segunda-feira, 7 de setembro de 2015

AO AMOROSO CUIDADOR ANONIMO






Olá anônimo.

A demora se deveu a tecnologia para trazer esse vídeo que vi no wats para cá. Consegui da maneira mais simples. rsrsrs

O vídeo é uma ótima ilustração. Outra que acho que caberia é o filme Gravidade. Uma astronauta que lida com a perda da filha é insensível a imagens, visões únicas, vistas apenas por pouquíssimas pessoas.  


Deveria ter uma receita. Deveria ter uma metodologia pronta para tirar as pessoas da depressão, mas não as tenho.

A depressão tem muitas caras, muitas formas, podendo até ser gradativas. Inicialmente, ela é uma insatisfação, depois uma impotência, depois um cansaço, depois uma falta de querer, depois uma desesperança, depois uma descrença, depois uma prostração. Nesse momento, ela vai virando um lugar comum, como se o poço de piche tragasse a pessoa para dentro, até ela não mais conseguir sair. E aqui se repete o ciclo, porque a força para sair desse lugar tem que ser imensa.

Nesse ponto podemos comparar com a dieta. Quando se está poucos quilos acima do peso e se deseja emagrecer realiza-se um esforço X. Quando se está dez quilos acima do peso e se deseja emagrecer, o esforço é outro. Quando se está na obesidade ou obesidade mórbida, o caso é ainda mais complexo. De maneira que a força, que era preciso no primeiro momento agora é insuficiente e isso leva ao ciclo que mencionamos, porque a sensação de impotência amplia muito e junto a ela a sensação de vazio.

No entanto, longe de ser falta de vontade como se pontua diversas vezes é mesmo a sensação de estar andando na direção contrária da escada rolante, de estar querendo sair de uma piscina de piche. Isso me trás à memória alunos que o simples fato de vê-los na escola pela manhã já me era motivo de festa. Não me importava se eles iam aprender, estudar como os professores cobravam. Eles terem levantado da cama, escovado os dentes já era triunfo para mim e as mães deles. Os professores em sala perguntavam por que ele(s) eram tão avoados? Por que faltavam tanto? O motivo era a depressão, em alguns a depressão crônica e o que nos interessava era eles terem aberto os olhos, saído de casa. Esse esforço era imenso. Valia mais do que 60 pontos para aprovação.  

Outro ponto, mas ainda o mesmo é que a depressão é compreendida por muitos vieses, infelizmente, na maioria das vezes, sem inter-relação entre eles. Há a perspectiva física e neuroquímica (medicação) utilizada pela alopatia/psiquiatria. Há a perspectiva emocional (terapias) tantos as tradicionais, como as complementares. Há a perspectiva espiritual (obsessores) tanto das correntes pentecostais quanto das mediúnicas. E, elas de modo geral são pensadas como excludentes, quando tudo indica que uma complementa a outra, apoia e estrutura a a outra onde essa não tem mais suporte para alcançar. 


Nessa perspectiva é importante salientar que o ser humano é mais do que um corpo físico, ele tem seu aspecto anímico, sua constituição espiritual e a depressão como todas as coisas dizem respeito ao humano, ao que denomino universo energético. Assim, o que fico observando é como o anímico puxa o corpo e este mergulha os dois no buraco de piche e em pouco tempo a alma está atolada, sem força para vir à superfície, para levantar o próprio corpo, para dar prazer à própria alma.

O QUE FAZER?

Encontrar a vontade, melhor, encontrar a coragem de realizar o que precisa ser feito. A depressão costuma ser uma desistência de si mesmo, da vontade, dos desejos, dos quereres e se reencontrar com isso não é fácil. Lidar com isso não é tranquilo, conectar-se a si mesmo quando se passa a desconfiar desses laços, a não se acreditar em si é um trabalho de re-construção imenso, que leva tempo, atenção, cuidado, dedicação. Um passo a passo para uma caminhada de recuperação. Andam-se milhares de quilômetros apenas para voltar ao ponto inicial. Retomando a metáfora da dieta, perde-se quase metade do próprio peso apenas para voltar ao sobrepeso. Quem está dentro do processo muitas vezes não reconhece esse esforço interno. Quem está fora do processo por vezes também não dá valor aos pequenos esforços infinitos, grandiosos, que o deprimido está realizando. Depressão não é frescura, nem falta de vontade no sentido de preguiça como pensa-se muitas vezes. De forma que as pequenas ações, atitudes realizadas ao longo do tempo é uma conquista que precisa ser levada em consideração.


Outro ponto relevante é a busca por ajuda e auxílio valendo-se de alternativas diferentes. Há casos que a depressão é química, genética e a medicação auxilia mais do que a oração, a fé. Há casos de que a depressão está associada a processos obsessivos e a imposição de mãos, o passe, o descarrego é mais importante do que a medicação. Em todos os casos um acompanhamento terapêutico, um processo de contato com a própria alma é importantíssimo. E, nesse quesito vale mais o terapeuta, a relação entre os dois do que a terapia em si. 

Enfim... integrar os aspectos soltos, observar o que não está dando prazer, se permitir dar esse prazer, encontrar a coragem para ser quem se é. 

Vamos nos falando.  


domingo, 16 de agosto de 2015

Eu te amo mesmo assim: um contra a depressão.




O amor tem encaixes raros, belos, que mobilizam momentos especiais e únicos. Mas o amor tem também momentos duros, encaixes difíceis, insuportáveis de ser e fazer.

O melhor momento do amor é quando o outro se encaixa na e com a nossa melhor parte. O momento único e especial desse mesmo amor é quando nesse melhor momento acessamos também o melhor lado do outro. Acaba por ser raro, lindo, perfeito, incomum e surreal. Poucos viveram isso no mesmo time, no mesmo lapso e intervalo de tempo. O comum é o desencontro: João que amava Teresa, que amava....

