domingo, 7 de junho de 2015

SÍSIFO E O SACRO-OFICÍO: à divindade.

Sísifo enganou a morte por duas vezes, foi um mortal capaz de desafiar as leis naturais, pelo menos até certo ponto. Não obstante, foi castigado pelos deuses a empurrar uma pedra morro acima, que por efeitos das leis da Física, da lei natural, rolaria sobre ele, praticamente, o esmagando. A tentativa de Sísifo em quebrar as leis naturais o colocou numa posição de sacrifício eterno. O seu fazer se tornou rotineiro e a sua astucia, sua inteligência, sua criatividade ia sendo diluída diuturnamente.

O mito adentra nosso imaginário, visita nossos ânimos, alimenta as nossas reflexões. E nessa quinta-feira de Corpos Christi fiquei observando duas pessoas que desenvolviam suas atividades de maneira concentrada, atenta, inspirada, motivada. E realizavam um trabalho que em poucas horas seria pisoteado, que a maioria não daria valor, que ninguém saberia que foi ela que ajudou a realizar. Era um fazer anônimo, sem reconhecimento. E elas estavam lá, desde as seis, sete da manhã e com folego para desenharem e ‘colorirem’ mais uns dois quilômetros de avenida.



Essas ações me intrigam, afinal o que eles ganham em troca? Não faziam por dinheiro, não faziam por status, não faziam por reconhecimento? O que eles queriam e o que eles ganham com isso? Entenda que a ação deles é justamente o contrário da nossa. Para a grande maioria o trabalho é tripalliun um instrumento de açoite, que nos aflige dia após dia. Nosso trabalho é a própria representação do mito de Sísifo e diante dele temos que nos perguntar: há saída? Pode-se ser feliz e pleno realizando uma atividade profissional?

A maioria das pessoas escolhem uma profissão que as oprime com o peso da rotina. O tripalliun as açoita dia e noite, anos a fio, até a sonhada aposentadoria. Trabalha-se esperando o fim. Inicia-se o dia de trabalho na expectativa que ele termine o mais rápido possível. De modo que o trabalho é torturante sejam pelas condições impostas, seja pelas condições que nos impomos, mas quero falar dessa outra dimensão do trabalho que é labor, que é louvor, que é celebração, que é aproximação da divindade. Talvez esteja falando de utopia, talvez esteja sendo ingênuo, mas monges sejam eles budistas, hinduístas, cristãos, assim como artistas e alguns jogadores profissionais tem mostrado que há um estado de graça em algumas atividades. Mais, precisamente, não na atividade em si, mas na forma com que a realizam. Uma forma na qual o importante não é o eu e sim o não eu. Não um não eu, enquanto renúncia de si mesmo, mas um não eu, enquanto abertura de expressão para a divindade. 



Nessa mesma linha, sempre achei estranho saber que monges budistas faziam mandalas que seriam espargidas pelo vento. Era um trabalho tão meticuloso, tão lindo, que não entendia para que tanto esforço em vão e ali nas ruas de BH eu via a mesma relação. E, no caso budista, as mandalas são realizadas com o intuito de se desenvolver o desapego. Elas são feitas com todo carinho, com todo cuidado, com toda atenção na expectativa de o vento as leve. 


Na quinta-feira do dia 6/6/2015 fui correr no Parque Municipal e vi uma moça linda e solitária desenhando no chão. Me deu vontade de perguntar: você está utilizando pemba para fazer os desenhos do santíssimo? Não perguntei, apenas a observei no seu trabalho silencioso e profundo. Em torno de uma hora depois, saindo do parque lá estavam várias pessoas sentadas, utilizando de serragem para colorir os desenhos da moça. Tinha um rapaz cuja energia dele me chamou atenção: pernas cruzadas, olhar atento e fixo, exalando uma amorosidade que o tomava, mas não o envaidecia. O que ele fazia era belo, mas ele sabia que aquela beleza passava por ele. Fiquei olhando para ele com vontade de perguntar: não sabe que daqui a poucas horas centenas de pessoas vão pisar no seu trabalho? Não sabe que daqui a instantes ninguém vai saber quem é você? Eu que escrevo sobre você não sei quem é você? Por que acordas às 4 horas da manhã de um feriado para uma ação assim?

Também não perguntei, mas a energia do moço, das outras pessoas que tomavam a Avenida Afonso Pena me contavam que ele fazia aquilo para a divindade. Sim, aquele era um trabalho de devoção à divindade. Ele não estava ali por ele, fazendo para ele. Ele não tinha nada a ganhar, porque não havia e não há preço que pague o que ele estava dando e recebendo naquele momento e na vida dele. Ele estava conectado a sua divindade de adoração e fazia aquilo por acreditar que ela ficaria feliz e a felicidade da divindade era a felicidade dele. Adorar a divindade que ele cultua era a forma de ele sentir-se pleno, integrado, harmônico, um ser humano melhor. E a beleza que a gente via era expressão desse amor.

Um amor que não é autoral, não tem que ser. Ele não fazia aquilo para o padre, ou para a esposa, ou para os filhos, nem mesmo para ele; ele fazia para a divindade, no caso Jesus. Isso não tem preço, não tem negociação. O valor dessa ação não cabe em nenhuma quantificação. Isso que realizou está além do mercado e das teorias de exploração. Não temos, pelo menos não conheço um conceito no qual a reificação pode ser entendida ao avesso do que ele é, ou seja, uma integração na qual o seu fazer encontra-se refletido no objeto que foi produzido- LABOR. É o mais perto que podemos chegar.

Sacro-oficio é o outro conceito que podemos tentar nos aproximar, isto é, tornar sagrado o seu fazer. É como se diante da amargura de Sísifo encontrássemos uma forma de significar o nosso fazer. E esse significado pode ser dado de diversas maneiras: 1- pelo salário recebido; 2- pelo prazer e reconhecimento conquistado; 3- e é o que estamos tratando o de entregar o seu fazer a uma divindade. Tornando o seu realizar uma adoração à divindade.

