domingo, 13 de dezembro de 2015

PALAVRAS E IMAGENS: o livro sagrado.



Dia desses via um filme que chamava Palavras e Imagens. É um filme belo de muitas metáforas, de muitas provocações entre os artistas principais, a saber: uma artista plástica e um poeta. Vendo o filme viajei por mil caminhos e searas, mas após a aula de hoje 2/12/2015, minha escrita repousou na sacralidade da palavra e na banalidade das suas interpretações. Na verdade, não abordo quase nada do filme e foco mais a sala de aula.

Jovens lindas me diziam com amor e orgulho da submissão da mulher ao marido. E a submissão não era porque o marido estava correto, era um homem correto, menos ainda pela sabedoria dele, ou até mesmo por amor. A submissão era pelo marido ser macho, ter nascido com pênis. A submissão era a de que Deus, mais precisamente YHVH, juntamente com seus profetas, recebeu uma interpretação machista, sexista, por vezes, racista e homofóbica dos seus exegetas. Mas, disso eu falo no final, agora eu preciso falar da palavra.

Hoje a gente digita, abrevia, lê, traduz uma palavra para qualquer idioma em menos de segundos, mas houve tempo em que a palavra era sagrada. Houve tempo que a escrita era mais um desenho. Era uma imagem, um hieróglifo, um ideograma e nesse desenhar (mais do que escrever) acreditava-se que a palavra era a coisa. Heidegger filósofo alemão do século XX, no seu o que é isso a filosofia, fala belamente dessa relação entre os gregos e para os gregos. Assim, gregos, egípcios, hebreus, caldeus e tantos outros acreditavam que aqueles que conseguiam transformar as coisas e expressões em palavras eram um tipo de semideuses, pertenciam a uma hierarquia diferenciada de homens, de seres. Eles eram magos, ou como prefiro chamar: poetas/artistas.


É claro que ler uma poesia é adentrar nas imagens que o poeta nos desvela em seus versos. Seria fantástico poder desenhar as imagens que o poeta visualiza, mas este escolhe a palavra para desvelar seu mundo, escolhe o verbo a palavra lhe dando imagem e lhe criando efeito; ele se faz mago por excelência.

I- O Poeta é um Mago

O mago é aquele que compreende a transcendência do mundo. O poeta (artista) é aquele que realiza a transubstanciação do mundo. É aquele que consegue dar movimento a essa transcendência. 

No movimento interno e psíquico do seu mundo, ele altera a ordem e as coisas do mundo mesmo. Com uma palavra, mais que nomear, ele desconstrói e transforma uma coisa em outra e nessa desconstrução, outros espaços mentais e físicos são criados. A partir dessa criação os mortais podem co-habitar novos mundos e possibilidades tanto de espaços internos quanto de espaços físicos. Conseguem visualizar essa imagem? De uma única palavra invadindo seu campo mental, mudando seu estado emocional?


Para os hindus essa transformação é som, é eco, é MANTRA. É OM. O som primordial que fundamenta toda criação. Já para os hebreus essa construção é de fato verbo, que assim se diz: “E Deus disse: haja luz e a luz se fez”. Uauuuu!!! Conseguem ver essa imagem? Esse clarão que cega, essa luz que liberta? Consegue visualizar essa luz abrindo espaços infinitos na escuridão, seja a escuridão física, seja as morais, intelectuais? Conseguem sentir o hálito do criador saindo nessa torrente de luz?


Resultado de imagem para luz

Sou um dramaturgo. Consigo imaginar essa cena. Consigo ver e me maravilhar um milhão de vezes com a encenação desse ato: HAJA LUZ!! A beleza dessa imagem é deslumbrante. Transborda meu ser em espasmos, em orgasmos. É lindo, como tudo que se sucede depois. A beleza dessa fala é a beleza poética de um mago, de um demiurgo, de um Deus criador de espaços físicos e mentais. Um criador de estados psíquicos e intersubjetivos. Eis o EDEN, a planície transformada em paraíso.

Resultado de imagem para jardim
De modo que, o paraíso não está num lugar, nem deixou de estar. O paraíso é o estado de um ser que se abriu para que todos entrassem, habitassem. Mas, mesmo dentro do universo de um criador, a criação não para ou cessa. E Adão e Eva e a serpente criaram um enredo dentro do criador. Um enredo que não cabia na trama traçada, mas é igualmente bela, igualmente linda. Mas, como compreender isso sem criar? Como compreender a beleza do Haja luz e a luz se fez sem ter tido por um segundo uma faísca na alma que afugentasse todo medo e todo temor? Como impedir novas tramas, novos Adões e Evas senão instaurando o medo, o temor, o castigo e a culpa? Como coibir os espasmos de amor infinito senão culpando o ato sexual e a mulher que gera a vida em si mesma por todo co-criador que ousar ser?

Como impedir a luz do criador senão instituindo que só há uma fonte de luz, a PALAVRA SAGRADA!!?



II- A Semente é uma Imagem. 



Sim, é na instituição da palavra sagrada, repleta de esterilidade que a palavra morre, se perde. O mestre falava por parábolas e uma das que ele usava de modo até redundante era a da semente. Aquele filho de carpinteiro compreendia que a vida não para, não cessa, se reinventa, se transforma. A semente só pode ser o que lhe é destinada, se ela morrer para nascer. A semente é a prova diária e constante da ressurreição, da transformação, da magia. A semente é a mensagem plantada no Evangelho.

Na verdade, as boas novas é o reino dos céus compreendido como semente, como algo que necessita morrer para germinar. É na metáfora da semente que o início e o fim se une. O jardim do Éden e o jardineiro das almas nos faz renascer. É na metáfora da semente, que a ressurreição se faz magia, poesia, vida e encantamento. 

Eis o único sagrado da existência. Compreender que o mundo não está na palavra e sim além dela. Compreender que a transformação se dá e se realiza na negação, na desobediência, até que uma força maior nos conduza e nos direciona. Eis o único sentido da submissão.

