sábado, 28 de outubro de 2017

RESUMO INFORMAL DO XV ENCONTRO MINEIRO DE FILOSOFIA CLÍNICA: o que você faz no seu consultório?


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ANTES DO ENCONTRO

Nós de Belo Horizonte tivemos a honra de sediar o 15° Encontro Mineiro de Filosofia Clínica, muito embora a presença dos belos horizontinos não tenha se dado no volume, na proporção que esperávamos e na receptividade que nos é peculiar e intrínseco. Mas, nós que estivemos aqui, na medida do possível conseguimos dar conta do recado, especialmente pelo aparecimento de um belo horizontino repentino que conduziu os amigos para praça Sete e outros lugares da cidade, grato Perino.
Cito Perino, assim como Wagner que não pode estar presente, porque a proposta temática do encontro nasceu de nossas conversações em sala de aula: o que você está fazendo no seu consultório? Pensamos na organização de um encontro para responder a essa indagação, para saber o que e como filósofos clínicos atuavam em sua lida. Pensamos, inicialmente, no formato de oficinas nas quais os palestrantes iriam demonstrar na prática como é que se faz. É importante registrar que toda essa efervescência tem uma raiz dupla, primeira a nossa ida a Sevilha com o genial Lúcio Packter e as trocas com os colegas. As indagações e observações de um marinheiro de primeira viagem que desejava compreender não a teoria e a metodologia que empregamos e sim o uso que damos. Atrelado a esse uso estava a busca por um entendimento do que fazemos, e fazendo, por que não publicamos, noticiamos, damos visibilidade? A segunda raiz vinha das trocas de experiências realizadas no encontro anterior em Poços de Caldas. Lá ouvindo cada um dos colegas e especialmente em nossos “Devaneios a três em Poços de quatro” com Leonardo Ricco e Ana Cristina foi me suscitando a pergunta: mas, como a Ana lida com os seus partilhantes no dia-a-dia? Será que a Marta Batalini ao identificar os papéis existenciais dos seus partilhantes mostra a eles quais estão em conflito, quais estão em harmonia? O que ela faz depois dessa identificação? Como o Márcio faz essa relação entre cinema e filosofia clínica? Como a Conceição está associando filosofia clínica e aconselhamento filosófico? Será que ela chegou a uma conclusão que Marta Claus nos contou em estágio de supervisão- o aconselhamento para assuntos imediatos é sensacional! Observação que Marta declarou rapidamente neste encontro ao insinuar uma relação direta entre a metodologia do Lou Marinoff para identificar o assunto imediato. Enfim, muitos ‘comos’ e na impossibilidade momentânea de operarmos com eles em formato de oficinas, acabamos elegendo um caminho no qual falássemos e torcêssemos que essa fala fosse um apontamento, bem no estilo de Heidegger: o que é isto? Alterado essa demonstração para um logos apofântico que acabou sendo: o que você faz no seu consultório?

Porém, para respondermos a essa indagação inicial era necessária a estruturação do evento, como por exemplo, a locação de um espaço. Sendo assim fomos à busca, já que em nossa cabeça, teríamos inúmeros problemas, menos esse. E o que acreditávamos ser algo fácil, tranquilo se mostrou dispendioso. Batemos na porta de mais de 10 hotéis, mais de 8 salões, mais de 12 escolas ou espaços que tinham a estrutura de sala de aula e nada. Os hotéis e os salões convencionalmente utilizados para eventos devido aos preços exorbitantes que eram cobrados, algo como mil reais o dia, com a contratação do coffe-break esse preço triplicava. As escolas e similares, por não abrirem no feriado e a grande maioria delas, jamais terem pensado na possibilidade de sublocar seu próprio espaço, as que sabiam, tinham já seus horários tomados. Com muito custo, uma amiga de São João sugeriu procurar as faculdades e de fato elas possuíam uma estrutura montada, um Know-How para isso. Conseguimos a Uni-Bh e dentro dos valores da nossa cabeça e os operado no mercado, acabamos fechando o negócio.