Nessa perspectiva, aquela energia era voltada toda a ela, para ela. Não era uma renuncia ao eu, ao ego, mas era uma entrega a divindade. Aquelas pessoas não estavam centradas no que aconteceria, que em pouco tempo o vento, as pessoas pisariam na realização delas, o centro da energia delas estava no ato de que elas se deram à divindade.
Eu não achei outro nome senão estado de graça. É um estado de beatitude, de plenitude. Não se tem nada para receber, não há valor que possa pagar. É um ato que não tem preço. Incomensurável. É basicamente o que Bhaktivedanta Swami Prabhupada ensina no movimento Hare Krishna, isto é, oferecer, ofertar o seu fazer a divindade.




É lindo!!! É belo!!! Fossemos capazes de trazer essa presença e essa energia as nossas atividades, ao nosso trabalho, a nossa rotina, re-significariamos Sísifo, seríamos capazes de vencer as leis naturais no que elas nos apresentam de repetição e mesmice, tripalliun e açoite. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Maternidade: maeternidade

Salve a todos!!

Na reunião do primeiro sábado de maio de 2015, lua cheia em escorpião, trabalhamos o tema maternidade. O tema foi escolhido devido à proximidade com o dia das mães e junto ao tema buscamos meditar sobre a energia do cuidado, do ato de cuidar, tendo o feminino como pano de fundo.

Iniciamos as meditações, trazendo os artistas, que tanto nos auxiliam no processo de meditação, aprendizagem, com leveza e suavidade. Nós trouxemos duas crônicas de Clarice Lispector, uma reproduzo aqui por ser curta e a outra deixo o link para quem desejar, recordando que Clarice é profunda, intimista, vasta. Uma vidente da alma. Vale a pena ler.

A importância da maternidade.

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca […].”

O texto consegue explorar o que desejávamos, inicialmente, esse doar e esse cuidar tão caro à maternidade.

Falamos um pouco sobre isso e em seguida lemos outro texto, também da princesa ucraniana, também denominado Maternidade, o link segue abaixo:


Entrando na parte das meditações, os amigos espirituais nos pediram para silenciarmos e adentrarmos o mais profundo que conseguíssemos. Inicialmente, vi uma imagem similar a um compasso que saia da terra e ia subindo, se expandindo. Em determinado momento, havia a mesma dinâmica, mas agora partindo do céu em direção a terra. Ao mesmo tempo em que essas imagens iam se dando como se fosse referente ao céu e a terra, ela acontecia dentro da gente, dentro de mim, como se o infinitamente pequeno se encontrasse com o infinitamente grande, justamente, na região do cardíaco. Quando elas se encontravam formava o horizonte. Um horizonte ilimitado. Esse horizonte era fusão, integração, entrelaçamento de duas dinâmicas similares, complementares, mas opostas.



Nesse processo havia um ponto. E esse ponto retomou a energia da fecundação, ou a idéia da fecundação, mostrando a dinâmica do óvulo e do esperma. Sim, brincaram de me colocar na condição de amparadora, receptora. E fiquei lembrando de uma vida na qual fui prostituta e poucas vezes tive uma sensação tão grande de poder quanto a de receber o esperma de um homem. Era tão prazeroso e ao mesmo tempo tão poderoso, que aquela mulher para mim era sagrada. E, nessa dinâmica, isso esteve presente e retomou, mas agora sem muitas sensações, volições, apenas um acompanhamento atento, silencioso acerca desse cometa que transborda por dentro da mulher. Esse jato de potência, de fecundidade, encerra uma parte fantástica da criação, mas que se faz inacabada, incompleta, até que mediante, o acolhimento, a mulher DESENVOLVE, todo esse potencial.

O verbo DESENVOLVER, TRANSFORMAR, e outro que não me recordo agora passaram a ser para mim a energia mais perto do feminino. Nada relacionado a algumas concepções que utilizamos mais de fora do que de dentro.


Durante o exercício os amigos salientavam que toda criação é um ato de dois princípios, masculino e feminino (não se discorre sobre a questão de gênero e sim dos princípios envolvidos) da força e das polaridades, para haver criação, elas precisam estar postas. E fomos convidados a observamos a movimentação dessas forças em nós. Como não poderia ser diferente, a feminina me chamou muito atenção, porque as características que damos a ela, nesse estado que nos encontrávamos, não se aplicava. E, verdade seja dita, quase não se via, diferença na movimentação do principio masculino e do principio feminino, a distinção se dava no aspecto de que um era externo, visível, extrovertido e o outro era interno, tácito (não é invisível), introvertido, subjetivo. A imagem era mesmo todo o movimento da fecundação seja da terra, seja da mulher, como mencionei acima.

Falamos mais desse movimento de passividade e entrega, o Wu-wei dos chineses, algo como o não-movimento. Mas, o não movimentar não é ficar parado, nem inerte, não há esse movimento no universo. O não movimento é um agir pelo fluxo, na dinâmica do fluxo. Algo que me é fácil intelectualmente, mas que bloqueio no sentir da vida. O não movimento é encontrar a vibração do mundo em si e parir o mundo, sentir o mundo, na sua vibração. Dá para entender?

De modo geral vemos o feminino como sendo o parado, o estático, mas o movimento do feminino é imenso, dinâmico, mas para dentro. O movimentar masculino é uma agitação que tem no lançar o esperma o seu ápice. O movimentar feminino é uma vibração que tem no ajuste da ovulação o seu ápice. É um DESENVOLVER E TRANSFORMAR formidável. É o barro e o oleiro. Um deixar-se conduzir, ser, mover. Um receber para transformar melhorado, ampliado.

Mas, é esse não movimento que trás a abundância, que nutre os seres, que realiza a multiplicação dos pães e dos peixes. É esse não movimentar que movimenta o universo, que interliga coisas e seres a um único movimento e sussurro. VIBRAÇÃO.

Nesse momento, eles nos mostraram os homens saindo para caçar, vencendo as intempéries da natureza, arriscando a própria vida para trazer a caça. Na mesma cena, eles salientavam que nessas buscas que por vezes demoravam meses, as mulheres e as crianças não morriam de fome. Elas nutriam os seus com aquilo que lhes estavam envolta, elas vibravam com a natureza. Os homens faziam o movimento externo, o de ir além, de buscar, de caçar; as mulheres ficavam no seu local e faziam um movimento que nutria e possibilitou o conforto, a domesticação, o sedentarismo. Elas proporcionaram um menor esforço. Elas proporcionaram a civilização.


