sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

QUALIFICANDO INTERCESSÃO.

por Ana Cristina e Kélsen André. (Professores do IMFIC, respectivamente Polo São João Del Rey e Belo Horizonte).


Ainda tenho palavras para entregar
elas brotam da dor e se fazem adultas
Talvez a loucura tenha arrancado ouvidos
olhos e tudo o que tinha pra me sentir
Meu desespero é a brisa que você respira
nas manhãs em que não toma seu café.
Raphaela Ramos

O conceito de interseção amplamente utilizado em Filosofia Clínica foi inspirado na matemática de Georg Cantor e significa, entre outras coisas, a relação que se estabelece entre filósofo clínico e partilhante. Estudando essa teoria dos conjuntos Packter as define como: interseção positiva, aquela que subjetivamente provoca um bem estar entre os envolvidos; interseção negativa, aquela que subjetivamente é ruim, provoca um mal estar entre ambos; interseção confusa como aquela que hora é positiva e hora é negativa e por último a interseção indefinida ou indeterminada, ou seja, aqui as pessoas envolvidas não conseguem definir como sendo nenhuma das outras acima. Essas intercessões nos acompanham nas nossas relações, coloquemos ou não atenção nelas.



Em torno desse estudo um questionamento surgiu em sala de aula, sobre o que fazer para qualificar uma interseção? Existem regras? Jogos de linguagem? Qual o caminho a seguir para se conquistar uma interseção positiva? Ou ainda, haveria algum risco, entre a relação, partilhante e filósofo clínico, de produzir um tipo de intercessão que desqualificaria o trabalho clínico como advogam muitos psicanalistas? Acreditamos que embora seja questões bem colocadas, parte significativa delas serão respondida mediante as vivências e estudos de cada um. O que não nos impede de refletirmos sobre o assunto.
Em clínica, a interseção é tudo. Ela não está determinada entre as partes envolvidas, ela é construída. No consultório poderíamos dizer que ela começa pelo partilhante, pois esse é quem escolhe seu terapeuta e essa escolha é feita, em alguns casos, pelas aproximações que esse de longe já consegue observar ou pelo seu contrário.




Não somente as palavras orientam uma interseção, mas também, os gestos, expressões, olhares, atenção. Tudo pode ser muito significativo nesse momento. Como diz Packter, a interseção seria a soma de empatia, sintonia, harmonia, amizade, interesse mútuo em proveito de uma causa.


Criando um lugar seguro, o partilhante pode sentir-se mais tranquilo para compartilhar sua história, suas questões, suas dúvidas e sua dor. A experiência nos leva a uma conclusão, a de que não vamos resolver os problemas de todo mundo. Não podemos tudo e quando conseguimos algo, é em cumplicidade com o outro. É pela permissão que o outro nos dá para visitar seu universo existencial. 

Qualificar intercessão para milhares de pessoas é um ato de força de vontade, baseada na boa ação de se desejar uma melhora das relações, sem muitos meios e ferramentas para tal empreitada. Já para estudiosos da Filosofia Clínica além de ser: um olhar-se, ato reflexivo de observar a si mesmo e refletir sobre ações, pensamentos, modos e temperamentos é também um tentar construir uma nova forma de interação; ou seja, a interseção. E nessa descoberta, imersa em caminhos, métodos, abordagens, teorias e percepções, vamos qualificando nossas intercessões com os modos e submodos que temos disponíveis.



Chamamos de modos a forma habitual, muitas vezes irrefletida, que disponibilizamos para solucionar nossas demandas mentais, emocionais, sem a ajuda de um terapeuta e sem uma metodologia formal. Por exemplo, o jovem que emburra e embrutece todas as vezes que é retirado do seu Playstation para fazer o dever de casa ou algo para seus pais. Esse comportamento ocasiona um desgaste na relação que os pais tentam solucionar, ora não interrompendo o filho em suas atividades, ora o paparicando dando a ele uma recompensa. O primeiro ato acaba por aborrecer o pai e o segundo acaba por aborrecer a mãe. No entanto, caso essa mãe se torne uma estudante de Filosofia Clínica, ela pode vir a compreender o comportamento do filho, dela mesma e do marido em outro nível e para solucionar esse impasse utilizaria de alguns submodos, esteticidade bruta, por exemplo, para qualificar essa intercessão. Outro submodo a ser aplicado poderia ser a recíproca de inversão.  Segundo Packter:

{...} Aqui o movimento parte em direção ao outro, ao sujeito com quem estamos em Interseção no presente e no ato.  A pessoa abandona, subjetivamente, e na medida em que lhe é possível, seu próprio mundo existencial e passa a conjecturar as coisas do ponto de existência da outra pessoa; é evidente que por mais que eu me afaste de meu mundo existencial e me aproxime do mundo existencial de outra pessoa, de modo algum conseguirei ter a mesma concepção daquela pessoa a propósito das coisas que são percepcionadas por ela {...}.” (Packter, Caderno I. p. 14)

Em ambas aplicações houve a necessidade de um duplo movimento. Primeiro se conhecer, segundo e quase que concomitante re-conhecer os outros que perfazem suas intercessões. De posse de esse saber, ela tem a escolha de continuar e permanecer nas reações ou aplicar uma metodologia clara, embasada na Estrutura de Pensamento-EP de cada um dos envolvidos. A esse uso intencional e circunstanciado estamos chamando de submodos.
A partir disso não deixa de ser curioso nos perguntarmos: como e por que temos intercessões positivas com umas pessoas e negativas com outras? Por que temos intercessões indefinidas e indeterminadas em algumas circunstâncias? Longe de ser uma resposta final e categórica é bom destacar que cumprimos vários papeis existenciais e alguns desses papéis podem entrar em conflito com outros que vivenciamos, implicando nas mais diversas intercessões. 