Finda essa parte, iniciamos outra, a contratação do coffe-break. Acho que é o nome estrangeiro que quadruplicava o valor ao ouvirem usar o termo e a palavra Encontro Mineiro. Tenho para mim que na cabeça dos comerciantes, eles pensavam em cifras milionárias e como bons mineiros deveriam pensar: “deixe-me logo tratar de pegar a minha parte.” Depois do evento fiquei pensando, mas por que não ganhamos dinheiro com isso? Por que não criamos uma rede profissional, com excelência ainda maior, capaz de dinamizar e popularizar não apenas a filosofia clínica como a própria filosofia? Por que os ditos intelectuais do nosso país tem que ficar dependentes de salários de professores pagos por municípios, Estados, governo federal? Essas são indagações para outro momento. O importante é que definido lugar, tema, Marta pode começar a realizar os convites e montar a estruturação do evento. Pudemos começar a divulgação oficial e foi assim que no dia 12/10/2017 às 10:00 iniciamos o nosso credenciamento com a chegada das queridas meninas de Montes Claros. Chegadas de viagem, cansadas, receberam os crachás e foram deitar um pouco no hotel. Depois delas foram chegando um a um, uma a uma dos participantes, nos enchendo de alegria. Uma dessas chegadas foi a de um senhor que viu o fôlder enviado e diagramado pelo Márcio/Aline que eu coloquei na porta da faculdade. O senhor Bartolomeu contou sua história, falou de suas experiências e ao longo dos outros dois dias nos brindou com sua sabedoria, seus conhecimentos. A filosofia clínica o espera com braços abertos.



DURANTE O ENCONTRO- as PALESTRAS:

Às 14:00 Marta Claus, Márcio José, Isabel Cristina e esse que vos escreve abriram os trabalhos contando brevemente, um pouco, dessa saga e agradecendo, enormemente, a cada um dos participantes que lá estavam.

Logo em seguida, com a prontidão e a competência que são peculiares, a face da Filosofia Clínica abriu os trabalhos. Sempre fico observando e pensando: não há outra pessoa para fazer essa abertura, porque ela simboliza e espelha a nossa mineiridade. Digo mais, em muitos pontos e aspectos, ela simboliza e espelha o IMFIC. Franzina, discreta, esbelta, olhar atento, fala baixa como quem canta, mas, principalmente, essa coisa mineira, típica das montanhas, típica de São João Del Rey de nunca se mostrar por inteiro, de sempre ter algo de valioso, de profundo, que se encontra cândida e em repouso, longe das curiosidades, avessas às multidões e as bajulações. Um tesouro escondido a ser compartilhado somente com aqueles que chegam a intimidade. E a intimidade é o espaço reservado da mineiridade. Somos receptivos, nossas portas estão abertas, em nossas casas entra-se pela cozinha e puxa-se um banco para fazer pouso; porém a intimidade de entrar sem bater, de servir café enquanto espera o dono chegar, de saber o que de fato se confabula em nossas conversas e o que vai mesmo em nossos corações, isso é intimidade. É nosso ouro, nossas pedras preciosas. São os sinos badalando uma linguagem que só quem é da terra sabe, entende, compreende: o forasteiro chegando, ou os militares a serviço do rei vasculhando as vendas e as minas. Enfim, ano que vem teremos a alegria de perceber isso na mais mineira das nossas terras barrocas, São João Del Rey. ANA CRISTINA é tudo isso e muito disso. Ela tem um vasto conhecimento, uma longa prática, experiências sensacionais, mas estava escondida aqui entre as montanhas. Marta a retira do fundo da mina e ela sai de lá limpando o avental e trazendo essa riqueza toda que ela possui dentro de si. Cada vez mais, ela nos dá a honra de ouvi-la, de lê-la (Nessa edição Partilhas trás um artigo dela).

