terça-feira, 23 de junho de 2015

Entre o Pink e o Black: pelo cromatismo existencial.



Este é um texto cuja reflexão mental, eu tenho feito comigo desde 2008, intensificou em 2012, a observei mais a fundo em 2013 e quase a publiquei nessa data, quando vi Ana Maria Braga postando o comentando o vídeo acima, mas não saiu.

A indignação da menina, eu captei e utilizo para pensar num universo no qual os lugares são dados pelo nascimento. Em verdade, já derrubamos muitas castas, mas a de gênero ainda escraviza.

Simone de Beauvoir nos dizia no século XX, que não se nasce homem, não se nasce mulher, torna-se homem e torna-se mulher. Mas, volto a insistir, evoluímos demais, mas ainda o tornar-se mulher tem um peso diferente, tal qual ser negro, tal qual se assumir homossexual. Mas, a razão dessa escrita não é social e sim psíquica. O que desejo observar é outro movimento, outra dinâmica, que tem em comum com a primeira, a falta cromática em nossas vidas.




Michael divulgou o seu Cd Black Whaite antes de Obama se fazer realidade. Mas, entre negros e brancos há de ter outras tonalidades mais respeitosas fora da discriminação e do preconceito. Entre o céu e o inferno deve haver outras variações cromáticas com espaços menos dramáticos e opulentos. E aí penso no movimento Gay cujo significado é alegre e cuja bandeira é o ARCO IRIS. Mais do que nunca uma variação cromática entre a normalíssima relação homem-mulher. Eles nos mostram que pode haver a relação mulher-mulher; homem-homem; trans-homem; trans-mulher. E essas relações longe de serem confinadas ao se fazer homem culpado, chateado, revoltado, pode se fazer e ser HUMANO na alegria. É possível encontrar fora do armário uma coloração social mais tolerante, amável, benfazeja, ainda que o Senhor dos Exércitos, machão e machista, sexista e preconceituoso raivoso e feroz se morda e morda a todos por isso.




Creio ser oportuno, no melhor exemplo de Jesus, ensinar ao Senhor dos Exércitos, que não há mais inimigos para se subjugar e matar. Creio ser oportuno, no melhor sentido de Paulo, que se Jesus é judeu, Cristo é de todos, até dos gentios. E é Cristo que é motivo de amor, adoração, respeito e devoção. É em Cristo que seguimos os ensinamentos de Jesus e abraça-se o judeu, o gentio, o ímpio, a viúva, o pobre, o preto, o homossexual, o racista, o homofóbico, o macumbeiro, o budista, o candomblecista. E, se um deles não for parte do corpo de Cristo então nenhum de nós pode ser com ele e nele. Mas, como salientava, o motivo da minha escrita não é o de mostrar que há em Jesus outras variedades tonais, cromáticas e sim outra percepção.



Uma percepção que diz respeito a dinâmica que batizei de pink e black. Pink relacionado a uma energia de ternura, meiguice, altamente sensível, empática. Essas meninas pinks são dóceis, quase frágeis, delicadas, espirituosas, talentosas, ingênuas, no sentido de não darem a maldade que damos ao corpo, ao toque, ao afeto. Algumas delas que estão entrando na adolescência tiveram na infância as Meninas Superpoderosas e a Hello Kitty como ídolas. Havia nelas e junto delas e nos locais pelos quais elas frequentavam esse espalhar de doçura, amorosidade. Assim, como há/havia nesses ícones uma energia que lhes dava uma correspondência muito estreita e fina. Como que esses ícones irradiassem um padrão de ternura similar.

Eu não preciso dizer que essas pessoas sofrem. São abusadas, não apenas fisicamente, mas emocionalmente, porque de modo geral temos dificuldade de lidar com pessoas tão sensíveis, tão dóceis, tão boas sem esperar algo em troca, sem abusar para conseguir algo em troca. Sem violentar para conseguir algo.


As gradações então são imensas. No início elas são pinks, depois pulam para o Black, quase sempre sem gradação cromática. Há um desgostar do pink como se ele fosse uma ofensa, como se fosse necessário negar esse lado meigo e terno, facilmente confundido como bobo e tolo, fácil de enganar e manipular. Nesse movimento, elas partem para o Black os tornando uma identificação e vi em mulheres adultas (e estou chamando assim mulheres acima dos 35 anos) em sítios adultos relacionados a pratica BDSM. Muitas submissas tem essa energia pink que parecem encontrar vazão nas praticas BDSM.


Mas, retornando ao Black. Em determinado momento, lá no final da infância, inicio da adolescência, próximo a puberdade, elas se retraem ainda mais. Elas se fecham no mundo delas e quando saem, vem vestidas de preto, ouvindo Rock, querendo encontrar na vida uma forma de proteção, ou encontrando no black uma forma de proteção. Mas, é tudo pose. Uma camada de proteção que envolve o lado pink. Uma camada protetora que impede os abusos, sejam de que ordem for. Uma tentativa, por vezes frustrada de não sofrer tanto, não doer tanto, estar num mundo em que a intolerância, o desrespeito é a base das relações.

Fico imaginando quantas pessoas acabam se identificando depois com essa tonalidade black por não ter se encontrado, não ter tido espaço para expressar outras tonalidades. Expressão que passa pelo ser, pelo sentir e então pela sexualidade. Não na genitalidade em si que apavora quase todo mundo, mas pela sexualidade no sentido de prazer, amor, liberdade de ser aquilo que se é. Como a menina que deseja brincar não só de bonecas e isso não representar que ela seja lésbica. Como a menina que quer brincar só de boneca rosa e gosta de transar tanto com meninos que jogaram futebol, quanto com meninas que nunca entenderam porque não podem urinar em pé. Liberdade para poder jogar futebol americano, mas ter a preferencia libidinal por homens. Enfim... acredito que o nosso tornar-se homem e mulher pode ser mais cromático, tolerante, amoroso, respeitoso.