A submissão, no seu apelo sagrado, não nasce de um medo, nem de uma dor, nem de uma espera. A submissão nasce de uma renúncia, de uma luta. Jacó luta contra o anjo do senhor por quase uma noite e por travar essa batalha ele passa a ser conhecido como Israel. A submissão dele não vem de um temor, do medo, ou até mesmo do respeito, não; a submissão do patriarca vem da luta que sua alma lutou, com toda sua força, com toda sua coragem, com todo o seu ser e ainda assim não encontrou vitória, mas ele ganhou. Ganhou a si mesmo e a Deus como parceiro. É pela luta que Jacó recebe a benção do anjo do senhor e nessa luta ele recupera a confiança, a fé, na providência divina. Ele obedece, porque ele sabe que esse ser jamais vai fazer alguma coisa que o prejudique. Nesse momento poderíamos falar de Jó, mas nos perderíamos. É em honra a sua luta que Jacó é alçado a Israel. Seu nome, sua vida, sua história, sua descendência é alterada, não porque ele submeteu e sim porque ele lutou e após a luta conseguiu o respeito do seu Senhor e como transcendência, ele deu a única coisa que podemos dar aquele que criou todas as coisas: gratidão. Ou se preferirem submissão.

III- A luta de Jacó como metáfora da submissão.  

Mas, é importante perceber que a submissão concedida pelo anjo em nome de YHVH tem uma relação direta com a luz, com a capacidade criadora, afirmativa da existência. O princípio da benção concedida ao patriarca não vem da obediência, do temor, pelo contrário nasce do desafio, da rebeldia, da luta, do inconformismo. É somente após essa luta que a submissão faz sentido e a benção pode ser concedida.


Todavia, tudo isso se perde, quando as pessoas se prendem na palavra. Elas se voltam a Moises, a Jesus como se eles tivessem sido obedientes. Como se eles tivessem cumprido as palavras e as imagens. O filho do carpinteiro jamais seria Cristo se seguisse as palavras e a tradição. O salvo das águas jamais seria o libertador do seu povo se fosse obediente as tradições do povo egípcio no qual ele foi criado e educado. Jacó jamais seria Israel se não tivesse enganado seu pai e desonrado EsaúFoi por serem criadores que nos legaram o novo, o diferente, outro caminho além do dado. Mas, nós queremos seguir não a eles e sim as palavras que eles disseram num contexto específico.

E, eis como somos manipulados. Eis como nos tem ensinado que a benção nasce do temor e da obediência. Eis como tem sido ensinado, praticamente, ao inverso do que nos conta YHVH, que o temor é o caminho para benção; mas ouso dizer que não é e quando permitimos essa interpretação nosso temor a Deus se transforma em obra do adversário. Eis como por obediência e submissão acabamos, justamente, por edificar a obra do adversário e não do CRIADOR. Acabamos acreditando que há povos a ser subjugados, a pessoas a ser escravizadas, quando, na verdade, a mensagem parece dizer e falar, primeiro a nós mesmos, depois a nossa descendência. Mas, por extensão e não por coação e imposição. A incompreensão da submissão como mecanismo interno e subjetivo, de uma transformação na qual algo pessoal morre em nós para renascer alterado, modificado é o que ocasiona as mais diversas injustiças cometidas em nome de YHVH, ou Alá, ou.... Ou é de fato crível que aquele que nos ensinou a luta, a semente, o amor, a justiça, seja o mesmo que apregoe que negros são inferiores a brancos? Que homossexuais são inferiores a heteros? Que mulheres são inferiores a homens?

Quando lideres religiosos de quaisquer denominação ensinam o desamor aos jovens, a intolerância às crianças, a insensatez aos adultos precisamos nos perguntar: estamos ensinando o Haja Luz e a luz se fez, ou pelo contrário, a permanência e persistência das trevas? Estamos trilhando o caminho da benção graciosa concedida por YHVH aos filhos da luz, ou o caminho do adversário que seduz não com os prazeres e sim com as restrições. É outro equivoco acreditar que o maldito repousa e habita nos prazeres, na bebida, na festa; não, ele habita na negação da vida e do viver.

Aquele que disse: HAJA LUZ E A LUZ SE FEZ é o criador de todas as coisas. Porque, depois desse decreto não há possibilidade de não ser. Ou melhor, o não ser é uma possibilidade facultada aos homens. Somente nós humanos, na negação da nossa própria escolha podemos impedir a luz. E é isso que as religiões tem feito historicamente. Ensinando cada um a temer ser e se fazer co-criador da sua vida, da sua história, da sua descendência. As religiões têm ensinado a submissão e esse submeter é um processo de esconder a própria luz. As religiões têm ensinado a apontar com o dedo todos aqueles que ousaram criar e desobedecer. Eu poderia falar da ovelha desgarrada, de como o Mestre nos aponta com o dedo a direção, mostrando que a ovelha desgarrada retorna nos braços do pastor. Mas, hoje eu quero falar da palavra sagrada.

IV- A palavra como criação.  

Retomando a palavra, quero falar de como que aqueles que conseguiam capturar a coisa em palavra eram magos e essa foi a primeira forma de magia, a mais genuína, a mais original, a mais primitiva. A capacidade de se pegar uma coisa e torna-la palavra, ou como nos conta os hebreus, em verbo. Transformar em verbo. Fazer algo ser ação, ato e potência do desejo. Imagem e movimento da vontade. Querer e ardência, isto é, arte, é poesia. É ato criador e criativo que fecunda a humanidade. A diferença entre uma coisa e outra é simples: quando o poeta escreve cruz, ele, imediatamente, vê luz e ressurreição. Quando os incautos escrevem cruz, eles veem o crucificado e ranger de dentes. Eles saem culpando a todos por não respeitarem o sofrimento do crucificado, eles saem dizendo que ele morreu por nossos pecados e que nós continuamos a pecar. Eles não compreendem que a semente frutificou para além da cruz.

Por isso eu amo a poesia. Isto é, amo a beleza com que o poeta transforma o som em verbo. A beleza com que ele pega a palavra dada, construída e a transforma em metáfora. Poucos disseram tão bem sobre isso como Gilberto Gil justamente em sua letra-música Metáfora:

Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível

Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível

Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível

Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora

Esse poder da metáfora, dado a um poeta é o que nos dimensiona a ficar perto do mago do universo que apenas disse: HAJA LUZ E A LUZ SE FEZ!!  Quando o homem cria, quando a mulher ama, quando o ser humano goza, é dessa força, dessa luz que nos aproximamos. Quando ensinamos o inverso disso, sempre me parece que estamos mais perto do discurso do adversário do que do criador.
Assim, falo da arte, falo da poesia, porque quero falar do CRIADOR. Se os poetas no seu incontível conseguem essa amplitude, como o criador de todas as coisas, o demiurgo de todos os sistemas se faz um limitado?

Agora cheguei onde quero, onde desejo, nos livros sagrados.