Mas, o fato é que as pessoas se movem, giram, gravitam, se atritam e os encaixes criam pequenas falhas, seguidas de algumas fendas, que se transformam em abismos intransponíveis, ou em desencaixes. De repente, não acessamos o melhor do outro e nem ele acessa o nosso melhor. Estamos fadados aos desencontros. Estamos fadados aos atritos que vão deixando a convivência insuportável, vão deixando as relações insustentáveis e inviáveis. Aquele outro que acessa o melhor de nós, que nos tornava um ser humano melhor, começa a acessar o pior da gente, deixando a relação pesada, cansativa.

Escrevo tudo isso, porque tenho recebido muitas queixas de depressão. Algumas dessas queixas nascem de relacionamentos interrompidos, desfeitos, onde possivelmente, os encaixes se perderam e o melhor do outro não é mais acessado e nem o inverso. Mas, como lidar com a depressão? Como lidar conosco se a sensação de nosso melhor partiu sem nos levar e nos avisar? Como lidar com essa ausência, esse vazio que aumenta e corrói dentro dos seres?
Há muitas respostas, a maioria com apelos conceituais, mas de pouca valia prática. Eu não ofereço nesse texto uma resposta, mas uma reflexão que surge a partir de uma peça teatral do GRUPO AFETA intitulada: “180 dias de Inverno”, que vi alguns meses atrás. Uma peça bela, singela, envolvente, densa; envolvendo aspectos complicados e complexos como a depressão e a bulimia.
A peça poderia se chamar 180 dias de solidão, ou quando o amor cansa.

A peça é delicada, terna, singela, bonita. Cumpre a proposta da arte de transformar um assunto tão denso- depressão e bulimia- em algo ‘leve’ e reflexivo. Para incrementar ainda mais, a peça tem elementos intertextuais de outras artes (dança, cinema, música) que qualificam e amplificam a densidade do tema.

As reflexões vivenciadas pelos dois atores no palco exploram os dois lados da depressão. O primeiro e mais conhecido, a depressão pela perspectiva da deprimida. A segunda e menos divulgada, a depressão pela ótica do cuidador.


De modo geral conhecemos a depressão mais pela ótica da pessoa deprimida. Quando digo conhecemos não quero dizer que reconhecemos, pelo contrário, de forma geral, tende-se achar que é chilique, frescura, manha, falta de vontade e de querer. E a atriz deprimida, esposa muito amada pelo marido diz algo como: “eu tenho vontade de dormir”. “Uma vontade de dormir em uma cama macia e fria como às águas do mar”.



E a depressão apresenta essa falta de sentido, essa necessidade de dormir, se entregar, mergulhar no vazio e se deixar levar pelo nada. Ao que parece é uma força que traga a pessoa.

Junto a essa rendição há a força do marido que tenta a todo custo, retirar a amada dessa condição, desse lugar, dessa situação. Ele luta pelo encaixe, pelo melhor que eles foram um dia, mas em determinado momento, ela fala algo perturbador, ao alegar, que jamais ficaria boa enquanto o marido estivesse perto, encima, a chamando para a vida, para o despertar.

Isso é trágico, cruel, mas há encaixes que proporcionam dinâmicas, que pode mergulhar o outro em vazios. São situações que escapam ao pessoal e adentra as relações, seja a dois, familiar, social. Os casos de dependência química, de esquizofrenia há muito dessa relação sistêmica que vai adoecendo e embora arrebente em um, esse adoecimento é familiar, relacional. A depressão não é muito diferente. A tristeza desse individuo costuma simbolizar vazios das relações. Vazios que nunca veremos, nunca enxergaremos, porque o outro transporta em si essa dor amarga, que reputamos a ele e não a nós.

E é nessa dinâmica que caminhos para o desfecho. Inicialmente, a obra revela o cansaço, a exaustão em que ambos estão envolvidos. Junto a isso, outras reflexões são suscitadas: qual o sentido de se amar uma pessoa que não se ama mais? Qual o sentido de permanecer ao lado de alguém que se abandona?

A peça responde com: “eu te amo mesmo assim!!! Eu te quero mesmo assim” O artista que inspirou a peça parece que respondeu a isso dessa forma, sem dúvida bela, singela, corajosa, especialmente, por se tratar de um homem. É mais comum em momentos de crise emocional saltarmos fora, abandonarmos o barco, ou apelarmos para uma vitimização inversa, contrária, na qual somos encarados como salvadores.

Eu te amo mesmo assim é uma tentativa de responder a esse duro encaixe, aos desajustes. É uma aposta que na fricção da vida, uma hora o encaixe mágico vai voltar e a perfeição retornará. É uma aposta. Uma sentença. Eu te amo mesmo assim é o mantra que mantem esse cara ao lado da esposa, quando até ela parece ter desistido de si mesma e deles.

Eu te quero mesmo assim é uma aposta na relação, no relacionar... pode dar muito certo, mas as vezes o encaixe está em outra relação. 




sexta-feira, 17 de julho de 2015

O TEMPO E A CLÍNICA: métodos e procedimentos.

Quando comecei a atender com o Aconselhamento Metafísico tinha certeza que resolveria tudo em 4 sessões. Utilizava o aconselhamento para quem comprava o pacote e ao mesmo tempo realizava atendimentos avulsos para quem nos procurava ocasionalmente. Invariavelmente, a coisa que me causava mais perplexidade eram eles marcarem retorno depois das quatro sessões. Eu achava isso a coisa mais inusitada e por vezes até um sinal de fracasso, como assim, você deseja voltar? O que eu fiz de errado? Rsrsrsr.