Construirmos um mundo e relações nas quais deve existir uma tonalidade cromática para que essas pessoas possam manifestar sua doçura, sua ternura, sem necessitar de uma roupagem e por vez de um comportamento tão agressivo, que esconda a elas mesmas. Pessoas tão esplêndidas e maravilhosas. Acredito que haja outras tonalidades para serem utilizadas, a dourada, a violeta, a azul, a verde. Tons que nem as deixem expostas demais a selvageria do mundo e que também não as coloque presas em si mesmas e ao que elas são em essência. Acredito em uma educação que ensine isso e desconfio de qualquer outra que ensine o contrário. Acredito numa educação que liberta.



À mais linda do Mundo, Minha Dádiva. Que na sua busca, ela nunca perca a si mesma. Um bj na alma que me acaricia e me faz melhor. 


domingo, 7 de junho de 2015

SÍSIFO E O SACRO-OFICÍO: à divindade.

Sísifo enganou a morte por duas vezes, foi um mortal capaz de desafiar as leis naturais, pelo menos até certo ponto. Não obstante, foi castigado pelos deuses a empurrar uma pedra morro acima, que por efeitos das leis da Física, da lei natural, rolaria sobre ele, praticamente, o esmagando. A tentativa de Sísifo em quebrar as leis naturais o colocou numa posição de sacrifício eterno. O seu fazer se tornou rotineiro e a sua astucia, sua inteligência, sua criatividade ia sendo diluída diuturnamente.

O mito adentra nosso imaginário, visita nossos ânimos, alimenta as nossas reflexões. E nessa quinta-feira de Corpos Christi fiquei observando duas pessoas que desenvolviam suas atividades de maneira concentrada, atenta, inspirada, motivada. E realizavam um trabalho que em poucas horas seria pisoteado, que a maioria não daria valor, que ninguém saberia que foi ela que ajudou a realizar. Era um fazer anônimo, sem reconhecimento. E elas estavam lá, desde as seis, sete da manhã e com folego para desenharem e ‘colorirem’ mais uns dois quilômetros de avenida.



Essas ações me intrigam, afinal o que eles ganham em troca? Não faziam por dinheiro, não faziam por status, não faziam por reconhecimento? O que eles queriam e o que eles ganham com isso? Entenda que a ação deles é justamente o contrário da nossa. Para a grande maioria o trabalho é tripalliun um instrumento de açoite, que nos aflige dia após dia. Nosso trabalho é a própria representação do mito de Sísifo e diante dele temos que nos perguntar: há saída? Pode-se ser feliz e pleno realizando uma atividade profissional?

A maioria das pessoas escolhem uma profissão que as oprime com o peso da rotina. O tripalliun as açoita dia e noite, anos a fio, até a sonhada aposentadoria. Trabalha-se esperando o fim. Inicia-se o dia de trabalho na expectativa que ele termine o mais rápido possível. De modo que o trabalho é torturante sejam pelas condições impostas, seja pelas condições que nos impomos, mas quero falar dessa outra dimensão do trabalho que é labor, que é louvor, que é celebração, que é aproximação da divindade. Talvez esteja falando de utopia, talvez esteja sendo ingênuo, mas monges sejam eles budistas, hinduístas, cristãos, assim como artistas e alguns jogadores profissionais tem mostrado que há um estado de graça em algumas atividades. Mais, precisamente, não na atividade em si, mas na forma com que a realizam. Uma forma na qual o importante não é o eu e sim o não eu. Não um não eu, enquanto renúncia de si mesmo, mas um não eu, enquanto abertura de expressão para a divindade. 



Nessa mesma linha, sempre achei estranho saber que monges budistas faziam mandalas que seriam espargidas pelo vento. Era um trabalho tão meticuloso, tão lindo, que não entendia para que tanto esforço em vão e ali nas ruas de BH eu via a mesma relação. E, no caso budista, as mandalas são realizadas com o intuito de se desenvolver o desapego. Elas são feitas com todo carinho, com todo cuidado, com toda atenção na expectativa de o vento as leve. 


Na quinta-feira do dia 6/6/2015 fui correr no Parque Municipal e vi uma moça linda e solitária desenhando no chão. Me deu vontade de perguntar: você está utilizando pemba para fazer os desenhos do santíssimo? Não perguntei, apenas a observei no seu trabalho silencioso e profundo. Em torno de uma hora depois, saindo do parque lá estavam várias pessoas sentadas, utilizando de serragem para colorir os desenhos da moça. Tinha um rapaz cuja energia dele me chamou atenção: pernas cruzadas, olhar atento e fixo, exalando uma amorosidade que o tomava, mas não o envaidecia. O que ele fazia era belo, mas ele sabia que aquela beleza passava por ele. Fiquei olhando para ele com vontade de perguntar: não sabe que daqui a poucas horas centenas de pessoas vão pisar no seu trabalho? Não sabe que daqui a instantes ninguém vai saber quem é você? Eu que escrevo sobre você não sei quem é você? Por que acordas às 4 horas da manhã de um feriado para uma ação assim?

Também não perguntei, mas a energia do moço, das outras pessoas que tomavam a Avenida Afonso Pena me contavam que ele fazia aquilo para a divindade. Sim, aquele era um trabalho de devoção à divindade. Ele não estava ali por ele, fazendo para ele. Ele não tinha nada a ganhar, porque não havia e não há preço que pague o que ele estava dando e recebendo naquele momento e na vida dele. Ele estava conectado a sua divindade de adoração e fazia aquilo por acreditar que ela ficaria feliz e a felicidade da divindade era a felicidade dele. Adorar a divindade que ele cultua era a forma de ele sentir-se pleno, integrado, harmônico, um ser humano melhor. E a beleza que a gente via era expressão desse amor.

