terça-feira, 25 de julho de 2017

CARTA COMO SOPRO INSPIRATIVO.

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No final de mês de maio surgiram para mim duas pessoas atravessando a dificuldade de compreender o desencarne de um ente querido. Uma havia perdido a filha a mais de vinte anos e outra havia perdido a mãe a menos tempo. As ouvi, conversei e essas conversas deixam claro que não há nada mais importante na mediunidade do que servir de ponte entre essas saudades.  


Tendemos a considerar mediunidade o contato estabelecido pelo médium (encarnado) com o plano dos desencarnados. Somater, irmão sideral, foi um dos primeiros a nos alertar para o estreitamento desse conceito e alargar as suas possibilidades e entendimento para toda e qualquer prática na qual nos colocamos como intermediário entre dois planos, dois seres, duas dimensões. Mediunidade assim ganha concepções menos estáticas e abstratas para se fazer no uso e no contato dos seres e entre os seres. O motorista que transporta seus passageiros, os educadores que deslocam mentalmente os seus estudantes, o faxineiro que limpa a sujeira de uma casa/cidade; a médica que promove a cura do paciente, a terapeuta que acolhe e recepciona a dor do seu partilhante. Mediunidade, intermediários entre eles e um outro, uma coisa, um estado, uma ideia, um principio. Um alargamento mental que miniminiza a mediunidade enquanto encontro semanal de uma hora e a expande para um fazer diário de no minimo 16 horas por dia.  


Um dos sentidos, talvez o sentido de ser sensitivo, médium, seja o de fazer ponte, estabelecer contatos e intercessões entre os planos. Pensando mediunicamente, receber notícias de um ente desencarnado, em outra dimensão afaga, alivia, emociona tal qual receber carta de um amigo distante. Nessa reunião que realizamos nosso intuito era proporcionar as pessoas uma escrita. Escrever uma carta para alguém. Os desdobramentos dessa atividade me levaram a pensar em muitas outras coisas, em moldes parecido a pergunta que Waldo Vieira fez ao se dedicar mais as projeções astrais do que às psicografias. A reflexão do médico questionador foi algo como: 'se as pessoas podem conversar com os espíritos conscientemente fora do corpo, porque fico emprestando o meu para receber cartas, transmitir abraços que elas poderiam estar recebendo diretamente?'

Na concepção dele, essa lógica alimentava um estado de coisas que ele não queria fazer parte. Considerou melhor ensinar uma técnica de saída do corpo que permitisse a qualquer um estreitar e conhecer o mundo espiritual por si mesmo. Esse pensamento crítico me veio depois do resultado, quando vi as pessoas lendo as suas cartas e nelas cada um dialogava com as dores do outro. Se não podemos chamar as cartas produzidas de psicografias podemos afirmar sem dúvida que foram cartas inspiradas que consolou cada uma daquelas pessoas que lá estavam, sem que eu e outros médiuns tivéssemos que transmitir o que os amigos espirituais ditavam. Pelo contrário, ao invés de um, ou dois médiuns psicografando tivemos seis pessoas sensíveis que se conectaram e nessa conexão consigo mesmas, captaram o outro, o ambiente. 




O que fizemos de diferente foi novamente caminhar nas pegadas da sensibilidade Consciencial, da estética existencial que os artistas nos apontaram. Apostamos na arte e no que os artistas chamam de INSPIRAÇÃO. 

Nietzsche filósofo alemão nos pergunta se havia alguém no século XIX que soubesse o que é inspiração? E a partir dessa linda pergunta escreve falando como é e o que era escrever para ele. 


Essa escrita como tive a oportunidade de expor, timidamente, no 2° Coloquio Internacional de Metafísica, rememora muito a psicografia. Mas, será a inspiração uma psicografia? Seriam os artistas médiuns? 

Eles dizem que sim e eles dizem que não. Dizem que sim ao afirmarem que o processo de inspiração é uma conexão, um acesso diferenciado as mais diversas localidades subjetivas, que cruzam, parametrizam com estados intersubjetivos e realidades objetivas do outro. Dizem que não, porque não há nenhum espírito soprando, dizendo o que deve ser feito e como fazer. É um estado de sensibilidade, uma consciência que se abre e é capaz de assimilar do seu jeito, no seu estilo, na sua essência o como é para ele. E nessa imersão, consegue-se dialogar, tocar outros universos, outras consciências, independente do tempo e do espaço. 

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O que realizamos foi proporcionar uma 'oficina' na qual esse outro entrava no universo da inspiração e de lá retirava, trazia, aquilo que tinha em abundância no seu balde de alma. Mas, quem tratou com mais naturalidade essa parte foi o poeta português que nos brindou com sua presença e sua inspiração. Falando em seu nome e dos artistas nos deu uma explicação e nos remeteu a uma prática muito suave do que nos levaram a fazer. Uma explicação mais clara de como seria a atividade/oficina a ser realizada. Vou chamar a Oficina de Sopro Inspirativo. 


Um processo de abertura para deixar a inspiração entrar e o hálito criativo sair produzindo uma interação, uma ponte, uma construção, um diálogo entre o eu e o mundo. Uma interação na qual o eu mergulha em si mesmo e retoma trazendo o que encontrou em suas paisagens internas. Nesse encontro, pedimos para cada uma fechar os olhos, respirar, sentir. Minutos depois com o estado vibracional mais elevado, interconectados e conectados aos seus tempos e espaços internos, lhes demos papel e lápis/caneta para escreverem, enviarem uma carta para... tal qual o sujeito esperançoso joga uma mensagem no mar dentro de uma garrafa, na confiança de que o infinito vai lhe dar o leitor correto, o destino certo.
Elas escreveram e depois do término da primeira buscadora, poucos segundos se passaram para o término da última. De uma maneira bem ritmada terminaram duas a duas. E iniciamos o processo de leitura.