Grande parte das técnicas bioenergéticas tem uma ampla aplicação nos planos sutis, na verdade, derivam dos campos sutis e quando as aplicamos por lá, os resultados são mais rápidos. Lá a consciência responde mais prontamente do que aqui no plano físico. Os resultados que obtive, na mesma sintonia, que encontramos no plano físico se deram com pessoas que realizavam ao mesmo tempo um pull maior de técnicas, por exemplo: realizavam uma atividade física regular, faziam um acompanhamento psicológico e realizavam o aconselhamento. Essa busca produzia uma maior absorção das informações e amplitude de entendimento e do atendimento. As informações eram mais bem absorvidas, seja pelo corpo emocional, mental e até mesmo o físico que parecia absorver informações pelos poros. O senão a isso é que a gestalt, o fechamento dessas informações, deveria ser realizado pelo próprio buscador, já que nós os terapeutas não dialogávamos entre nós. Mas, as percepções da clínica, os toques clínicos encontravam uma ressonância muito fina com as percepções energéticas realizadas no aconselhamento e vice-versa.

Retomo isso por alguns motivos, como por exemplo, o fato de que parte da minha ansiedade se altera na medida em que vou estagiando em Filosofia Clínica e é basicamente nesse ponto que eu quero falar, porque acabei encontrando alguém mais ansioso do que eu. E, esta nossa partilha tem provocado em mim reflexões que escrevo agora.



O espaço clínico é o locus da paciência, da observação, da compreensão dos mais diversos tempos e ritmos.

Há o tempo externo, cronológico, que está a cada dia mais acelerado. Há o tempo subjetivo que tenta se encontrar com esse tempo externo e por vezes caminha com a língua para fora, agitado, sobressaltado, ejaculando precocemente, ou impotente, sem prazer. Há o tempo biológico, nos chamando à mediação e conciliação entre esses dois ritmos por vezes tão antagônicos e diversos.

Na clínica, de certo modo, não declaradamente, tentamos ajudar o partilhante a encontrar esses três tempos os tornando um. Aproximando o partilhante do seu ritmo, do seu tempo. Observando junto a ele qual é o que prevalece, como talvez, um atropela o outro, ultrapassa o outro, ignora o outro. De modo que fiquei pensando como o poeta fez em “A Procura da Poesia”, algo mais ou menos assim:

Sua pressa, sua vontade, seu desejo, seu certificado, isso ainda não é filosofia clínica. Sua observação, seu circunstanciar, sua cara de gozo frente à descoberta de uma EP, também não é filosofia clínica. Sua intervenção, sua tabua de submodos, nossa tábua de salvação, as estruturas de pensamento, também não o é. A filosofia clínica começa antes de tudo isso e prossegue depois de tudo isso.

Tua escuta, o timbre da sua voz, a transcrição da sua fala, ainda não é Filosofia Clínica. Atente-se para o silêncio que tu faz entre uma fala e outra. Recorde e reviva cada segundo da sua fala, enquanto transcreves. Recorde do seu corpo, da sua respiração, do posicionar das suas pernas, das suas mãos aflitas, dos seus sentimentos de medo e vergonha, agora caminhas, mas não para a filosofia clínica e sim para si mesmo.

Somente depois disso, desse engasgo e tormento, desse medo e atração, dessa repulsa e aversão é que deve entrar, silenciosamente, no universo do seu partilhante, lá estão as singularidades dele a espera de? A espera do que? Varia de partilhante para partilhante. E é devido a esse variar que a clínica junto ao outro só inicia depois de as termos feita em nós. Sem nos submetermos a isso tendemos a ser destemidos demais, impiedosos demais, secos demais, diretos demais.

Aqui, novamente, há uma analogia entre o médico e o filósofo clínico no seu estágio. Ambos podem se apropriar de uma metodologia, de um instrumental cirúrgico, de um uso. Ambos podem transformar o seu fazer em técnica, mas, quer nos parecer, que o ser médico e o ser filósofo clínico encontram-se além desse fazer técnico. Fazem-se nele, com ele, mas quando se reduz a apenas tecnicidade perde grande parte do efeito. E talvez um afastamento entre médico e filósofo clínico se faça importante.




O médico não precisa ter tido uma fratura exposta, ou um corte no supercílio, ou realizado uma cirurgia plástica para operar, mas ele precisa saber o quanto um bisturi é afiado, como minimizar as cicatrizes. No mesmo sentido, o filósofo clínico precisa saber o quanto aplicar as categorias alivia o partilhante. Saber como que conhecer o histórico do partilhante o deixa mais seguro e confortável, relaxado e confiante. Como que sabendo quem ele é, o que ele deseja, o que ele busca, onde ele se encontra, para onde ele deseja ir, a operação se faz harmônica. É baseado nesse alívio que ele pode explicar com mais convicção ao partilhante: você apresentou um quadro x (baseando-se na EP) e o melhor 'tratamento' é Y (utilizando-se dos submodos).

Mas, se o médico tem apenas o outro para aplicar os procedimentos técnicos, o filósofo clínico tem a possibilidade de realizar isso em si mesmo, não por si mesmo, mas em si mesmo. Creio ser esse o motivo do estágio. Mais do que obter um certificado, mais do que um tempo para se alcançar, ele representa uma maturação, uma descoberta do seu tempo cronológico, com o seu tempo subjetivo, provocando uma harmonia no tempo biológico. Pode ser um tempo de pressa, mas não de atropelamento. Pode ser um tempo de espera, mas não de abandono. Pode ser um tempo.... o seu tempo, mas consciente dessa temporalidade, dessa dimensionalidade. Mas, eis a questão: como se ensina isso? Como se transmite isso?