O masculino tem dificuldade de entender e integrar essa regra, essa conduta. Sempre acreditamos no fazer, no realizar, enquanto muitas vezes o segredo está no esperar, no aguardar. Nessa parte, eles citaram Jesus: “pedi e recebereis. Buscais e achareis Batei e abriras.” Mas, enfatizaram a completude dos princípios: pedi, buscar e bater (masculinos) acompanhados, respectivamente do receber, achar e abrir (feminino). A completude implícita do ensinamento segue-se na passagem quando ele salienta a força da Deusa-mãe ao mencionar o pedido de um filho com fome. Mateus, 11, 9-13. A ideia que eles nos deixaram é que caminhamos para uma unidade, uma integração, na qual aprendemos a utilizar a VIBRAÇÃO como movimento e não apenas a força. Aprender sobre isso abre as portas para paisagens que nunca percorremos, porque não é um ir, um fazer e sim um situar.

Iniciamos e finalizando com uma observação que me chamou atenção mediante o terremoto no Nepal e o deslocamento do centro de força da Terra para o Andes. Mais, do que uma energia feminina, cada vez percebo uma energia de integração, uma energia que busca um movimento, um deslocamento de ambas as polaridades, algo como: um jogo de cintura maior do masculino, mediante uma rebolada, uma circularidade maior, aliado com um aprofundamento maior do feminino, uma linearidade, uma seta. Esse movimento tem acordado e despertado novos símbolos, novas interpretações, novos chamados, novos encontros e confrontos, precisamos estar atentos a eles.


Em seguida os artistas falaram da grande obra dos alquimistas, relacionando com a criação e nessa criação o processo de integração do masculino e do feminino. Falamos do símbolo astrológico do sol o que nos fez rever, quase que completamente, o entendimento desse símbolo como sendo masculino. Mas, isso tendo a escrever sobre elas mais para frente.



terça-feira, 21 de abril de 2015

O ARTISTA: o drama em cena.

 O artista é um filme que mostra um grande ator do cinema mudo, entrando em parafuso com a invenção do cinema falado. Ele vai me servir de contraponto para falar de mudança de paradigmas e os estragos que isso acarreta e nos acomete. Mas, antes preciso contar umas anedotas que nos auxiliarão na reflexão.

Certa vez, meu primo me contava, que tinha um mudo que assistia a vários shows e não parava de dançar, invariavelmente, no ritmo. Perguntado como: ele disse que acompanhava o movimento do baterista. Ele ‘ouvia’ com os olhos e essa percepção dava a ela condições de ficar próximo do ritmo.

Outra é uma ilustração fantástica, de um livro maravilhoso chamado Águas de Patrícia Sartrini e outros autores. Em determinado momento do livro, eles narram que uma comunidade que vivia de comer apenas carne crua, teve a felicidade, por motivo de um acidente, um raio que caiu, comer uma carne assada. Como eles não conheciam o processo, eles desenvolveram um método revolucionário de comer carne: colocar fogo na floresta. Mas, mais do que colocar fogo, desenvolveram entorno dessa metodologia toda uma estrutura de empregos, toda uma engrenagem social. Há os que colocam fogo, os que fazem a catalogação, há os que recolhem, enfim... burocratizaram o sistema tal qual nós fazemos. Mas, um dia, um moço inventa uma churrasqueira e tenta mostrar que para comer carne assada não era necessário causar tanto danos ambientais, sociais. Os burocratas desacreditam o moço, as suas idéias, discutem sobre a falta de fundamento científico na metodologia do rapaz e o trancafia como louco.

As anedotas são boas. A primeira tenta nos dizer que podemos seguir o ritmo e por vezes ficar próximo, mesmo quando não o escutamos. A segunda tenta nos falar que o fato de seguirmos uma lógica não implica que esse padrão seja o único, o verdadeiro.

O filme “O Artista” nos chama atenção para o fato de como um grande ator pode se tornar um canastrão. E gosto dessa metáfora do filme, porque os artistas do espaço, especialmente, os dramaturgos, adoram quando associamos a vida a uma peça de teatro. E quando a pensamos assim, eles vem nos dizer: o drama e a tragédia estão fora de moda. E eis o inaudito: a maioria das pessoas não sabem atuar outro gênero que não o drama e a tragédia. Há milhares de mulheres que não sabem outra atuação que não a dramática e a trágica.

Os roteiristas, os diretores, os dramaturgos todos olham para eles, cortam a cena, interrompem o ensaio para perguntar: mas porque o drama? E elas entre lágrimas tentam responder que a cena assim exige.

Assim, eu como porta-voz da nova teledramaturgia cinematográfica teatral do planeta venho informar que o drama está com os dias contados. Na verdade, o drama já morreu. E algumas pessoas já não sabem como atuar nesse novo cenário, com esse novo roteiro. Um roteiro no qual não há príncipe encantado para salvar a donzela e nem sapo para ser beijado. Acabou o cinema mudo.

Nesse novo cenário não há sacrifícios em nome do amor, renuncia em nome dos filhos, crucificação em prol da humanidade. Esses atores ficam na vida fazendo essas cenas e acabam virando pastelão. Todos acham que eles são comediantes e não atores dramáticos, mesmo porque, uma nova geração inteira, não conhece o drama. Não entende as raízes do sofrimento, não se mobilizam devido às dores. Elas são vistas como fraqueza e não como martírio e honraria para quem dela sofre.

É um novo cenário. Uma nova atuação. São novos diretores. É um novo roteiro. E nele, definitivamente, o drama e a tragédia não estão em pauta. Mas, a pergunta feita aos homens acima agora cabem às mulheres: o que fazer quando não se tem cavaleiros para salvar? O que fazer quando não se tem filhos para renunciar e sacrificar os dias de vida? O que fazer se não há mais possibilidade de se fugir da própria história e da própria vida?