O sagrado na Bíblia, no Bhagavad Gita não é o que lá está dito, mas sim aquilo que está para ser escrito. O sagrado dos livros sagrados é a compreensão criadora, ilimitada, incontível que lá se encontra e não as palavras que a escreveram, menos ainda ou tão pouco os homens que a psicografaram. A beleza da poesia está em como uma imagem, uma palavra entra na gente e nos toma por completo.

E assim, eu posso ouvir e ver YHVH dizendo: “não criareis nenhuma imagem minha”. Parece que o Criador queria nos libertar de toda e completa limitação. Ele queria nos salvaguardar de não criarmos ídolos, imagens, que limitassem a expansão da luz, que fixasse e nos prendesse apenas em um ponto, em um modelo, a uma visão. Ele combatia a idolatria, os idolatras. 
Não tereis nenhuma imagem minha, é uma aposta de que aqueles que veem irão co-criar novos horizontes, novas possibilidades. Irão além de e não se congelarão. Mas eis que nosso temor é tanto, nosso medo é tamanho que tememos até mesmo a palavra criadora. E assim construímos os livros sagrados e nos agarramos e nos pautamos a ele. Fazemos da palavra uma imagem que nos congela, nos limita, nos restringe, com todos os absurdos, com todas as contradições que o tempo nos proporciona.

V- Entre o quixotesco e o Sagrado. 

Tudo precisa atualizar até a Bíblia, o Alcorão, porque senão eles se transformam em letras mortas. Se não nos atualizamos viramos aqueles que Cervantes desenhou e descreveu tão bem lá no século XVI- Dom Quixote- O cavaleiro de triste figura. E, porque ele é de triste figura? Por que ele não acompanhou a mudança do tempo. Ele quer o século XII/XIII em pleno XVII. Ele é uma caricatura dos cavaleiros andantes que já não existem mais. Ele é o sonhador perdido, confuso e aprisionado no seu tempo interno, subjetivo. Monta um pangaré e acredita se tratar de um alazão. Confunde moinhos de vento com gigantes. Ele é quixotesco, não por não ser nobre, mas por não ter atualizado seus ideais de nobreza.

Essa metáfora cabe aos religiosos. Eles de modo muito similar, embora bem mais sutil, ao fixarem na palavra escrita esquecem que a beleza do livro sagrado está naquilo que não foi dito, não foi posto. A beleza repousa na capacidade de cada individuo, ou grupo, ser capaz de desvelar a metáfora daqueles ensinamentos para a atualidade, para o seu momento agora. É provavelmente por isso que as parábolas são eternas, porque elas descem do céu, tocam a terra, tocam o individuo no nível que ele se encontra e prossegue seu caminho de retorno aos céus. É diferente dos códigos de conduta, dos preceitos morais, desenhado para um povo que precisava atravessar o deserto e necessitava de ordem, controle, disciplina em todos os aspectos. É diferente de quem abre a Palavra, a lê, mas tenta dar a mesma uma significação literal, sem imaginação, sem capacidade amorosa, ou criativa.
Se não estamos prontos para alcançar a metáfora da existência que estejamos minimamente abertos para a contextualização dos códigos morais.


VI- O que é isso a submissão feminina?

Toda essa volta para dizer: como é triste um livre sagrado. Como é profano o livro no qual ninguém mais consegue ver metáforas, nem novas interpretações, nem novas possibilidades. Como é triste o livro no qual tudo já está escrito e nada mais há para se encontrar ou se entender a não ser a repetição.


Como é lamentável que pessoas sigam esses livros naquilo que eles nada acrescentam: a obediência cega. A falta de imaginação para colorir outros cenários, abrir novas portas, criar novos mundos. A sacralidade da Bíblia se dá quando trazemos YHVH para um paraíso que ele não tinha desenhado, mais o colocamos dentro da gente e ele dentro de nós. Porque desde o momento em que há luz nós somos e já éramos antes da luz se fazer.

Minhas alunas querem se submeter ao marido, porque ele tem pênis e assim a palavra diz. Eu acho triste, não a entrega, mas a submissão por obediência, a submissão de quem não errou, não extraviou, não desobedeceu. De que adianta a obediência de Adão e Eva por decreto? De que vale a servidão da mulher que não sente desejo? De que vale a obediência e a ação de quem não tem escolha? Quer me parecer que todo amor é sagrado e que a sacralidade bíblica nos fala da escolha por amor, por criação.


Eu co-criador submeto minha criação ao CRIADOR de universos e mundos na esperança de que juntos possamos escrever o melhor para minha vida, minha comunidade, meu grupo, o mundo, o universo inteiro. 


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O MAR DE LAMA

As imagens chocam. Uma barragem de dejetos se rompe e avassala um distrito, muitas cidades, toda uma região, um ecossistema. De forma leiga tendemos a acreditar que esse foi o menor dos males, mas dias depois jornais noticiam que a expectativa é de que os dejetos percorram quilômetros e chegue ao estado do Espirito Santo. É mais do que assustador é avassalador.

Em meio a noticias fico (nós leigos) querendo compreender: se é assim tão perigoso, quais as normas de segurança para a população? Ensina-se para onde se corre nas escolas, nas fábricas? É comum vermos em filmes americanos treinamentos para incêndio. Sabe-se que no Japão há treinamentos para terremotos. Ensina-se para onde se corre e o que se faz. No distrito de Mariana não tinha nem sirene. Não teve aquele cuidado básico de se ensinar para onde se corre, o que se faz. O mais louco, não há nenhuma medida de contenção. Nenhum plano emergencial.

A engenharia hoje consegue planejar o preço que se gasta de um centímetro cubo de água, mas a Samarco, aparentemente, não tinha nenhum plano emergencial. É como se eles tivessem a certeza de que nada, nunca aconteceria. Ou uma certeza pior, a de se acontecer, não daria nada para eles. A certeza da impunidade. Insinuo isso, porque essa é uma falha de engenharia que não se tem há no mínimo três décadas. Digo não o acidente que pode vir a acontecer, mas a inabilidade de remediar a catástrofe, de assistir os vitimados. 

Uma barragem é aos meus olhos, a partir de agora, análogo a uma usina nuclear. Necessita de todas as normas de segurança. Necessita de toda ordem de treinamento e disciplina não apenas para evitar acidentes, mas especialmente está pronto e alerta para responder ao mesmo. Se eles que lidam diretamente com a contenção dos dejetos não sabem o que fazer quem irá saber? Eu?  A população? O Chapolin Colorado? O Estado como querem alguns? O que fez a engenharia, a física, a ciência de modo geral um saber tão mítico não é a sua capacidade de acerto e sim a sua margem de erro. 