O que tenho observado é que durante o estágio pode-se encontrar as técnicas e saber operacionalizá-las de forma hábil e atenta. Mas, isso cria uma distância entre o filósofo clínico e o partilhante. De modo geral, esse filósofo clínico jamais vai saber de onde deriva e sai a busca, a queixa, a dor, o sofrimento do partilhante. Ele tende a ajudar o mesmo, talvez até mais do que o outro filósofo, mas talvez perca a beleza do encontro, do desanuviar uma singularidade, de se tornar antes de tudo e depois de tudo, amigo. Amigo no melhor sentido filosófico do termo e do ato, isto é, ser com o outro. Não ser ele, mas compreender quem ele é e porque ele é. Talvez esse seja o sentido da técnica aparelhar, fundamentar o que o filósofo ‘deveria’ ser; amigo. Não apenas da sabedoria, como de outros sabedores. Amigo do saber e do saborear- outras vidas, histórias, historicidades.

Um saborear que trás a dimensão do tempo. Da paciência. Da espera. Da subjetividade do outro aflorando, se revelando, se mostrando, num tempo diferente que o do calendário, que avança diuturnamente, semanalmente. Com movimentos previsíveis, observáveis, controlados e marcados semanalmente. Até que um dia, sem nenhum motivo aparente a não ser o da paciência e da espera, da confiança e da entrega, o tempo subjetivo se mostra, se expõe, se deixa ver por todos, preenche a historicidade e a transborda, significando e circunstanciando todos os tempos, todos os espaços. O outro não é mais tempo, ele é sua história.

Mas, como alcançar isso se o desejo inicial é antes de tudo, terminar? Como se inicia se a busca é antes de tudo o final? E como posso dizer a esses e a nós estagiários, que já somos filósofos? Mas, talvez seja esse um pedido: esqueça o certificado, apenas aprenda, compartilhe. E, mais, como eu posso te falar que antes de escutar o outro como filósofo clínico é essencial que você tenha se escutado, se visto, se desnudado, senão para o seu professor, inevitavelmente, para si mesmo.

É importante ao filósofo clínico ter tido o medo, receio de se expor, de se abrir, de se mostrar. Saber da tensão e dificuldade que é ser desnudado pelo outro. Ver e aceitar o outro apreendendo dimensões suas nas quais a gente não chega, não vê, não sabia. Aprender a lidar com essa fragilidade. Fragilidade que se mostra no bafão, mas que prossegue além dele, evidenciando que a questão é o hálito.

Finalizando, os seus bafões, seus segredos guardados ainda não é estágio, mas soltar e descobrir o seu hálito e junto a ele coordenar sua autogenia, se perceber como responsável por sua história e não meramente figura decorativa, aí estamos falando de clínica. Ser capaz de compreender a dificuldade de ser quem se é, especialmente, diante do outro, isso é estágio. Parece que o restante é pressa, técnica, obtenção de certificado. 


terça-feira, 23 de junho de 2015

Entre o Pink e o Black: pelo cromatismo existencial.



Este é um texto cuja reflexão mental, eu tenho feito comigo desde 2008, intensificou em 2012, a observei mais a fundo em 2013 e quase a publiquei nessa data, quando vi Ana Maria Braga postando o comentando o vídeo acima, mas não saiu.

A indignação da menina, eu captei e utilizo para pensar num universo no qual os lugares são dados pelo nascimento. Em verdade, já derrubamos muitas castas, mas a de gênero ainda escraviza.

Simone de Beauvoir nos dizia no século XX, que não se nasce homem, não se nasce mulher, torna-se homem e torna-se mulher. Mas, volto a insistir, evoluímos demais, mas ainda o tornar-se mulher tem um peso diferente, tal qual ser negro, tal qual se assumir homossexual. Mas, a razão dessa escrita não é social e sim psíquica. O que desejo observar é outro movimento, outra dinâmica, que tem em comum com a primeira, a falta cromática em nossas vidas.




Michael divulgou o seu Cd Black Whaite antes de Obama se fazer realidade. Mas, entre negros e brancos há de ter outras tonalidades mais respeitosas fora da discriminação e do preconceito. Entre o céu e o inferno deve haver outras variações cromáticas com espaços menos dramáticos e opulentos. E aí penso no movimento Gay cujo significado é alegre e cuja bandeira é o ARCO IRIS. Mais do que nunca uma variação cromática entre a normalíssima relação homem-mulher. Eles nos mostram que pode haver a relação mulher-mulher; homem-homem; trans-homem; trans-mulher. E essas relações longe de serem confinadas ao se fazer homem culpado, chateado, revoltado, pode se fazer e ser HUMANO na alegria. É possível encontrar fora do armário uma coloração social mais tolerante, amável, benfazeja, ainda que o Senhor dos Exércitos, machão e machista, sexista e preconceituoso raivoso e feroz se morda e morda a todos por isso.




Creio ser oportuno, no melhor exemplo de Jesus, ensinar ao Senhor dos Exércitos, que não há mais inimigos para se subjugar e matar. Creio ser oportuno, no melhor sentido de Paulo, que se Jesus é judeu, Cristo é de todos, até dos gentios. E é Cristo que é motivo de amor, adoração, respeito e devoção. É em Cristo que seguimos os ensinamentos de Jesus e abraça-se o judeu, o gentio, o ímpio, a viúva, o pobre, o preto, o homossexual, o racista, o homofóbico, o macumbeiro, o budista, o candomblecista. E, se um deles não for parte do corpo de Cristo então nenhum de nós pode ser com ele e nele. Mas, como salientava, o motivo da minha escrita não é o de mostrar que há em Jesus outras variedades tonais, cromáticas e sim outra percepção.



