domingo, 22 de março de 2015

CLIC: a mudança é um estalo.

De repente ela acontece. Não se sabe por onde. De modo geral, ignora-se o como. Mas, ela acontece, significativamente, por diversas vezes na vida. Em momentos nos quais não sabemos, não esperamos, não controlamos.

A mudança acontece quando a gente não espera, quando a gente não repara, quando a gente não está prestando atenção. Você olha para um lado e ela ocorre na direção oposta. De uma maneira tão bela, suave, produzindo encaixes e amarras em nossas estruturas internas, em nossos espaços mentais. Poucas coisas são tão bonitas quanto a mudança. Acredito que reparar na mudança, olhá-la com carinho é ver o movimento da vida em nosso entorno, ao nosso redor e dentro de nós. Tudo muda o tempo todo. 

Heráclito de Éfeso chamava a nossa atenção para esse eterno devir. Parmênides seu opositor complementar nos alertava para a permanência de tudo. Olhamos para vida e vemos mudança e movimento, mas há outras partes da mesma vida que olhamos e vemos permanência e constância. Fica parecendo que mudamos para encontrarmos o permanente que existe em nós. Somos conduzidos vida afora para que cheguemos ao ponto do qual saem todas as mudanças.

Talvez a melhor paisagem para isso seja o céu e as nuvens. O céu permanece, enquanto as nuvem passam, mudam de forma, vão de um extremo ao outro. O céu acompanha cada uma das suas formas, dos seus movimentos, das suas brincadeiras de desenhar sentidos, das suas transformações, mantendo-se inalterado.




O mesmo processo, ou bastante similar acontece conosco e em nós. Os budistas comparam nossos pensamentos com as nuvens que passam, mudam de forma, de intensidade, coloração. Ensinam os mestres que devemos direcionar nosso olhar para o céu, um ponto na mente, que cria as nuvens, ou melhor, de onde surgem as nuvens. Nesse ponto, espaço, lugar, tempo que não tem tempo, espaço, ponto, lugar chegamos ao permanente, ao eterno. Mas, haveria eternidade sem mudança? Há vida sem devir? Se há, talvez seja a melhor tradução para o tédio, porque é na mudança é no inesperado que nos realizamos. É no devir que encontramos o perene. É aqui que nos situamos no que os hindus chamam de Maya, a deusa da ilusão. A ilusão de que tudo muda, a ilusão de que tudo permanece. A ilusão de que haja nuvens e a ilusão de que haja céu. 

No entanto, independente disso, a beleza reside na nossa capacidade de nos iludirmos e desiludirmos. Iludirmos com nossas demandas, desiludirmos, naturalmente, com ou sem dor, das nossas ilusões. Nesse caso as duas coisas são boas, porque em ambas estamos no devir, em ambas estamos na mudança. E essa deusa (mudança) guarda em si mesma a capacidade de movimentar em nós algo que não compreendemos, não reparamos, não sabemos como se dá.

Uma hora o menino junta as silabas e consegue ler palavras. Um dia o adolescente junta as palavras e decodifica o sentido. Noutro momento o jovem vê o sentido oculto daquilo que não estão nas palavras. De repente, o adulto compreende que a paixão passou, o amor acabou, o casamento chegou ao fim. Tudo num estalo. Ou melhor, num processo continuo ininterrupto, que culmina no clic da mudança. Um estalo sutil, que nos acorda, nos desperta, nos ilumina. 

Mas, esse clic não tem um padrão, uma hora certa para acontecer. Pedagogicamente, tentamos conduzir e provocar esse momento. Tentamos mediante práticas de ensino e aprendizagem proporcionar a cada aluno o tempo exato de resposta para as questões por nós suscitadas, mas como sabemos hoje, esse tempo varia, oscila, sem que com isso possa-se se mensurar inteligência ou "burrice". Pelo contrário, os avaliadores precisariam mensurar, ou buscar o que promove e provoca a mudança na vida das pessoas. Se nos aproximássemos disso melhoraríamos o que motivam as pessoas a aprenderem, a mudarem, a criarem situações nas quais desejam romper e sair, enfim, sair da zona de conforto. 

Mas, como tirar alguém da zona de conforto, do risco iminente? O que nos faz sair da zona de conforto e nos movimentar? Não há um padrão definido, uma regra universal a ser utilizada, pelo contrário, cada pessoa tem um padrão diferente, uma resposta diferente, um motivo diferente para buscar a própria mudança e a mudança das circunstâncias e relações a sua volta. 




Na clínica o processo de mudança é similar ao pedagógico. Uma hora, um momento, a pessoa consegue tomar a decisão que adiou, postergou por anos, décadas. Ela, simplesmente, compreende. Não uma compreensão intelectiva e sim um clic que a altera, a muda, a transforma. Um clic que a retira do sofrimento, da dor e lhe garante um alívio. 


Na vida também não é diferente. Situações que nos enervavam, de repente, perdem essa força. Apelidos que nos faziam babar de raiva, quando escutados, não nos causam nenhuma espécie e por vezes até graça. Mulheres por quem perdíamos o sono dormem ao nosso lado profundamente. 

A mudança parece ser a fórmula que a vida utiliza para crescermos, ou em termos espiritualistas, evoluirmos. Ela nos amadurece e nos reaproxima de quem somos, do que somos. Por vezes nos agarramos ao velho, ao antigo para que o novo não nos chegue, mas o novo sempre vem. A mudança é o que de melhor podemos ter da vida. Recebê-la, aceitá-la e caminhar esperando a próxima mudança. 

Mudemos....  







terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

ÁGUA: a crônica de uma falta anunciada.