Cada uma lia como se estivesse escrito para si e de si mesma. Liam sem saberem que o sentido oculto do exercício era perceber em qual nível, até em que ponto, conseguiram tocar o outro. 
Resultado de imagem para pessoa escrevendo cartaO estranhamento começa quando uma amiga diz clara e em bom tom: “escrevi pensando na sua dor” se dirigindo a outra amiga que perdera o segundo filho por morte matada. Após a leitura eu interrompo e esclareço que toda dinâmica do processo não era apenas a escrita para si mesma, o diálogo consigo. O sentido consistia na percepção e entendimento de como ao acessar seu próprio universo, o outro surge, desvela. Como que nosso discurso toca e chega ao outro.

Prosseguiram as leituras até que novamente na última carta, a leitura de L proporciona choro em C que não tem dúvidas em afirmar que a carta era para ela. Uma carta que falava para a dor de uma amiga que havia perdido um companheiro. Um choro bom é derramado e uma emoção visita a todos nós. O sopro da inspiração se harmoniza na mesma direção da psicografia. E aquela moça, medrosa e resistente quanto a sua sensibilidade, amedrontada e fragilizada pelo seu momento, simboliza como todas as outras, a capacidade de intermediar e se fazer alento, balsamo a quem dói, sofre e busca resposta. 




Eu gostei muito do resultado, porque proporcionou a pessoas sensíveis uma maneira de conectarem-se com elas mesmas. Nessa conexão, elas perceberem que o alcance pode ser maior do que elas mesmas, inclusive, se permitindo acessar, sentir a presença de seres que não estão no corpo físico, mas continuam existindo. Essa percepção amplifica mais os trabalhadores, distribui as responsabilidades que temos em gestarmos e proporcionarmos um ambiente melhor para cada um de nós e todos.  

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terça-feira, 23 de maio de 2017

TRÊS DIMENSÕES DE SILÊNCIO


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Para falar do silêncio eu deveria não escrever; simplesmente, deixar que as paginas em branco, ou até as imagens espelhassem aquilo que o silêncio encerra. Mas, a linguagem essa feiticeira nos seduz, nos ilude e nos acreditar que somos capazes de apreender a coisa só porque ela nomeou, ela disse. E é com essa ousadia e estultície que vou escrever sobre o silêncio. Minhas primeiras palavras é que eu queria escrever objetivamente, como uma linha reta que atinge o outro ponto no mesmo instante que o visualiza, mas a minha escrita é curva, obliqua, foge, escamoteia, só se diz depois de ter percorrido longos caminhos e vistos muitas paisagens e muitas vezes os leitores com sede, com fome, não entendem mais para onde estão indo... Vou lembrá-los (caminhamos para o silêncio, mesmo que pelo caminho vou apontando paisagens, panoramas) então tenham paciência e vamos juntos.

O tema de nossa reunião desse mês foi silêncio e a grande discussão, como não poderia deixar de ser diferente, nasceu de uma inquietude de uma colega que não conseguia silenciar-se e de uma indagação da linda que amo, que nos pergunta: o que é o silêncio?




Essa é o tipo de pergunta que se responde com cocegas e beijo na boca. Responde-se a uma pergunta dessa olhando admirado, fixamente, até explodir de encanto por conhecer quem pensa essas coisas diferentes. Mas, já dialoguei com essa pergunta, falei dos erros interpretativos, falei do zen budismo, falei da plasticidade da natureza, falei de João Gilberto, agora eu vou falar de como foi nossa reunião no 2º sábado do mês.



Às quatro da manhã Somater me ‘acorda’ e me passa o roteiro da reunião, iriamos trabalhar com três níveis de silêncio. Um primeiro relativo ao Grande mistério, a grande noite. Um segundo relativo à Grande Mãe e ao útero. Um terceiro interno- nosso. Gostei das ideias, das relações, fui preencher o dia com minhas falas existenciais e às 18:00/18:30 iniciamos a nossa reunião. Estiveram presentes duas lindas mulheres e cinco homens.

Assim, demos início. Respirando profundamente ficamos em silêncio, ou melhor, ficamos com a boca fechada. Raras vezes percebera tanta agitação e inquietação interna como aquele dia. Eu de olhos fechados, tentando iniciar a reunião era tentado com pensamentos variados, percorrendo lugares distantes, todos fora e longe de mim. Todos me arremessando para fora de mim mesmo. Todos me mostrando o tão distante eu estava de mim, o quanto que percorria passos emocionais de outra pessoa. Ia percebendo espaços lacunares, por hora superficiais, outra hora abissais, nos quais podia-se encontrar meus medos, meus temores, meus receios, meus conflitos e eu querendo a todo custo e de toda forma dizer para mim mesmo que ali era um lugar de concentração. Em vão, meu coração e minha mente não me obedeciam e caminhavam por lugares que eu não tinha controle. Essa agitação conflitiva durou muito tempo. 


Resultado de imagem para silencioO tempo de uma vergonha de estar em uma reunião, com amigos esperando assertivas e eu 'entrenhado' nos meus próprios dilemas. Centenas de pessoas a espera de ajuda e eu sem conseguir silenciar-me. Cada vez que essa reflexão vinha à tona mais agitado eu ficava, querendo forçar o silêncio. Igual quem grita, igual quem estapeia pedindo paz e tranquilidade. Não tinha saída, eu precisava aceitar minha inquietação e foi com essa aceitação que algo perto de um silêncio começou a ser gerado. 