Conto tudo isso, porque tema dela foi: O CONSULTÓRIO COMO LUGAR DE FORMAÇÃO CONTINUA DO FILÓSOFO CLÍNICO. E nesse processo de formação contínua, ela nos brinda com a sua trajetória, com a peculiaridade e singularidade dela. Nos fala que é no consultório que o filósofo faz clínica e é na clínica que a identidade de filósofo, de aprendiz constante se engendra, se plenifica. Pode parecer óbvio, mas não é. Há divagações teóricas, intermináveis que na clínica não tem dois segundos de importância e só quem aplica o método consegue filtrar a relevância dessas discussões, dessas interações. É em parte sobre isso que a fala de Ana nos provoca. Sendo que dos muitos pontos desse processo que ela nos brinda, temos que destacar a PACIÊNCIA. Na perspectiva da nobre colega a clínica se faz sob o mote da paciência, seja para lidar com partilhantes que marcam, desmarcam e nunca aparecem; seja para lidar com partilhantes que marcam, aparecem, expõem suas dores, seus conflitos, mas demoram uma eternidade para solucioná-los; seja para o filósofo clínico vir a ter partilhantes. Paciência! Sobre esse mote da paciência, ela registra dois pontos que lhe parecem essenciais à clínica: gostar de gente e gostar de ouvir gente.

Ela fala do atendimento a uma garota, em seu último período de psicologia. Na historicidade a garota menciona que os amigos sempre disseram que ela era uma boa ouvinte e isso a levou à psicologia. Na lida no consultório, ela ia se exasperando com o fato daquelas pessoas voltarem semanalmente, com os mesmos problemas, com as mesmas demandas, com as mesmas queixas, com as mesmas dores. Ela não tinha paciência para aquilo. Na interpretação de Ana que passamos a compartilhar enquanto plateia, a futura psicóloga gostava de ouvir gente, mas não gostava de gente. E sem essa afeição dupla a clínica é insuportável, um tormento, uma tortura, um martírio. O que remete a outro caso que ela conta de uma moça que marcava e desmarcava por meses a fio. Ana com uma paciência de Jô conseguiu compreender numa das vezes que a partilhante foi a consulta, que a moça não era assídua não era por irresponsabilidade, por ter um gozo em deixar o outro a espera; ela não ia por não conseguir vencer uma barreira de não saber o que dizer depois que lá estivesse. Essa revelação é fruto da paciência, da escuta, de um entendimento que não agenda, não edifica e consolida pré-juizos acerca dos outros. E, somente a paciência continuada, persistente, paciente da filósofa clínica na sua formação continuada permitiu o desvelar desse entendimento. E, por falar em entendimento é que vamos colocar a metodologia que Ana utilizou como esteio de sua apresentação, a saber, a analogia com a obra de Maria Rilke e uma resposta de Fernanda Montenegro a uma entrevistadora. Ana retoma Rilke no seu clássico livro “ Cartas a um jovem poeta” no que ela se apropria para se perguntar: como se tornar um filósofo clínico? E utilizando esse marcador ela vai nos contando, vai nos remetendo, vai nos conduzindo a ideia do esmero, da paciência, do entendimento, do processo. Um procedimento que ela ilustra bem na fala de Fernanda Montenegro ao ser perguntada sobre o que fazer para ser artista, no que a dama do Teatro responde: DESISTA! E, se após essa sua desistência teu corpo, tua alma lhe chamar para o palco, se entregue, se renda, se faça.

O que alguns colegas não entenderam ao estabelecer em suas falas um diálogo com a ‘face’ da Filosofia Clínica foi que, ela estava falando do processo dela. Ela estava falando desse ofício que para ela é artístico. Ela estava falando do encontro que ela teve e a clínica lhe permite do gostar de gente, de cuidar de gente e de ouvir pessoas. Lá, no consultório, ela consegue operar a arte da escuta, a sensibilidade de transformar o consultório num espaço mágico, ouso dizer, meio que a contrariando, sagrado. Lá dentro, ou dentro dela, ela estabelece a comunhão. Sendo assim, o consultório dela vai lotando, vai enchendo, na medida em que ela se livra ou se integra a uma vocação e consegue se colocar no lugar de filósofa clínica.  