Todos nós sabíamos, que esse dia chegaria, mas poucos de nós nos importamos. Faltou planejamento estatal, faltou gerenciamento público, faltou mobilização civil. Tínhamos na cabeça que a água é um recurso infindável, inesgotável, interminável, mesmo quando desmatamos nascentes e as vemos secar. Mesmo quando a poluímos com dejetos químicos, minerais, sólidos, emocionais.

As previsões eram a de que isso só aconteceria por volta do ano 2030, quando essa data era um horizonte distante tal como 2200. O fim chegou mais rápido e com ele uma conscientização forçada, que ainda não se dá e não temos de forma geral. Continuamos tomando banhos de 20 minutos, escovando os dentes com a torneira aberta, lavando a calçada com mangueira, lavando carros sem baldes. Ações que há no mínimo trinta anos horrorizam os europeus e povos que não possuem nossa abundância hídrica. Independente de tudo, continuamos acreditando, que a água é propriedade individual e temos todo direito a ela, porque pagamos. Sim, o pior da lógica não é o desperdício, o pior é a tentativa de legitimar que a água é um bem de consumo e que por pagá-la pode-se desperdiçá-la, ou se fazer o que se queira e como queira. Essa irracionalidade é castigada com a falta e espelha a nossa dificuldade de nos entendermos como povo, nação, irmãos. O problema dos outros não é meu, ou só se torna meu quando me atinge.


A seca no nordeste foi motivo de indiferença no sudeste por décadas a fio e eis que agora, o sudeste vivencia questões similares. As imagens da Cantareira, de Furnas e outros reservatórios são similares as do nordeste da década de 1980/70. 

Nessa carência, nessa falta, nessa escassez pede-se ao cidadão comum que reduza o consumo, mas as mineradoras e grandes indústrias continuam não apenas desperdiçando água, como muitas vezes a poluindo. Eles não pensam em racionalização do consumo, nem em sustentabilidade, num contra senso desmedido, o presidente da Nestlé fala de privatização das águas e mercantilização da mesma como se ela fosse uma barra de chocolate fabricada na Suíça. 

Esquece-se que a água é bem natural. É direito de todos. Pertence a todos. É uma aberração um ser humano afirmar que é dono das águas, que as pode engarrafar e colocar o preço que deseja, como ele chegou a insinuar. Aberração maior é pensar que na mente de alguns o seu valor pode ser aumentado conforme a escassez e a demanda permitir.

No entanto, o ponto que pretendo falar e tocar, referente à água, é o energético. E pretendo fazer isso utilizando de uma concepção psíquica, esotérica na qual se associa a água às emoções. Sim, haveria uma relação entre os 4 elementos e os 4 estados do ser. Essa combinação é muito utilizada na astrologia e também encontrada nos arcanos menores do tarot onde respectivamente cada signo corresponde a um elemento e cada naipe também.  

Mas, o que representa tudo isso se virmos a água como elemento da natureza, principio inteligente simbolizado por nossas emoções? É um experimento interessante, especialmente, quando observamos a nossa desertificação emocional. Ainda mais interessante, quando dialogamos com pesquisadores que mostram que a água é um ser inteligente, que está na Terra muito antes de nós e permanecerá depois de nós. Um desses pesquisadores mostra que quimicamente, não houve alteração de uma molécula de água que seja no nosso planeta. A mesma quantidade que existia nos tempos dos dinossauros, no batismo de Jesus no Jordão, no tempo de Ramsés no Egito, de Buda no Ganges, na coroa pesada por Arquimedes, continua existindo hoje. E a constatação que ele chega é a de que não é a água que acaba é ela que se esconde, foge de quem não sabe tratá-la com respeito e dignidade que ela merece. Essa é a conjectura mostrada e comprovada por Art Sussman em seu “Guia para o Planeta Terra”.

De uma perspectiva global de longo prazo, vemos que as mesmas moléculas de Água são usadas indefinidamente. A hidrosfera, o sistema de Águas do Planeta Terra, é um sistema fechado. Nenhuma Água nova entra na hidrosfera. Nenhuma Água usada sai da hidrosfera. A mesma Água passa de um reservatório a outro, circulando continuadamente, e sugerindo o nome que damos a este fenômeno- Ciclo da Água. (Gente Cuidando das Águas, p 34)

Mas, nós em nossa prepotência e arrogância, podemos conceber uma coisa assim? Acreditar que a água foge de quem a maltrata? Sente nossa falência hídrica? Claro que não. Inclusive, por isso continuaremos com as dificuldades pertinentes e peculiares que estamos atravessando.  

Embora, essa concepção acima se faça mais fantasiosa, exagerada, mesmo tendo sustentação cientifica, pretendo ressaltar, que na contramão dessa irracionalidade, sempre tiveram os ambientalistas conscientes, os povos ecológicos que não apenas alertaram para o perigo e futura escassez como fizeram mais, criaram, construíram e solidificaram uma rede sustentável na qual se fizesse possível a convivência entre homens e o meio ambiente tendo como meta a preservação e a sustentabilidade. Gostaria de saber o nome de todos para agradecer o belíssimo trabalho desenvolvido em prol do Planeta e de Gaia, mas cito três: Demóstenes Romano Filho, Patrícia Sartrini, Margarida Maria Ferreira autores do livro “GENTE cuidando das águas” e de uma tecnologia social registrada no conceito formidável: Meu Quarteirão no Mundo e o Mundo no meu Quarteirão. Eles são alguns de milhares de pessoas que desenvolveram ferramentas de sustentabilidade não apenas para o meio ambiente, como que para os homens que compõem esse ambiente.