Sabemos que a Filosofia Clínica não nos permite rótulos, um fixar absoluto, perene e ontológico do sujeito. O mundo como representação possibilita ao estudante de filosofia clínica dizer apenas como vemos o outro e não necessariamente como ele é. E essa limitação, que em alguns termos se reduz: “no mundo como um assim para mim”, não me faculta uma universalização totalizadora dessa representação, não nos permite arroubos universais, já que as 1- circunstâncias, assim como a 2- singularidade, têm um papel determinante nessa compreensão.

1    1
   
As circunstâncias pelos motivos que estamos desejando explicitar, a saber: uma pessoa pode ter um papel existencial agradável como pai, irmão e amigo e exercer um papel existencial autoritário e negativo como chefe, patrão ou marido. Supondo que o filho ou a esposa deste lhe seja vizinho nas duas circunstâncias, terá dele duas representações. No entanto, nenhuma delas faculta acusá-lo de bipolar ou estigmatizá-lo com características similares por comportamentos diversos em situações diferentes. Pelo contrário, essa não rotulação amplia a liberdade dos indivíduos e permite ao filósofo clínico uma maior abertura, maior tolerância, cumplicidade e respeito à diversidade e idiossincrasias do outro. Esse é um componente que não pode ser perdido de vista. E nesse conjunto abordamos a singularidade.

      2 

A singularidade é um conceito importante para nos situar em nossas intercessões, chamando nossa atenção para como nossos traços, nossas peculiaridades se inter-relacionam quando adentram e intersecionam com a singularidade do outro, esse não eu. Por falar nisso, como estão sendo as suas intercessões?

Voltando para o espaço da sala de aula, retomamos uma pergunta inicial ainda deixada em aberto: existiria em Filosofia Clínica o mito do Psicanalista? Ou seja, a intercessão partilhante-filósofo clínico seria marcada ou demarcada pelos mesmos limites ou limites similares as do psicanalista-paciente? Para abordar essa temática, nesse nuance recorremos a um conceito de Paul Feyerabend denominado Incomensurabilidade. Basicamente, o conceito tenta sedimentar a impossibilidade de se reduzir ou até mesmo, algumas vezes elucidar, uma área na outra. É com esse cuidado que prosseguimos.


Seja na Psicanálise Ortodoxa ou não, é tido como fundamental se estabelecer o Mito do Psicanalista. Esse mito relaciona-se com a necessidade terapêutica de se produzir um distanciamento do paciente. Sendo que nessa lacuna aconteceria a transferência e uma possível e relativa contratransferência demandando todo um material recalcado e inconscientizado que viria à tona. Esse material se faria vital na avaliação psíquica do analisado, por estar relacionado com as questões primárias da sua psique. Por todo esse conjunto de coisas e relações, acredita-se que o estreitamento de laços acarretaria numa mistura, numa confusão que mitologicamente inviabilizaria o paciente de tomar consciência das suas questões e do psicanalista lhe ajudar nesses e outros pontos. Em essência é similar ao que estamos apontando como diferença entre modos e submodos, disso resultando, no caso da Psicanálise, demarcação de que psicanalista e paciente não se relacionam fora do espaço clínico.

Sendo mais claro, o psicanalista temendo uma perda de referencial por parte do analisado, faz o máximo para não perder o controle desse espaço, que nessa visada, significa o controle terapêutico. De modo que o psicanalista, praticamente não se ‘abre’ para além do espaço demarcado, tudo isso sob a suspeição (para muitos mais do que suspeição é algo empírico e comprovado) que havendo misturas de papéis ou outros espaços de intercessão, de vizinhança, acaba o aspecto terapêutico; o analisado abandona o tratamento. 

Essa é uma condição, que pelo menos num primeiro momento, é impensada em Filosofia Clínica já que tacitamente, a partilha inicia com o aval claro de que o partilhante é alguém que poderia ser amigo do filósofo clínico.  De modo que a partilha se faz numa intercessão na qual a amizade e junto dela alguns desdobramentos como confiança, cumplicidade, intimidade para falar de três qualidades mais marcantes e não necessariamente interdependentes numa partilha. 


As intercessões são muitas e em cada uma delas o filósofo clínico pode avançar em direção ao outro sem temer se perder ou perder o processo terapêutico.
Percebemos então que a intercessão filosófica clínica é quase uma quebra deste mito. A Filosofia Clínica inicia-se dessa lacuna, desse não lugar, dessa rusga, desse medo do encontro, desse desejo tácito do abraço que não pode ser dado devido a um rótulo ou a um papel existencial importantíssimo, mas que não deveria ser maior do que a acolhida de outro ser humano. Fazemos uso da citação de Lúcio para ilustrar, embora ressaltemos que o contexto pensado por Lúcio não era necessariamente o que expomos aqui:

Onde Freud sentenciou que a Psicanálise parasse, na psicose, é onde muitas vezes iniciará a Filosofia Clínica. Nosso endereço existencial será dado na trajetória que percorrermos com quem partilhamos os espaços da vida.” (Packter, in: Filosofia Ciência & Vida Especial, 4, em entrevista concedida).