A segunda palestra foi de nossa diretora, nossa mentora MARTA CLAUS com o tema: “QUESTÕES PSIQUIÁTRICAS NO CONSULTÓRIO FILOSÓFICO de maneira muito clara e direta, Marta nos fala o que Lúcio aborda nos cadernos ao tratar do Tópico Estrutura de Raciocínio; filósofo clínico não é médico e não deve mexer na química cerebral dos seus partilhantes. Nesses casos é dever do filósofo clínico pedir a cooperação de um médico. O ponto importante da apresentação de Marta é sobre a representação do partilhante sobre ele mesmo e como o filósofo clínico precisa respeitar essa representação no melhor estilo de Protágoras tão cara a FC: “o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são e das coisas que não são, enquanto não são”. Com isso, ela está querendo dizer que se o partilhante chega até nós se auto declarando bipolar, ou depressivo, ou com quaisquer outras classificações que a FC não faz, mas o DSM-5 cataloga é pueril o filósofo clínico afirmar que não há doenças mentais, que o cérebro não adoece e que os processos terapêuticos em si e por si podem reconstituir a química neural dos partilhantes. E, aqui é importante retomar o apontar, o demonstrar. Teoricamente, vamos alargar essa fala e esse procedimento mais abaixo, porque teoricamente, longe e distante do discurso do ser real, lendo e contemplando de frente a tela do computador isso é possível. Porém no hálito do atendimento, na dor operacional confusa e caótica diante da filósofa clínica, a melhor ajuda é: compreendo, você é bipolar! Qual é a sua medicação? Quantas vezes você vai ao psiquiatra? Qual o nome dele? Essa intercessão será mais frutífera do que a negação teórica, conceitual de que de acordo com a FC não criamos rótulos e classificações.

Em toda fala, Marta a embasa com a longa experiência de consultório e a pós-graduação que fez na USP em psiquiatria que tinha como um dos objetivos explicar os efeitos nos novos fármacos, como que eles são mais inteligentes e atuam com mais precisão na reconstituição dos processos neuroquímicos. Recorrendo a esse enfoque, ela chama atenção para um novo modelo de psiquiatria, diferente do que a maioria de nós filósofos temos em nosso imaginário que consistiria em tratamentos invasivos, brutais, coercitivos. Na concepção dela, pelo menos junto ao público alvo que ela estudou e outros que ela estabelece uma relação de troca, ela identifica que há mais resistência (pré-juízos) por nossa parte do que dá deles em estreitar laços e estabelecer diálogos. Marta fala também de novos exames de imagem, que conseguem mapear áreas cerebrais em mau funcionamento, novos exames capaz de identificar os déficits hormonais e químicos dos organismos sendo repostos por medicação de alta geração que fazem essa reposição sem embotar tanto as pessoas, sem causar tantos efeitos colaterais como eram os remédios das gerações anteriores, e os de hoje utilizados em dosagem inapropriada. A partir disso abriu-se para levantamentos de questões, observações, ponderações, que em parte tocaremos abaixo.

Depois do café foi a vez de MARIA DA CONCEIÇÃO SILVA, a nossa Conceição, nos brindar com a palestra: ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO NO CONSULTÓRIO. Conceição é a única que fez o programa do Project do Jorge Dias até o último módulo no Brasil. Dedicada, esforçada, batalhadora nos contou como foi etapa por etapa de seu processo, desde a imersão conjunta promovida pelo IMFIC em 2015 onde filósofos clínicos brasileiros foram aprender a metodologia criada por Jorge Dias, até a entrega do relatório já no Brasil e o seu retorno solitário a Portugal para conclusão da última etapa. Narrando sua trajetória que se mistura com o seu fazer clínico de longa data, Conceição narra os seus atendimentos que lhe possibilitaram o credenciamento de Aconselhadora Filosófica. Contando-nos três casos, ela mostra como que junto aos seus consultantes, ela os auxiliou a encontrar a Felicidade. Proposta do Project, isto é, a criação de uma metodologia que possibilite a pessoa alcançar o seu Projeto. Projeto caracterizado a melhor maneira aristotélica e não só, como EUDAIMONIA. Cabendo a aconselhadora filosófica mais do que a qualquer outro, elucidar um caminho para que o consultante chegue a esse objetivo. Mais do que qualquer outro, porque em terras europeias o papel da filosofa não deve se restringir apenas o pensar abstrato e as abstrações do pensar. É dever de o filósofo pensar seu tempo, ler o seu povo e caminhar com sua gente. Conceição uma terapeuta na mais alta acepção da palavra e uma filósofa no sentido de uma amiga da sabedoria que partilha o seu saber oferecendo caminhos para aliviar quem sofre, acredita nisso e se movimenta nessa esteira. De modo que nessa elaboração se esboça a metodologia do aconselhamento filosófico e o lado prático, operacional de coach de conseguir conduzir a pessoa ao seu desejo, a sua meta. Desejo, meta que antes de ser seguido é dialogado com o aconselhador para que se alcance a clareza das pressuposições. Após exará-las estabelece-se a forma de chegar. Um processo objetivo, claro, pontual, rítmico, no qual a filósofa auxilia seu consultante a construir o que em FC poderíamos chamar de esquema resolutivo e caminhar para alcança-lo. Seguindo essa metodologia Conceição nos conta três dos cinco casos que ela fez o relatório e a apresentação para se tornar Dra em Aconselhamento Filosófico último nível.