Ao que tudo indica temos que significá-la. Isso não é da noite para o dia, demanda esforço, dores. Dores que Rubem Alves chamou, brilhantemente, de dores-de-ideia. Dores que fazem o corpo sofrer, a existência doer, mas que se mudarmos as ideias as dores desaparecem como doril. Milhares de mulheres e homens estão com essas dores, as dores causadas por um enredo, que não encontra mais cenário, fala, diretor e menos ainda, artistas para contracenar. O mais dramático de tudo é esse grande ator, atriz ver o palco se desmanchando, as pessoas indo embora, e elas agarradas a uma cadeira, a um espelho, lamentando... sentindo-se desprezada, ignorada, desamparada, abandonada. Quando na verdade, é a vida terminando um filme e pedindo: hora de trocarmos os personagens.

Deixe a trágica e dramática e viva uma nova cena.


PS: não é preciso morrer para isso. Esse é o último truque do melodrama, recorrer à morte como saída. Hoje os finais felizes são possíveis, especialmente, os de amor. Vivamos as novas cenas. 


sexta-feira, 3 de abril de 2015

INTERMINADO: a culpa é das estrelas, ou seria da Eduarda?

Eduarda foi a aluna, que me apresentou ano passado, o livro: “A culpa é das Estrelas.” Leitora assídua, devorava o livro com a intenção de terminá-lo antes da estreia do filme. Gosto quando as pessoas estão dentro do livro, imersas na história criada pelo autor, encontrando um espaço entre as pautas para que elas caibam. Ela estava assim, se esgueirando entre a estória maravilhosa do livro e a chatura de um professor que a puxava para vida, a retirando de uma das entrelinhas do livro. As entrelinhas entre as palavras têm infinitos só preenchidos com a historicidade do leitor, tornando cada livro, frase, única para cada um, não que lê, e, sim, que entra nesses espaços infinitos criados pelo autor. Eduarda pegou um desses caminhos de minhoca e quase me puxou para dentro do livro, eu resisti... infelizmente, mas estou muito feliz e satisfeito com os mais vendidos.

Tenho me impressionado, positivamente, pelos atuais best sellers. Primeiro, “A menina que roubava livros”, agora, a “Culpa é das Estrelas”. O filme é de fato belo. E, a beleza do filme é tratar de assuntos tão densos, tão pesados de uma forma tão leve; refiro-me ao câncer e a morte. Mas, o que eu quero mesmo é tratar desse hiato, dessa lacuna entre um acontecimento e outro. Quero falar do infinito, do paradoxo de Zenão de Eléia, da renormalização da física quântica para que as fórmulas não caia no absurdo. Quero falar do interminado.

Interminado não é uma palavra dicionarizada, pena, porque interminado no texto tem a função de aludir àquilo que não se termina. Mas, que não é algo interminável. O interminável parece ter a vida toda e todas as existências para acontecer, já o interminado é o oposto, o antônimo, já que representa, algo que finda antes de termos chegado ao fim. O interminado é similar ao não acabado. Aquela concepção freudiana que ganhou matrizes existencialistas de que o homem é um ser inacabado, um ser por fazer, um projeto. O interminado é esse mesmo lançar rumo às incertezas do infinito, sem que o alcance. Esse hiato, esse lapso é o interminado. É basicamente sobre ele que falamos.

O interminado permeia todo o filme, está em toda vida. O interminado é esse final da vida antes da despedida. É o aperto de mão sem a possibilidade de um abraço. É o primeiro orgasmo que será contabilizado como a última transa. O interminado é o fim que chega, a dor que arranca, a perna amputada que ainda tenta andar. O interminado é esse flerte miserável e compulsivo, obsessivo da vida, com uma paixão latente pela vida, que acaba se encontrando com a morte. O interminado é a paixão que acaba antes do amor morrer, ou o amor que cessa sem avisar. O interminado é a dor da escala 10 da personagem.   


Durante o filme não derramamos uma lágrima sequer para a morte, não é ela que nos causa espécie, o choro vem pela brevidade da vida. Nos causa lágrimas esse encontro certo, inexpugnável, mas que nos choca todas as vezes que acontece... o interminado. Como somos dependentes do depois do amanhã. Como carecemos de uma consequência de fatos. Como somos frágeis diante do fim inesperado, do interminado. Os dois jovens do filme não se conformam ( talvez mais ele do que ela) do livro terminar no meio de uma frase. Mas, na realidade, quantos de nós terminamos alguma coisa quando queremos? Quem termina uma paixão na hora que deseja? Quem cessa uma transa na hora que quer? Quem se prepara para a morte antes de ela bater na porta e quando ela bate, já levou. Nossos personagens vitimados pelo câncer desde tenra idade, flertam com a morte e o que ela tem de mais belo, o interminado. E eles ensinam cada uma das pessoas do seu convívio a viverem melhor, a serem melhor. Eles transformam o intermindado em infinito. Não um infinito interminável, mas o infinito que faz o sorriso do filho, o olhar da mãe, o beijo da amiga, as mãos dadas com a mulher que se ama ser eterno. Uma eternidade fugaz, breve como um segundo, mas profunda como o infinito. É sensacional saber que os jovens estão lendo isso. É sensacional saber que essa gratidão de ter estado com uma pessoa por um instante faz valer toda uma existência de dor. Um único segundo de amor. Uma única bafejada de carinho, um hálito de esperança proporcionado pelo ser que nos ama, faz toda uma existência valer a pena. É sensacional saber que esse amor está sendo vivido na Terra. E mais ainda que jovens de 15, 18, 20 anos estão aprendendo sobre ele. Um amor que fui re-conhecer aos 40 e que alguns morrem aos 95 sem nunca ter conhecido. Amei essa brevidade nas entrelinhas do livro.


Outra brevidade não menos importante é a de que nós precisamos do adeus, das despedidas, do último abraço. Nós precisamos dos finais, quando ele não acontece ficamos no vácuo e o vazio acaba nos preenchendo. Em alguns o vazio preenche todos os espaços, corrói tudo o que havia, ficando uma dor que dilacera. Em outros, o vazio é preenchido por outros instantes, ou pela gratidão de um infinito proporcionado por uma transa, um sorriso, uma convivência, uma amizade. É estranho como que o amor, a gratidão é capaz de preencher o interminado com um sentido que ocupa toda vida. Possibilita a eternidade na palma da mão. Possibilita a arte, a redenção, a transcendência. Possibilita o amor e o melhor de cada um de nós.


Sejamos...  


domingo, 22 de março de 2015

CLIC: a mudança é um estalo.