Um amor que não é autoral, não tem que ser. Ele não fazia aquilo para o padre, ou para a esposa, ou para os filhos, nem mesmo para ele; ele fazia para a divindade, no caso Jesus. Isso não tem preço, não tem negociação. O valor dessa ação não cabe em nenhuma quantificação. Isso que realizou está além do mercado e das teorias de exploração. Não temos, pelo menos não conheço um conceito no qual a reificação pode ser entendida ao avesso do que ele é, ou seja, uma integração na qual o seu fazer encontra-se refletido no objeto que foi produzido- LABOR. É o mais perto que podemos chegar.

Sacro-oficio é o outro conceito que podemos tentar nos aproximar, isto é, tornar sagrado o seu fazer. É como se diante da amargura de Sísifo encontrássemos uma forma de significar o nosso fazer. E esse significado pode ser dado de diversas maneiras: 1- pelo salário recebido; 2- pelo prazer e reconhecimento conquistado; 3- e é o que estamos tratando o de entregar o seu fazer a uma divindade. Tornando o seu realizar uma adoração à divindade.

Nessa perspectiva, aquela energia era voltada toda a ela, para ela. Não era uma renuncia ao eu, ao ego, mas era uma entrega a divindade. Aquelas pessoas não estavam centradas no que aconteceria, que em pouco tempo o vento, as pessoas pisariam na realização delas, o centro da energia delas estava no ato de que elas se deram à divindade.
Eu não achei outro nome senão estado de graça. É um estado de beatitude, de plenitude. Não se tem nada para receber, não há valor que possa pagar. É um ato que não tem preço. Incomensurável. É basicamente o que Bhaktivedanta Swami Prabhupada ensina no movimento Hare Krishna, isto é, oferecer, ofertar o seu fazer a divindade.




É lindo!!! É belo!!! Fossemos capazes de trazer essa presença e essa energia as nossas atividades, ao nosso trabalho, a nossa rotina, re-significariamos Sísifo, seríamos capazes de vencer as leis naturais no que elas nos apresentam de repetição e mesmice, tripalliun e açoite. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Maternidade: maeternidade

Salve a todos!!

Na reunião do primeiro sábado de maio de 2015, lua cheia em escorpião, trabalhamos o tema maternidade. O tema foi escolhido devido à proximidade com o dia das mães e junto ao tema buscamos meditar sobre a energia do cuidado, do ato de cuidar, tendo o feminino como pano de fundo.

Iniciamos as meditações, trazendo os artistas, que tanto nos auxiliam no processo de meditação, aprendizagem, com leveza e suavidade. Nós trouxemos duas crônicas de Clarice Lispector, uma reproduzo aqui por ser curta e a outra deixo o link para quem desejar, recordando que Clarice é profunda, intimista, vasta. Uma vidente da alma. Vale a pena ler.

A importância da maternidade.

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca […].”

O texto consegue explorar o que desejávamos, inicialmente, esse doar e esse cuidar tão caro à maternidade.

Falamos um pouco sobre isso e em seguida lemos outro texto, também da princesa ucraniana, também denominado Maternidade, o link segue abaixo:


Entrando na parte das meditações, os amigos espirituais nos pediram para silenciarmos e adentrarmos o mais profundo que conseguíssemos. Inicialmente, vi uma imagem similar a um compasso que saia da terra e ia subindo, se expandindo. Em determinado momento, havia a mesma dinâmica, mas agora partindo do céu em direção a terra. Ao mesmo tempo em que essas imagens iam se dando como se fosse referente ao céu e a terra, ela acontecia dentro da gente, dentro de mim, como se o infinitamente pequeno se encontrasse com o infinitamente grande, justamente, na região do cardíaco. Quando elas se encontravam formava o horizonte. Um horizonte ilimitado. Esse horizonte era fusão, integração, entrelaçamento de duas dinâmicas similares, complementares, mas opostas.



Nesse processo havia um ponto. E esse ponto retomou a energia da fecundação, ou a idéia da fecundação, mostrando a dinâmica do óvulo e do esperma. Sim, brincaram de me colocar na condição de amparadora, receptora. E fiquei lembrando de uma vida na qual fui prostituta e poucas vezes tive uma sensação tão grande de poder quanto a de receber o esperma de um homem. Era tão prazeroso e ao mesmo tempo tão poderoso, que aquela mulher para mim era sagrada. E, nessa dinâmica, isso esteve presente e retomou, mas agora sem muitas sensações, volições, apenas um acompanhamento atento, silencioso acerca desse cometa que transborda por dentro da mulher. Esse jato de potência, de fecundidade, encerra uma parte fantástica da criação, mas que se faz inacabada, incompleta, até que mediante, o acolhimento, a mulher DESENVOLVE, todo esse potencial.

O verbo DESENVOLVER, TRANSFORMAR, e outro que não me recordo agora passaram a ser para mim a energia mais perto do feminino. Nada relacionado a algumas concepções que utilizamos mais de fora do que de dentro.


Durante o exercício os amigos salientavam que toda criação é um ato de dois princípios, masculino e feminino (não se discorre sobre a questão de gênero e sim dos princípios envolvidos) da força e das polaridades, para haver criação, elas precisam estar postas. E fomos convidados a observamos a movimentação dessas forças em nós. Como não poderia ser diferente, a feminina me chamou muito atenção, porque as características que damos a ela, nesse estado que nos encontrávamos, não se aplicava. E, verdade seja dita, quase não se via, diferença na movimentação do principio masculino e do principio feminino, a distinção se dava no aspecto de que um era externo, visível, extrovertido e o outro era interno, tácito (não é invisível), introvertido, subjetivo. A imagem era mesmo todo o movimento da fecundação seja da terra, seja da mulher, como mencionei acima.