Como vimos o conceito de singularidade não nos permite respostas precisas. Uma melhor compreensão do tema pode ser vislumbrada pelo compartilhar de experiências, autenticando as reflexões acima, trazemos para a conversa algumas de nossas vivências ocorridas no I Diálogo Nacional de Filosofia Clínica, em Poços de Caldas, no ano de 2016.




Ir a um evento da Filosofia Clínica é sempre enriquecedor. Novos personagens surgem, compartilhando novos conhecimentos, novos conceitos e abordagens terapêuticas vão se desnudando pelo caminho.
Foram momentos marcantes que transitaram desde a oportunidade de rever velhos amigos como o de conhecer novos colegas. Podemos dizer que o balanço desse encontro foi positivo, assim como as interseções que começaram a ser qualificadas a partir daquelas horas.

Diante de velhos conhecidos uma experiência acontece. Vivendo circunstâncias diferentes do passado, percebe-se que a interseção ainda não definida, pode se confirmar, de fato, como positiva. A oportunidade de conviver com as mesmas pessoas, a de descobrir afinidades profissionais em novos contextos, pode aumentar o nível de empatia pelo outro.


A falta de conhecimento em relação à expressividade do outro pode proporcionar um transitar de uma interseção positiva a negativa e vice versa. Como o outro se mostra pode afrontar a EP dos sujeitos envolvidos. A presença, o olhar, o vestir, o falar daquele que entra nas minhas relações é um fator importante. Diante do outro transitamos pelas sensações: cheiros, toques, sons que de alguma forma influenciam nossa EP, levando-nos a uma aproximação como ao distanciamento. Assim, com o auxílio de submodos e um olhar atendo a singularidade podemos amenizar esse mal estar.

Outro caminho que se mostrou foi a busca comum entre os envolvidos. O conhecimento é o que cito nesse momento.  Entre colegas de profissão e de estudos em Filosofia e Filosofia Clínica essa busca só contribuiu para fortalecer as relações. Entre brincadeiras e boas piadas, muito conhecimento foi compartilhado. Cada um, a sua maneira, contribuiu para essa interseção. Troca de experiências, dúvidas sobre o trabalho com a Filosofia Clínica, curiosidade e desejo de aprender, esses foram alguns dos fatores determinantes.


Não só a convivência é um lugar para se construir as interseções, mas também, as redes sociais, a continuidade dos estudos e conversas continuam pelo facebook, whatsapp. Essas e outras ferramentas virtuais, em alguns casos, pode ser o caminho mais seguro para se manter uma interseção positiva, a presença do outro poderia levá-la para qualquer uma das outras três.

Sendo assim, em Poços de Caldas, no encontro de professores, alunos, amantes da Filosofia Clínica várias intercessões foram realizadas e nos mais variados lugares: na sala de aula, no café, no restaurante, no bar, no carro. Em cada um deles o nível de abertura aprofundava e sedimentava, revelando que o contato humano se faz e se aprofunda na confiança, na acolhida. E esse é um ponto em comum entre nós amantes da Filosofia Clínica - a acolhida.

Aprender isso é sem dúvida um fator primordial para o estabelecimento de intercessões positivas. Com Leonardo que vim a conhecer na Espanha e Ana Cristina em Poços de Caldas isso não faltou, na verdade, sobrou e transbordou. Foi uma honra e um prazer imenso como escrever esse artigo a quatro mãos e poucos devaneios.


REFERÊNCIA
TAVANO, Silvana. Freud explica: dez mitos da psicanálise. Extraído do livro “Psicanálise em Perguntas e Respostas – Verdades, Mitos e Tabus”, de David E. Zimerman, Editora Artmed, 320 págs., R$ 64. Disponível em: . Acesso em: 3 jan. 2017.
ANDRADE DA SILVA, Marcio José; HACK, Olga . Filosofia Clínica e Cinema: uma compreensão teórica através de filmes . Campinas: Lince Gráfica e Editora, 2014. 232 p
PACKTER, Lúcio. Cadernos de Filosofia Clínica. Porto Alegre. 1997.
LAPLANCHE, J. PONTALIS, J B Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1967 6ª ed- tradução Pedro Tamen. 707p

PIERON, Henri. Dicionário de Psicologia. Porto Alegre: Editora Globo. 1978, 6ª ed. Tradução Dora de Barros Cullinan. 533p

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

'APAIXONAR-SI'


Preparando para ir embora, vejo a moça parada na porta, com o chacra cardíaco obstruído. Entre uma fala e outra, ela pergunta:

- Você é o Kélsen?

- Eu digo sim. 

Ela dizia que estava precisando de uma psicóloga. Abro a porta para pegar um cartão da minha amiga. Falo para ela que tudo passa e quando olho, ela está em lágrimas.
Abro a porta de novo e agora a convido para sentar, lhe dou um copo d’água, um lenço de papel. 

A escuto e ela desabafa: a decepção amorosa tinha batido na porta dela. Sentia-se uma boba, uma tola, uma adolescente por estar daquela forma.


