordem universal, cada sujeito a vivencia ao seu modo e do seu jeito.  

O que percebemos é que sobre ou sob esses tempos nós fazemos história, fazemos vida. Nós fomos ensinados a focarmos no tempo absoluto, mas há um tempo interno, subjetivo, que parece comandar, alinhavar os nossos atos e ações. Um tempo que dita um determinado ritmo, pulsar e co-cria acontecimentos externos, eventos externos, observáveis. E é sobre esse pulsar silencioso que coordena os fatos que estamos refletindo.


É complexo e não vou nessa direção, porque agora eu só preciso do seguinte: podemos pensar o amor, a paixão, o ódio como simultaneidade? Podemos pensar esses estados internos como sendo sincronicidades? Dá para imaginar a operação que se realiza para que dois tempos subjetivos se alinhem e consigam pulsar sobre o mesmo espaço? Dois relógios impares, singulares, com suas peculiaridades, mas que possuem uma pulsação interna que modela espaços tão peculiares? Isso é formidável e grande parte de nós não se atenta a essa maravilha. Tratamos com tanta naturalidade que nos fazemos indiferentes a essa magia, quase que as ignorando, as desqualificando.

Saio da visão mais epistemológica e entro na poética. É formidável imaginar, conceber que num universo de múltiplos tempos há uma pessoa, que esteja no seu mesmo ritmo, compasso, cadência. Uma pessoa na qual se estabelece um continuum de tempo-espaço, uma interação forte, capaz de criar um universo compartilhado por ambos, aberto a outros. 



Eu fico vendo os relacionamentos como essas criações. Deveria falar das visões que embasam isso, mas tomaria um tempo demasiado. Todavia, a percepção energética dos relacionamentos, como que as energias dançando vão construindo, semeando particularidades. Isso é altamente excitante. E, nessa excitação, não estou falando apenas do desejo de transar e obtê-la, porque tem o dinheiro para conseguir uma prostituta, ligar para uma prostituta que se encontra disponível caso você tenha o valor que ela cobra. Estou falando de você, conscientemente, ou não, enviar uma mensagem para o universo de que você é um ser singular em busca de um par, uma complementaridade e esse universo movimentar engrenagens para que você encontre essa pessoa num banco de ônibus, ou na mesa de um bar, ou na fila da igreja, no estádio de futebol, na sala de aula, ou numa esquina, ou... O universo aproxima de você outro ser, que pode te proporcionar, naquele momento, o melhor continuum para que o próprio universo se sustente. É como se o universo fosse regido pelo amor e necessitasse do amor para se auto-regular.

O amor seria a constante dos encontros, dos desencontros, das construções e desconstruções da existência. Se no modelo físico a luz é a constante invariável do tempo externo. No modelo psíquico, o amor seria essa constante invariável do tempo interno. Nos movemos em direção do amor e construímos em nosso entorno aquilo que amamos. Não deveríamos separar tanto um estado do outro, uma coisa da outra. A observação atenta do nosso tempo interno pode nos dar a localização do nosso espaço externo. A observação mais acurada do nosso espaço externo pode nos dar a velocidade, os tropeços e embaraços do nosso tempo interno (amor).



Isso tudo é mágico e damos pouco valor a essa magia. Valoramos pouco esses encontros que a vida nos proporciona. Por vezes, apostamos alto demais em desígnios que não sejam o nosso próprio querer e a nossa própria vontade. Apostamos que a vida fará o papel de manter esse continuum, que ao que tudo indica, necessita de um desejo, de um querer, de uma vontade manifesta e declarada para que continue acontecendo e sendo. Necessita da consciência e da escolha. Mas, será que escolhemos mesmo o amor? Toda dor não é justamente essa?

Uma- desconhecermos o que é o amor.

Duas- lutarmos para que ele não nos invada, não nos tome, não se apodere de nós?

Hoje (13/8) conversava com meus alunos sobre corte/cortejar. E uma delas de 14 anos me disse: “minha mãe não entende que eu possa escolher uma pessoa para vida toda. Uma pessoa com que eu vou casar com 18 anos. Ela não entende que eu não estou perdendo nada, porque tudo o que eu quero é estar do lado dele”. O palavrão que eu pensei na hora e agora, eu não irei escrever. Ver esse tempo diante dos nossos olhos é assustador, mas revela, ou desvela, uma maturidade emocional que minha geração atingiu aos 30 anos, se é que alcançou. Pode parecer loucura, mas eles sabem o que querem. Sobre isso escrevo depois.


Parece que de tanto medo do amor, atraímos situações que nos afasta daquilo que estamos destinados a ser- felizes, plenos, entusiasmados. Essa lógica maluca de sabotarmos, de vitimizarmos, de mandarmos embora quem a gente quer perto é um vírus que precisa de antídoto. É um continuum que necessitamos desativar. Precisamos começar a deixar as pessoas nos amarem.