Falamos mais desse movimento de passividade e entrega, o Wu-wei dos chineses, algo como o não-movimento. Mas, o não movimentar não é ficar parado, nem inerte, não há esse movimento no universo. O não movimento é um agir pelo fluxo, na dinâmica do fluxo. Algo que me é fácil intelectualmente, mas que bloqueio no sentir da vida. O não movimento é encontrar a vibração do mundo em si e parir o mundo, sentir o mundo, na sua vibração. Dá para entender?

De modo geral vemos o feminino como sendo o parado, o estático, mas o movimento do feminino é imenso, dinâmico, mas para dentro. O movimentar masculino é uma agitação que tem no lançar o esperma o seu ápice. O movimentar feminino é uma vibração que tem no ajuste da ovulação o seu ápice. É um DESENVOLVER E TRANSFORMAR formidável. É o barro e o oleiro. Um deixar-se conduzir, ser, mover. Um receber para transformar melhorado, ampliado.

Mas, é esse não movimento que trás a abundância, que nutre os seres, que realiza a multiplicação dos pães e dos peixes. É esse não movimentar que movimenta o universo, que interliga coisas e seres a um único movimento e sussurro. VIBRAÇÃO.

Nesse momento, eles nos mostraram os homens saindo para caçar, vencendo as intempéries da natureza, arriscando a própria vida para trazer a caça. Na mesma cena, eles salientavam que nessas buscas que por vezes demoravam meses, as mulheres e as crianças não morriam de fome. Elas nutriam os seus com aquilo que lhes estavam envolta, elas vibravam com a natureza. Os homens faziam o movimento externo, o de ir além, de buscar, de caçar; as mulheres ficavam no seu local e faziam um movimento que nutria e possibilitou o conforto, a domesticação, o sedentarismo. Elas proporcionaram um menor esforço. Elas proporcionaram a civilização.


O masculino tem dificuldade de entender e integrar essa regra, essa conduta. Sempre acreditamos no fazer, no realizar, enquanto muitas vezes o segredo está no esperar, no aguardar. Nessa parte, eles citaram Jesus: “pedi e recebereis. Buscais e achareis Batei e abriras.” Mas, enfatizaram a completude dos princípios: pedi, buscar e bater (masculinos) acompanhados, respectivamente do receber, achar e abrir (feminino). A completude implícita do ensinamento segue-se na passagem quando ele salienta a força da Deusa-mãe ao mencionar o pedido de um filho com fome. Mateus, 11, 9-13. A ideia que eles nos deixaram é que caminhamos para uma unidade, uma integração, na qual aprendemos a utilizar a VIBRAÇÃO como movimento e não apenas a força. Aprender sobre isso abre as portas para paisagens que nunca percorremos, porque não é um ir, um fazer e sim um situar.

Iniciamos e finalizando com uma observação que me chamou atenção mediante o terremoto no Nepal e o deslocamento do centro de força da Terra para o Andes. Mais, do que uma energia feminina, cada vez percebo uma energia de integração, uma energia que busca um movimento, um deslocamento de ambas as polaridades, algo como: um jogo de cintura maior do masculino, mediante uma rebolada, uma circularidade maior, aliado com um aprofundamento maior do feminino, uma linearidade, uma seta. Esse movimento tem acordado e despertado novos símbolos, novas interpretações, novos chamados, novos encontros e confrontos, precisamos estar atentos a eles.


Em seguida os artistas falaram da grande obra dos alquimistas, relacionando com a criação e nessa criação o processo de integração do masculino e do feminino. Falamos do símbolo astrológico do sol o que nos fez rever, quase que completamente, o entendimento desse símbolo como sendo masculino. Mas, isso tendo a escrever sobre elas mais para frente.



terça-feira, 21 de abril de 2015

O ARTISTA: o drama em cena.

 O artista é um filme que mostra um grande ator do cinema mudo, entrando em parafuso com a invenção do cinema falado. Ele vai me servir de contraponto para falar de mudança de paradigmas e os estragos que isso acarreta e nos acomete. Mas, antes preciso contar umas anedotas que nos auxiliarão na reflexão.

Certa vez, meu primo me contava, que tinha um mudo que assistia a vários shows e não parava de dançar, invariavelmente, no ritmo. Perguntado como: ele disse que acompanhava o movimento do baterista. Ele ‘ouvia’ com os olhos e essa percepção dava a ela condições de ficar próximo do ritmo.

Outra é uma ilustração fantástica, de um livro maravilhoso chamado Águas de Patrícia Sartrini e outros autores. Em determinado momento do livro, eles narram que uma comunidade que vivia de comer apenas carne crua, teve a felicidade, por motivo de um acidente, um raio que caiu, comer uma carne assada. Como eles não conheciam o processo, eles desenvolveram um método revolucionário de comer carne: colocar fogo na floresta. Mas, mais do que colocar fogo, desenvolveram entorno dessa metodologia toda uma estrutura de empregos, toda uma engrenagem social. Há os que colocam fogo, os que fazem a catalogação, há os que recolhem, enfim... burocratizaram o sistema tal qual nós fazemos. Mas, um dia, um moço inventa uma churrasqueira e tenta mostrar que para comer carne assada não era necessário causar tanto danos ambientais, sociais. Os burocratas desacreditam o moço, as suas idéias, discutem sobre a falta de fundamento científico na metodologia do rapaz e o trancafia como louco.