É estranho e cruel como essa representação assola e chicoteia. A sensação de tempo perdido, a desilusão consigo mesma(o) por ter dedicado tanto tempo, por ter se entregado tanto. As frases, imagens, discursos e diálogos travados consigo mesmo (a), ganhando cada vez mais proporções, intensidade. Até que a pessoa se vê completamente consumida pela presença de um fantasma, pela representação de um outro que se deseja esquecer, que se amaldiçoa. Tudo isso regado a muito choro e juras, mas o pior é esse estado de jogar anos de relacionamento no lixo. Jogar fora tudo o que se teve de bom, todos os bons momentos e as boas recordações. Era sobre isso que tentava conversar com a moça, tentava mostrar a ela para não se condenar por ter amado. Amar e ser amada é sempre um presente, uma dádiva. Reencarnamos nas condições mais impróprias para ter esse sentimento de amar e ser amada. Dizia que ela não deveria perder isso.




No entanto... É difícil o chacra cardíaco estar obstruído por motivos que não sejam amorosos, afetivos, de relacionamento. O que a moça não sabe e nem eu desconfiava naquele momento é que o caso dela era uma metáfora muito pertinente para eu compreender tantos outros casos, para eu conseguir fechar uma Gestalt. É sobre essa gestalt que eu vou falar ao longo dessas linhas. Passando por alguns atendimentos, por algumas percepções e tentando mostrar a importância do apaixonar-se por si mesma(o). Parece que todo término de relacionamento é um retorno a esse ponto, a esse patamar, para que a partir dele a gente reconstrua e construa novas possibilidades. 

I- Uma rápida fisiologia do amor. 

As vezes, o coração para de bater, mas o sangue continua sendo irrigado para outras partes do corpo, como o cérebro. Tipo uma vida vegetativa. Fazendo uma comparação, muitas vezes tomamos a decisão racional de separarmos, de terminarmos um relacionamento e esperamos que o coração, atenda e entenda esse comando de maneira imediata. No entanto, ele, simplesmente, não entende. A lógica do coração é outra. Os sentimentos não se esvai com essa determinação e esse comando, esse controle. E essa incompreensão é motivo de muito desgaste interno, de muita dor e conflito consigo e com os outros. Fruto de um descompasso entre a lógica da razão e a lógica da emoção. 


O coração não lida com esses cortes abruptos da mente, da razão, nem com as escolhas intempestivas dos desejos. O coração é sempre traído numa ou noutra dessas ações. Traído, inclusive pela ação ser realizada a revelia dele, as vezes até nas costas dele.

Muitos de nós para poupar o coração, entende-se por coração aqui, o corpo emocional, não o consulta. Ou o racionaliza, ou vive nas searas instintivas. Poucas pessoas mantem uma relação de proximidade com o coração, com o corpo emocional. Isso causa aquele desatino que nos deixa doidos, enlouquecidos. Pensar em quem não se quer sentir nada. Lembrar-se de quem se deseja esquecer de forma compulsiva, diuturna, nos mais diversos momentos. Cria-se uma luta para esquecer e essa luta é um lembrar. Mas, disso os poetas já falaram mais e melhor. Desse desatino, dessa sofrência. Uma querida recomenda aos homens pegar o pênis e passar no muro chapiscado. Talvez doa menos. 

O destaque que chamo atenção é como há um desmembramento entre o tempo subjetivo e o cronológico. Como que o tempo subjetivo, marcado pelo simbolismo do corpo emocional caminha e remete o apaixonado para um outro espaço, para um outro tempo. Enquanto que o tempo cronológico, racional e objetivo, continua seguindo seu ritmo e pressionando o coração, o emocional a acompanhá-lo. Dizendo a ele que já está tudo terminado, que não há razão para ficar chorando, lamentando. E é justamente essa pressa, esse descompasso, essa tentativa de proteger-se da dor sem olhar e prestar atenção nessa subjetividade, que deprime tanto, ou melhor, por tanto tempo. 

Instaura-se uma luta, uma batalha interna na qual uma parte nossa vai ferindo a outra. Quase que uma disputa entre a impaciência e a proteção. O orgulho ferido contra aquela sensação de ser tola, bobo, ingênua, ter se deixado passar para trás. E a única coisa boa disso tudo é o resgate do amor próprio. É O 'APAIXONAR-SI'

Já que o coração se refaz por vias e caminhos diferentes e inabituais. Mas, esse refazimento se dá no tempo dele. No momento dele, da forma dele. Não se faz na pressão cronológica do tempo. Na ansiedade de se provar e mostrar que se está bem, ótima e resolvida. É preciso tempo e esse tempo é atenção, carinho, acariciar-se. É preciso se ver, se olhar, apaixonar-se. 

Resultado de imagem para apaixonar-se por si mesmo


II- Relacionamento como Espaço cedido, compartilhado e retomado, apropriado, enfim... batalhas por nós mesmos e pelos outros. 

A dor dos fins de relacionamento é a percepção clara do espaço que o outro ocupava em nossas vidas. Esses espaços as vezes não eram vistos, não eram nem conhecidos, foi o outro que o preencheu, que lhe deu sentido. 