É dever moral, contratual de quem explora os recursos naturais saber que já se extraiu tanto que não se tem mais condições nem de armazenamento. É dever moral de quem explora esses recursos ser capaz de medidas mínimas de segurança e proteção ambiental. É obrigação deles saberem o que fazer e como fazer no menor tempo possível. É um absurdo um acidente ter acontecido e ir destruindo o meio ambiente pelo caminho afora sem medidas protetivas aos seres humanos e ao meio ambiente. Em qualquer lugar do mundo isso seria crime contra a humanidade.






II
Tempos atrás conversava com uma amada sobre a mineração. A crise na qual ela se encontra. A forma pouco clara que muitas obtém lucro.
Após essa conversava me veio em ‘sonho’ o livro de Eduardo Galeano: “As veias abertas da América Latina” e junto a isso os seres, as formas, as energias que ficam por trás dessa manipulação de recursos naturais. Seres que na ocasião vi como sombrias, maléficas, exploradoras da força e do trabalho humano. Eram forças que se alimentavam da desvitalização não apenas dos corpos como que da própria Terra. Quanto mais se suga, quanto mais se retira, mais poderosos eles ficam. O poder deles vem da capacidade de gerar miséria, de produzir sofrimento. 


Mentalmente fui vendo as minas na África, na América Latina e como que essa energia de exploração, de danação, de ganância envolve praticamente toda concessão mineral dada no planeta. É avassalador.


Ainda nessa direção energética não pude deixar de associar as empreiteiras nacionais e internacionais, especialmente, no que tange a operação Lava Jato.

Deve ser interessante acreditar que prendendo os donos de algumas se corrigiu a marcha histórica e ética do nosso país. Deve ser bacana acreditar que as praticas corruptas e nocivas executadas por eles começaram na administração petista. Mas, vendo essas forças, o que compreendi é que elas devoram a tudo, a todos e depois jogam fora. Deixam apenas as carcaças, os ossos. Todo o restante, eles sugam, com volúpia, luxuria, de maneira esnobe e sofisticada. Pobre de quem acredita que haverá riqueza e prosperidade lidando com essas forças.



Aqui em Minas as prefeituras tem vendido sua qualidade de vida para obterem esses recursos glamorosos dos bilhões de dólares, de reais. O prefeito de Mariana já disse: “ sem eles quebramos!!!” E o louco é: com eles morremos. É triste e lama-tável que não consigamos fazer política sem pontuarmos todas as ações sob a perspectiva econômica. É uma pena que pessoas, estados, países tenham se tornado refém do capital, que agora, definitivamente, compra tudo, até a qualidade de vida.



III

Mas, coloco isso para pensar politica e energeticamente. Todos sabem da importância de Minas para a ordem das coisas. Foi a extração mineral de Ouro Preto que enriqueceu Portugal e permitiu a revolução industrial inglesa. É ainda de terras mineiras que saem riquezas para se pensar novos desenhos para humanidade.



E, quando vemos o mar de lama tomando tudo. É interessante lançar um olhar simbólico e perguntar o que os governantes mineiros tem feito pelo e para o país? Que tipo de liderança e valores estamos promovendo? Temos dois senadores que um deles está diretamente ligado ao que se denominou mensalão mineiro. Para muitos a forma embrionária com que Marcos Valério conseguiu operar o mensalão da base aliada do governo.

Nessa direção, temos outro senador que enquanto governador concedeu todas as regalias e possibilidades de destruição ambiental para as mineradoras e empreiteiras. Não que isso seja crime, não é, pelo contrário, sinaliza desenvolvimento. No entanto, toda a discussão é: que desenvolvimento queremos e a que custo? Os ambientalistas mineiros tem denunciado os impactos destrutivos dessa política na qual o poder econômico coloniza todo o mundo da vida. Esses ambientalistas são vozes roucas no meio do deserto, não são escutados. Agora mesmo, o atual governo de Minas deu isenção fiscal para a exploração do Nióbio em Araxá. É um preço muito caro, muito alto para ser de 'graça'.   

Nessa tristeza está o povo mineiro, assolado pelo mar de lama que reflete bem o momento trágico, de traição que muitos tem sentido. Na verdade, assinala as forças escusas, escabrosas, escondidas vindo à superfície, tomando a consciência das pessoas envolvidas diretamente ou não. É o mar de lama. Agora literalmente tomando conta dos reservatórios de água, poluindo os rios. Contaminando os leitos dos rios. E nem falamos dos lixões. O que esperamos é que nossos representantes legais e cada um de nós decida a que força seguem.





sábado, 24 de outubro de 2015

REFORMA: quando a mudança muda a gente.

Interpretadores de sonhos gostam de esclarecer que nada no mundo onírico é por acaso, nada está lá sem querer. Por essa concepção o mundo onírico é uma extensão simbólica de uma representação indelével, inconsciente do nosso ser consciente. Aprofundando ainda mais essas instâncias, alguns veem, leem, interpretam desejos inconfessos, vontades reprimidas, acessos a camadas psíquicas profundas mediante o mundo onírico.

Por minha vez, meu desejo é transpor esse simbolismo para o mundo da vigília. Seria possível observar os fatos existenciais como um sonho acordado? Seria possível conceber a existência como uma realidade repleta de símbolos a espera de ser devorados, decifrados, antes de nos devorar?

É engraçado, mas sim. Pessoas mais atentas às experiências existenciais conseguem descortinar sentidos ocultos por trás de ações torpes, vis, ou banais e cotidianas; transformando o simples em sublime, o inesperado em destino, a vida em uma rede de significados a espera de ser desvelado.



Por esse olhar deflagra-se dois tipos de indivíduos, os esquisotéricos e os maravilhados. Os primeiros seriam um grupo que decalcam a vida para se prenderem e se perderem nos símbolos. Tecem uma rede de significados, de entendimentos, de narrativas nas quais a história, a vida não é mais vida mesmo e sim, símbolo estuprado pela consciência. Eles largam o viver para buscarem sentidos que por vezes querem ficar ocultos, entranhados na coisa mesma. Esquecem que uma pedra é as vezes apenas uma pedra, ou uma pintura não é um cachimbo.



 Já os segundos dialogam com os símbolos, se atentam a sua linguagem, mas não se perdem neles, e menos ainda confundem a vida com o simbólico. Os maravilhados compreendem a mensagem cifrada da vida e continuam a vivê-la, comemorando e agradecendo essas transliterações e decifrações indistintas e imodestas. Sabe poeta que se maravilha com a flor no asfalto? Sabe músico que escuta sinfonia no caos urbano? Sabe pintor que se maravilha com as luzes do dia? Sabe artista que cria um tipo a partir da fala e observação de um transeunte? Pois bem, é desse tipo de maravilhamento que gostaria que nos atentássemos, colocássemos atenção. Aquele no qual uma pedra é um caminho e um cachimbo é uma pintura, mesmo que essa a negue.