De repente ela acontece. Não se sabe por onde. De modo geral, ignora-se o como. Mas, ela acontece, significativamente, por diversas vezes na vida. Em momentos nos quais não sabemos, não esperamos, não controlamos.

A mudança acontece quando a gente não espera, quando a gente não repara, quando a gente não está prestando atenção. Você olha para um lado e ela ocorre na direção oposta. De uma maneira tão bela, suave, produzindo encaixes e amarras em nossas estruturas internas, em nossos espaços mentais. Poucas coisas são tão bonitas quanto a mudança. Acredito que reparar na mudança, olhá-la com carinho é ver o movimento da vida em nosso entorno, ao nosso redor e dentro de nós. Tudo muda o tempo todo. 

Heráclito de Éfeso chamava a nossa atenção para esse eterno devir. Parmênides seu opositor complementar nos alertava para a permanência de tudo. Olhamos para vida e vemos mudança e movimento, mas há outras partes da mesma vida que olhamos e vemos permanência e constância. Fica parecendo que mudamos para encontrarmos o permanente que existe em nós. Somos conduzidos vida afora para que cheguemos ao ponto do qual saem todas as mudanças.

Talvez a melhor paisagem para isso seja o céu e as nuvens. O céu permanece, enquanto as nuvem passam, mudam de forma, vão de um extremo ao outro. O céu acompanha cada uma das suas formas, dos seus movimentos, das suas brincadeiras de desenhar sentidos, das suas transformações, mantendo-se inalterado.




O mesmo processo, ou bastante similar acontece conosco e em nós. Os budistas comparam nossos pensamentos com as nuvens que passam, mudam de forma, de intensidade, coloração. Ensinam os mestres que devemos direcionar nosso olhar para o céu, um ponto na mente, que cria as nuvens, ou melhor, de onde surgem as nuvens. Nesse ponto, espaço, lugar, tempo que não tem tempo, espaço, ponto, lugar chegamos ao permanente, ao eterno. Mas, haveria eternidade sem mudança? Há vida sem devir? Se há, talvez seja a melhor tradução para o tédio, porque é na mudança é no inesperado que nos realizamos. É no devir que encontramos o perene. É aqui que nos situamos no que os hindus chamam de Maya, a deusa da ilusão. A ilusão de que tudo muda, a ilusão de que tudo permanece. A ilusão de que haja nuvens e a ilusão de que haja céu. 

No entanto, independente disso, a beleza reside na nossa capacidade de nos iludirmos e desiludirmos. Iludirmos com nossas demandas, desiludirmos, naturalmente, com ou sem dor, das nossas ilusões. Nesse caso as duas coisas são boas, porque em ambas estamos no devir, em ambas estamos na mudança. E essa deusa (mudança) guarda em si mesma a capacidade de movimentar em nós algo que não compreendemos, não reparamos, não sabemos como se dá.

Uma hora o menino junta as silabas e consegue ler palavras. Um dia o adolescente junta as palavras e decodifica o sentido. Noutro momento o jovem vê o sentido oculto daquilo que não estão nas palavras. De repente, o adulto compreende que a paixão passou, o amor acabou, o casamento chegou ao fim. Tudo num estalo. Ou melhor, num processo continuo ininterrupto, que culmina no clic da mudança. Um estalo sutil, que nos acorda, nos desperta, nos ilumina. 

Mas, esse clic não tem um padrão, uma hora certa para acontecer. Pedagogicamente, tentamos conduzir e provocar esse momento. Tentamos mediante práticas de ensino e aprendizagem proporcionar a cada aluno o tempo exato de resposta para as questões por nós suscitadas, mas como sabemos hoje, esse tempo varia, oscila, sem que com isso possa-se se mensurar inteligência ou "burrice". Pelo contrário, os avaliadores precisariam mensurar, ou buscar o que promove e provoca a mudança na vida das pessoas. Se nos aproximássemos disso melhoraríamos o que motivam as pessoas a aprenderem, a mudarem, a criarem situações nas quais desejam romper e sair, enfim, sair da zona de conforto. 

Mas, como tirar alguém da zona de conforto, do risco iminente? O que nos faz sair da zona de conforto e nos movimentar? Não há um padrão definido, uma regra universal a ser utilizada, pelo contrário, cada pessoa tem um padrão diferente, uma resposta diferente, um motivo diferente para buscar a própria mudança e a mudança das circunstâncias e relações a sua volta. 




Na clínica o processo de mudança é similar ao pedagógico. Uma hora, um momento, a pessoa consegue tomar a decisão que adiou, postergou por anos, décadas. Ela, simplesmente, compreende. Não uma compreensão intelectiva e sim um clic que a altera, a muda, a transforma. Um clic que a retira do sofrimento, da dor e lhe garante um alívio. 


Na vida também não é diferente. Situações que nos enervavam, de repente, perdem essa força. Apelidos que nos faziam babar de raiva, quando escutados, não nos causam nenhuma espécie e por vezes até graça. Mulheres por quem perdíamos o sono dormem ao nosso lado profundamente. 

A mudança parece ser a fórmula que a vida utiliza para crescermos, ou em termos espiritualistas, evoluirmos. Ela nos amadurece e nos reaproxima de quem somos, do que somos. Por vezes nos agarramos ao velho, ao antigo para que o novo não nos chegue, mas o novo sempre vem. A mudança é o que de melhor podemos ter da vida. Recebê-la, aceitá-la e caminhar esperando a próxima mudança. 

Mudemos....  







terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

ÁGUA: a crônica de uma falta anunciada.

Todos nós sabíamos, que esse dia chegaria, mas poucos de nós nos importamos. Faltou planejamento estatal, faltou gerenciamento público, faltou mobilização civil. Tínhamos na cabeça que a água é um recurso infindável, inesgotável, interminável, mesmo quando desmatamos nascentes e as vemos secar. Mesmo quando a poluímos com dejetos químicos, minerais, sólidos, emocionais.