Uma percepção que diz respeito a dinâmica que batizei de pink e black. Pink relacionado a uma energia de ternura, meiguice, altamente sensível, empática. Essas meninas pinks são dóceis, quase frágeis, delicadas, espirituosas, talentosas, ingênuas, no sentido de não darem a maldade que damos ao corpo, ao toque, ao afeto. Algumas delas que estão entrando na adolescência tiveram na infância as Meninas Superpoderosas e a Hello Kitty como ídolas. Havia nelas e junto delas e nos locais pelos quais elas frequentavam esse espalhar de doçura, amorosidade. Assim, como há/havia nesses ícones uma energia que lhes dava uma correspondência muito estreita e fina. Como que esses ícones irradiassem um padrão de ternura similar.

Eu não preciso dizer que essas pessoas sofrem. São abusadas, não apenas fisicamente, mas emocionalmente, porque de modo geral temos dificuldade de lidar com pessoas tão sensíveis, tão dóceis, tão boas sem esperar algo em troca, sem abusar para conseguir algo em troca. Sem violentar para conseguir algo.


As gradações então são imensas. No início elas são pinks, depois pulam para o Black, quase sempre sem gradação cromática. Há um desgostar do pink como se ele fosse uma ofensa, como se fosse necessário negar esse lado meigo e terno, facilmente confundido como bobo e tolo, fácil de enganar e manipular. Nesse movimento, elas partem para o Black os tornando uma identificação e vi em mulheres adultas (e estou chamando assim mulheres acima dos 35 anos) em sítios adultos relacionados a pratica BDSM. Muitas submissas tem essa energia pink que parecem encontrar vazão nas praticas BDSM.


Mas, retornando ao Black. Em determinado momento, lá no final da infância, inicio da adolescência, próximo a puberdade, elas se retraem ainda mais. Elas se fecham no mundo delas e quando saem, vem vestidas de preto, ouvindo Rock, querendo encontrar na vida uma forma de proteção, ou encontrando no black uma forma de proteção. Mas, é tudo pose. Uma camada de proteção que envolve o lado pink. Uma camada protetora que impede os abusos, sejam de que ordem for. Uma tentativa, por vezes frustrada de não sofrer tanto, não doer tanto, estar num mundo em que a intolerância, o desrespeito é a base das relações.

Fico imaginando quantas pessoas acabam se identificando depois com essa tonalidade black por não ter se encontrado, não ter tido espaço para expressar outras tonalidades. Expressão que passa pelo ser, pelo sentir e então pela sexualidade. Não na genitalidade em si que apavora quase todo mundo, mas pela sexualidade no sentido de prazer, amor, liberdade de ser aquilo que se é. Como a menina que deseja brincar não só de bonecas e isso não representar que ela seja lésbica. Como a menina que quer brincar só de boneca rosa e gosta de transar tanto com meninos que jogaram futebol, quanto com meninas que nunca entenderam porque não podem urinar em pé. Liberdade para poder jogar futebol americano, mas ter a preferencia libidinal por homens. Enfim... acredito que o nosso tornar-se homem e mulher pode ser mais cromático, tolerante, amoroso, respeitoso.






Construirmos um mundo e relações nas quais deve existir uma tonalidade cromática para que essas pessoas possam manifestar sua doçura, sua ternura, sem necessitar de uma roupagem e por vez de um comportamento tão agressivo, que esconda a elas mesmas. Pessoas tão esplêndidas e maravilhosas. Acredito que haja outras tonalidades para serem utilizadas, a dourada, a violeta, a azul, a verde. Tons que nem as deixem expostas demais a selvageria do mundo e que também não as coloque presas em si mesmas e ao que elas são em essência. Acredito em uma educação que ensine isso e desconfio de qualquer outra que ensine o contrário. Acredito numa educação que liberta.



À mais linda do Mundo, Minha Dádiva. Que na sua busca, ela nunca perca a si mesma. Um bj na alma que me acaricia e me faz melhor. 


domingo, 7 de junho de 2015

SÍSIFO E O SACRO-OFICÍO: à divindade.

Sísifo enganou a morte por duas vezes, foi um mortal capaz de desafiar as leis naturais, pelo menos até certo ponto. Não obstante, foi castigado pelos deuses a empurrar uma pedra morro acima, que por efeitos das leis da Física, da lei natural, rolaria sobre ele, praticamente, o esmagando. A tentativa de Sísifo em quebrar as leis naturais o colocou numa posição de sacrifício eterno. O seu fazer se tornou rotineiro e a sua astucia, sua inteligência, sua criatividade ia sendo diluída diuturnamente.

O mito adentra nosso imaginário, visita nossos ânimos, alimenta as nossas reflexões. E nessa quinta-feira de Corpos Christi fiquei observando duas pessoas que desenvolviam suas atividades de maneira concentrada, atenta, inspirada, motivada. E realizavam um trabalho que em poucas horas seria pisoteado, que a maioria não daria valor, que ninguém saberia que foi ela que ajudou a realizar. Era um fazer anônimo, sem reconhecimento. E elas estavam lá, desde as seis, sete da manhã e com folego para desenharem e ‘colorirem’ mais uns dois quilômetros de avenida.



Essas ações me intrigam, afinal o que eles ganham em troca? Não faziam por dinheiro, não faziam por status, não faziam por reconhecimento? O que eles queriam e o que eles ganham com isso? Entenda que a ação deles é justamente o contrário da nossa. Para a grande maioria o trabalho é tripalliun um instrumento de açoite, que nos aflige dia após dia. Nosso trabalho é a própria representação do mito de Sísifo e diante dele temos que nos perguntar: há saída? Pode-se ser feliz e pleno realizando uma atividade profissional?