No entanto, foi quando abriram a porta que saímos todos desse dentro de nós. Um dentro barulhento, as vezes selvagem, ruidoso, mas, nós. Um nós que não deveríamos nos envergonhar e tão pouco correr, e sim, abraçar. Foi ao falar desse momento de silêncio que percebemos que nunca falamos tanto. É somente na falta que a presença se manifesta, tomamos consciência. Há pessoas que quase não comem carne, quase não transam, praticamente, não bebem; basta dizer a elas que estão por três dias de preceito que elas salivam por carne, se excitam vendo cotovelos, sentem vontade imensa de tomar cerveja. A atenção na falta desperta estados internos adormecidos, o silenciar-se não é diferente.  

Não entramos no mérito, mas transmitimos a mensagem de que durante aquele período de silêncio, nós ouvimos e nos atemos ao que nos prende, sejam situações, pessoas, que estamos ligados, por vezes presos, por horas vinculados. Cada qual compreendeu isso e caminhamos para outra dimensão do silêncio.


Apagamos as luzes! Todas. Pedimos para imaginar a floresta, a mata, a natureza, a clareira e o céu aberto, o avistar as estrelas. Era nesse lugar que homens e mulheres introspectavam o silêncio. O engolia em forma de medo parindo respeito e compreensão, abraço e sentimento de totalidade e pertencimento. Imerso na noite escura, ouvindo passos, sons da natureza falante, da sinfonia da natureza é que desenvolvemos as potencialidades dos xamas e dos guerreiros. É ali imerso pela natureza que as árvores, flores, matas, folhas, chão, terra, estrelas, animais, insetos comunicam, que se aprende a linguagem de todas as coisas, que se aprende a dialogar consigo mesmo sem temer as dores, dissabores que nos atormentam. É ouvindo aquele silêncio que a gente aprende a falar com o outro, com o mundo.
Pois bem, estávamos longe demais dessa imersão. As luzes e as telas azuis nos tiram a sacralidade e o respeito pela noite, consequentemente pela vida, pelo dia, pela luz. Mas, fizemos o exercício. Fomos conduzidos à percepção mais sagrada da noite, da lua, da magia e nesse instante seres misteriosos apareceram ao lado de cada um dos presentes. 

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A sua maioria em forma indígena, um com o cachimbo da paz, outra sentada de pernas cruzadas, no alto de um platô realizando o ritual do sinal de fumaça. Outra catando folhas num ritual de pajelança, outro realizando movimentos com as mãos e ostentando um coca que quase tocava o chão, outro apenas observando, enquanto que junto a mim, um grande amigo batia no peito como quem toca tambor marcando o ritmo do coração. Marcando a pulsação da Terra, acelerando para que cada coração dos presentes se tornassem um único coração, alcançassem o mesmo compasso, a mesma vibração e essa pulsação inicialmente ia unindo os corações, depois os pés, as mãos e de repente estávamos emaranhados em uma única rede e teia de energia. Não apenas os seres em nosso plano como seres de outros planos e níveis. 

Minimizando as batidas até que as silenciasse, as parassem e deixando cada um viajando por si mesmos, dentro de si mesmos, conectando-se a uma forma de silêncio que nasce do medo, da solidão, do vazio, da angústia, do desamparo. Um silêncio que vai ganhando voz, sentido, conexão até que se explode e reconhece a diversidade de vozes que compõem o universo, as florestas, as matas, nós mesmos. 




Aos poucos foram voltando e fomos conversando sobre as lembranças, as percepções de cada um. Uns falando que só recordava de um vento, do escuro bem espesso o recobrindo e de uma nevoa. Outra relatava que via uma grande luz no centro da sala. Uma luz tão forte que a ofuscava mesmo com os olhos fechados. Outra dizia que não tinha visto escuridão, que em nenhum momento tinha sentido a escuridão. Outros relatando as sensações corporais de frio, calor. Tentava eu, como éramos poucos, descortinar coisas que foram feitas, níveis que tínhamos chegado, mas era a fala de cada um deles, que me abria para as percepções internas. Por exemplo, eu sempre acreditei que o ritual da fumaça tivesse o sentido e o propósito de se comunicar com tribos distantes, mas a moça que executava aqueles movimentos, ela se comunicava, com uma linguagem muito clara, com seres do espaço. Aquela fumaça subia aos céus e as preces, desejos, anseios eram atendidos. Não deu para vasculhar e nem adentrar muito. 

A outra que catava folhas era uma índia, uma pajé da região da amazônia, brasileira, tinha e possuía conhecimentos das ervas. Interessante é como que a moça que jogava fumaça para o ar, para o céu, em verdade, buscava um consolo, uma resposta, um aconchego uma tentativa de retorno para casa. Ela tinha uma saudade que esses rituais ajudavam a aplacar, a diminuir, embora a saudade permaneça ainda nessa vida. No entanto, a conexão ficava clara e era esse o sentido de adentrar esse silêncio, compreender a nossa conexão com o universo.
Um dos sentidos do exercício era o de salientar que cada um de nós tem uma forma de conexão, de integração, de harmonização e aqui chamou, novamente, a minha atenção o uso do cachimbo da paz e a tão polêmica questão das drogas de forma geral e da maconha em especial. 