As previsões eram a de que isso só aconteceria por volta do ano 2030, quando essa data era um horizonte distante tal como 2200. O fim chegou mais rápido e com ele uma conscientização forçada, que ainda não se dá e não temos de forma geral. Continuamos tomando banhos de 20 minutos, escovando os dentes com a torneira aberta, lavando a calçada com mangueira, lavando carros sem baldes. Ações que há no mínimo trinta anos horrorizam os europeus e povos que não possuem nossa abundância hídrica. Independente de tudo, continuamos acreditando, que a água é propriedade individual e temos todo direito a ela, porque pagamos. Sim, o pior da lógica não é o desperdício, o pior é a tentativa de legitimar que a água é um bem de consumo e que por pagá-la pode-se desperdiçá-la, ou se fazer o que se queira e como queira. Essa irracionalidade é castigada com a falta e espelha a nossa dificuldade de nos entendermos como povo, nação, irmãos. O problema dos outros não é meu, ou só se torna meu quando me atinge.


A seca no nordeste foi motivo de indiferença no sudeste por décadas a fio e eis que agora, o sudeste vivencia questões similares. As imagens da Cantareira, de Furnas e outros reservatórios são similares as do nordeste da década de 1980/70. 

Nessa carência, nessa falta, nessa escassez pede-se ao cidadão comum que reduza o consumo, mas as mineradoras e grandes indústrias continuam não apenas desperdiçando água, como muitas vezes a poluindo. Eles não pensam em racionalização do consumo, nem em sustentabilidade, num contra senso desmedido, o presidente da Nestlé fala de privatização das águas e mercantilização da mesma como se ela fosse uma barra de chocolate fabricada na Suíça. 

Esquece-se que a água é bem natural. É direito de todos. Pertence a todos. É uma aberração um ser humano afirmar que é dono das águas, que as pode engarrafar e colocar o preço que deseja, como ele chegou a insinuar. Aberração maior é pensar que na mente de alguns o seu valor pode ser aumentado conforme a escassez e a demanda permitir.

No entanto, o ponto que pretendo falar e tocar, referente à água, é o energético. E pretendo fazer isso utilizando de uma concepção psíquica, esotérica na qual se associa a água às emoções. Sim, haveria uma relação entre os 4 elementos e os 4 estados do ser. Essa combinação é muito utilizada na astrologia e também encontrada nos arcanos menores do tarot onde respectivamente cada signo corresponde a um elemento e cada naipe também.  

Mas, o que representa tudo isso se virmos a água como elemento da natureza, principio inteligente simbolizado por nossas emoções? É um experimento interessante, especialmente, quando observamos a nossa desertificação emocional. Ainda mais interessante, quando dialogamos com pesquisadores que mostram que a água é um ser inteligente, que está na Terra muito antes de nós e permanecerá depois de nós. Um desses pesquisadores mostra que quimicamente, não houve alteração de uma molécula de água que seja no nosso planeta. A mesma quantidade que existia nos tempos dos dinossauros, no batismo de Jesus no Jordão, no tempo de Ramsés no Egito, de Buda no Ganges, na coroa pesada por Arquimedes, continua existindo hoje. E a constatação que ele chega é a de que não é a água que acaba é ela que se esconde, foge de quem não sabe tratá-la com respeito e dignidade que ela merece. Essa é a conjectura mostrada e comprovada por Art Sussman em seu “Guia para o Planeta Terra”.

De uma perspectiva global de longo prazo, vemos que as mesmas moléculas de Água são usadas indefinidamente. A hidrosfera, o sistema de Águas do Planeta Terra, é um sistema fechado. Nenhuma Água nova entra na hidrosfera. Nenhuma Água usada sai da hidrosfera. A mesma Água passa de um reservatório a outro, circulando continuadamente, e sugerindo o nome que damos a este fenômeno- Ciclo da Água. (Gente Cuidando das Águas, p 34)

Mas, nós em nossa prepotência e arrogância, podemos conceber uma coisa assim? Acreditar que a água foge de quem a maltrata? Sente nossa falência hídrica? Claro que não. Inclusive, por isso continuaremos com as dificuldades pertinentes e peculiares que estamos atravessando.  

Embora, essa concepção acima se faça mais fantasiosa, exagerada, mesmo tendo sustentação cientifica, pretendo ressaltar, que na contramão dessa irracionalidade, sempre tiveram os ambientalistas conscientes, os povos ecológicos que não apenas alertaram para o perigo e futura escassez como fizeram mais, criaram, construíram e solidificaram uma rede sustentável na qual se fizesse possível a convivência entre homens e o meio ambiente tendo como meta a preservação e a sustentabilidade. Gostaria de saber o nome de todos para agradecer o belíssimo trabalho desenvolvido em prol do Planeta e de Gaia, mas cito três: Demóstenes Romano Filho, Patrícia Sartrini, Margarida Maria Ferreira autores do livro “GENTE cuidando das águas” e de uma tecnologia social registrada no conceito formidável: Meu Quarteirão no Mundo e o Mundo no meu Quarteirão. Eles são alguns de milhares de pessoas que desenvolveram ferramentas de sustentabilidade não apenas para o meio ambiente, como que para os homens que compõem esse ambiente.


É nesse sentido de uma busca por uma preservação da água, que venho trazer os dados, que aos meus olhos são os mais impactantes do livro, a saber: A ÁGUA NÃO PRECISA DE NÓS. Ela vai permanecer, continuar, como sempre continuou e permaneceu até hoje. Nós é que precisamos da água. Nós é que necessitamos dela para todas as nossas atividades. Não há civilização sem água.

Jean Pierre Garel, biólogo molecular, diretor-honorário de pesquisas no centro Nacional de Pesquisas Cientificas (CNRAS) comprova que a água tem três corpos: o físico, o emocional e o mental. Ele explora isso ao propor a água como "vetor de informação", o que implica dizer algo como: que a água é mais, muito mais do que um liquido. Ela tem um sistema inteligente de captação e transmissão de informação. Mais do que isso, ela se comunica e consegue realizar limpezas, transportes, em níveis altamente sofisticado. E isso implica que a água é um ser. Um ser que possui inteligência? Consciência?


Nessa direção, ele referencia outros pesquisadores sobre a água cada um com conclusões mais incríveis e desconcertantes do que outra. E citando o último e provavelmente o mais famoso, especialmente, devido a sua aparição no filme Quem Somos Nós e ser mais visual, temos Masaru Emoto, que expõe sua pesquisa no livro: A Mensagem da Água. O seu trabalho consiste em fotografar moléculas de água, mas não sem antes escrever nos mais diversos idiomas algumas palavras que vão desde amor até ódio. O inacreditável é ver como os padrões e as formas se alteram diante de cada vibração. Essa pesquisa se estende para músicas, nascentes de água.