É essa dinâmica que quero observar. A dinâmica na qual a vida é dança entre o sonho e a realidade. Essa dinâmica na qual o símbolo é a coisa e a representação ausente dessa mesma coisa. Ver a vida com esses olhos a enche de poesia, de cuidado, de zelo, de esperança, mas não retira dela a sua dureza, sua concretude, sua amargura, sua poesia escura difícil de ler, como nos disse Ferreira Gullar.

É essa observação atenta que os maravilhados fazem. Eles na doença do corpo físico conseguem dialogar com a inabilidade da alma em lidar com determinada questão. Eles no esbarrar em outro corpo estranho, conseguem visualizar o encontro de novas possibilidades, eles na reforma da casa, na tatuagem no corpo, no corte do cabelo, conseguem perceber uma mudança se manifestando. Uma mudança que saiu de um silêncio vazio e informe e vai buscando forma, tom, cor, igual as muitas tentativas do recalque se fazer forma. “Sob qual mascara retornará o recalcado!?” Canta Adriana Calcanhoto que sonha um sonho de arquitetura ideal. E parece saber criar uma vida com arquiteturas possíveis, mas sempre em busca do SUBLIME.

E, esse sublime me trás a memória, minha mãe.

Minha mãe chegando o fim do ano, muda a casa. Às vezes, um sofá de lugar, outros o sofá de uma casa, outras, a parede de cor e outras a própria parede. Nas reformas promovidas por minha mãe desde a nossa infância não era apenas a casa que mudava, nós mudávamos com a casa. É como que ela na sua sensibilidade aflorada preparasse a casa para os novos seres que nasciam, floresciam, despertaram ao longo daquele ano.

Eu sou resistente às reformas, embora adore as mudanças. Gosto das mudanças prontas, acabadas, não gosto do processo que a ocasiona. E, observando esse processo de mudanças, especialmente no que tange ao conceito kardecista de reforma intima. Ocorreu-me essa sobreposição na qual a mudança física está atrelada a uma mudança interna. Quando efetiva-se a mudança externa, visível a todos é porque o estalo da mudança interna já se deu.

Mas, quantos de nós observamos esse estalo? Quantos de nós o escuta com atenção e sobriedade? Quantos de nós reconhecemos esse estalo nos outros antes dele se manifestar?

Poucos, muito poucos. Da mesma forma que somos desatentos ao mundo onírico, somos desatentos aos símbolos da vigília. E, como  não a percebemos em nós,  temos pouca habilidade e sensibilidade para reconhecermos nos outros, ainda que próximos; a não ser quando nos dão as pistas visíveis. Pistas que muitas vezes já são tarde demais.

Mulheres são mais atentas as variações internas, psíquicas que se apresentam a nossa volta. Homens por vezes não conseguem perceber  nem mudanças externas. Ligam pouco para isso.
Não percebemos a unha pintada de cor diferente. Não observamos a ousadia de repicar o cabelo, ou de cortá-lo mais que dois dedos. Não observamos a tatuagem. Não entendemos a razão da cirurgia plástica.
Mas, ela está dando pista de que está ficando mais ousada. E, as vezes essa ousadia é acesa por uma paixão, por um desejo, por uma dentada onírica na maça. As vezes esse desejo cresce silenciosamente e de repente não é mais estalo, nem mudança, nem reforma, é casamento consigo mesma e separação, desligamento seu com os outros. Uma quebra da dependência, um deslocamento interno que se faz acerca do lugar que esse outro ocupava na centralidade da vida dela; mas voltemos a reforma.

Tenho observado na clínica e na conversa com colegas como que a reforma íntima feminina está atrelada a esse processo gradual, lento, mas decidido e não mais passível de retorno ao estado inicial. Depois do estalo interno, o mundo não é mais o mesmo. Depois que se quebra  a redoma, como ave fora do ovo, a busca e descobertas se abrem. A vida ganha desejo de sonho e uma coragem e poder para encara-la de frente. Um viver se faz contagiante e empolgante.

Foi nessa inobservância por parte de umas e observação por parte de outras que cheguei à reforma. Mexer na casa parece ser um convite direto, ou indireto, sutil, ou estrondoso de reformar a relação, de reestruturar as relações de todos da casa, mas, principalmente, do casal.
Uma reforma é o momento no qual, aparentemente, os símbolos se desvelam, se mostram, gerando atritos, dores, dissabores e por vezes se-para-ção.  

A reforma costuma ser um diálogo mudo, as vezes de um só, para colocar uma atenção naquilo que o falar não atinge mais, não presentifica mais. A reforma muitas vezes é o símbolo de mudança que cansou de ser pedido. No quebrar parede, pintar sala, reformar banheiro parece que há um chamado para reformar-se.



E, energeticamente, pode-se imaginar o peteco que isso ocasiona, afinal, na maioria das vezes, a reforma será praticada por um elemento estranho, o pedreiro. Este tende a ser o dificultador. Simbolicamente, o papel dele é esse. Explorar a paciência, a consistência do casal e dos familiares até o limite da transcendência ou da imanência, nunca se sabe até a reforma terminar.

O pedreiro, o marceneiro, o serralheiro, tende a se fazer o mediador e catalisador daquelas energias inconscientizadas, irrefreadas, não ditas, não manifestas. Esses caras parecem aflorar cada uma dessas energias e colocar os moradores em estado de exasperação, ou de maravilhamento. Colocam atenção naquilo que não se queria ver. O simbolo decalca diante de todos. 

De todo modo... dialeticamente, a reforma significa que alguém da casa mudou e precisa mudar a casa para todos caberem. É um esforço ainda para se estar junto. A mesma dinâmica implica também, que a casa mudou e alterou seus moradores. Os moradores mudaram e buscaram adequar a casa a essa nova mudança e reforma. 
O interessante é perceber que muitas vezes o parceiro não mais caberá dentro dessa morada, porque na reforma intima que você realizou, ele não cabe mais na cama de casal. 




segunda-feira, 7 de setembro de 2015

AO AMOROSO CUIDADOR ANONIMO






Olá anônimo.

A demora se deveu a tecnologia para trazer esse vídeo que vi no wats para cá. Consegui da maneira mais simples. rsrsrs

O vídeo é uma ótima ilustração. Outra que acho que caberia é o filme Gravidade. Uma astronauta que lida com a perda da filha é insensível a imagens, visões únicas, vistas apenas por pouquíssimas pessoas.  