É nesse sentido de uma busca por uma preservação da água, que venho trazer os dados, que aos meus olhos são os mais impactantes do livro, a saber: A ÁGUA NÃO PRECISA DE NÓS. Ela vai permanecer, continuar, como sempre continuou e permaneceu até hoje. Nós é que precisamos da água. Nós é que necessitamos dela para todas as nossas atividades. Não há civilização sem água.

Jean Pierre Garel, biólogo molecular, diretor-honorário de pesquisas no centro Nacional de Pesquisas Cientificas (CNRAS) comprova que a água tem três corpos: o físico, o emocional e o mental. Ele explora isso ao propor a água como "vetor de informação", o que implica dizer algo como: que a água é mais, muito mais do que um liquido. Ela tem um sistema inteligente de captação e transmissão de informação. Mais do que isso, ela se comunica e consegue realizar limpezas, transportes, em níveis altamente sofisticado. E isso implica que a água é um ser. Um ser que possui inteligência? Consciência?


Nessa direção, ele referencia outros pesquisadores sobre a água cada um com conclusões mais incríveis e desconcertantes do que outra. E citando o último e provavelmente o mais famoso, especialmente, devido a sua aparição no filme Quem Somos Nós e ser mais visual, temos Masaru Emoto, que expõe sua pesquisa no livro: A Mensagem da Água. O seu trabalho consiste em fotografar moléculas de água, mas não sem antes escrever nos mais diversos idiomas algumas palavras que vão desde amor até ódio. O inacreditável é ver como os padrões e as formas se alteram diante de cada vibração. Essa pesquisa se estende para músicas, nascentes de água.


Cuidar da água é mais do que racionar o seu uso. É compreender uma relação de respeito, integridade no qual cuidamos dela para sermos cuidados.

Se cuido das Águas por essas razões, cuido porque EU POSSO CUIDAR, cuido porque EU QUERO CUIDAR. Cuido por minhas razões, por uma ética existencial, e não por razões dos outros, por conveniências ou por obrigações que me são impostas, explicita ou, subliminarmente, em forma de campanhas terroristas ( o fim da Água no Planeta Terra), de “marquetagens” manipuladoras (“salvar” os rios e não nós mesmos), de sentimentos de culpa (assumir responsabilidade ao invés de cuidar por oportunidade). CUIDAR DA ÁGUA, SIM; MAS CUIDAR COM A LEVEZA, A GENEROSIDADE E A EMPATIA QUE UMA PESSOA EVOLUIDA DEDICA AOS SERES VIVOS QUE ELA MAIS VALORIZA. (op cit, 37).



segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Coração Valente: a classe média midiatizada outra vez.

Todas as vezes que vejo o filme Coração Valente do Mel Gibson representando Willian Wallace recordo das classes brasileiras. 

Há os pobres no qual Wallace faz parte, que tem por sonho apenas sentir-se cidadão do seu país. Ele não quer BMW, nem iate, nem ir trabalhar de helicóptero. Ele deseja um meio de transporte que o conduza como ser humano e não como gado, que são melhores transportados em nosso país do que a classe trabalhadora. Ele quer uma casa e não um palácio. Ele quer um programa que o possibilite pagar mensalmente uma habitação. Programa que usa a verba da Caixa Econômica Federal cujo dinheiro sempre esteve lá, mas apenas para uma parte da população, a que se acha dona do Brasil sem sentir-se brasileira. 

Há a elite que cria onda, faz movimento de internet, mas são capazes de vender o próprio povo para continuarem com o mesmo status quo. Acho Arminio Fraga o seu melhor representante. Eles não se sentem brasileiros, nunca se sentiram. Eles já foram portugueses, depois ingleses, na republica franceses, na ditadura americanos, agora não sei o que são, talvez, cidadãos do universo. Seres virtuais. O fato é que nunca sentiram-se brasileiros. Na copa vaiaram a presidente. Disseram que seria a copa do caos. Foram à Europa enquanto o torneio se realizava. De lá criavam movimentos apartidários. Seria cômico, se não fosse trágico. E seria ao menos inteligente se os acontecimentos históricos não se repetissem primeiramente como tragédia e em segundo como farsa, como bem apontou Marx.


Em algum lugar entre esses dois tem a classe média, que nos seus arroubos de mediocridade pende para um lado ou para o outro. Eles/ nós me incluo, transita entre esses dois universos, mas é incapaz de uma isenção, de uma leitura critica, de um posicionamento que não seja midiático. E entenda-se por mídia: globo, Veja, Estadão e correlatos, que há mais de uma década não tem uma semana, quiçá um dia, que não bata no governo. Atendem, rigorosamente, o conjunto de valores, daqueles que usam o Brasil sem sentirem-se brasileiros. Sentem vergonha de terem nascido entre nós. 

Independente disso, o filme Coração Valente, retrata um fato social, histórico ocorrido no século XIII, de lá para cá, o sentimento de nacionalidade escocês e europeu, americano se consolidou. Não se discute se o governo é de direita, ou de esquerda, ou de centro esquerda, parte-se do pressuposto, do dado, do construído e solidificado que todos são cidadãos e são iguais. Entende-se que para garantir essa igualdade foi realizado ações afirmativas para dar a todos condições idênticas. Luta-se e briga-se hoje com uma xenofobia cada vez maior para que esses direitos conquistados não sejam estendidos a imigrantes, sobretudo, os ilegais. Aqui, nossa elite, acompanhada por parte da classe média rasga a bochecha com a unha quando se fala disso e se prática isso. A classe média está disposta e predisposta a dividir com a elite, mas aceitar que uma classe menos favorecida não precise de favor e caridade, que ocupe e acesse os mesmos espaços é para eles motivo de revolta.