Cuidar da água é mais do que racionar o seu uso. É compreender uma relação de respeito, integridade no qual cuidamos dela para sermos cuidados.

Se cuido das Águas por essas razões, cuido porque EU POSSO CUIDAR, cuido porque EU QUERO CUIDAR. Cuido por minhas razões, por uma ética existencial, e não por razões dos outros, por conveniências ou por obrigações que me são impostas, explicita ou, subliminarmente, em forma de campanhas terroristas ( o fim da Água no Planeta Terra), de “marquetagens” manipuladoras (“salvar” os rios e não nós mesmos), de sentimentos de culpa (assumir responsabilidade ao invés de cuidar por oportunidade). CUIDAR DA ÁGUA, SIM; MAS CUIDAR COM A LEVEZA, A GENEROSIDADE E A EMPATIA QUE UMA PESSOA EVOLUIDA DEDICA AOS SERES VIVOS QUE ELA MAIS VALORIZA. (op cit, 37).



segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Coração Valente: a classe média midiatizada outra vez.

Todas as vezes que vejo o filme Coração Valente do Mel Gibson representando Willian Wallace recordo das classes brasileiras. 

Há os pobres no qual Wallace faz parte, que tem por sonho apenas sentir-se cidadão do seu país. Ele não quer BMW, nem iate, nem ir trabalhar de helicóptero. Ele deseja um meio de transporte que o conduza como ser humano e não como gado, que são melhores transportados em nosso país do que a classe trabalhadora. Ele quer uma casa e não um palácio. Ele quer um programa que o possibilite pagar mensalmente uma habitação. Programa que usa a verba da Caixa Econômica Federal cujo dinheiro sempre esteve lá, mas apenas para uma parte da população, a que se acha dona do Brasil sem sentir-se brasileira. 

Há a elite que cria onda, faz movimento de internet, mas são capazes de vender o próprio povo para continuarem com o mesmo status quo. Acho Arminio Fraga o seu melhor representante. Eles não se sentem brasileiros, nunca se sentiram. Eles já foram portugueses, depois ingleses, na republica franceses, na ditadura americanos, agora não sei o que são, talvez, cidadãos do universo. Seres virtuais. O fato é que nunca sentiram-se brasileiros. Na copa vaiaram a presidente. Disseram que seria a copa do caos. Foram à Europa enquanto o torneio se realizava. De lá criavam movimentos apartidários. Seria cômico, se não fosse trágico. E seria ao menos inteligente se os acontecimentos históricos não se repetissem primeiramente como tragédia e em segundo como farsa, como bem apontou Marx.


Em algum lugar entre esses dois tem a classe média, que nos seus arroubos de mediocridade pende para um lado ou para o outro. Eles/ nós me incluo, transita entre esses dois universos, mas é incapaz de uma isenção, de uma leitura critica, de um posicionamento que não seja midiático. E entenda-se por mídia: globo, Veja, Estadão e correlatos, que há mais de uma década não tem uma semana, quiçá um dia, que não bata no governo. Atendem, rigorosamente, o conjunto de valores, daqueles que usam o Brasil sem sentirem-se brasileiros. Sentem vergonha de terem nascido entre nós. 

Independente disso, o filme Coração Valente, retrata um fato social, histórico ocorrido no século XIII, de lá para cá, o sentimento de nacionalidade escocês e europeu, americano se consolidou. Não se discute se o governo é de direita, ou de esquerda, ou de centro esquerda, parte-se do pressuposto, do dado, do construído e solidificado que todos são cidadãos e são iguais. Entende-se que para garantir essa igualdade foi realizado ações afirmativas para dar a todos condições idênticas. Luta-se e briga-se hoje com uma xenofobia cada vez maior para que esses direitos conquistados não sejam estendidos a imigrantes, sobretudo, os ilegais. Aqui, nossa elite, acompanhada por parte da classe média rasga a bochecha com a unha quando se fala disso e se prática isso. A classe média está disposta e predisposta a dividir com a elite, mas aceitar que uma classe menos favorecida não precise de favor e caridade, que ocupe e acesse os mesmos espaços é para eles motivo de revolta.

Lá fora, sabe-se que para efetivar essa igualdade lutaram, mataram, guilhotinaram toda uma elite e a elite antes de ter os seus bens materiais e imateriais queimados, estraçalhados, deram os anéis e ensinou o valor que eles têm. Deram educação ao povo para poderem ter e apreciar os seus bens imateriais. Se pensarmos que os grandes museus europeus eram espaços reais, pertencentes a uma única família e dono, compreende-se o que afirmo. Quem já passou aquele frio europeu no qual parece que os ossos congelam, sabe que qualquer obra de arte vira fogueira se a pessoa não for educada para ver a diferença entre a pintura de Da Vinci e o papel ofício.

Aqui entre nós mantemos o modelo de CASA GRANDE E SENZALA, com a classe média na função de capitão do mato e de agregado. Estamos longes demais da elite e queremos uma distância cada vez maior dos pobres, mesmo quando dizemos o contrário. Defendemos mudanças desde que não mude nada em nossas vidas. Não somos racistas desde que o negro não ganhe minha vaga, ou a dos meus filhos. Não somos machistas desde que a mulher não receba mais do que nós. Não somos homofobicos desde que ele não manifeste seu desejo com o mesmo erotismo que manifestamos o nosso em espaço público. Gostamos de viagens de avião desde que no aeroporto ou no assento do lado não esteja um nordestino. Enfim, nossos espaços públicos são categorizados para a casa grande e para a senzala, haja vista, nossa arquitetura que tem quarto de empregada (não se tem isso em lugar nenhum do mundo, creio que nem na África do Sul) e os novos estádios, ambos mantêm a divisão do espaço, o compartilhamento sem partilha, a tentativa de integrar deixando claro que se está fora.