A maioria das pessoas escolhem uma profissão que as oprime com o peso da rotina. O tripalliun as açoita dia e noite, anos a fio, até a sonhada aposentadoria. Trabalha-se esperando o fim. Inicia-se o dia de trabalho na expectativa que ele termine o mais rápido possível. De modo que o trabalho é torturante sejam pelas condições impostas, seja pelas condições que nos impomos, mas quero falar dessa outra dimensão do trabalho que é labor, que é louvor, que é celebração, que é aproximação da divindade. Talvez esteja falando de utopia, talvez esteja sendo ingênuo, mas monges sejam eles budistas, hinduístas, cristãos, assim como artistas e alguns jogadores profissionais tem mostrado que há um estado de graça em algumas atividades. Mais, precisamente, não na atividade em si, mas na forma com que a realizam. Uma forma na qual o importante não é o eu e sim o não eu. Não um não eu, enquanto renúncia de si mesmo, mas um não eu, enquanto abertura de expressão para a divindade. 



Nessa mesma linha, sempre achei estranho saber que monges budistas faziam mandalas que seriam espargidas pelo vento. Era um trabalho tão meticuloso, tão lindo, que não entendia para que tanto esforço em vão e ali nas ruas de BH eu via a mesma relação. E, no caso budista, as mandalas são realizadas com o intuito de se desenvolver o desapego. Elas são feitas com todo carinho, com todo cuidado, com toda atenção na expectativa de o vento as leve. 


Na quinta-feira do dia 6/6/2015 fui correr no Parque Municipal e vi uma moça linda e solitária desenhando no chão. Me deu vontade de perguntar: você está utilizando pemba para fazer os desenhos do santíssimo? Não perguntei, apenas a observei no seu trabalho silencioso e profundo. Em torno de uma hora depois, saindo do parque lá estavam várias pessoas sentadas, utilizando de serragem para colorir os desenhos da moça. Tinha um rapaz cuja energia dele me chamou atenção: pernas cruzadas, olhar atento e fixo, exalando uma amorosidade que o tomava, mas não o envaidecia. O que ele fazia era belo, mas ele sabia que aquela beleza passava por ele. Fiquei olhando para ele com vontade de perguntar: não sabe que daqui a poucas horas centenas de pessoas vão pisar no seu trabalho? Não sabe que daqui a instantes ninguém vai saber quem é você? Eu que escrevo sobre você não sei quem é você? Por que acordas às 4 horas da manhã de um feriado para uma ação assim?

Também não perguntei, mas a energia do moço, das outras pessoas que tomavam a Avenida Afonso Pena me contavam que ele fazia aquilo para a divindade. Sim, aquele era um trabalho de devoção à divindade. Ele não estava ali por ele, fazendo para ele. Ele não tinha nada a ganhar, porque não havia e não há preço que pague o que ele estava dando e recebendo naquele momento e na vida dele. Ele estava conectado a sua divindade de adoração e fazia aquilo por acreditar que ela ficaria feliz e a felicidade da divindade era a felicidade dele. Adorar a divindade que ele cultua era a forma de ele sentir-se pleno, integrado, harmônico, um ser humano melhor. E a beleza que a gente via era expressão desse amor.

Um amor que não é autoral, não tem que ser. Ele não fazia aquilo para o padre, ou para a esposa, ou para os filhos, nem mesmo para ele; ele fazia para a divindade, no caso Jesus. Isso não tem preço, não tem negociação. O valor dessa ação não cabe em nenhuma quantificação. Isso que realizou está além do mercado e das teorias de exploração. Não temos, pelo menos não conheço um conceito no qual a reificação pode ser entendida ao avesso do que ele é, ou seja, uma integração na qual o seu fazer encontra-se refletido no objeto que foi produzido- LABOR. É o mais perto que podemos chegar.

Sacro-oficio é o outro conceito que podemos tentar nos aproximar, isto é, tornar sagrado o seu fazer. É como se diante da amargura de Sísifo encontrássemos uma forma de significar o nosso fazer. E esse significado pode ser dado de diversas maneiras: 1- pelo salário recebido; 2- pelo prazer e reconhecimento conquistado; 3- e é o que estamos tratando o de entregar o seu fazer a uma divindade. Tornando o seu realizar uma adoração à divindade.

Nessa perspectiva, aquela energia era voltada toda a ela, para ela. Não era uma renuncia ao eu, ao ego, mas era uma entrega a divindade. Aquelas pessoas não estavam centradas no que aconteceria, que em pouco tempo o vento, as pessoas pisariam na realização delas, o centro da energia delas estava no ato de que elas se deram à divindade.
Eu não achei outro nome senão estado de graça. É um estado de beatitude, de plenitude. Não se tem nada para receber, não há valor que possa pagar. É um ato que não tem preço. Incomensurável. É basicamente o que Bhaktivedanta Swami Prabhupada ensina no movimento Hare Krishna, isto é, oferecer, ofertar o seu fazer a divindade.




É lindo!!! É belo!!! Fossemos capazes de trazer essa presença e essa energia as nossas atividades, ao nosso trabalho, a nossa rotina, re-significariamos Sísifo, seríamos capazes de vencer as leis naturais no que elas nos apresentam de repetição e mesmice, tripalliun e açoite. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Maternidade: maeternidade

Salve a todos!!

Na reunião do primeiro sábado de maio de 2015, lua cheia em escorpião, trabalhamos o tema maternidade. O tema foi escolhido devido à proximidade com o dia das mães e junto ao tema buscamos meditar sobre a energia do cuidado, do ato de cuidar, tendo o feminino como pano de fundo.

Iniciamos as meditações, trazendo os artistas, que tanto nos auxiliam no processo de meditação, aprendizagem, com leveza e suavidade. Nós trouxemos duas crônicas de Clarice Lispector, uma reproduzo aqui por ser curta e a outra deixo o link para quem desejar, recordando que Clarice é profunda, intimista, vasta. Uma vidente da alma. Vale a pena ler.

A importância da maternidade.

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca […].”

O texto consegue explorar o que desejávamos, inicialmente, esse doar e esse cuidar tão caro à maternidade.