O uso da canabis fazia parte de um ritual, hoje decantado, perdido, cindido que talvez proporcione mais angustia do que conforto, mais vazio do que preenchimento, no entanto, dentro daquela cultura, o seu uso tinha um aporte de transcendência que podemos encontrar nas almas ainda hoje. Esse é um assunto que merece um texto a parte, a saber, as drogas enquanto energia de medo, terror, violência e a droga como forma marginal de se colapsar uma sociedade de consumo egoísta, perversa. Porém o fato é que se nos anos de 1960/1970 a maconha, o LSD tinham o aporte de criar uma abertura consciencial diferenciados, fora dos padrões bélicos, de manipulação e domínio sobre os outros, hoje as drogas são a representação mais literal de um sistema que ela tentou derrubar. As drogas hoje representam o recrudescimento de tudo o que há de mais perverso e 'doentio' no mundo. Elas representam justamente a mesma energia que um dia utilizou-se para combater. Enfim... assunto para outro post. Mas, se as drogas um dia produziram silêncio e abertura para espaços profundos, hoje ela produz barulho e a reprodução frenética de uma sociedade acelerada sem saber para onde caminha, porque não tem tempo nem de parar para refletir. 

Findo os diálogos, as reflexões, as inferências, fomos para o terceiro silêncio que segundo a exposição de Somater seria o primeiro.





Fomos convidados a sentir a Terra, a respeitar o chão. Falaram das diversas tradições nas quais as mulheres eram adoradas como deusas, falaram da Terra como Gaia, da Terra como Grande Mãe. Falaram dessa força que abriga e desenvolve dentro de si as mais diversas formas de vida e espera que elas convivam como irmãos, compreendendo a harmonia que os rege e os guia. Falamos, falamos, até que fomos remetidos ao útero. Ao silêncio do útero. Ao silêncio capaz de capturar nossos sentidos, de nos conectar ao outro e nos perdemos nesse outro, nos fazermos um. No lutarmos para sermos um. É mágico e estranho como esse silêncio metaforiza os outros dois. Como que o silêncio do ser que é gestado dentro de outro ser são iguais e diferentes, mas ambos se confundem e se transformam. A mãe tem ciência que abriga em si outro ser e que este ser se desenvolve dentro dela. O ser abrigado não tem essa ciência. 
Tal qual a semente não tem muita consciência de que é abrigada e acolhida pela terra. Porém o desabrochar da semente, a evolução do ser vai modificando a terra e a mãe. Como que se a mãe, assim como a terra fosse um tornar-se. Não se nasce mãe, não se nasce Terra. É nesse contato direto com o outro dentro de si mesmo, é abrigando e acolhendo em si uma semente do universo, do Grande Mistério que a mulher se torna mãe, a terra se faz Gaia, ambas se fazem DEUSAS e as sementes e frutos ganham consciência e individualidade para ao longo do processo re-criem tudo de novo, nesse ciclo de tornar-se.  

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Assim, ali no útero, temos ao mesmo tempo o aconchego, o acolhimento e a necessidade de mais espaço. Em parte era esse silêncio que nos voltava, o silêncio da briga interna, do conflito interno: para onde ir? O que fazer? Está bom, mas está ruim, rsrs! E nessa dis-puta a gente perde e encontra nossa voz. Foge do acolhimento, do aconchego, do abraço, da ternura, do encanto ao mesmo tempo em que se deseja encontrar com isso em tudo o que se faz e se realiza. Esse silêncio enquanto falta, enquanto vazio precisa ser significado pela força do viver e vivendo compreender que toda Gaia é útero e toda criação é uma fraternidade, independente do reino. Mas, espelhar esse silêncio implica uma visão diferenciada com a natureza, uma percepção dela como parte de nós mesmos, continuidade. É preciso reconhecer em nosso medo, outras vozes que nos acalma, nos abranda, nos transborda, nos irmana, nos diferencia e justamente por isso, nos complementa. 


Fico aqui nas minhas ficções imaginárias acreditando que cada ser nasce em todos os reinos de forma conjunta e num único parto. Quando fostes parida humana seu cordão umbilical fostes cortado pelo ser angelical que és, acompanhado de uma sereia que nadava no liquido aminótico de vossa mãe, que é a Terra, és Gaia. E, por ser, um ser do reino mineral, outros do vegetal, outros do animal, sem contar de outros sem corpos físicos todos respiraram com você e acompanham sua caminhada, a espera de um abraço, de um olá que só pode ser dito, no silêncio da noite. 

E nesse silêncio eu fiquei me perguntando de onde vem a fúria humana por conquista e colonização? De onde vem a nossa fúria por dominação e subjugação? Essa fúria não está na natureza. A natureza vive suas regras, suas leis, mas elas se fazem harmonicamente, mata-se para que outra especie continue vivendo e essa morte cumpre uma sacralidade na qual presa e predator honram Gaia e a vida. O humano não compreende essa sacralidade da natureza. Isso nunca foi a lei do mais forte e sim a regra da cooperação. Quando perdemos essa capacidade interpretativa, a natureza, as mulheres, as crianças, os velhos, os diferentes vão se tornando ameaças e ameaçadores, porque não sabemos lidar e conviver com as perdas, a morte, a angústia, o desamparo, o abandono. Sensações que toda criatura tende a sentir se não for acolhida pelo útero, pela proteção do pai, pela fala de que esse silêncio engole, mas nos devolve melhores e ao sermos engolido por eles nos fazemos humusanidade.  