Se pudéssemos criar uma câmera de filmagem para registrar o que são os relacionamentos e como eles se dão dentro da gente, veríamos os relacionamentos como construções arquitetônicas. A cada encontro o outro, ao seu modo e ritmo, nos ajudaria na construção dos nossos espaços interiores. Há aquelas com quem criamos jardins, há aqueles que criam muros, há aqueles que derrubam portas e ampliam horizontes. Enfim... cada um tem um toque especial e esperamos que a pessoa que escolhemos para habitar nosso universo interno seja capaz não apenas de criar espaços, como cuidar dos que lá se encontram. Não é uma tarefa fácil, nem simples, por isso é um aprendizado constante e permanente. 

Assim, é como se o outro chegasse em sua casa e ampliasse ambientes, restringisse espaços, criasse novos cômodos, fechasse alguns antigos. Algumas mudanças nos tornam melhores, dão um colorido especial as nossas vidas. Outros aprisionam, inibem, restringem, cala e impede de ser o melhor de nós.
E daqui decorrem milhares de coisas que eu gostaria de escrever e provavelmente vá:

uma- como nós cedemos esses espaços para os outros em nossas vidas;

duas- como as mulheres fazem essa concessão sem se darem conta, como se fosse algo natural; talvez seja, eu não sei.

três- como a gente vai se perdendo de nós mesmos, em espaços que cedemos, que nunca habitamos, nunca fomos?


Todavia, não deixa de ser sintomático a naturalidade com que o masculino se apodera desses espaços internos do feminino e como esse feminino, se "realiza" nessa entrega. Como que nessa disputa-entrega-concessão de espaços de repente a pessoa está num labirinto e não se percebeu.


A ideia do labirinto é boa, porque finda a relação, elas se olham e não se reconhecem. Elas se olham e não sabem quem são. Elas se olham e buscam entender o que fizeram com elas mesmas, por que abandonaram empregos, carreiras, sonhos, conquistas, desejos? Elas querem um tempo perdido, elas esperam encontrar um lugar nelas que seja ainda igual a antes do casamento, do relacionamento, mas muitas vezes não há. Elas construíram toda uma relação tendo o outro como centro. E, quando esse centro vai embora, elas giram, rodam, rodopiam, piram, até restabelecer-se.  

Dito tudo isso, volto a moça que estava sentada na minha sala de atendimento meses atrás. 
Em determinado momento peço a ela para lhe aplicar a leitura energética. Ela consente e de imediato percebo uma quentura em suas mãos, típica de uma pessoa mediunizada. Em seguida, vejo no seu campo áurico, por trás da sua cabeça, uma beleza enorme, com profusão de cores, de imagens refletindo uma beleza interna, uma beleza própria, que ela não usa. Vejo algumas questões relacionadas ao pai e findo. Era mesmo mais um apaziguamento para ela do que um esclarecimento.

Conversamos. Ela diz estar sentindo-se melhor. Conto para ela o que percebi e como estava interpretando aquelas imagens. Como que o conflito de agora tinha uma relação com o abrir mão que ela estava fazendo. Pergunto sobre o pai. Uma presença muito forte no corpo astral dela. E, aí ela me conta parte da sua vida: ela me fala que teve uma escola de dança que acabou fechando, na verdade fez mais, parou de dançar porque o namorado é muito ciumento. Perdeu o contato com o povo da dança pelo mesmo motivo, ciúmes e medo que o moço a deixasse. 


Sim! Toda aquela beleza, aquela expressividade que eu via, estava relacionado a dança. Era uma energia imensa, que um homem, um cara, queria só pra ele. Já pensou em colocar a luz dentro de uma caixa? Foi isso que ele fez com ela. E, ela por amor, por medo, por... foi se enclausurando, se deludindo, até que uma parte dela mesma resolveu gritar, protestar, criar situações de conflito e confronto. Sim, isso é possível e sim, fazemos isso. 

Essa energia é dela. Essa energia é ela. Uma energia sensual, magnética, atrativa; bela é a melhor forma de traduzir. Querer tirar isso dela é tirar a parte mais significativa do seu ser. E, quanto tempo uma pessoa consegue viver sem ela mesma? Por quanto tempo uma pessoa consegue ficar trancada na posse e desejo do outro? Talvez por anos, mas nunca a vida toda. E, não coloco isso aqui, na perspectiva de que haja uma vítima e um carrasco, há um jogo, uma dança, uma relação na qual os dois podem buscar o melhor equilibrio, a melhor dinâmica. Um jogo no qual as vezes é conveniente estar trancada, é uma proteção. Importante saber que há outras, mas essa é uma forma. 

De forma que o universo tinha me desenhado, como nunca vira antes tão claro e explicito a situação diante dos meus olhos. A dor do término dos relacionamentos é essa dor de termos nos abandonado. E, fazemos isso em maior ou menor grau. Entregamos aquilo que não pode ser dado numa relação, que chamei anos atrás de SI MESMO, quando uma moça me perguntou o que era ser solteiro?

Ser solteiro é se levar inteiro para qualquer relacionamento. Ser solteiro é ter a consciência de que não irá iniciar nenhum relacionamento sem Si Mesmo e não terminará nenhum sem levá-lo, sem trazê-lo junto de si como melhor amigo, companheiro, parceiro. Ser solteiro é ir ganhando a maturidade que um bom casal é a soma de dois indivíduos e não de duas metades. 