Para finalizar o dia tivemos a palestra: RELATO DE CASO CLÍNICO de ISABEL CRISTINA mais uma sócia-diretora do IMFIC. Com toda a sua experiência, com toda a sua desenvoltura, ela nos apresenta um caso complicado, denso, intricado, cuja solução se deu parcialmente nos moldes da paciência relatado por Ana. Salutar em toda a exposição, pelo menos a mim, é a constatação de como nos falta casos clínicos para ser divulgados, comentados, debatidos. Estou pensando em uma literatura que se volta a isso, com obras e livros que explorem esse fazer clínico do assunto inicial até a aplicação dos submodos. Temos o Caso Nina e qual outro? Quais outros? Isabel, Ana, Conceição encerram um perfil de filósofos clínicos, de terapeutas que no cuidado intenso e dedicado ao outro, praticamente, não sobra tempo para as explanações, às escritas, o que é uma pena, porque essa experiência precisa ser trocada. Torcemos para que os alunos de cada uma delas anote tudo e um dia venha a publicar. Porém o cerne dessa discussão é como se o fazer dificultasse a escrita e aqueles que escrevem, nem sempre estão fazendo o que aumenta uma lacuna. Lacuna natural, de modo geral, a clínica é viva, intempestiva, flutuante. A teoria é congelada, palatável, retornável, pode-se voltar aos cadernos, aos textos, aos livros, mas quase nunca lá estará o caso vivo, o paciente que se representa depressivo-suicida, que passa horas em silêncio, mas ainda assim a ida dele a clínica é representação de melhora, ainda que ele não fale absolutamente nada de sua historicidade. Quero dizer, que em todas as áreas o fazer norteia a teoria. É na linha de fábrica, na experimentação que são feitos os ajustes na teoria, na metodologia, na epistemologia e o que pode ser uma tragédia, tal qual virou a licenciatura no Brasil é não ouvirmos quem faz. É não conseguirmos compreender que esse fazer altera sim teorias, pressupostos e abre para outras. Discutiremos isso outra hora.
Isabel tem uma experiência riquíssima, valiosíssima e em momentos como esses (encontros, colóquios) podemos sorver e absorver um pouco. E de toda a sua narrativa sempre muito bem pontuada, sempre mostrando o passo a passo da elaboração clínica, os altos, os baixos, a coleta da historicidade, a estruturação da EP, os tópicos determinantes, os tópicos em conflito, a autogenia e a aplicação submodal duas coisas me despertaram muito interesse. Primeiro um ponto obnubilado na FC- a sexualidade. Grande parte da trama, do relato dizia sobre esse componente sexual e a maneira clínica que ela lidou com esse conteúdo sem psicanalizá-lo é digno de nota e compartilhamento, já que observo muitas vezes em filósofos clínicos em formação ou já atuando uma tendência a psicanalisar algumas observações.