Lá fora, sabe-se que para efetivar essa igualdade lutaram, mataram, guilhotinaram toda uma elite e a elite antes de ter os seus bens materiais e imateriais queimados, estraçalhados, deram os anéis e ensinou o valor que eles têm. Deram educação ao povo para poderem ter e apreciar os seus bens imateriais. Se pensarmos que os grandes museus europeus eram espaços reais, pertencentes a uma única família e dono, compreende-se o que afirmo. Quem já passou aquele frio europeu no qual parece que os ossos congelam, sabe que qualquer obra de arte vira fogueira se a pessoa não for educada para ver a diferença entre a pintura de Da Vinci e o papel ofício.

Aqui entre nós mantemos o modelo de CASA GRANDE E SENZALA, com a classe média na função de capitão do mato e de agregado. Estamos longes demais da elite e queremos uma distância cada vez maior dos pobres, mesmo quando dizemos o contrário. Defendemos mudanças desde que não mude nada em nossas vidas. Não somos racistas desde que o negro não ganhe minha vaga, ou a dos meus filhos. Não somos machistas desde que a mulher não receba mais do que nós. Não somos homofobicos desde que ele não manifeste seu desejo com o mesmo erotismo que manifestamos o nosso em espaço público. Gostamos de viagens de avião desde que no aeroporto ou no assento do lado não esteja um nordestino. Enfim, nossos espaços públicos são categorizados para a casa grande e para a senzala, haja vista, nossa arquitetura que tem quarto de empregada (não se tem isso em lugar nenhum do mundo, creio que nem na África do Sul) e os novos estádios, ambos mantêm a divisão do espaço, o compartilhamento sem partilha, a tentativa de integrar deixando claro que se está fora.


Mas, onde desejo chegar com tudo isso é nas contradições de uma classe média que irreflexiva, acrítica, imbecilizada não por se opor ao PT, a Dilma, a Lula, seja a quem for, é por se opor sem buscar fundamentos, enraizamentos, motivos. Nessa alienação informatizada, porque tem informação em rede; viral, porque se espalha como besteirol, querem sair às ruas para pedir Impeachment da presidente que está adotando políticas econômicas que o candidato derrotado deles estaria fazendo!!! Ou!!! 

É para sacanear não é? Quem tem que estar descontente, revoltado, inconformado, sentindo-se traído são os eleitores de Dilma que não defendem esse modelo. Quem tem que estar furioso e enraivecido é a esquerda que se uniu mais uma vez para não permitir que a direita (quem diria que chamaríamos o PSDB de direita) fosse ao governo realizar essas atrocidades que estão sendo feitas. Jean Wyllys ao ver a composição dos ministérios deu o grito. Eu mantive-me calado. Antes dele, Luciana Genro já tinha nos alertado: "são todos iguais".
E são, querem o poder. Não tem programa de governo, tem programa de manutenção de poder. E poder de empreiteiras, construtoras, consórcios midiáticos, bancos e especulação financeira, imobiliária. Paro aqui para não entrar no tráfico de armas, de drogas, de seres humanos. É nojento. É podre. É revoltante. Assim, são todos iguais- PT/PSDB/PSB. Todos estão a venda, seja nanicos, ou não. 

Essa política do repasse os eleitores do Aécio, especialmente, os de classe média e pobre não podem reclamar, não têm o direito ideológico e moral de reclamar, porque é a política da livre concorrência com a mínima participação do governo. Quem votou em Aécio votou nessa ideologia econômica. Nós que somos contrários a isso é que tínhamos que está puto e estamos, mas longe disso, muito longe disso defendermos intervenção militar e depor presidenta eleita por adotar um programa de governo tirado da bolsa Gucci do FMI. 

De modo que quem deveria estar revoltado e estamos somos nós. E, não falo de aumento de gasolina, reforma das leis previdenciárias e outros pacotes de maldade, que precisam ser pensados, debatidos, realizados. Ações defendidas pelo projeto de Estado minimo que abre espaço para iniciativa privada e livre concorrência e aqui é que escancaram as contradições. O governo não pode subsidiar projetos sociais para a população de baixa renda, a classe média se revolta. No entanto, raramente se questionou as benesses concedidas a bancos, multinacionais e outros. A socialite pegou empréstimo de 2,9 milhões com o nome sujo. Para não ficar em um único governo, Wagner Canhedo cansou de pegar empréstimos para salvar a Vasp. O bom senso pede coerência, quem é contra o subsidio não pode reclamar do aumento da gasolina (subsidiada pelo governo) e pela luz (igualmente subsidiada). E não deve ficar esperando da previdência mediação na arrecadação, por mais ganancioso e extorsivo seja o Estado na sua mordida de leão. 

Reclamamos de um governo eleito que age como se fosse derrotado e oposição. Falo de um governo que vem com medidas que são um retrocesso aos avanços sociais que conseguimos e poderíamos avançar ainda mais. 

Assim, a elite que a classe média esta fechando e compactuando, tal como no filme Coração Valente é a mesma que vendeu o país aos americanos e aplicaram a operação COM-DOR, mediante torturas, desaparecimentos, extermínios e a outra ações inenarráveis, crimes contra a humanidade, que somente entre nós brasileiros prescreveram e foram anistiadas. 