E a dor dos relacionamentos é que esquecemos de nós. Somos com o outro, pelo outro, mas vamos deixando de ser e de fazer o que queremos, o que gostamos e esse preço é muito caro. Não há corpo emocional e psíquico que suporte esse abandono, esse esquecimento e não são poucas as vezes que essa energia se volta contra a gente criando padrões de repetições, criando motivos para conflitos, para términos, para mudanças de padrão que no fundo nos pede um resgate de nós mesmos. 


Resultado de imagem para apaixonar-se por si mesmo


III- Aprisionada na Jaula com um bicho-homem


Esse enredo amoroso, me remete ao caso de um amiga. Ela fora casada com um animal, uma fera, um bicho, que a agredia de todas as formas e maneiras, do corpo físico ao espiritual, deixando sequelas, feridas difíceis de ser tratadas. O cara era um bruto, um selvagem, um estupido. O segundo marido já foi melhor, mas cometia violências emocionais.  As físicas, ela não tolera mais, nem aumento de voz. 

O inusitado de tudo isso é como que a necessidade dela de proteção, de cuidado, de ternura, a fez sair de casa e casar-se aos 16 anos com uma pessoa que era ciumento, paranoico, possessivo, controlador. E, mais estranho ainda é como ela briga com a ternura dela. Como que todas as vezes que um futuro pretendente atrasa, ou desmarca algo, ela se sente tola, usada, rejeitada. Como que as relações dela de certa forma não avançam, porque ela adquiriu um vírus da estupidez que ela transmite, que a contamina sem que ela dê conta. 



Ela tenta se proteger de predadores, mas nessa luta, ela se machuca muito mais, porque não são todos os homens que são bichos, estúpidos, animais. Alguns não sabem nem o que é isso e não entendem as soluções que ela busca. As escolhas que ela faz. No final nem ela mesma e isso a machuca, a isola. Ela não quebra o padrão. O vírus transmitido pelo bicho a aprisiona ainda hoje. Assim, o que que observava nas nossas conversas era a dificuldade de alguém ferido se deixar ser tocado. A memória do corpo quer carinho, quer afago, mas ao mesmo tempo não reconhece esse padrão. O toque é entendido como sexual, seja ele físico, emocional, espiritual. As relações são baseadas na base da troca. Dou sexo e espero presente. Dou presente e espero sexo. Uma relação de troca primária, altamente instrumental e objetal. E isso não significa que a pessoa não tenha amorosidade, nem seja carinhosa, é que a forma de proteção encontrada gerou esse padrão reducionista, que ao final, a leva a se avaliar e a se qualificar por presentes, algo material. O maldito do bicho, devorou a beleza dela. 

Mas, quando é possível olhar para todos nós sem que esse vírus do desamor esteja rodando, esteja fazendo estragos, percebo que um sem número de mulheres, de homens, de seres querem COLO.



Um lugar que podem ficar sem precisarem se defender. Um ponto no universo no qual sentirão protegidas, resguardadas, defendidas, amparadas. É um útero, mas é mais do que isso. É um abrigo no qual se pode ser, pode-se mostrar, pode nascer. Relacionar deveria ser proporcionar esse espaço para o outro. Dar ao outro condições de se expandir e de se recolher; de se resguardar e de se voluntariar; de escolher e de ser escolhido.  


IV- Muralhas e Úteros: espaços de proteção.


Recordo de um partilhante que ferido emocionalmente por uma traição passou a se relacionar só com prostitutas. Sexo para ele só pago, ou com mulheres que na balada não cobrassem nada no dia seguinte. A proteção energética que ele havia construído era impenetrável. 


Depois de uns 15 minutos tentando entrar, acessá-lo energeticamente, expliquei para ele a situação. Eu o via dentro de um castelo, mas tem uma muralha turca impenetrável. Por diversos fatores que não vem ao caso, que ela não voltou para avaliarmos, ele criou uma muralha. Tinha a ver com a traição, mas tinha a ver também com a morte da mãe. As duas coisas somadas construiu um distanciamento dele e das próprias emoções e sentimentos. 

Dentro da racionalidade lógica que ele erigiu, ele não estava mais sofrendo, poderíamos dizer que não estava nem sentindo. Ele tinha construído uma muralha na qual ninguém entrava. Ninguém. Ninguém. Quem já trabalhou em reunião de desobsessão já cruzou com esses caras poderosos, empedernidos, e que de repente descobrimos que todo aquele império, toda aquela frieza, toda aquela maldade se devia a orgulho, vaidade, amor não correspondido, ciúmes. E, diante do ente amado: o filho, a mãe, a ex, desatam a chorar como meninos. Porque é isso que são e somos no que se refere aos sentimentos- meninos. 

Eu estava diante de um encarnado, mas não tínhamos afora as irmas e a mãe no astral sem poder interferir, ninguém a não ser ele mesmo com as chaves da muralha. E, o paradoxo era: ninguém entra, mas ele também já não conseguia sair. Ele estava trancado, com ele mesmo e isso era devastador, assustador. 
Resultado de imagem para preso numa torres de castelo


Ele fora levado pelas irmãs que estavam muito preocupadas com a insensibilidade dele, não ouvia ninguém, estava bebendo muito, brigando demais. Ele não conseguia receber afeto das pessoas e em certa medida também não conseguia dar afeto. Expus isso a ele e disse que se ele não desse permissão, eu não conseguiria entrar, ninguém conseguiria.