Essa fúria tem intoxicado o útero feminino com pressa, com dores, com medos, com desesperos, com despreparos e assim retirado dos seres o silêncio, aquela calma de se acalmar ouvindo outro coração, ao escutar uma cantiga de ninar. 


Caminhando para o final, 

Foi realizado junto as duas mulheres presentes um processo de ativação pelo qual elas irrigassem, adubassem, frutificassem todos a sua volta com a energia delas. Foi uma coisa linda, especialmente, porque esse processo de ativação se deu e se faz pelo abraço. Um abraço no qual a mulher se faz conectora, chave de interconexão com o todo. Uma viu nesse abraço, um vórtice de luz que ia ligando todos os presentes como havia percebido no momento que batia 'tambor'. Eu digo que essas ‘fibras óticas’ vão ligando e interligando cada um dos seres, suavizando caminhos, quando eles são para ser suavizados, enraizando e ancorando pessoas. As mulheres são parte do livro sagrado da natureza, parte essencial para que desvelemos o sentido da criação. A conexão delas passa pelo útero e é uma pena que para muitas isso tem a função apenas reprodutiva.


Sem dúvida que essa função é tão gloriosa, maravilhosa, quanto gestar um filho de Gaia dentro de si mesma, porém por isso mesmo essa força é ainda maior e pode ser melhor explorada.

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Basicamente foi isso que fizemos e espero repetir no formato de um curso no qual trabalhos esses três silêncios num ambiente mais apropriado.


Bjs em todos!!

quinta-feira, 6 de abril de 2017

SENSITIVIDADE:


Capa SensitividadeSENSITIVIDADE é um curso que ministro há mais de 15 anos para turmas fechadas do nosso grupo Espiritualista Flor do Amanhecer. Em 2014 abri a 1ª turma externa, exotérica. Criei uma metodologia que tinha como objetivo proporcionar aos buscadorxs condição de lidar melhor com a sua sensitividade. Denomina-se sensitividade uma sensibilidade consciencial, uma abertura de entendimento que permite captar mais do ambiente do que está sendo fornecido à maioria. Usa-se o conceito de sensitividade para não transformar essas habilidades em algo estritamente religioso, embora possa ser para muitos. Porém nos voltamos àquelas pessoas que não se sentem confortáveis com doutrinas, rótulos, rituais e que não sabem bem o que fazer com essa habilidade. 

No 1º módulo falamos de ENERGIA, um conceito vago, polissêmico, mas cujo uso e aplicabilidade é vasto. Assim abrimos as portas para esse universo energético que nos cerca, nos envolve apresentando o tema numa perspectiva mais estética, científica do que religiosa. A ideia é mostrar que a SENSITIVIDADE não é monopólio de uma religião, muito embora, conceitualmente, ela seja bem trabalhada e explicada pelos kardecistas.

No 2º módulo tratamos dos CHACRAS numa forma muito peculiar e original no qual estabelecemos correspondência desses chacras com o nosso desenvolvimento social. Por exemplo, ao abordarmos os dois primeiros chacras falamos do nosso processo de criação. Quando falamos do plexo analisamos a nossa sociedade, em quase sua totalidade, presa ao ego. A cada chacra vamos correlacionando a vários temas, correntes psicológicas, abordagens terapêuticas, a forma com que nos organizamos socialmente estabelecendo uma relação entre o nosso interno e a nossa realidade externa. 

No 3º módulo analisamos os CORPOS SUTIS e desenvolvemos a mesma característica dos módulos anteriores. Estabelecer uma relação estética, científica desses corpos sutis com a nossa forma interna (psíquica) de vermos as coisas. Buscamos dar subsídios e elementos para que o buscador se localize existencialmente ao mesmo tempo que aprende a operar sobre esses campos.


Em cada um dos módulos há exercícios práticos e reflexivos a serem feitos com a finalidade de aumentar o potencial energético e consciencial dos buscadorxs. Não repeti os mesmos exercícios que fizemos em curso, justamente porque a dinâmica presencial nos permite o toque, o olhar, o acompanhamento e o cuidado que aperfeiçoar esses atributos têm. No entanto, tem alguns que permitem um atenção sobre si mesma(o). 
Disponibilizei apenas o Módulo I por enquanto e aos poucos vamos liberando os demais. Quem se interessar pode encontrar no link abaixo:




Abraços!

CARAVANA CIGANA: a viagem de um povo.


SINOPSE.
produto - caravana cigana
Caravana foi a minha 1ª obra psicografada. Ela trás essa incipiência, essa inexperiência, essa tentativa de ser literal a expressão da autora, sem desconfiar que  muitas vezes compreender a essência é mais do que suficiente; mas não ousei alterar nada, mesmo depois de uma década, mesmo depois de ter me distanciado de uma leitura mais kardecista de mundo. Fico com a imensa alegria dessa parceria com Alícia, Julio, Solano e o povo cigano como um todo. O carinho e gratidão que tenho por essa psicografia é tamanha que não publiquei nenhum livro sem antes começar por este. Assim, depois de quase vinte anos trago essa obra a público sem a menor pretensão de nada a não ser o de ser lido por muitos. Todos aquelxs que tiverem o prazer e a honra de ler essa obra receba toda minha gratidão, meu amor. Parte do valor da obra será destinado as casas que recebem os andarilhos, a pastoral do povo nômade e a tantos outros que acolhem os caminhantes, errantes de sol a lua tendo o céu como teto.


Este livro é um romance que narra a trajetória do povo cigano, tendo como pano de fundo a relação de dois personagens: Martal e Hamarás. Casal de almas afins que ao longo de toda trajetória vão ganhando outros corpos, registrando a multiplicidade da existência. Concomitante a história dos dois é contada os desdobramentos de uma das caravanas do povo cigano em suas múltiplas andanças sobre o orbe terrestre.