Segundo a aplicação submodal. Nessa parte, em especifico, ela retoma uma fala do Wil Goya que diz respeito à mistura de bolo. Como é importante e salutar a compreensão da FC nesse duplo movimento. O primeiro na forma como didaticamente e epistemologicamente é ensinado: colheita categorial, depois estrutura de pensamento, depois aplicação de submodos. Um processo cartesiano, de separação, de distinção em busca de clareza. Porém sem esquecer o segundo aspecto do mesmo movimento que é o entendimento da pessoa como pessoa, como um todo, ela não é uma categoria, ou uma EP, ou um submodos, ela é pessoa integral. Ou seja, a perspectiva da totalidade, da integralidade que dá forma e aplicação a FC. Seguindo essa linha que vai do todo para as partes e das partes para o todo, Isabel nos relatou que a aplicação submodal se fundiu ao processo de compreensão e autonomia da partilhante. Aqui é a analogia com a mistura de bolo. Na receita há a medida e a distinção clara de cada ingrediente a ser utilizado. Após a separação e escolha criteriosa dos ingredientes, as xicaras, colheres e medidas já identificáveis, mistura-se tudo e não há mais ingredientes separados e distintos, apenas uma massa unifome, homogênea que ao ser levada ao forno se transformara em um bolo especifico. Criado a partir da escolha criteriosa de cada um dos ingredientes. Essa colocação meio que de relance nos chamou muita atenção e foi problematizada por Marta Batalini por um lado e pelo Neillor de outro. Marta Batalini chamava atenção para o aspecto cartesiano da clínica e a nossa tentativa de controle, de determinar passos. No final, ela e grande parte de nós sente-se aliviados ao perceber que nem sempre temos essa configuração claramente. Neillor por sua vez contrapõe justamente nisso, num desejo de uma ideia mais clara e distinta. Na busca por um rigor e uma metodologia que possibilitaria ao colocar o bolo no forno saber e predizer qual é o sabor antes mesmo de prova-lo. Essa reflexão trabalha a lógica cartesiana de que o Método assegura e garante... assegura e garante o que? Teoricamente, em FC não há uma fôrma. Não há uma linha de produção que garanta um ser humano sem conflito e resolvido ao fim da terapia, pelo contrário. Mas, o contrário não implica e não significa um “Vale-tudo” à Feyerabend. Parece então que Isabel só marca um ponto em que o partilhante alcança um processo de autonomia, de satisfação devido ao esmero do filósofo clínico, mas este não tem substratos exequíveis para precisar e determinar que o sabor magnifico do bolo foi devido a pitadinha de sal que usou intuitivamente, a lasquinha de laranja que raspou pre-determinadamete, ou se há algo da receita que passou desapercebido. Há algo nesse sabor que nem sempre o filósofo clínico terá consciência. Parece que há momentos nos quais a clínica escapa dessa metodologia visível e entra nesse espaço de intercessão qualificada cuja a simples presença, a escuta do filósofo clínico, do terapeuta, produz a saída do partilhante de um estado baixo de autogenia para outro mais elevado. O que foi feito? Como foi feito parece que está no método aplicado, porém o transpassa, o atravessa. E, parece também que nós que estamos começando desejamos controlar esses passos, identificar as proporções e as medidas, as dosagens de cada um dos componentes que estamos utilizando e postulo que nem deve e nem pode ser diferente. O filósofo clínico não é um advinho, ou alguém que abandona a técnica para se valer da intuição. Não! o filósofo clínico é um estudioso, um metódico, um experimentador que busca caminhar junto com seu partilhante; no entanto, é bom saber que a experiência de vários anos de caminhada, a sensibilidade de quem fez muitos bolos, de muitos sabores, com diversos componentes, nos aponta que em FC o saborear é essencial e que há sabores que não teremos clareza de como surgiu, apenas que é saboroso, gostoso e ficou melhor do que o anterior.