Em todo o mundo, desde sempre, a elite perdeu. Aqui, eles nunca perderam. Nunca cederam. São os eternos Donos do Poder. Mandam, desmandam, fazem o que querem. Crise d’água? As mineradoras não tem, poluem, utilizam a água potável e seguem causando impactos ambientais, sociais, tudo por garantir dividendos econômicos. Mendes Junior, Andrades Gutierrez, Correa tem contrato com o governo "desde o império". É um absurdo acreditar, insinuar que começaram a pagar propinas para ganhar licitação apenas em 2002, que antes disso sempre foram republicanos. Isso é sacanagem, promiscuidade ventilada pelos meios de comunicação e engolida pela classe média sem reflexão e questionamento. Sabe-se do interesse internacional pelo pré-sal. Sabe-se do interesse de Soros pelas ações da Petrobras que despencam, mas tem gente comprando, quem? Por que? 

Não temos outra opção para fazer frente a esses grupos econômicos senão a consolidação dos espaços democráticos. Não temos alternativas senão a construção basilar de mecanismos de transparência na qual se coloque em cargos estratégicos, técnicos profissionais de carreira. Nós só podemos nos defender desse poder que oprime e compra sim o que quer, mediante, um funcionamento em rede na qual a voz de um pode ser amplificada para milhões. Falamos da Petrobras, mas o que sabemos do condomínio do nosso prédio? O que sabemos das contas da prefeitura da nossa cidade? Em Minas as prefeituras foram compradas pelo mineroduto, independente de impacto ambiental, social. Se investigar tem corrupção, propina, tem escândalo, enriquecimento ilícito. É um preço muito caro para permitir o funcionamento nesses moldes das mineradoras. Mais do que nunca precisamos do cacique Seattle de 1855.


É humanamente inviável, acreditar que um individuo frente a corporações como essas será capaz de resistir ao poderio econômico. Creio que somente um a cada cem mil seres humanos negariam uma propina de 200 mil reais. Não estou falando de milhões e menos ainda que isso aconteceria uma única vez. Estou falando de uma valor estimado por baixo para liberar um contrato. São dezenas. Quem vai dizer não? Como se fala não em uma sociedade que apregoa o ter e o individualismo em detrimento do ser e do coletivo? Falamos em combate a corrupção, mas aceita-se e oferece-se propinas, suborno, cachaça, queijo e o que está na medida dos recursos de cada um.  

Particularmente, acredito que o preço que o PT pagou para chegar ao poder faça parte do jogo, dá para entender. O preço que o PT está pagando para permanecer é caro demais. Nenhum deles, absolutamente, nenhum, por tudo o que fizeram, lutaram, necessitava de uma pecha dessa nos seus nomes. O mesmo vale para FHC, Serra e graças a Deus, Covas morreu antes. É caro demais perder a liberdade, a veemência daquele grito que Mel Gibson pode bradar ao final: FREEDON.

Morrer tendo tido uma vida ilibada, ainda não tem preço. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

TERCEIRO INCLUÍDO: amor em três perspectivas.

Terceiro excluído é um termo da lógica. Nela apregoamos o sentido de igualdade, o de diferença e o terceiro excluído. O da igualdade seria A = A. O da diferença seria: A ≠ B. Dentro dessa lógica binária o terceiro é automaticamente excluído. Na nossa lógica formal sabemos pouco o que fazer com o terceiro. A dialética hegeliana chegará mais tarde.
Numerologicamente, o 3 é o número do equilíbrio. Alguns vêem até mesmo harmonia. Mas, o três é antes de tudo o número da busca. Três sempre são dois contra um (1+2), o que força a um equilíbrio, mas nunca a uma estabilidade, que será encontrada no 4.

Nas relações amorosas pensamos sempre na dualidade (2) e a chegada de um terceiro altera a relação, a direciona para outro patamar. Provoca uma instabilidade, por vezes insegurança, que ou se efetiva uma construção mais sólida (4) ou se rompe retomando as individualidades, 1 e 1.

É elegante observar e perceber o que as individualidades vão construindo ao longo de sua jornada, (1) se encontra com o outro (1), ou o outro (1) se encontra com um (1) e efetivam  o casal (2). Essa relação para se consolidar e se efetivar se faz ora por identificação, ora por distinção, mas vai se efetivando algo que ao final não é nem mais e nem o outro- é a relação (3).

Essa relação é colocada em choque quando aparece, se aproxima, um elemento x que não estava, inicialmente, na equação e que naturalmente provoca um desconforto, uma instabilidade, inicialmente, em um dos parceiros, que acaba culminando na relação (3). Isso denota ou a solidificação, estruturação dos envolvidos (4), ou a desconstrução do processo e um novo recomeço (1) e (1).  

Se substituirmos os algarismos e darmos nomes estaremos diante de muitos, senão todos os relacionamentos. Troquemos o (1) por João, o outro por Maria (2) e o elemento x por Fê (que pode ser de Fernando ou Fernanda). Os casais vivenciam essas tensões, essas instabilidades, essas buscas por construções e solidificações mais estáveis, ou não. Há inúmeros casais que se equilibram, justamente, na instabilidade do surgimento de um terceiro, uma terceira, na transa com esses terceiros sejam juntos ou separados. As construções de João e Maria se dão das formas mais diversas e singulares possíveis e não vem ao caso e nem ao mérito, especialmente, quando acordadas entre os dois.