Ele deu e isso me chamou atenção para como nós homens nos protegemos emocionalmente. Nós nos fechamos em armaduras, em castelos, em muralhas impenetráveis. No entanto, essa proteção do mundo, retira nosso contato e nossa sensibilidade com o mesmo mundo. Mas, essas construções internas atraem um sem número de mulheres. Esse moço nunca teve tantas mulheres como nessa fase que ele se encontrava, ou se encontra. Porque em certa medida, ele oferece uma proteção. Na carência, na falta, na rejeição, na fuga de si mesmas, esses castelos encantados são atrativos, mesmo que depois se perceba e se compreenda que de todo o castelo o único aposento que ela pode frequentar é o calabouço, ou a Torre de Marfim.

Seria trágico, mas muitas mulheres conseguem abrir espaços, portas e acessos nesses homens. As vezes o preço é muito alto. Outras vezes o preço é bom para todo universo. 

Já as mulheres, até onde pude perceber e visualizar, elas não constroem armaduras. Nunca vi nenhuma armada ou trancada nesse espaço, mas elas se escondem nos aposentos dos seus parceiros. Sabe aquele colo desejado? Esse moço estava cheio de mulheres, muitas fazendo trabalhos espirituais (goécias) contra ele, outras apenas vibrando energeticamente. Mas, todas tentando um lugar de destaque e de proteção dentro da muralha. 

A falta desse colo, ou a necessidde de um cria espaços, escolhas, experiencias e relacionamentos que invariavelmente irá remeter ao apaixonar-se. Isso deveria ser lição obrigatória, matéria de aula. Apaixonar-se. Conhecer-si. Olhar para si mesma(o) para re-conhecer o outro, o mundo. Para poder escolher, até onde é escolha, parceiros que auxiliarão na construção de um si mesmo(a) melhor para si, para o outro, para o mundo. Não deveríamos nos furtar a essa empreitada.

De modo que não conheço as mulheres que ele se relaciona, mas pelo que pude observar de outras, elas estariam em busca de um colo. Elas estariam desejando, querendo uma proteção e em troca disso pagam o preço do SI MESMO; permitem que esse outro invada, conquiste seu universo emocional e quando eles vão embora, ou a pessoa toma consciência daquele espaço, ela está devastada e fazer o que? Fazer como?




Muitas não sabem. Muitas acreditam que o espaço interior delas é do parceiro. Que quando vamos embora, levamos tudo de bom e deixamos tudo de ruim. Nisso posso afirmar que se dá o inverso, o contrário. De modo geral são as mulheres que nos empoderam. São elas que nos encorajam a ver nossas qualidades, e vendo expressar no mundo. Quando o relacionamento finda, muitos não terminam nunca, são eternos, mas, findam em algumas formas, no que se refere a divisão de alguns espaços, quando isso acontece, vocês deveriam saber que o outro é construção suas também. Que muito dele é seu e o que você vê de melhor nele é algo que existe de melhor em você.

Relacionar-se é empreender essa troca, essa partilha. Talvez sem disputa, mas com todo amor que ambos merecem. O amor de que podem ser melhor para si mesmos e para vida como todo. 


Em 2017 estaremos falando mais sobre isso. Promovendo entre as pessoas essa capacitação, essa liberação e libertação. Podemos amar mais, podemos amar melhor. E, isso pode ser aprendido, embora a experiência é o que faz o diferencial. Mas, amor pode ser compartilhado, pode ser trocado, pode ser discutido, por ser aprendido, porque passa pela nossa construção simbólica. 

A descoberta e o fortalecimento do SI MESMO, SI MESMA é fundamental para qualquer relacionamento. Relacionar-se com pessoas que não tenham esse demarcador de forma clara com certeza aumenta as tensões do relacionamento.





sexta-feira, 4 de novembro de 2016

LÓGICA FORMAL: o LEGO e a FILOSOFIA CLÍNICA.


As crianças em suas brincadeiras e formas de ver o mundo sempre nos dão chaves de entendimento para questões mais profundas e sérias, pelo menos na visagem do adulto. Recordo de um grande artista dizendo que toda sua trajetória foi tentar reproduzir os traços que dava quando criança. Creio que ele estava querendo dizer sobre a leveza, a espontaneidade, aquele silêncio despreocupado, despojado de quem nada tem a fazer a não ser fazer o que se está fazendo. Esse comprometimento lúdico, austero, impagável, incorruptível. Por essas vias infantis e pueris, em partilha com um partilhante, ele me falou de como é lógico, racional e surpreende-se com a falta de lógica das pessoas e da sociedade de modo geral.

A partir da sua fala, da aula que eu tinha que elaborar fiquei pensando na FC (Filosofia Clínica) e como ela se sustenta e se estrutura na lógica. A rigor, uma lógica cuja ‘logicidade’ é a convicção de que não há uma única lógica, ou seja, as lógicas são muitas, são várias, são particulares, universais, singulares. E é bonito na Filosofia Clínica esse duplo movimento de aceitar a lógica do outro sem buscar enquadrá-la num sistema, e desvelar para esse outro a lógica que lhe é própria, intrínseca e ele opera na sua existência. Sim, longe de a partir de uma identificação que restringe, molda e rotula, a FC busca de posse dessa identificação proporcionar meios e mecanismos do outro ser.