Deveria ter uma receita. Deveria ter uma metodologia pronta para tirar as pessoas da depressão, mas não as tenho.

A depressão tem muitas caras, muitas formas, podendo até ser gradativas. Inicialmente, ela é uma insatisfação, depois uma impotência, depois um cansaço, depois uma falta de querer, depois uma desesperança, depois uma descrença, depois uma prostração. Nesse momento, ela vai virando um lugar comum, como se o poço de piche tragasse a pessoa para dentro, até ela não mais conseguir sair. E aqui se repete o ciclo, porque a força para sair desse lugar tem que ser imensa.

Nesse ponto podemos comparar com a dieta. Quando se está poucos quilos acima do peso e se deseja emagrecer realiza-se um esforço X. Quando se está dez quilos acima do peso e se deseja emagrecer, o esforço é outro. Quando se está na obesidade ou obesidade mórbida, o caso é ainda mais complexo. De maneira que a força, que era preciso no primeiro momento agora é insuficiente e isso leva ao ciclo que mencionamos, porque a sensação de impotência amplia muito e junto a ela a sensação de vazio.

No entanto, longe de ser falta de vontade como se pontua diversas vezes é mesmo a sensação de estar andando na direção contrária da escada rolante, de estar querendo sair de uma piscina de piche. Isso me trás à memória alunos que o simples fato de vê-los na escola pela manhã já me era motivo de festa. Não me importava se eles iam aprender, estudar como os professores cobravam. Eles terem levantado da cama, escovado os dentes já era triunfo para mim e as mães deles. Os professores em sala perguntavam por que ele(s) eram tão avoados? Por que faltavam tanto? O motivo era a depressão, em alguns a depressão crônica e o que nos interessava era eles terem aberto os olhos, saído de casa. Esse esforço era imenso. Valia mais do que 60 pontos para aprovação.  

Outro ponto, mas ainda o mesmo é que a depressão é compreendida por muitos vieses, infelizmente, na maioria das vezes, sem inter-relação entre eles. Há a perspectiva física e neuroquímica (medicação) utilizada pela alopatia/psiquiatria. Há a perspectiva emocional (terapias) tantos as tradicionais, como as complementares. Há a perspectiva espiritual (obsessores) tanto das correntes pentecostais quanto das mediúnicas. E, elas de modo geral são pensadas como excludentes, quando tudo indica que uma complementa a outra, apoia e estrutura a a outra onde essa não tem mais suporte para alcançar. 


Nessa perspectiva é importante salientar que o ser humano é mais do que um corpo físico, ele tem seu aspecto anímico, sua constituição espiritual e a depressão como todas as coisas dizem respeito ao humano, ao que denomino universo energético. Assim, o que fico observando é como o anímico puxa o corpo e este mergulha os dois no buraco de piche e em pouco tempo a alma está atolada, sem força para vir à superfície, para levantar o próprio corpo, para dar prazer à própria alma.

O QUE FAZER?

Encontrar a vontade, melhor, encontrar a coragem de realizar o que precisa ser feito. A depressão costuma ser uma desistência de si mesmo, da vontade, dos desejos, dos quereres e se reencontrar com isso não é fácil. Lidar com isso não é tranquilo, conectar-se a si mesmo quando se passa a desconfiar desses laços, a não se acreditar em si é um trabalho de re-construção imenso, que leva tempo, atenção, cuidado, dedicação. Um passo a passo para uma caminhada de recuperação. Andam-se milhares de quilômetros apenas para voltar ao ponto inicial. Retomando a metáfora da dieta, perde-se quase metade do próprio peso apenas para voltar ao sobrepeso. Quem está dentro do processo muitas vezes não reconhece esse esforço interno. Quem está fora do processo por vezes também não dá valor aos pequenos esforços infinitos, grandiosos, que o deprimido está realizando. Depressão não é frescura, nem falta de vontade no sentido de preguiça como pensa-se muitas vezes. De forma que as pequenas ações, atitudes realizadas ao longo do tempo é uma conquista que precisa ser levada em consideração.


Outro ponto relevante é a busca por ajuda e auxílio valendo-se de alternativas diferentes. Há casos que a depressão é química, genética e a medicação auxilia mais do que a oração, a fé. Há casos de que a depressão está associada a processos obsessivos e a imposição de mãos, o passe, o descarrego é mais importante do que a medicação. Em todos os casos um acompanhamento terapêutico, um processo de contato com a própria alma é importantíssimo. E, nesse quesito vale mais o terapeuta, a relação entre os dois do que a terapia em si. 

Enfim... integrar os aspectos soltos, observar o que não está dando prazer, se permitir dar esse prazer, encontrar a coragem para ser quem se é. 

Vamos nos falando.  


domingo, 16 de agosto de 2015

Eu te amo mesmo assim: um contra a depressão.




O amor tem encaixes raros, belos, que mobilizam momentos especiais e únicos. Mas o amor tem também momentos duros, encaixes difíceis, insuportáveis de ser e fazer.

O melhor momento do amor é quando o outro se encaixa na e com a nossa melhor parte. O momento único e especial desse mesmo amor é quando nesse melhor momento acessamos também o melhor lado do outro. Acaba por ser raro, lindo, perfeito, incomum e surreal. Poucos viveram isso no mesmo time, no mesmo lapso e intervalo de tempo. O comum é o desencontro: João que amava Teresa, que amava....

Mas, o fato é que as pessoas se movem, giram, gravitam, se atritam e os encaixes criam pequenas falhas, seguidas de algumas fendas, que se transformam em abismos intransponíveis, ou em desencaixes. De repente, não acessamos o melhor do outro e nem ele acessa o nosso melhor. Estamos fadados aos desencontros. Estamos fadados aos atritos que vão deixando a convivência insuportável, vão deixando as relações insustentáveis e inviáveis. Aquele outro que acessa o melhor de nós, que nos tornava um ser humano melhor, começa a acessar o pior da gente, deixando a relação pesada, cansativa.