No dia 13/9 os trabalhos começaram com PATRÍCIA DE CÁSSIA OLIVEIRA professora do IMFIC em Juiz de Fora e Montes Claros, com o tema: “FILOSOFIA CLÍNICA E AS TERAPIAS ALTERNATIVAS: como se faz no consultório”.
Tema lindo, belo, instigante, apresentado por aquela que reputo ser a mais profissional, na excelência e sentido da palavra. Nesse encontro, Patrícia estava mais solta, mais leve, ouso dizer mais sedutora. Estava, literalmente, com as mangas de fora, pronta e apta para novos passos, novos voos, novos sonhos e projetos. Esse ano Patrícia com a mesma competência de costume veio falar de uma nova técnica que ela tem utilizado a margem da filosofia clínica e em conjunto com a mesma quando há acolhimento na malha intelectiva do seu partilhante, estamos falando do uso dos florais. Ela nos situa explicando que os florais é uma ‘medicação’ reconhecida pela OMS que é utilizada como terapia complementar aos fármacos tradicionais. Interpelada por Marta Claus, ela enfatiza e nos deixa claro, reforçando a posição de nossa mestra, que filósofo clínico não retira medicação de partilhante, não suspende uso de medicamentos e nem mexe na química neural dos mesmos. Numa rede de excelência, competência e respeito que Patrícia construiu em Juiz de Fora, ela trabalha de maneira inter e transdisciplinar com várias outras áreas como nos contou no encontro do ano passado. Nesse encontro, ela frisa com muita desenvoltura, com muita confiança a partir da construção da EP dos seus partilhantes ou da identificação de qual floral é mais apropriado à pessoa se a medicação está surtindo os efeitos esperados, ou está tendo efeitos não esperados. Foi, basicamente por essas vias, que ela constatou que deveria estar tendo algum erro na manipulação dos florais, já que os efeitos esperados junto aos partilhantes não estavam sendo alcançados. Foi até lá conversar com a farmacêutica e descobriram que a diluição não estava sendo realizada na proporcionalidade correta, ocasionando numa minimização do efeito, e até mesmo efeitos não esperados dado a prescrição realizada. Essa percepção mostra a minúcia, a astucia, a excelência dessa profissional que aplica os florais, ou os submodos sabendo o que esperar e o que irá resultar.  


O que me chamou muita atenção em toda a fala de Patrícia é o aspecto singular dos florais que se articula e se afiniza muito bem a busca pela singularidade da FC. Em ambas as práticas é essencial o observar e o compreender a pessoa no seu estado natural, essencial. Essa forma de compreender o outro como ser singular é uma característica de algumas práticas tidas como místicas, esotéricas, mas que tem ganhado cada vez mais uma confecção artesanal (como denominou Marta Batalini) em outro momento. Estou pensando na astrologia, na numerologia, no tarot terapêutico, nos florais, no eneagrama e tantas outras abordagens que primam em ver o sujeito humano como singular e não uma massa, padronizada. Outro ponto salutar que apresentação da Patrícia me provocou é a nossa margem de erro. Um dos aspectos metodológicos da cientificidade é a falseabilidade. O que torna um fármaco bom não é necessariamente os efeitos que ele irá causar e sim a clareza dos males, dos efeitos colaterais e se isso vale a pena ou não para o paciente em determinado momento da sua vida. O anticoncepcional evita a gravidez, mas a sua recomendação de um e não outro se dá em saber qual é mais afeito a natureza daquela mulher. Um contra exemplo é o Viagra que fora pensado como vaso dilatador, mas causou o efeito colateral de excitação prolongada. Quando Patrícia nos apresenta o que se esperar de cada floral e suas combinações, como que em certa medida eles se ajustam a cada EP volto a pensar na importância de sabermos a nossa margem de erro. Algo que Lúcio deixa claro ao nos apresentar os erros categoriais de Ryle.

Em seguida tivemos a palestra de LEONARDO RICCO com o tema- “FILOSOFIA APLICADA À PESSOA: dialogando com José Barrientos Rastrojo”. Leo faz um passeio dos mais acadêmicos das apresentações realizadas. Com o texto, classicamente elaborado, realiza uma apresentação efetiva conosco salientando as abstrações, as conjecturas, as citações, os diálogos entre autores diversos apoiados e equilibrados na fala do amigo, na busca da pessoa. Numa busca por um diálogo efetivo, longe do mal dito, numa prática insistente e vigorosa de se conversar, discutir num grau de paridade, isonomia e isometria, Leo nos leva a pensar a filosofia aplicada à pessoa como sendo: ora política, ora metafísica, mas, sobretudo ética. Porém, antes de chegar a isso é importante reconstruir, rapidamente, os passos do nosso caminhante mais nobre e jovial.