Assim, no livro é narrado de forma romanceada, as múltiplas contribuições anônimas desse povo na construção e arregimentação da humanidade nas suas mais diversas fases e etapas. Em comum a cada uma, ou na maioria dessas fases, há a perseguição por motivos diversos- cultural, política, econômica, religiosa. Nesta perspectiva, o livro traz novas revelações sobre a trajetória desse povo, marcando-o como exilados de esferas celestiais remotas que encontrariam no orbe terrestre as condições necessárias para retornar a sua verdadeira morada espiritual.

É digno de nota ressaltar que mesmo abordando caminhos, passos com possível relevância histórica, não temos a pretensão de fazê-lo, porque não temos folego para suprir e comprovar as lacunas. Sendo assim, a obra é antes de tudo um romance no qual se pode observar a trajetória evolutiva de um clã, uma família. As rotas, os caminhos que eles passaram e percorreram é simbolicamente similar a de diversas outras famílias e clãs, não necessariamente o mesmo. Os nomes dos personagens guardam esse apelo ‘ficcional’.

Kélsen André 24/3/2017

Amor e gratidão que tenho por esse povo que me ensina tanto. 

O Livro pode ser obtido no link abaixo:








sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

QUALIFICANDO INTERCESSÃO.

por Ana Cristina e Kélsen André. (Professores do IMFIC, respectivamente Polo São João Del Rey e Belo Horizonte).


Ainda tenho palavras para entregar
elas brotam da dor e se fazem adultas
Talvez a loucura tenha arrancado ouvidos
olhos e tudo o que tinha pra me sentir
Meu desespero é a brisa que você respira
nas manhãs em que não toma seu café.
Raphaela Ramos

O conceito de interseção amplamente utilizado em Filosofia Clínica foi inspirado na matemática de Georg Cantor e significa, entre outras coisas, a relação que se estabelece entre filósofo clínico e partilhante. Estudando essa teoria dos conjuntos Packter as define como: interseção positiva, aquela que subjetivamente provoca um bem estar entre os envolvidos; interseção negativa, aquela que subjetivamente é ruim, provoca um mal estar entre ambos; interseção confusa como aquela que hora é positiva e hora é negativa e por último a interseção indefinida ou indeterminada, ou seja, aqui as pessoas envolvidas não conseguem definir como sendo nenhuma das outras acima. Essas intercessões nos acompanham nas nossas relações, coloquemos ou não atenção nelas.



Em torno desse estudo um questionamento surgiu em sala de aula, sobre o que fazer para qualificar uma interseção? Existem regras? Jogos de linguagem? Qual o caminho a seguir para se conquistar uma interseção positiva? Ou ainda, haveria algum risco, entre a relação, partilhante e filósofo clínico, de produzir um tipo de intercessão que desqualificaria o trabalho clínico como advogam muitos psicanalistas? Acreditamos que embora seja questões bem colocadas, parte significativa delas serão respondida mediante as vivências e estudos de cada um. O que não nos impede de refletirmos sobre o assunto.
Em clínica, a interseção é tudo. Ela não está determinada entre as partes envolvidas, ela é construída. No consultório poderíamos dizer que ela começa pelo partilhante, pois esse é quem escolhe seu terapeuta e essa escolha é feita, em alguns casos, pelas aproximações que esse de longe já consegue observar ou pelo seu contrário.




Não somente as palavras orientam uma interseção, mas também, os gestos, expressões, olhares, atenção. Tudo pode ser muito significativo nesse momento. Como diz Packter, a interseção seria a soma de empatia, sintonia, harmonia, amizade, interesse mútuo em proveito de uma causa.


Criando um lugar seguro, o partilhante pode sentir-se mais tranquilo para compartilhar sua história, suas questões, suas dúvidas e sua dor. A experiência nos leva a uma conclusão, a de que não vamos resolver os problemas de todo mundo. Não podemos tudo e quando conseguimos algo, é em cumplicidade com o outro. É pela permissão que o outro nos dá para visitar seu universo existencial. 

Qualificar intercessão para milhares de pessoas é um ato de força de vontade, baseada na boa ação de se desejar uma melhora das relações, sem muitos meios e ferramentas para tal empreitada. Já para estudiosos da Filosofia Clínica além de ser: um olhar-se, ato reflexivo de observar a si mesmo e refletir sobre ações, pensamentos, modos e temperamentos é também um tentar construir uma nova forma de interação; ou seja, a interseção. E nessa descoberta, imersa em caminhos, métodos, abordagens, teorias e percepções, vamos qualificando nossas intercessões com os modos e submodos que temos disponíveis.