Escrevo tudo isso, porque tenho recebido muitas queixas de depressão. Algumas dessas queixas nascem de relacionamentos interrompidos, desfeitos, onde possivelmente, os encaixes se perderam e o melhor do outro não é mais acessado e nem o inverso. Mas, como lidar com a depressão? Como lidar conosco se a sensação de nosso melhor partiu sem nos levar e nos avisar? Como lidar com essa ausência, esse vazio que aumenta e corrói dentro dos seres?
Há muitas respostas, a maioria com apelos conceituais, mas de pouca valia prática. Eu não ofereço nesse texto uma resposta, mas uma reflexão que surge a partir de uma peça teatral do GRUPO AFETA intitulada: “180 dias de Inverno”, que vi alguns meses atrás. Uma peça bela, singela, envolvente, densa; envolvendo aspectos complicados e complexos como a depressão e a bulimia.
A peça poderia se chamar 180 dias de solidão, ou quando o amor cansa.

A peça é delicada, terna, singela, bonita. Cumpre a proposta da arte de transformar um assunto tão denso- depressão e bulimia- em algo ‘leve’ e reflexivo. Para incrementar ainda mais, a peça tem elementos intertextuais de outras artes (dança, cinema, música) que qualificam e amplificam a densidade do tema.

As reflexões vivenciadas pelos dois atores no palco exploram os dois lados da depressão. O primeiro e mais conhecido, a depressão pela perspectiva da deprimida. A segunda e menos divulgada, a depressão pela ótica do cuidador.


De modo geral conhecemos a depressão mais pela ótica da pessoa deprimida. Quando digo conhecemos não quero dizer que reconhecemos, pelo contrário, de forma geral, tende-se achar que é chilique, frescura, manha, falta de vontade e de querer. E a atriz deprimida, esposa muito amada pelo marido diz algo como: “eu tenho vontade de dormir”. “Uma vontade de dormir em uma cama macia e fria como às águas do mar”.



E a depressão apresenta essa falta de sentido, essa necessidade de dormir, se entregar, mergulhar no vazio e se deixar levar pelo nada. Ao que parece é uma força que traga a pessoa.

Junto a essa rendição há a força do marido que tenta a todo custo, retirar a amada dessa condição, desse lugar, dessa situação. Ele luta pelo encaixe, pelo melhor que eles foram um dia, mas em determinado momento, ela fala algo perturbador, ao alegar, que jamais ficaria boa enquanto o marido estivesse perto, encima, a chamando para a vida, para o despertar.

Isso é trágico, cruel, mas há encaixes que proporcionam dinâmicas, que pode mergulhar o outro em vazios. São situações que escapam ao pessoal e adentra as relações, seja a dois, familiar, social. Os casos de dependência química, de esquizofrenia há muito dessa relação sistêmica que vai adoecendo e embora arrebente em um, esse adoecimento é familiar, relacional. A depressão não é muito diferente. A tristeza desse individuo costuma simbolizar vazios das relações. Vazios que nunca veremos, nunca enxergaremos, porque o outro transporta em si essa dor amarga, que reputamos a ele e não a nós.

E é nessa dinâmica que caminhos para o desfecho. Inicialmente, a obra revela o cansaço, a exaustão em que ambos estão envolvidos. Junto a isso, outras reflexões são suscitadas: qual o sentido de se amar uma pessoa que não se ama mais? Qual o sentido de permanecer ao lado de alguém que se abandona?

A peça responde com: “eu te amo mesmo assim!!! Eu te quero mesmo assim” O artista que inspirou a peça parece que respondeu a isso dessa forma, sem dúvida bela, singela, corajosa, especialmente, por se tratar de um homem. É mais comum em momentos de crise emocional saltarmos fora, abandonarmos o barco, ou apelarmos para uma vitimização inversa, contrária, na qual somos encarados como salvadores.

Eu te amo mesmo assim é uma tentativa de responder a esse duro encaixe, aos desajustes. É uma aposta que na fricção da vida, uma hora o encaixe mágico vai voltar e a perfeição retornará. É uma aposta. Uma sentença. Eu te amo mesmo assim é o mantra que mantem esse cara ao lado da esposa, quando até ela parece ter desistido de si mesma e deles.

Eu te quero mesmo assim é uma aposta na relação, no relacionar... pode dar muito certo, mas as vezes o encaixe está em outra relação. 




sexta-feira, 17 de julho de 2015

O TEMPO E A CLÍNICA: métodos e procedimentos.

Quando comecei a atender com o Aconselhamento Metafísico tinha certeza que resolveria tudo em 4 sessões. Utilizava o aconselhamento para quem comprava o pacote e ao mesmo tempo realizava atendimentos avulsos para quem nos procurava ocasionalmente. Invariavelmente, a coisa que me causava mais perplexidade eram eles marcarem retorno depois das quatro sessões. Eu achava isso a coisa mais inusitada e por vezes até um sinal de fracasso, como assim, você deseja voltar? O que eu fiz de errado? Rsrsrsr.

Grande parte das técnicas bioenergéticas tem uma ampla aplicação nos planos sutis, na verdade, derivam dos campos sutis e quando as aplicamos por lá, os resultados são mais rápidos. Lá a consciência responde mais prontamente do que aqui no plano físico. Os resultados que obtive, na mesma sintonia, que encontramos no plano físico se deram com pessoas que realizavam ao mesmo tempo um pull maior de técnicas, por exemplo: realizavam uma atividade física regular, faziam um acompanhamento psicológico e realizavam o aconselhamento. Essa busca produzia uma maior absorção das informações e amplitude de entendimento e do atendimento. As informações eram mais bem absorvidas, seja pelo corpo emocional, mental e até mesmo o físico que parecia absorver informações pelos poros. O senão a isso é que a gestalt, o fechamento dessas informações, deveria ser realizado pelo próprio buscador, já que nós os terapeutas não dialogávamos entre nós. Mas, as percepções da clínica, os toques clínicos encontravam uma ressonância muito fina com as percepções energéticas realizadas no aconselhamento e vice-versa.

Retomo isso por alguns motivos, como por exemplo, o fato de que parte da minha ansiedade se altera na medida em que vou estagiando em Filosofia Clínica e é basicamente nesse ponto que eu quero falar, porque acabei encontrando alguém mais ansioso do que eu. E, esta nossa partilha tem provocado em mim reflexões que escrevo agora.



O espaço clínico é o locus da paciência, da observação, da compreensão dos mais diversos tempos e ritmos.

Há o tempo externo, cronológico, que está a cada dia mais acelerado. Há o tempo subjetivo que tenta se encontrar com esse tempo externo e por vezes caminha com a língua para fora, agitado, sobressaltado, ejaculando precocemente, ou impotente, sem prazer. Há o tempo biológico, nos chamando à mediação e conciliação entre esses dois ritmos por vezes tão antagônicos e diversos.