As anedotas são boas. A primeira tenta nos dizer que podemos seguir o ritmo e por vezes ficar próximo, mesmo quando não o escutamos. A segunda tenta nos falar que o fato de seguirmos uma lógica não implica que esse padrão seja o único, o verdadeiro.

O filme “O Artista” nos chama atenção para o fato de como um grande ator pode se tornar um canastrão. E gosto dessa metáfora do filme, porque os artistas do espaço, especialmente, os dramaturgos, adoram quando associamos a vida a uma peça de teatro. E quando a pensamos assim, eles vem nos dizer: o drama e a tragédia estão fora de moda. E eis o inaudito: a maioria das pessoas não sabem atuar outro gênero que não o drama e a tragédia. Há milhares de mulheres que não sabem outra atuação que não a dramática e a trágica.

Os roteiristas, os diretores, os dramaturgos todos olham para eles, cortam a cena, interrompem o ensaio para perguntar: mas porque o drama? E elas entre lágrimas tentam responder que a cena assim exige.

Assim, eu como porta-voz da nova teledramaturgia cinematográfica teatral do planeta venho informar que o drama está com os dias contados. Na verdade, o drama já morreu. E algumas pessoas já não sabem como atuar nesse novo cenário, com esse novo roteiro. Um roteiro no qual não há príncipe encantado para salvar a donzela e nem sapo para ser beijado. Acabou o cinema mudo.

Nesse novo cenário não há sacrifícios em nome do amor, renuncia em nome dos filhos, crucificação em prol da humanidade. Esses atores ficam na vida fazendo essas cenas e acabam virando pastelão. Todos acham que eles são comediantes e não atores dramáticos, mesmo porque, uma nova geração inteira, não conhece o drama. Não entende as raízes do sofrimento, não se mobilizam devido às dores. Elas são vistas como fraqueza e não como martírio e honraria para quem dela sofre.

É um novo cenário. Uma nova atuação. São novos diretores. É um novo roteiro. E nele, definitivamente, o drama e a tragédia não estão em pauta. Mas, a pergunta feita aos homens acima agora cabem às mulheres: o que fazer quando não se tem cavaleiros para salvar? O que fazer quando não se tem filhos para renunciar e sacrificar os dias de vida? O que fazer se não há mais possibilidade de se fugir da própria história e da própria vida?

Ao que tudo indica temos que significá-la. Isso não é da noite para o dia, demanda esforço, dores. Dores que Rubem Alves chamou, brilhantemente, de dores-de-ideia. Dores que fazem o corpo sofrer, a existência doer, mas que se mudarmos as ideias as dores desaparecem como doril. Milhares de mulheres e homens estão com essas dores, as dores causadas por um enredo, que não encontra mais cenário, fala, diretor e menos ainda, artistas para contracenar. O mais dramático de tudo é esse grande ator, atriz ver o palco se desmanchando, as pessoas indo embora, e elas agarradas a uma cadeira, a um espelho, lamentando... sentindo-se desprezada, ignorada, desamparada, abandonada. Quando na verdade, é a vida terminando um filme e pedindo: hora de trocarmos os personagens.

Deixe a trágica e dramática e viva uma nova cena.


PS: não é preciso morrer para isso. Esse é o último truque do melodrama, recorrer à morte como saída. Hoje os finais felizes são possíveis, especialmente, os de amor. Vivamos as novas cenas. 


sexta-feira, 3 de abril de 2015

INTERMINADO: a culpa é das estrelas, ou seria da Eduarda?

Eduarda foi a aluna, que me apresentou ano passado, o livro: “A culpa é das Estrelas.” Leitora assídua, devorava o livro com a intenção de terminá-lo antes da estreia do filme. Gosto quando as pessoas estão dentro do livro, imersas na história criada pelo autor, encontrando um espaço entre as pautas para que elas caibam. Ela estava assim, se esgueirando entre a estória maravilhosa do livro e a chatura de um professor que a puxava para vida, a retirando de uma das entrelinhas do livro. As entrelinhas entre as palavras têm infinitos só preenchidos com a historicidade do leitor, tornando cada livro, frase, única para cada um, não que lê, e, sim, que entra nesses espaços infinitos criados pelo autor. Eduarda pegou um desses caminhos de minhoca e quase me puxou para dentro do livro, eu resisti... infelizmente, mas estou muito feliz e satisfeito com os mais vendidos.

Tenho me impressionado, positivamente, pelos atuais best sellers. Primeiro, “A menina que roubava livros”, agora, a “Culpa é das Estrelas”. O filme é de fato belo. E, a beleza do filme é tratar de assuntos tão densos, tão pesados de uma forma tão leve; refiro-me ao câncer e a morte. Mas, o que eu quero mesmo é tratar desse hiato, dessa lacuna entre um acontecimento e outro. Quero falar do infinito, do paradoxo de Zenão de Eléia, da renormalização da física quântica para que as fórmulas não caia no absurdo. Quero falar do interminado.

Interminado não é uma palavra dicionarizada, pena, porque interminado no texto tem a função de aludir àquilo que não se termina. Mas, que não é algo interminável. O interminável parece ter a vida toda e todas as existências para acontecer, já o interminado é o oposto, o antônimo, já que representa, algo que finda antes de termos chegado ao fim. O interminado é similar ao não acabado. Aquela concepção freudiana que ganhou matrizes existencialistas de que o homem é um ser inacabado, um ser por fazer, um projeto. O interminado é esse mesmo lançar rumo às incertezas do infinito, sem que o alcance. Esse hiato, esse lapso é o interminado. É basicamente sobre ele que falamos.