Chamamos de modos a forma habitual, muitas vezes irrefletida, que disponibilizamos para solucionar nossas demandas mentais, emocionais, sem a ajuda de um terapeuta e sem uma metodologia formal. Por exemplo, o jovem que emburra e embrutece todas as vezes que é retirado do seu Playstation para fazer o dever de casa ou algo para seus pais. Esse comportamento ocasiona um desgaste na relação que os pais tentam solucionar, ora não interrompendo o filho em suas atividades, ora o paparicando dando a ele uma recompensa. O primeiro ato acaba por aborrecer o pai e o segundo acaba por aborrecer a mãe. No entanto, caso essa mãe se torne uma estudante de Filosofia Clínica, ela pode vir a compreender o comportamento do filho, dela mesma e do marido em outro nível e para solucionar esse impasse utilizaria de alguns submodos, esteticidade bruta, por exemplo, para qualificar essa intercessão. Outro submodo a ser aplicado poderia ser a recíproca de inversão.  Segundo Packter:

{...} Aqui o movimento parte em direção ao outro, ao sujeito com quem estamos em Interseção no presente e no ato.  A pessoa abandona, subjetivamente, e na medida em que lhe é possível, seu próprio mundo existencial e passa a conjecturar as coisas do ponto de existência da outra pessoa; é evidente que por mais que eu me afaste de meu mundo existencial e me aproxime do mundo existencial de outra pessoa, de modo algum conseguirei ter a mesma concepção daquela pessoa a propósito das coisas que são percepcionadas por ela {...}.” (Packter, Caderno I. p. 14)

Em ambas aplicações houve a necessidade de um duplo movimento. Primeiro se conhecer, segundo e quase que concomitante re-conhecer os outros que perfazem suas intercessões. De posse de esse saber, ela tem a escolha de continuar e permanecer nas reações ou aplicar uma metodologia clara, embasada na Estrutura de Pensamento-EP de cada um dos envolvidos. A esse uso intencional e circunstanciado estamos chamando de submodos.
A partir disso não deixa de ser curioso nos perguntarmos: como e por que temos intercessões positivas com umas pessoas e negativas com outras? Por que temos intercessões indefinidas e indeterminadas em algumas circunstâncias? Longe de ser uma resposta final e categórica é bom destacar que cumprimos vários papeis existenciais e alguns desses papéis podem entrar em conflito com outros que vivenciamos, implicando nas mais diversas intercessões. 



Sabemos que a Filosofia Clínica não nos permite rótulos, um fixar absoluto, perene e ontológico do sujeito. O mundo como representação possibilita ao estudante de filosofia clínica dizer apenas como vemos o outro e não necessariamente como ele é. E essa limitação, que em alguns termos se reduz: “no mundo como um assim para mim”, não me faculta uma universalização totalizadora dessa representação, não nos permite arroubos universais, já que as 1- circunstâncias, assim como a 2- singularidade, têm um papel determinante nessa compreensão.

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As circunstâncias pelos motivos que estamos desejando explicitar, a saber: uma pessoa pode ter um papel existencial agradável como pai, irmão e amigo e exercer um papel existencial autoritário e negativo como chefe, patrão ou marido. Supondo que o filho ou a esposa deste lhe seja vizinho nas duas circunstâncias, terá dele duas representações. No entanto, nenhuma delas faculta acusá-lo de bipolar ou estigmatizá-lo com características similares por comportamentos diversos em situações diferentes. Pelo contrário, essa não rotulação amplia a liberdade dos indivíduos e permite ao filósofo clínico uma maior abertura, maior tolerância, cumplicidade e respeito à diversidade e idiossincrasias do outro. Esse é um componente que não pode ser perdido de vista. E nesse conjunto abordamos a singularidade.

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A singularidade é um conceito importante para nos situar em nossas intercessões, chamando nossa atenção para como nossos traços, nossas peculiaridades se inter-relacionam quando adentram e intersecionam com a singularidade do outro, esse não eu. Por falar nisso, como estão sendo as suas intercessões?

Voltando para o espaço da sala de aula, retomamos uma pergunta inicial ainda deixada em aberto: existiria em Filosofia Clínica o mito do Psicanalista? Ou seja, a intercessão partilhante-filósofo clínico seria marcada ou demarcada pelos mesmos limites ou limites similares as do psicanalista-paciente? Para abordar essa temática, nesse nuance recorremos a um conceito de Paul Feyerabend denominado Incomensurabilidade. Basicamente, o conceito tenta sedimentar a impossibilidade de se reduzir ou até mesmo, algumas vezes elucidar, uma área na outra. É com esse cuidado que prosseguimos.


Seja na Psicanálise Ortodoxa ou não, é tido como fundamental se estabelecer o Mito do Psicanalista. Esse mito relaciona-se com a necessidade terapêutica de se produzir um distanciamento do paciente. Sendo que nessa lacuna aconteceria a transferência e uma possível e relativa contratransferência demandando todo um material recalcado e inconscientizado que viria à tona. Esse material se faria vital na avaliação psíquica do analisado, por estar relacionado com as questões primárias da sua psique. Por todo esse conjunto de coisas e relações, acredita-se que o estreitamento de laços acarretaria numa mistura, numa confusão que mitologicamente inviabilizaria o paciente de tomar consciência das suas questões e do psicanalista lhe ajudar nesses e outros pontos. Em essência é similar ao que estamos apontando como diferença entre modos e submodos, disso resultando, no caso da Psicanálise, demarcação de que psicanalista e paciente não se relacionam fora do espaço clínico.

Sendo mais claro, o psicanalista temendo uma perda de referencial por parte do analisado, faz o máximo para não perder o controle desse espaço, que nessa visada, significa o controle terapêutico. De modo que o psicanalista, praticamente não se ‘abre’ para além do espaço demarcado, tudo isso sob a suspeição (para muitos mais do que suspeição é algo empírico e comprovado) que havendo misturas de papéis ou outros espaços de intercessão, de vizinhança, acaba o aspecto terapêutico; o analisado abandona o tratamento. 

Essa é uma condição, que pelo menos num primeiro momento, é impensada em Filosofia Clínica já que tacitamente, a partilha inicia com o aval claro de que o partilhante é alguém que poderia ser amigo do filósofo clínico.  De modo que a partilha se faz numa intercessão na qual a amizade e junto dela alguns desdobramentos como confiança, cumplicidade, intimidade para falar de três qualidades mais marcantes e não necessariamente interdependentes numa partilha. 