Em outras premissas, a FC tende a auxiliar os sujeitos a se compreenderem, o que vale dizer que nessa compreensão, eles podem descobrir comportamentos, pensamentos que os machucam, que os desagradam e assim querer modifica-los. Alterá-los e reconstruí-los com a ludicidade atenta de quem brinca de LEGO. E, agora falo com uma linguagem mais técnica, mas não sem antes ensejar a você leitor que passou os olhos por aqui e está em busca de compreender-se mais e melhor, compreender-se inclusive naquilo que a principio para você não tinha uma compreensão- marque uma hora, um encontro com um filósofo clínico, com um terapeuta e tente visualizar como é que você constrói a sua existência.

A Filosofia Clínica tem várias correntes de fundamentação. Uma que eu gostaria de explorar nesse momento é o da lógica formal. Como salientei, tenho trabalhado com um partilhante que se entende como um lógico, um ser que busca a lógica em todas as coisas e em todas as suas ações, caracterizando-se pela sua forma de compreender o mundo, como um racionalista.

Observando-o e estreitando contato com ele, foi me evidenciando como a lógica na FC tem uma importância cabedal. Não há um tópico, uma categoria, um submodo (SM), uma estrutura de pensamento (EP) que não seja lógica. Num primeiro momento pode-se pensar que por ser lógico é rígido, rigoroso, duro; quando na verdade, a lógica pode ser construída e efetivada para qualquer coisa, inclusive a maleabilidade. 



De forma que a FC faz uso da lógica formal para compreender cada partilhante como tendo uma malha intelectiva própria, com plasticidade própria, não podendo ser taxado de anormal, louco, doente. Há nele uma maneira de ser (jeito de se relacionar) que é próprio dele. Uma forma que as vezes ele desconhece, ele ignora, ou que outras vezes o incomoda, o inoportuna a si ou a outras pessoas. Em cada caso, ele pode se perceber seja como construtor dessa lógica, seja como herdeiro dela, mas em todos os casos como o único que pode fazer alguma coisa. É nesse fazer que eu avanço para o lúdico.


Todos conhecem LEGO, não conhecem? Aquelas peças de encaixe que possibilitam a criação dos mais diversos artefatos? Quando criança a gente brinca muito com Lego. Eu via algumas construções e custava a acreditar que se tratava das mesmas peças que eu dispunha. Como, que com aquelas peças algumas pessoas criavam robôs, casas, cidades? Certa vez, já adulto, vi que professores ensinavam robótica para seus alunos fazendo uso das peças de Lego. Eu achava fascinante por um lado e frustrante por outro, afinal como?


Pois bem, a FC é similar ao Lego e o ponto maior de intercessão entre esse brinquedo e a FC se dá justamente na lógica formal da montagem. A partir de uma mesma peça, cada um forma os mais diversos objetos, cada um cria uma arquitetura neural rica em ligações, comunicações; não obstante criam-se também armadilhas conceituais, pré-juízos que nos prendem dentro desse universo criado por vezes sem escapatória. Àporo como dizia o poeta: “ um inseto cava...”


Nesses moldes a FC é uma terapia lógica, na qual se utilizando das ferramentas e metodologias adequadas auxilia-se o outro a perceber-se, compreender-se dentro da sua logicidade. Não há em FC um jeito certo de ser. Um padrão, ou uma forma na qual as pessoas são colocadas para se adaptarem, pelo contrário, de posse das suas peças (Lego), cada sujeito se constrói, se edifica em relação com os outros, com o meio, mas de um jeito seu. 
É movimentando dentro dessa lógica que o filósofo clínico aprende os exames categoriais, baseados em Aristóteles, Kant, Ryle. Compreende a historicidade, baseado em Hegel, Gadamer e Dilthey. Trabalha as EP e SM baseados nos mais diversos pensadores.
É devido a essa estrutura lógica que toda FC se movimenta desde a parte mais imediata até sua estrutura mais complexa, como a Matemática Simbólica.


 Assim nos fala Lúcio:
A Filosofia Clínica não buscará a harmonia, o bem-estar, não procurará soluções hedonistas, não tentará a cura, principalmente porque em seus pressupostos inexiste a patologia. Também inexistem pré-concepções como liberar o fluxo das emoções, etapas de desenvolvimento, noções apriorísticas sobre aborto, suicídio, sexualidade, morte, homicídio. Um filósofo clínico, em seu ofício, entra em contato com suicídios legítimos cujos argumentos repousam em razões estéticas e não em razões éticas ou religiosas; entra em contato com desenhos existenciais do pensamento que a medicina tem por psicose, e, para o filósofo clínico, muitas vezes será esta a melhor condição existencial de algumas pessoas conforme as circunstâncias e o que viveram até então; entra em contato com o absurdo que Camus anunciou, criaturas adormecidas por um mundo que lhes propicia o soma de Huxley, e às vezes acompanha tais caminhos ou se opõe a eles. Onde Freud sentenciou que a Psicanálise parasse, na psicose, é onde muitas vezes iniciará a Filosofia Clínica. Nosso endereço existencial será dado na trajetória que percorrermos com quem partilhamos os espaços da vida.” (Packter, in: Filosofia Ciência & Vida Especial, 4, em entrevista concedida).
 
Resultado de imagem para filosofia clínica