Mas, onde desejo chegar com tudo isso é nas contradições de uma classe média que irreflexiva, acrítica, imbecilizada não por se opor ao PT, a Dilma, a Lula, seja a quem for, é por se opor sem buscar fundamentos, enraizamentos, motivos. Nessa alienação informatizada, porque tem informação em rede; viral, porque se espalha como besteirol, querem sair às ruas para pedir Impeachment da presidente que está adotando políticas econômicas que o candidato derrotado deles estaria fazendo!!! Ou!!! 

É para sacanear não é? Quem tem que estar descontente, revoltado, inconformado, sentindo-se traído são os eleitores de Dilma que não defendem esse modelo. Quem tem que estar furioso e enraivecido é a esquerda que se uniu mais uma vez para não permitir que a direita (quem diria que chamaríamos o PSDB de direita) fosse ao governo realizar essas atrocidades que estão sendo feitas. Jean Wyllys ao ver a composição dos ministérios deu o grito. Eu mantive-me calado. Antes dele, Luciana Genro já tinha nos alertado: "são todos iguais".
E são, querem o poder. Não tem programa de governo, tem programa de manutenção de poder. E poder de empreiteiras, construtoras, consórcios midiáticos, bancos e especulação financeira, imobiliária. Paro aqui para não entrar no tráfico de armas, de drogas, de seres humanos. É nojento. É podre. É revoltante. Assim, são todos iguais- PT/PSDB/PSB. Todos estão a venda, seja nanicos, ou não. 

Essa política do repasse os eleitores do Aécio, especialmente, os de classe média e pobre não podem reclamar, não têm o direito ideológico e moral de reclamar, porque é a política da livre concorrência com a mínima participação do governo. Quem votou em Aécio votou nessa ideologia econômica. Nós que somos contrários a isso é que tínhamos que está puto e estamos, mas longe disso, muito longe disso defendermos intervenção militar e depor presidenta eleita por adotar um programa de governo tirado da bolsa Gucci do FMI. 

De modo que quem deveria estar revoltado e estamos somos nós. E, não falo de aumento de gasolina, reforma das leis previdenciárias e outros pacotes de maldade, que precisam ser pensados, debatidos, realizados. Ações defendidas pelo projeto de Estado minimo que abre espaço para iniciativa privada e livre concorrência e aqui é que escancaram as contradições. O governo não pode subsidiar projetos sociais para a população de baixa renda, a classe média se revolta. No entanto, raramente se questionou as benesses concedidas a bancos, multinacionais e outros. A socialite pegou empréstimo de 2,9 milhões com o nome sujo. Para não ficar em um único governo, Wagner Canhedo cansou de pegar empréstimos para salvar a Vasp. O bom senso pede coerência, quem é contra o subsidio não pode reclamar do aumento da gasolina (subsidiada pelo governo) e pela luz (igualmente subsidiada). E não deve ficar esperando da previdência mediação na arrecadação, por mais ganancioso e extorsivo seja o Estado na sua mordida de leão. 

Reclamamos de um governo eleito que age como se fosse derrotado e oposição. Falo de um governo que vem com medidas que são um retrocesso aos avanços sociais que conseguimos e poderíamos avançar ainda mais. 

Assim, a elite que a classe média esta fechando e compactuando, tal como no filme Coração Valente é a mesma que vendeu o país aos americanos e aplicaram a operação COM-DOR, mediante torturas, desaparecimentos, extermínios e a outra ações inenarráveis, crimes contra a humanidade, que somente entre nós brasileiros prescreveram e foram anistiadas. 

Em todo o mundo, desde sempre, a elite perdeu. Aqui, eles nunca perderam. Nunca cederam. São os eternos Donos do Poder. Mandam, desmandam, fazem o que querem. Crise d’água? As mineradoras não tem, poluem, utilizam a água potável e seguem causando impactos ambientais, sociais, tudo por garantir dividendos econômicos. Mendes Junior, Andrades Gutierrez, Correa tem contrato com o governo "desde o império". É um absurdo acreditar, insinuar que começaram a pagar propinas para ganhar licitação apenas em 2002, que antes disso sempre foram republicanos. Isso é sacanagem, promiscuidade ventilada pelos meios de comunicação e engolida pela classe média sem reflexão e questionamento. Sabe-se do interesse internacional pelo pré-sal. Sabe-se do interesse de Soros pelas ações da Petrobras que despencam, mas tem gente comprando, quem? Por que? 

Não temos outra opção para fazer frente a esses grupos econômicos senão a consolidação dos espaços democráticos. Não temos alternativas senão a construção basilar de mecanismos de transparência na qual se coloque em cargos estratégicos, técnicos profissionais de carreira. Nós só podemos nos defender desse poder que oprime e compra sim o que quer, mediante, um funcionamento em rede na qual a voz de um pode ser amplificada para milhões. Falamos da Petrobras, mas o que sabemos do condomínio do nosso prédio? O que sabemos das contas da prefeitura da nossa cidade? Em Minas as prefeituras foram compradas pelo mineroduto, independente de impacto ambiental, social. Se investigar tem corrupção, propina, tem escândalo, enriquecimento ilícito. É um preço muito caro para permitir o funcionamento nesses moldes das mineradoras. Mais do que nunca precisamos do cacique Seattle de 1855.


É humanamente inviável, acreditar que um individuo frente a corporações como essas será capaz de resistir ao poderio econômico. Creio que somente um a cada cem mil seres humanos negariam uma propina de 200 mil reais. Não estou falando de milhões e menos ainda que isso aconteceria uma única vez. Estou falando de uma valor estimado por baixo para liberar um contrato. São dezenas. Quem vai dizer não? Como se fala não em uma sociedade que apregoa o ter e o individualismo em detrimento do ser e do coletivo? Falamos em combate a corrupção, mas aceita-se e oferece-se propinas, suborno, cachaça, queijo e o que está na medida dos recursos de cada um.  

Particularmente, acredito que o preço que o PT pagou para chegar ao poder faça parte do jogo, dá para entender. O preço que o PT está pagando para permanecer é caro demais. Nenhum deles, absolutamente, nenhum, por tudo o que fizeram, lutaram, necessitava de uma pecha dessa nos seus nomes. O mesmo vale para FHC, Serra e graças a Deus, Covas morreu antes. É caro demais perder a liberdade, a veemência daquele grito que Mel Gibson pode bradar ao final: FREEDON.

Morrer tendo tido uma vida ilibada, ainda não tem preço.