As intercessões são muitas e em cada uma delas o filósofo clínico pode avançar em direção ao outro sem temer se perder ou perder o processo terapêutico.
Percebemos então que a intercessão filosófica clínica é quase uma quebra deste mito. A Filosofia Clínica inicia-se dessa lacuna, desse não lugar, dessa rusga, desse medo do encontro, desse desejo tácito do abraço que não pode ser dado devido a um rótulo ou a um papel existencial importantíssimo, mas que não deveria ser maior do que a acolhida de outro ser humano. Fazemos uso da citação de Lúcio para ilustrar, embora ressaltemos que o contexto pensado por Lúcio não era necessariamente o que expomos aqui:

Onde Freud sentenciou que a Psicanálise parasse, na psicose, é onde muitas vezes iniciará a Filosofia Clínica. Nosso endereço existencial será dado na trajetória que percorrermos com quem partilhamos os espaços da vida.” (Packter, in: Filosofia Ciência & Vida Especial, 4, em entrevista concedida).


Como vimos o conceito de singularidade não nos permite respostas precisas. Uma melhor compreensão do tema pode ser vislumbrada pelo compartilhar de experiências, autenticando as reflexões acima, trazemos para a conversa algumas de nossas vivências ocorridas no I Diálogo Nacional de Filosofia Clínica, em Poços de Caldas, no ano de 2016.




Ir a um evento da Filosofia Clínica é sempre enriquecedor. Novos personagens surgem, compartilhando novos conhecimentos, novos conceitos e abordagens terapêuticas vão se desnudando pelo caminho.
Foram momentos marcantes que transitaram desde a oportunidade de rever velhos amigos como o de conhecer novos colegas. Podemos dizer que o balanço desse encontro foi positivo, assim como as interseções que começaram a ser qualificadas a partir daquelas horas.

Diante de velhos conhecidos uma experiência acontece. Vivendo circunstâncias diferentes do passado, percebe-se que a interseção ainda não definida, pode se confirmar, de fato, como positiva. A oportunidade de conviver com as mesmas pessoas, a de descobrir afinidades profissionais em novos contextos, pode aumentar o nível de empatia pelo outro.


A falta de conhecimento em relação à expressividade do outro pode proporcionar um transitar de uma interseção positiva a negativa e vice versa. Como o outro se mostra pode afrontar a EP dos sujeitos envolvidos. A presença, o olhar, o vestir, o falar daquele que entra nas minhas relações é um fator importante. Diante do outro transitamos pelas sensações: cheiros, toques, sons que de alguma forma influenciam nossa EP, levando-nos a uma aproximação como ao distanciamento. Assim, com o auxílio de submodos e um olhar atendo a singularidade podemos amenizar esse mal estar.

Outro caminho que se mostrou foi a busca comum entre os envolvidos. O conhecimento é o que cito nesse momento.  Entre colegas de profissão e de estudos em Filosofia e Filosofia Clínica essa busca só contribuiu para fortalecer as relações. Entre brincadeiras e boas piadas, muito conhecimento foi compartilhado. Cada um, a sua maneira, contribuiu para essa interseção. Troca de experiências, dúvidas sobre o trabalho com a Filosofia Clínica, curiosidade e desejo de aprender, esses foram alguns dos fatores determinantes.


Não só a convivência é um lugar para se construir as interseções, mas também, as redes sociais, a continuidade dos estudos e conversas continuam pelo facebook, whatsapp. Essas e outras ferramentas virtuais, em alguns casos, pode ser o caminho mais seguro para se manter uma interseção positiva, a presença do outro poderia levá-la para qualquer uma das outras três.

Sendo assim, em Poços de Caldas, no encontro de professores, alunos, amantes da Filosofia Clínica várias intercessões foram realizadas e nos mais variados lugares: na sala de aula, no café, no restaurante, no bar, no carro. Em cada um deles o nível de abertura aprofundava e sedimentava, revelando que o contato humano se faz e se aprofunda na confiança, na acolhida. E esse é um ponto em comum entre nós amantes da Filosofia Clínica - a acolhida.

Aprender isso é sem dúvida um fator primordial para o estabelecimento de intercessões positivas. Com Leonardo que vim a conhecer na Espanha e Ana Cristina em Poços de Caldas isso não faltou, na verdade, sobrou e transbordou. Foi uma honra e um prazer imenso como escrever esse artigo a quatro mãos e poucos devaneios.


REFERÊNCIA
TAVANO, Silvana. Freud explica: dez mitos da psicanálise. Extraído do livro “Psicanálise em Perguntas e Respostas – Verdades, Mitos e Tabus”, de David E. Zimerman, Editora Artmed, 320 págs., R$ 64. Disponível em: . Acesso em: 3 jan. 2017.
ANDRADE DA SILVA, Marcio José; HACK, Olga . Filosofia Clínica e Cinema: uma compreensão teórica através de filmes . Campinas: Lince Gráfica e Editora, 2014. 232 p
PACKTER, Lúcio. Cadernos de Filosofia Clínica. Porto Alegre. 1997.
LAPLANCHE, J. PONTALIS, J B Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1967 6ª ed- tradução Pedro Tamen. 707p

PIERON, Henri. Dicionário de Psicologia. Porto Alegre: Editora Globo. 1978, 6ª ed. Tradução Dora de Barros Cullinan. 533p