O interminado permeia todo o filme, está em toda vida. O interminado é esse final da vida antes da despedida. É o aperto de mão sem a possibilidade de um abraço. É o primeiro orgasmo que será contabilizado como a última transa. O interminado é o fim que chega, a dor que arranca, a perna amputada que ainda tenta andar. O interminado é esse flerte miserável e compulsivo, obsessivo da vida, com uma paixão latente pela vida, que acaba se encontrando com a morte. O interminado é a paixão que acaba antes do amor morrer, ou o amor que cessa sem avisar. O interminado é a dor da escala 10 da personagem.   


Durante o filme não derramamos uma lágrima sequer para a morte, não é ela que nos causa espécie, o choro vem pela brevidade da vida. Nos causa lágrimas esse encontro certo, inexpugnável, mas que nos choca todas as vezes que acontece... o interminado. Como somos dependentes do depois do amanhã. Como carecemos de uma consequência de fatos. Como somos frágeis diante do fim inesperado, do interminado. Os dois jovens do filme não se conformam ( talvez mais ele do que ela) do livro terminar no meio de uma frase. Mas, na realidade, quantos de nós terminamos alguma coisa quando queremos? Quem termina uma paixão na hora que deseja? Quem cessa uma transa na hora que quer? Quem se prepara para a morte antes de ela bater na porta e quando ela bate, já levou. Nossos personagens vitimados pelo câncer desde tenra idade, flertam com a morte e o que ela tem de mais belo, o interminado. E eles ensinam cada uma das pessoas do seu convívio a viverem melhor, a serem melhor. Eles transformam o intermindado em infinito. Não um infinito interminável, mas o infinito que faz o sorriso do filho, o olhar da mãe, o beijo da amiga, as mãos dadas com a mulher que se ama ser eterno. Uma eternidade fugaz, breve como um segundo, mas profunda como o infinito. É sensacional saber que os jovens estão lendo isso. É sensacional saber que essa gratidão de ter estado com uma pessoa por um instante faz valer toda uma existência de dor. Um único segundo de amor. Uma única bafejada de carinho, um hálito de esperança proporcionado pelo ser que nos ama, faz toda uma existência valer a pena. É sensacional saber que esse amor está sendo vivido na Terra. E mais ainda que jovens de 15, 18, 20 anos estão aprendendo sobre ele. Um amor que fui re-conhecer aos 40 e que alguns morrem aos 95 sem nunca ter conhecido. Amei essa brevidade nas entrelinhas do livro.


Outra brevidade não menos importante é a de que nós precisamos do adeus, das despedidas, do último abraço. Nós precisamos dos finais, quando ele não acontece ficamos no vácuo e o vazio acaba nos preenchendo. Em alguns o vazio preenche todos os espaços, corrói tudo o que havia, ficando uma dor que dilacera. Em outros, o vazio é preenchido por outros instantes, ou pela gratidão de um infinito proporcionado por uma transa, um sorriso, uma convivência, uma amizade. É estranho como que o amor, a gratidão é capaz de preencher o interminado com um sentido que ocupa toda vida. Possibilita a eternidade na palma da mão. Possibilita a arte, a redenção, a transcendência. Possibilita o amor e o melhor de cada um de nós.


Sejamos...  


domingo, 22 de março de 2015

CLIC: a mudança é um estalo.

De repente ela acontece. Não se sabe por onde. De modo geral, ignora-se o como. Mas, ela acontece, significativamente, por diversas vezes na vida. Em momentos nos quais não sabemos, não esperamos, não controlamos.

A mudança acontece quando a gente não espera, quando a gente não repara, quando a gente não está prestando atenção. Você olha para um lado e ela ocorre na direção oposta. De uma maneira tão bela, suave, produzindo encaixes e amarras em nossas estruturas internas, em nossos espaços mentais. Poucas coisas são tão bonitas quanto a mudança. Acredito que reparar na mudança, olhá-la com carinho é ver o movimento da vida em nosso entorno, ao nosso redor e dentro de nós. Tudo muda o tempo todo. 

Heráclito de Éfeso chamava a nossa atenção para esse eterno devir. Parmênides seu opositor complementar nos alertava para a permanência de tudo. Olhamos para vida e vemos mudança e movimento, mas há outras partes da mesma vida que olhamos e vemos permanência e constância. Fica parecendo que mudamos para encontrarmos o permanente que existe em nós. Somos conduzidos vida afora para que cheguemos ao ponto do qual saem todas as mudanças.

Talvez a melhor paisagem para isso seja o céu e as nuvens. O céu permanece, enquanto as nuvem passam, mudam de forma, vão de um extremo ao outro. O céu acompanha cada uma das suas formas, dos seus movimentos, das suas brincadeiras de desenhar sentidos, das suas transformações, mantendo-se inalterado.




O mesmo processo, ou bastante similar acontece conosco e em nós. Os budistas comparam nossos pensamentos com as nuvens que passam, mudam de forma, de intensidade, coloração. Ensinam os mestres que devemos direcionar nosso olhar para o céu, um ponto na mente, que cria as nuvens, ou melhor, de onde surgem as nuvens. Nesse ponto, espaço, lugar, tempo que não tem tempo, espaço, ponto, lugar chegamos ao permanente, ao eterno. Mas, haveria eternidade sem mudança? Há vida sem devir? Se há, talvez seja a melhor tradução para o tédio, porque é na mudança é no inesperado que nos realizamos. É no devir que encontramos o perene. É aqui que nos situamos no que os hindus chamam de Maya, a deusa da ilusão. A ilusão de que tudo muda, a ilusão de que tudo permanece. A ilusão de que haja nuvens e a ilusão de que haja céu. 