Na clínica, de certo modo, não declaradamente, tentamos ajudar o partilhante a encontrar esses três tempos os tornando um. Aproximando o partilhante do seu ritmo, do seu tempo. Observando junto a ele qual é o que prevalece, como talvez, um atropela o outro, ultrapassa o outro, ignora o outro. De modo que fiquei pensando como o poeta fez em “A Procura da Poesia”, algo mais ou menos assim:

Sua pressa, sua vontade, seu desejo, seu certificado, isso ainda não é filosofia clínica. Sua observação, seu circunstanciar, sua cara de gozo frente à descoberta de uma EP, também não é filosofia clínica. Sua intervenção, sua tabua de submodos, nossa tábua de salvação, as estruturas de pensamento, também não o é. A filosofia clínica começa antes de tudo isso e prossegue depois de tudo isso.

Tua escuta, o timbre da sua voz, a transcrição da sua fala, ainda não é Filosofia Clínica. Atente-se para o silêncio que tu faz entre uma fala e outra. Recorde e reviva cada segundo da sua fala, enquanto transcreves. Recorde do seu corpo, da sua respiração, do posicionar das suas pernas, das suas mãos aflitas, dos seus sentimentos de medo e vergonha, agora caminhas, mas não para a filosofia clínica e sim para si mesmo.

Somente depois disso, desse engasgo e tormento, desse medo e atração, dessa repulsa e aversão é que deve entrar, silenciosamente, no universo do seu partilhante, lá estão as singularidades dele a espera de? A espera do que? Varia de partilhante para partilhante. E é devido a esse variar que a clínica junto ao outro só inicia depois de as termos feita em nós. Sem nos submetermos a isso tendemos a ser destemidos demais, impiedosos demais, secos demais, diretos demais.

Aqui, novamente, há uma analogia entre o médico e o filósofo clínico no seu estágio. Ambos podem se apropriar de uma metodologia, de um instrumental cirúrgico, de um uso. Ambos podem transformar o seu fazer em técnica, mas, quer nos parecer, que o ser médico e o ser filósofo clínico encontram-se além desse fazer técnico. Fazem-se nele, com ele, mas quando se reduz a apenas tecnicidade perde grande parte do efeito. E talvez um afastamento entre médico e filósofo clínico se faça importante.




O médico não precisa ter tido uma fratura exposta, ou um corte no supercílio, ou realizado uma cirurgia plástica para operar, mas ele precisa saber o quanto um bisturi é afiado, como minimizar as cicatrizes. No mesmo sentido, o filósofo clínico precisa saber o quanto aplicar as categorias alivia o partilhante. Saber como que conhecer o histórico do partilhante o deixa mais seguro e confortável, relaxado e confiante. Como que sabendo quem ele é, o que ele deseja, o que ele busca, onde ele se encontra, para onde ele deseja ir, a operação se faz harmônica. É baseado nesse alívio que ele pode explicar com mais convicção ao partilhante: você apresentou um quadro x (baseando-se na EP) e o melhor 'tratamento' é Y (utilizando-se dos submodos).

Mas, se o médico tem apenas o outro para aplicar os procedimentos técnicos, o filósofo clínico tem a possibilidade de realizar isso em si mesmo, não por si mesmo, mas em si mesmo. Creio ser esse o motivo do estágio. Mais do que obter um certificado, mais do que um tempo para se alcançar, ele representa uma maturação, uma descoberta do seu tempo cronológico, com o seu tempo subjetivo, provocando uma harmonia no tempo biológico. Pode ser um tempo de pressa, mas não de atropelamento. Pode ser um tempo de espera, mas não de abandono. Pode ser um tempo.... o seu tempo, mas consciente dessa temporalidade, dessa dimensionalidade. Mas, eis a questão: como se ensina isso? Como se transmite isso?

O que tenho observado é que durante o estágio pode-se encontrar as técnicas e saber operacionalizá-las de forma hábil e atenta. Mas, isso cria uma distância entre o filósofo clínico e o partilhante. De modo geral, esse filósofo clínico jamais vai saber de onde deriva e sai a busca, a queixa, a dor, o sofrimento do partilhante. Ele tende a ajudar o mesmo, talvez até mais do que o outro filósofo, mas talvez perca a beleza do encontro, do desanuviar uma singularidade, de se tornar antes de tudo e depois de tudo, amigo. Amigo no melhor sentido filosófico do termo e do ato, isto é, ser com o outro. Não ser ele, mas compreender quem ele é e porque ele é. Talvez esse seja o sentido da técnica aparelhar, fundamentar o que o filósofo ‘deveria’ ser; amigo. Não apenas da sabedoria, como de outros sabedores. Amigo do saber e do saborear- outras vidas, histórias, historicidades.

Um saborear que trás a dimensão do tempo. Da paciência. Da espera. Da subjetividade do outro aflorando, se revelando, se mostrando, num tempo diferente que o do calendário, que avança diuturnamente, semanalmente. Com movimentos previsíveis, observáveis, controlados e marcados semanalmente. Até que um dia, sem nenhum motivo aparente a não ser o da paciência e da espera, da confiança e da entrega, o tempo subjetivo se mostra, se expõe, se deixa ver por todos, preenche a historicidade e a transborda, significando e circunstanciando todos os tempos, todos os espaços. O outro não é mais tempo, ele é sua história.

Mas, como alcançar isso se o desejo inicial é antes de tudo, terminar? Como se inicia se a busca é antes de tudo o final? E como posso dizer a esses e a nós estagiários, que já somos filósofos? Mas, talvez seja esse um pedido: esqueça o certificado, apenas aprenda, compartilhe. E, mais, como eu posso te falar que antes de escutar o outro como filósofo clínico é essencial que você tenha se escutado, se visto, se desnudado, senão para o seu professor, inevitavelmente, para si mesmo.

É importante ao filósofo clínico ter tido o medo, receio de se expor, de se abrir, de se mostrar. Saber da tensão e dificuldade que é ser desnudado pelo outro. Ver e aceitar o outro apreendendo dimensões suas nas quais a gente não chega, não vê, não sabia. Aprender a lidar com essa fragilidade. Fragilidade que se mostra no bafão, mas que prossegue além dele, evidenciando que a questão é o hálito.

Finalizando, os seus bafões, seus segredos guardados ainda não é estágio, mas soltar e descobrir o seu hálito e junto a ele coordenar sua autogenia, se perceber como responsável por sua história e não meramente figura decorativa, aí estamos falando de clínica. Ser capaz de compreender a dificuldade de ser quem se é, especialmente, diante do outro, isso é estágio. Parece que o restante é pressa, técnica, obtenção de certificado.