Falamos um pouco sobre isso e em seguida lemos outro texto, também da princesa ucraniana, também denominado Maternidade, o link segue abaixo:


Entrando na parte das meditações, os amigos espirituais nos pediram para silenciarmos e adentrarmos o mais profundo que conseguíssemos. Inicialmente, vi uma imagem similar a um compasso que saia da terra e ia subindo, se expandindo. Em determinado momento, havia a mesma dinâmica, mas agora partindo do céu em direção a terra. Ao mesmo tempo em que essas imagens iam se dando como se fosse referente ao céu e a terra, ela acontecia dentro da gente, dentro de mim, como se o infinitamente pequeno se encontrasse com o infinitamente grande, justamente, na região do cardíaco. Quando elas se encontravam formava o horizonte. Um horizonte ilimitado. Esse horizonte era fusão, integração, entrelaçamento de duas dinâmicas similares, complementares, mas opostas.



Nesse processo havia um ponto. E esse ponto retomou a energia da fecundação, ou a idéia da fecundação, mostrando a dinâmica do óvulo e do esperma. Sim, brincaram de me colocar na condição de amparadora, receptora. E fiquei lembrando de uma vida na qual fui prostituta e poucas vezes tive uma sensação tão grande de poder quanto a de receber o esperma de um homem. Era tão prazeroso e ao mesmo tempo tão poderoso, que aquela mulher para mim era sagrada. E, nessa dinâmica, isso esteve presente e retomou, mas agora sem muitas sensações, volições, apenas um acompanhamento atento, silencioso acerca desse cometa que transborda por dentro da mulher. Esse jato de potência, de fecundidade, encerra uma parte fantástica da criação, mas que se faz inacabada, incompleta, até que mediante, o acolhimento, a mulher DESENVOLVE, todo esse potencial.

O verbo DESENVOLVER, TRANSFORMAR, e outro que não me recordo agora passaram a ser para mim a energia mais perto do feminino. Nada relacionado a algumas concepções que utilizamos mais de fora do que de dentro.


Durante o exercício os amigos salientavam que toda criação é um ato de dois princípios, masculino e feminino (não se discorre sobre a questão de gênero e sim dos princípios envolvidos) da força e das polaridades, para haver criação, elas precisam estar postas. E fomos convidados a observamos a movimentação dessas forças em nós. Como não poderia ser diferente, a feminina me chamou muito atenção, porque as características que damos a ela, nesse estado que nos encontrávamos, não se aplicava. E, verdade seja dita, quase não se via, diferença na movimentação do principio masculino e do principio feminino, a distinção se dava no aspecto de que um era externo, visível, extrovertido e o outro era interno, tácito (não é invisível), introvertido, subjetivo. A imagem era mesmo todo o movimento da fecundação seja da terra, seja da mulher, como mencionei acima.

Falamos mais desse movimento de passividade e entrega, o Wu-wei dos chineses, algo como o não-movimento. Mas, o não movimentar não é ficar parado, nem inerte, não há esse movimento no universo. O não movimento é um agir pelo fluxo, na dinâmica do fluxo. Algo que me é fácil intelectualmente, mas que bloqueio no sentir da vida. O não movimento é encontrar a vibração do mundo em si e parir o mundo, sentir o mundo, na sua vibração. Dá para entender?

De modo geral vemos o feminino como sendo o parado, o estático, mas o movimento do feminino é imenso, dinâmico, mas para dentro. O movimentar masculino é uma agitação que tem no lançar o esperma o seu ápice. O movimentar feminino é uma vibração que tem no ajuste da ovulação o seu ápice. É um DESENVOLVER E TRANSFORMAR formidável. É o barro e o oleiro. Um deixar-se conduzir, ser, mover. Um receber para transformar melhorado, ampliado.

Mas, é esse não movimento que trás a abundância, que nutre os seres, que realiza a multiplicação dos pães e dos peixes. É esse não movimentar que movimenta o universo, que interliga coisas e seres a um único movimento e sussurro. VIBRAÇÃO.

Nesse momento, eles nos mostraram os homens saindo para caçar, vencendo as intempéries da natureza, arriscando a própria vida para trazer a caça. Na mesma cena, eles salientavam que nessas buscas que por vezes demoravam meses, as mulheres e as crianças não morriam de fome. Elas nutriam os seus com aquilo que lhes estavam envolta, elas vibravam com a natureza. Os homens faziam o movimento externo, o de ir além, de buscar, de caçar; as mulheres ficavam no seu local e faziam um movimento que nutria e possibilitou o conforto, a domesticação, o sedentarismo. Elas proporcionaram um menor esforço. Elas proporcionaram a civilização.


O masculino tem dificuldade de entender e integrar essa regra, essa conduta. Sempre acreditamos no fazer, no realizar, enquanto muitas vezes o segredo está no esperar, no aguardar. Nessa parte, eles citaram Jesus: “pedi e recebereis. Buscais e achareis Batei e abriras.” Mas, enfatizaram a completude dos princípios: pedi, buscar e bater (masculinos) acompanhados, respectivamente do receber, achar e abrir (feminino). A completude implícita do ensinamento segue-se na passagem quando ele salienta a força da Deusa-mãe ao mencionar o pedido de um filho com fome. Mateus, 11, 9-13. A ideia que eles nos deixaram é que caminhamos para uma unidade, uma integração, na qual aprendemos a utilizar a VIBRAÇÃO como movimento e não apenas a força. Aprender sobre isso abre as portas para paisagens que nunca percorremos, porque não é um ir, um fazer e sim um situar.