No entanto, independente disso, a beleza reside na nossa capacidade de nos iludirmos e desiludirmos. Iludirmos com nossas demandas, desiludirmos, naturalmente, com ou sem dor, das nossas ilusões. Nesse caso as duas coisas são boas, porque em ambas estamos no devir, em ambas estamos na mudança. E essa deusa (mudança) guarda em si mesma a capacidade de movimentar em nós algo que não compreendemos, não reparamos, não sabemos como se dá.

Uma hora o menino junta as silabas e consegue ler palavras. Um dia o adolescente junta as palavras e decodifica o sentido. Noutro momento o jovem vê o sentido oculto daquilo que não estão nas palavras. De repente, o adulto compreende que a paixão passou, o amor acabou, o casamento chegou ao fim. Tudo num estalo. Ou melhor, num processo continuo ininterrupto, que culmina no clic da mudança. Um estalo sutil, que nos acorda, nos desperta, nos ilumina. 

Mas, esse clic não tem um padrão, uma hora certa para acontecer. Pedagogicamente, tentamos conduzir e provocar esse momento. Tentamos mediante práticas de ensino e aprendizagem proporcionar a cada aluno o tempo exato de resposta para as questões por nós suscitadas, mas como sabemos hoje, esse tempo varia, oscila, sem que com isso possa-se se mensurar inteligência ou "burrice". Pelo contrário, os avaliadores precisariam mensurar, ou buscar o que promove e provoca a mudança na vida das pessoas. Se nos aproximássemos disso melhoraríamos o que motivam as pessoas a aprenderem, a mudarem, a criarem situações nas quais desejam romper e sair, enfim, sair da zona de conforto. 

Mas, como tirar alguém da zona de conforto, do risco iminente? O que nos faz sair da zona de conforto e nos movimentar? Não há um padrão definido, uma regra universal a ser utilizada, pelo contrário, cada pessoa tem um padrão diferente, uma resposta diferente, um motivo diferente para buscar a própria mudança e a mudança das circunstâncias e relações a sua volta. 




Na clínica o processo de mudança é similar ao pedagógico. Uma hora, um momento, a pessoa consegue tomar a decisão que adiou, postergou por anos, décadas. Ela, simplesmente, compreende. Não uma compreensão intelectiva e sim um clic que a altera, a muda, a transforma. Um clic que a retira do sofrimento, da dor e lhe garante um alívio. 


Na vida também não é diferente. Situações que nos enervavam, de repente, perdem essa força. Apelidos que nos faziam babar de raiva, quando escutados, não nos causam nenhuma espécie e por vezes até graça. Mulheres por quem perdíamos o sono dormem ao nosso lado profundamente. 

A mudança parece ser a fórmula que a vida utiliza para crescermos, ou em termos espiritualistas, evoluirmos. Ela nos amadurece e nos reaproxima de quem somos, do que somos. Por vezes nos agarramos ao velho, ao antigo para que o novo não nos chegue, mas o novo sempre vem. A mudança é o que de melhor podemos ter da vida. Recebê-la, aceitá-la e caminhar esperando a próxima mudança. 

Mudemos....  







terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

ÁGUA: a crônica de uma falta anunciada.

Todos nós sabíamos, que esse dia chegaria, mas poucos de nós nos importamos. Faltou planejamento estatal, faltou gerenciamento público, faltou mobilização civil. Tínhamos na cabeça que a água é um recurso infindável, inesgotável, interminável, mesmo quando desmatamos nascentes e as vemos secar. Mesmo quando a poluímos com dejetos químicos, minerais, sólidos, emocionais.

As previsões eram a de que isso só aconteceria por volta do ano 2030, quando essa data era um horizonte distante tal como 2200. O fim chegou mais rápido e com ele uma conscientização forçada, que ainda não se dá e não temos de forma geral. Continuamos tomando banhos de 20 minutos, escovando os dentes com a torneira aberta, lavando a calçada com mangueira, lavando carros sem baldes. Ações que há no mínimo trinta anos horrorizam os europeus e povos que não possuem nossa abundância hídrica. Independente de tudo, continuamos acreditando, que a água é propriedade individual e temos todo direito a ela, porque pagamos. Sim, o pior da lógica não é o desperdício, o pior é a tentativa de legitimar que a água é um bem de consumo e que por pagá-la pode-se desperdiçá-la, ou se fazer o que se queira e como queira. Essa irracionalidade é castigada com a falta e espelha a nossa dificuldade de nos entendermos como povo, nação, irmãos. O problema dos outros não é meu, ou só se torna meu quando me atinge.


A seca no nordeste foi motivo de indiferença no sudeste por décadas a fio e eis que agora, o sudeste vivencia questões similares. As imagens da Cantareira, de Furnas e outros reservatórios são similares as do nordeste da década de 1980/70. 

Nessa carência, nessa falta, nessa escassez pede-se ao cidadão comum que reduza o consumo, mas as mineradoras e grandes indústrias continuam não apenas desperdiçando água, como muitas vezes a poluindo. Eles não pensam em racionalização do consumo, nem em sustentabilidade, num contra senso desmedido, o presidente da Nestlé fala de privatização das águas e mercantilização da mesma como se ela fosse uma barra de chocolate fabricada na Suíça. 

Esquece-se que a água é bem natural. É direito de todos. Pertence a todos. É uma aberração um ser humano afirmar que é dono das águas, que as pode engarrafar e colocar o preço que deseja, como ele chegou a insinuar. Aberração maior é pensar que na mente de alguns o seu valor pode ser aumentado conforme a escassez e a demanda permitir.