Bem, minha questão, como quero colocar é que toda essa lógica se estrutura em uma racionalidade que afirma que o que denominamos ser humano é marcado pela capacidade de pensar, de raciocinar. Nessa primazia estamos falando de uma racionalidade lógica, binária, dual produtora do mundo e da linguagem capaz de nos diferenciar dos animais, capaz de nos colocar no cume do patamar evolutivo. Todavia, há tempos que vemos no horizonte outra conceituação, uma outra etapa para o humano, relacionado a capacidade de amar. Sabemos que a razão, ou a racionalidade é capaz de produções celestiais e produções bestiais. Sobre as celestiais podemos falar do invento humano, que em diálogo com a natureza, lhe transcende, mas permanece humano, mesmo buscando o celestial. Acerca das bestiais podemos falar do que os frankfurtianos chamaram de racionalidade instrumental, isto é, uma propensão a transformar tudo em objeto, inclusive, e, principalmente, outros humanos.

Assim, temos essa racionalidade celestial, que chamaremos no melhor exemplo de Hanna e Habermas de DIALÓGICA, porque a sua função é o entendimento, é o respeito. E temos essa outra racionalidade INSTRUMENTAL cuja funcionalidade é a conquista, o poder, o mando. Nós humanos vivenciamos essas duas formas de linguagem, de racionalidade, de estar e ser no mundo. Trocamos uma pela outra, quando não nos esquecemos completamente da existência de uma outra racionalidade, ainda para nós nova, que começamos a tatear agora. Sendo que nessa perspectiva que caminhamos o que nos faria humanos não seria apenas a racionalidade, mas também a nossa capacidade amorosa. Nessa direção poderíamos falar de uma integração que seria algo como: “pensar com o coração e sentir com a mente”. É preciso deixar claro que esse não é um movimento suave, fácil. Pelo contrário é um movimento que tem travado a maioria de nós, porque quando a gente conseguiu dominar uma ferramenta que conquistou o mundo e ainda o conquista somos convidados a experimentar uma nova forma de ver as coisas, falar das coisas, percebê-las e interagir com elas. É frustrante.


Mas, o ponto que desejo tocar é que na lógica amorosa não há terceiro excluído. Precisamos começar a compreender que o amor açambarca os amantes e os amados. Longe de defender aqui a orgia, a poligamia, a poliandria, os relacionamentos abertos, mas longe também de condená-los. Cada João, cada Maria deve equilibrar a sua relação (3) e consolidar o seu relacionamento (4) de tal forma que o amor não seja encarado com culpa, vergonha, medo. O amor não merece essa pecha. Não precisa carregar a partir das nossas escolhas a raiva, o fracasso, a derrota, a maldição, elas podem estar envoltas na ternura, na candura, na aceitação, na compreensão e na felicidade, pares e companheiros muito mais afeitos ao amor do que os primeiros.

E é aqui que falo dos parceiros visíveis. Escrevi sobre os parceiros invisíveis num post anterior.


Era uma dinâmica de um atendimento que tinha realizado. João ama Maria, mas por diversos motivos, por inúmeras razões, João pisou na bola, não uma, duas, três vezes. João pisou na bola de tal forma que as marcas foram profundas, profundas ao ponto de atingir aspectos energéticos, entidades espirituais que impediram Maria de retornar para João.

Maria queria, estava dividida, balançada, mas uma amiga invisível de Maria colocou no caminho dela Fê. E Fê não queria ser pedra de tropeço no caminho dos dois. Não queria ser entrave no caminho dos dois. Ao mesmo tempo, o retorno de Maria era um movimento que ela achava logicamente possível, mas a questão já não estava no terreno da lógica. Estava em um ponto, em um local que sem ela reconhecer o tanto que foi magoada, traída, envergonhada, toda a tentativa dela seria algo como esparadrapo sobre fratura exposta. Ela poderia se enganar passando mertiolate, afirmando estar cuidando, dizendo que estava querendo, mas o que há de mais profundo nela, negaria e a afastaria dessa experiência novamente.

Bem, esse é um lado, porque do outro há o arrependimento sincero, verdadeiro de João. Ele quer voltar, ele deseja o retorno. No entanto, o tempo dele passou. Não por ter ido embora, passou, porque o que ele poderia fazer, ele já tinha feito. Agora, ele estava sob a dependência da vontade dela, do tempo dela. O tempo dos dois havia sido desfeito e precisava ser reconstruído. Mas, com base em que? Confiando como? Como se aposta de novo em quem te feriu tão profundamente? Mas, o novo não pode promover a mesma decepção? Como escolher?

O que observei na dinâmica e da dinâmica, sem ousar interferir um segundo. Apenas tentando expor o mais fidedignamente a situação para todos os envolvidos é que o único que não pode perder é o amor.
João ama Maria. Pisou na bola, mas o ama. Maria ama João, foi pisada, mas ama. Maria ama Fê. E Fê e João não precisam se odiar, não tem que se matar, nem brigar. Perceba o nível de tensão disso. Porque é claro que João tem que lutar por Maria. É obvio que Fê tem que defender a relação. Mas, nenhum dos envolvidos precisa excluir o outro. Nenhum deles precisa tirar o amor fora, especialmente, o recheando de ódio e vingança.

Luis Soares nos contava da necessidade e importância dos dois que se assumem juntos, que escolhem ficar juntos abraçar esse terceiro, acolher esse terceiro. Reconhecer a importância do amor, do afeto, da lealdade dele não apenas para com a mulher que eles amam, mas para com a vida, para com o todo. Isso ajuda a todos nós a crescermos, expandirmos, evoluirmos. E, claro que dói, mas essa dor pode ser acolhida, respeitada, compreendida e transmutada.