Iniciamos e finalizando com uma observação que me chamou atenção mediante o terremoto no Nepal e o deslocamento do centro de força da Terra para o Andes. Mais, do que uma energia feminina, cada vez percebo uma energia de integração, uma energia que busca um movimento, um deslocamento de ambas as polaridades, algo como: um jogo de cintura maior do masculino, mediante uma rebolada, uma circularidade maior, aliado com um aprofundamento maior do feminino, uma linearidade, uma seta. Esse movimento tem acordado e despertado novos símbolos, novas interpretações, novos chamados, novos encontros e confrontos, precisamos estar atentos a eles.


Em seguida os artistas falaram da grande obra dos alquimistas, relacionando com a criação e nessa criação o processo de integração do masculino e do feminino. Falamos do símbolo astrológico do sol o que nos fez rever, quase que completamente, o entendimento desse símbolo como sendo masculino. Mas, isso tendo a escrever sobre elas mais para frente.



terça-feira, 21 de abril de 2015

O ARTISTA: o drama em cena.

 O artista é um filme que mostra um grande ator do cinema mudo, entrando em parafuso com a invenção do cinema falado. Ele vai me servir de contraponto para falar de mudança de paradigmas e os estragos que isso acarreta e nos acomete. Mas, antes preciso contar umas anedotas que nos auxiliarão na reflexão.

Certa vez, meu primo me contava, que tinha um mudo que assistia a vários shows e não parava de dançar, invariavelmente, no ritmo. Perguntado como: ele disse que acompanhava o movimento do baterista. Ele ‘ouvia’ com os olhos e essa percepção dava a ela condições de ficar próximo do ritmo.

Outra é uma ilustração fantástica, de um livro maravilhoso chamado Águas de Patrícia Sartrini e outros autores. Em determinado momento do livro, eles narram que uma comunidade que vivia de comer apenas carne crua, teve a felicidade, por motivo de um acidente, um raio que caiu, comer uma carne assada. Como eles não conheciam o processo, eles desenvolveram um método revolucionário de comer carne: colocar fogo na floresta. Mas, mais do que colocar fogo, desenvolveram entorno dessa metodologia toda uma estrutura de empregos, toda uma engrenagem social. Há os que colocam fogo, os que fazem a catalogação, há os que recolhem, enfim... burocratizaram o sistema tal qual nós fazemos. Mas, um dia, um moço inventa uma churrasqueira e tenta mostrar que para comer carne assada não era necessário causar tanto danos ambientais, sociais. Os burocratas desacreditam o moço, as suas idéias, discutem sobre a falta de fundamento científico na metodologia do rapaz e o trancafia como louco.

As anedotas são boas. A primeira tenta nos dizer que podemos seguir o ritmo e por vezes ficar próximo, mesmo quando não o escutamos. A segunda tenta nos falar que o fato de seguirmos uma lógica não implica que esse padrão seja o único, o verdadeiro.

O filme “O Artista” nos chama atenção para o fato de como um grande ator pode se tornar um canastrão. E gosto dessa metáfora do filme, porque os artistas do espaço, especialmente, os dramaturgos, adoram quando associamos a vida a uma peça de teatro. E quando a pensamos assim, eles vem nos dizer: o drama e a tragédia estão fora de moda. E eis o inaudito: a maioria das pessoas não sabem atuar outro gênero que não o drama e a tragédia. Há milhares de mulheres que não sabem outra atuação que não a dramática e a trágica.

Os roteiristas, os diretores, os dramaturgos todos olham para eles, cortam a cena, interrompem o ensaio para perguntar: mas porque o drama? E elas entre lágrimas tentam responder que a cena assim exige.

Assim, eu como porta-voz da nova teledramaturgia cinematográfica teatral do planeta venho informar que o drama está com os dias contados. Na verdade, o drama já morreu. E algumas pessoas já não sabem como atuar nesse novo cenário, com esse novo roteiro. Um roteiro no qual não há príncipe encantado para salvar a donzela e nem sapo para ser beijado. Acabou o cinema mudo.

Nesse novo cenário não há sacrifícios em nome do amor, renuncia em nome dos filhos, crucificação em prol da humanidade. Esses atores ficam na vida fazendo essas cenas e acabam virando pastelão. Todos acham que eles são comediantes e não atores dramáticos, mesmo porque, uma nova geração inteira, não conhece o drama. Não entende as raízes do sofrimento, não se mobilizam devido às dores. Elas são vistas como fraqueza e não como martírio e honraria para quem dela sofre.

É um novo cenário. Uma nova atuação. São novos diretores. É um novo roteiro. E nele, definitivamente, o drama e a tragédia não estão em pauta. Mas, a pergunta feita aos homens acima agora cabem às mulheres: o que fazer quando não se tem cavaleiros para salvar? O que fazer quando não se tem filhos para renunciar e sacrificar os dias de vida? O que fazer se não há mais possibilidade de se fugir da própria história e da própria vida?

Ao que tudo indica temos que significá-la. Isso não é da noite para o dia, demanda esforço, dores. Dores que Rubem Alves chamou, brilhantemente, de dores-de-ideia. Dores que fazem o corpo sofrer, a existência doer, mas que se mudarmos as ideias as dores desaparecem como doril. Milhares de mulheres e homens estão com essas dores, as dores causadas por um enredo, que não encontra mais cenário, fala, diretor e menos ainda, artistas para contracenar. O mais dramático de tudo é esse grande ator, atriz ver o palco se desmanchando, as pessoas indo embora, e elas agarradas a uma cadeira, a um espelho, lamentando... sentindo-se desprezada, ignorada, desamparada, abandonada. Quando na verdade, é a vida terminando um filme e pedindo: hora de trocarmos os personagens.

Deixe a trágica e dramática e viva uma nova cena.


PS: não é preciso morrer para isso. Esse é o último truque do melodrama, recorrer à morte como saída. Hoje os finais felizes são possíveis, especialmente, os de amor. Vivamos as novas cenas.