No entanto, o ponto que pretendo falar e tocar, referente à água, é o energético. E pretendo fazer isso utilizando de uma concepção psíquica, esotérica na qual se associa a água às emoções. Sim, haveria uma relação entre os 4 elementos e os 4 estados do ser. Essa combinação é muito utilizada na astrologia e também encontrada nos arcanos menores do tarot onde respectivamente cada signo corresponde a um elemento e cada naipe também.  

Mas, o que representa tudo isso se virmos a água como elemento da natureza, principio inteligente simbolizado por nossas emoções? É um experimento interessante, especialmente, quando observamos a nossa desertificação emocional. Ainda mais interessante, quando dialogamos com pesquisadores que mostram que a água é um ser inteligente, que está na Terra muito antes de nós e permanecerá depois de nós. Um desses pesquisadores mostra que quimicamente, não houve alteração de uma molécula de água que seja no nosso planeta. A mesma quantidade que existia nos tempos dos dinossauros, no batismo de Jesus no Jordão, no tempo de Ramsés no Egito, de Buda no Ganges, na coroa pesada por Arquimedes, continua existindo hoje. E a constatação que ele chega é a de que não é a água que acaba é ela que se esconde, foge de quem não sabe tratá-la com respeito e dignidade que ela merece. Essa é a conjectura mostrada e comprovada por Art Sussman em seu “Guia para o Planeta Terra”.

De uma perspectiva global de longo prazo, vemos que as mesmas moléculas de Água são usadas indefinidamente. A hidrosfera, o sistema de Águas do Planeta Terra, é um sistema fechado. Nenhuma Água nova entra na hidrosfera. Nenhuma Água usada sai da hidrosfera. A mesma Água passa de um reservatório a outro, circulando continuadamente, e sugerindo o nome que damos a este fenômeno- Ciclo da Água. (Gente Cuidando das Águas, p 34)

Mas, nós em nossa prepotência e arrogância, podemos conceber uma coisa assim? Acreditar que a água foge de quem a maltrata? Sente nossa falência hídrica? Claro que não. Inclusive, por isso continuaremos com as dificuldades pertinentes e peculiares que estamos atravessando.  

Embora, essa concepção acima se faça mais fantasiosa, exagerada, mesmo tendo sustentação cientifica, pretendo ressaltar, que na contramão dessa irracionalidade, sempre tiveram os ambientalistas conscientes, os povos ecológicos que não apenas alertaram para o perigo e futura escassez como fizeram mais, criaram, construíram e solidificaram uma rede sustentável na qual se fizesse possível a convivência entre homens e o meio ambiente tendo como meta a preservação e a sustentabilidade. Gostaria de saber o nome de todos para agradecer o belíssimo trabalho desenvolvido em prol do Planeta e de Gaia, mas cito três: Demóstenes Romano Filho, Patrícia Sartrini, Margarida Maria Ferreira autores do livro “GENTE cuidando das águas” e de uma tecnologia social registrada no conceito formidável: Meu Quarteirão no Mundo e o Mundo no meu Quarteirão. Eles são alguns de milhares de pessoas que desenvolveram ferramentas de sustentabilidade não apenas para o meio ambiente, como que para os homens que compõem esse ambiente.


É nesse sentido de uma busca por uma preservação da água, que venho trazer os dados, que aos meus olhos são os mais impactantes do livro, a saber: A ÁGUA NÃO PRECISA DE NÓS. Ela vai permanecer, continuar, como sempre continuou e permaneceu até hoje. Nós é que precisamos da água. Nós é que necessitamos dela para todas as nossas atividades. Não há civilização sem água.

Jean Pierre Garel, biólogo molecular, diretor-honorário de pesquisas no centro Nacional de Pesquisas Cientificas (CNRAS) comprova que a água tem três corpos: o físico, o emocional e o mental. Ele explora isso ao propor a água como "vetor de informação", o que implica dizer algo como: que a água é mais, muito mais do que um liquido. Ela tem um sistema inteligente de captação e transmissão de informação. Mais do que isso, ela se comunica e consegue realizar limpezas, transportes, em níveis altamente sofisticado. E isso implica que a água é um ser. Um ser que possui inteligência? Consciência?


Nessa direção, ele referencia outros pesquisadores sobre a água cada um com conclusões mais incríveis e desconcertantes do que outra. E citando o último e provavelmente o mais famoso, especialmente, devido a sua aparição no filme Quem Somos Nós e ser mais visual, temos Masaru Emoto, que expõe sua pesquisa no livro: A Mensagem da Água. O seu trabalho consiste em fotografar moléculas de água, mas não sem antes escrever nos mais diversos idiomas algumas palavras que vão desde amor até ódio. O inacreditável é ver como os padrões e as formas se alteram diante de cada vibração. Essa pesquisa se estende para músicas, nascentes de água.


Cuidar da água é mais do que racionar o seu uso. É compreender uma relação de respeito, integridade no qual cuidamos dela para sermos cuidados.

Se cuido das Águas por essas razões, cuido porque EU POSSO CUIDAR, cuido porque EU QUERO CUIDAR. Cuido por minhas razões, por uma ética existencial, e não por razões dos outros, por conveniências ou por obrigações que me são impostas, explicita ou, subliminarmente, em forma de campanhas terroristas ( o fim da Água no Planeta Terra), de “marquetagens” manipuladoras (“salvar” os rios e não nós mesmos), de sentimentos de culpa (assumir responsabilidade ao invés de cuidar por oportunidade). CUIDAR DA ÁGUA, SIM; MAS CUIDAR COM A LEVEZA, A GENEROSIDADE E A EMPATIA QUE UMA PESSOA EVOLUIDA DEDICA AOS SERES VIVOS QUE ELA MAIS VALORIZA. (op cit, 37).