A maioria deve estar pensando e dizendo: nunca!! Não tem como. Não tem jeito!!! E eu digo que tem. Há inúmeros casais vivenciando isso de forma mais fraterna, mais amorosa. Compreendendo que o amor não acaba, não morre, mas a paixão por vezes apaga, a confiança as vezes se finda. A convivência se faz insuportável como disse certa feita uma partilhante. Mas, nada disso retira o amor, apaga a história.

Na outra ponta da mesma corda, do mesmo barco há aquele que ficou só, que ficou, momentaneamente, sem par. E esse precisa agradecer tudo o que foi. Se construir para vivenciar uma relação que será melhor do que a anterior. Melhor, porque crescemos, maduramos, e a próxima relação se tivermos aprendido com as nossas falhas, os nossos equívocos, os nossos erros, estaremos mais presente, mais atento para olhar o outro e a relação. E as relações nos ensinam. Elas começam justamente do ponto no qual paramos na anterior. E daí para frente caminhamos até o surgimento de mais um(a) Fê na relação.

De modo que, na perspectiva de nossa racionalidade instrumental sempre teremos três perspectivas que se excluem, já que a que deve prevalecer é a pessoal/individual em detrimento das demais. Os portadores dessa racionalidade sofrem, doem. Sofrem e doem uma dor muito mais forte do que a separação, porque desejam um controle, um lugar que essa racionalidade não alcança e por não alcançar se angustia e sofre.

Há outra perspectiva, a dialógica, que vê tudo isso como amor. E aí ninguém perdeu por amar e todos ganham por estar amando. É uma perspectiva que nos aproxima da integração e da percepção de que nada aconteceu fora do espectro do amor. Até mesmo as palavras rudes, as lágrimas doces, os apertos de mão aflitos, os beijos mordidos, os olhares superficiais. Foi o amor que demos conta de manifestar, foi o amor que demos conta de ser. E o amor tem uma dinâmica plural, sexual, que se dá apenas no encaixe, no encontro com o outro. O amor busca o outro. O amor é um sair de si mesmo e se colocar em direção ao outro, ao mundo. Nosso fazer, nosso ser são expressões amorosas. Bem, nesse horizonte, não há culpados, traídos, traidores. Há entrega, entendimento, aceitação e as formas com que escolhemos manifestar o amor em nossas vidas. Mais do que nunca, mais do que em qualquer outra época e tempo temos chances de escrevermos amor sem drama, sem tragédia, sem dor. podemos começar a rimar amor a felicidade, a prazer, a alegria, a abundancia. Podemos libertar a nossa manifestação amorosa da angustia, da culpa, da vergonha, da derrota, do drama, da falta, do vazio. Amor pode ser manifestação do nosso ser em potência, na plenitude de tudo o que ele pode nos legar.

Amor pode ser mais encontro que espera

Mais luz do que trevas
Mais calor do que agonia
Mais ternura do que inveja.

Amor pode ser mais ato do que fala
Mais expressão da gente do que fera.
Amor é um ser, um atributo, que podemos nos fazer, nos tornar.
Ou deixá-lo se aproximar como fez o poeta:





Creio que pode ser vivido sem sofrer. Vivamos o amor,  escolhendo, sem excluir.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Charlie: liberdade e liberdade de expressão

Os acontecimentos na França retomam a eterna discussão sobre liberdade. E é estranho como uma palavra vai ganhando significados diferentes ao longo do tempo.

Na revolução de 1789 liberdade era uma conquista que assegurava a individualidade dos seres, assegurava, inclusive, esse ser não ser tratado como objeto, como coisa, como escravo. O ideal de liberdade era garantir que todos fossem tratados iguais.

Por anos quando se brigava por liberdade, brigava-se por esse direito inalienável de ser pessoa. Brigava-se, defendia-se o direito de se expressar. Para muitos sempre foi uma liberdade burguesa. Eu não me enveredo por esse caminho, prefiro observar que as liberdades, no que elas têm de “vontade de potência”, entraram em choque após o fim da 2ª guerra mundial. Vontade de potência é um conceito do filósofo alemão Nietzsche. Um conceito que foi extremamente deturpado pelos nazistas, mas que em suma diz respeito a um tipo de vontade, que se afirma, inclusive, em detrimento do outro.



Mas, o registro é para salientar que ali (pós 45) o conceito de liberdade foi alterado e muitos não perceberam. Evidenciou-se que a liberdade não pode ser um livre expressar, um livre fazer, vimos que nesse sentido, nessa direção alguns indivíduos, ou grupos podem submeter milhares a condição de coisa, objeto, por terem, gozarem, exercerem de um quantum maior de potência. Essa liberdade associada a um fazer, a uma desmedida que só poderia ser dada, sentida, mensurada por dentro e nunca por fora, entrou em colapso.

A partir desse colapso temos novas concepções de liberdade e vou pensar nas de Sartre, um francês que talvez não fosse Charlie e Levinas que sem dúvida é Charlie; ou não?!!

A liberdade para Sartre, diante do cinismo irresponsável dos acusados de crime contra a humanidade, passou a ser sinônimo de RESPONSABILIDADE e engajamento. Liberdade é escolha. Não de situações absolutas, claras, mas situações cotidianas, na sua maioria simples, tal como, publicar ou não uma charge? Veja, que a discussão não é sobre fazê-la ou não, mas sim, publicá-la. Sartre nos chamava atenção para como que nessas pequenas escolhas, escolhemos o mundo. E como que somos responsáveis por isso, como que ao escolhermos, escolhemos a humanidade inteira. De tal modo, que não me eximo, por estar seguindo ordens, ou por ser professor, ou por ser cartunista, ou por ser artista; sou ser no mundo e arco pelas minhas atitudes não para mim mesmo, mas para humanidade.


Levinas diante do mesmo cinismo, viu a imoralidade, viu a falta de uma eticidade por aqueles que praticaram as inumeráveis atrocidades. No entanto, na sua leitura do nazismo, historicamente, eles deram cor, forma, tom, a uma racionalidade que sempre foi brutal, sempre foi imperialista, sempre foi dominadora, o nazismo a maximiza. Ao final dessa racionalidade a constatação dele, de Hanna e alguns outros é de que nunca existiu outra liberdade se não a do EU, a da IDENTINDADE, a dos iguais. A liberdade sempre esteve assegurada aos mais fortes, aos mais poderosos, àqueles que nasceram assim e impunham essa concepção aos outros.

Levinas, junto com tantos outros, nos desvelaram O OUTRO. O outro nunca tinha existido na história do pensamento ocidental. O outro nunca fora respeitado. O outro sempre foi subjugado. O outro nunca teve LIBERDADE. Durante todo o tempo fizemos a expressividade do EU, da IDENTIDADE, dos iguais. E o EU sempre foi: homem-adulto-hetero-branco-letrado-rico. As mulheres, as crianças, os homossexuais, os negros, asiáticos, indígenas; analfabetos, assalariados sempre foram OUTROS. Isto é, nunca foram. Para alguns... nunca serão.

Assim, quando falamos de liberdade no século XXI não estamos mais debatendo sobre o direito a igualdade de todos. Isso é conquista, embora não respeitada, de todo ser humano que nasce desde 1948 com a Declaração dos Direitos dos Homens. Estamos debatendo sobre o respeito às diferenças, de alguns, de poucos. Se há um que se mostra diferente no meio da totalidade, esse um precisa ser RESPEITADO. E diante da representatividade desse um, não há liberdade de expressão que se justifique.

Não há mais espaço para a discussão de liberdade que finalize com a frase: “os incomodados que se retirem!!!” Não!! São os incomodados que demarcam os limites da nossa expressividade. Porque a liberdade, desde o pós guerra não pode mais ser tratada como sendo um direito inalienável de um grupo, um segmento, sobre o outro. Liberdade precisa ser compreendida como respeito às diferenças, ao não igual, ao OUTRO. Mas e o humor? E a liberdade de se fazer graça? Temos que aprender a rir de outras coisas.

Historiadores comentam que foi comum entre os conquistadores espanhóis apostarem ao verem uma mulher grávida de muitos meses, se a ‘cria’ era macho ou fêmea. Para garantirem a aposta, abriam a barriga da mulher, tiravam o bebê de dentro. Ah!! E entre muitas risadas e gracejos.

Temos que aprender a rir de outras coisas.

Mas, finalizando, talvez Sartre condenasse as charges de Charlie, por ver nelas um aspecto opressor, gratuito, injustificado, por vezes. Já Levinas, talvez apoiasse Charlie, não por ser judeu, mas por tentar assegurar ao cartunista o direito de ele ser o OUTRO. Talvez, se desse o contrário, Sartre apoiasse o cartunista e Levinas o condenasse.

Fato é que nunca saberemos qual seria a posição de um ou outro. E é nesse limiar que Bourdieu nos fala de violência simbólica. A liberdade que estamos apregoando, saindo as ruas com camisa, botons é a que legitima o direito do mais forte, seja por ser mais culto, seja por ser mais rico, seja por deter os mecanismos de reprodução seriada, de oprimir, silenciar, escorraçar o OUTRO, por ele ser diferente.

Trazendo a questão para os chargistas, é um equivoco chamar de liberdade de expressão uma charge que ofende, agride- isso é violência, tão selvagem, tão primitiva, quanto metralhar outro ser humano. Mas, o que não quero deixar escapar é que um artista pintar uma tela e fazer a exposição dessa pintura é liberdade de expressão e precisamos assegurá-la, mesmo e ainda que contra outros segmentos. Um poeta, escritor expressar seu universo é liberdade de expressão e a mesma garantia deve ser dada.

Já a industria cultural de reprodução em massa, não é liberdade de expressão é massacre simbólico. É covardia. Publicar quase que semanalmente, por décadas charges e representações de algo que milhares sentiram-se constrangidos, ofendidos, magoados, desrespeitados, não pode ser visto como liberdade de expressão. É aos meus olhos similar a indiana que diariamente ia a delegacia reclamar de maus tratos, de espancamento por parte do marido, e nenhuma ação é tomada, nenhuma medida é realizada. Até que ela degola e corta o pênis do opressor, aí ela é presa e chamada de violenta.  

Precisamos reconhecer que a violência simbólica é criminosa. Os cartunistas podem se expressar, porque tem um mecanismo de reprodução que assegura e lhes garante, no melhor exemplo de Goebells todas as cretinices que lhes são possíveis. E para tirar isso desse enfeite e colocar sobre o prisma do mercado, o atentado tirou a vida e feriu dezenas de seres humanos, assim como multiplicou exponencialmente a tiragem do folhetim. Num humor tão estúpido quanto o deles poder-se-ia criar charges nas quais se pensaria em possíveis alvos entre eles.

Enfim... se a questão fosse de liberdade de expressão garantir-se-ia o direito da comunidade muçulmana fazer charges dos chargistas no seu ambiente de trabalho e com suas tintas. Isso não é assegurado. Asseguraria aos muçulmanos e outros grupos, espaço para responderem as provocações.

Isso não é liberdade de expressão é vontade de potência no seu grau mais fascista, mas diga-se de passagem, essa é a égide da indústria cultural, não é uma especificidade de Charlie e seu grupo.