Primeiramente, ele nos apresenta José Barrientos Rastrojo, carinhosamente tratado como professor Pepe. Tal alcunha singulariza e retrata por um lado a jovialidade do Dr de Sevilha e por outro a impressionante capacidade produtiva, intelectual que é descomunal para sua idade. As obras de Barrientos impressionam pelo volume, pela qualidade, pela excelência, pela abrangência e expansividade. Prof Pepe além de estar produzindo de dentro da academia consegue ir além dela adentrando outros países e continentes com a filosofia aplicada, mas o que é a filosofia aplicada? Politica? Ética? Eudaimonia? Ataraxia? E, como se pensar em uma filosofia que não se aplica? Uma filosofia que se restrinja, ou que se aplique apenas entre meia dúzia de debatedores? Há outro sentido para a filosofia senão a aplicabilidade por pessoas que sentem, sofrem e buscam respostas? A filosofia aplicada é esse retorno existencial da filosofia aos anseios humanos. Ela compõe e é composta por um grupo de filósofos que ousam dizer: sim, nós temos respostas e contribuições para as dores do mundo. Venham até o nosso consultório que pensaremos juntos.

Leo do seu jeito e ao seu modo nos leva a fazer esse percurso. Desde a ida de vários filósofos brasileiros a Universidade de Sevilha para estreitar laços com a filosofia aplicada. Continua o percurso nos falando da vinda de Barrientos ao Instituto Intercessão em São Paulo e mais tarde a celebração da parceria entre a faculdade de Filosofia de Batatais e o primeiro curso de filosofia aplicada no Brasil. Posto este histórico, Leo nos conduz por vários caminhos, nos aponta muitas paisagens, como uma frase de Heródoto criticando a democracia e os seus conchavos:

É impossível que ali não haja corrupção na esfera dos negócios públicos, a qual não provoca inimizades, mas sim sólidas alianças entre os malfeitores: os que agem contra o bem comum fazem-no conspirando entre si. É o que acontece, até que alguém assume a defesa do poder e põe fim às suas tramas, tomando-lhes o lugar na admiração popular, (...) tornando-se monarca.
Por inúmeras vezes o caminho que Leo percorre é o da senda política e nesses caminhos ele alerta falando que “consenso democrático não é diálogo”. Sendo assim, mas não necessariamente por isso, ele seguindo os passos de Humberto Rohdem nos fala de uma COSMOCRACIA. O conceito pirou muita gente. Uma cosmocracia que partiria do entendimento do homem como ser plural, total, não apenas físico, não meramente e exclusivamente brasileiro, ou chinês, ou italiano. Homem, humano possuidor de uma concepção de mundo universal, aplicador em si dos princípios cosmocráticos. Mas, afinal, o que seria isso? O que é isso? Como se consegue isso? Como que se sai da pessoa humana confusa, angustiada, sem perspectiva, passa por um mundo político caótico, desonesto, conflituoso e se implementa uma cosmocracia? Neillor tentou chamar Leo para a reconstrução desses passos, tentou chamar Leo para uma explanação mais detalhada dessas sucessões, mas a maioria tinha ficado encantada com esse engajamento da filosofia, quiçá da FC. A maioria de nós ficou entusiasmada com a inserção da FC no mundo e consequentemente explorando o lado político, discutindo e fazendo política. Na finalização dessa fala, na melhor exemplificação da proposta do nosso palestrante ele nos fala de Drummond em seu poema: mãos dadas do livro Sentimento do Mundo. Talvez um dos livros de poema mais belo da humanidade, sem dúvida entre os dois mais lindos escritos em português. Leo sintetiza que a filosofia aplicada à pessoa é uma construção coletiva, é um fazer, por isso uma ética. Mas, não é uma ética no seu sentido normativo, reflexivo. É uma ética no sentido de ser um ethos (casa, morada) construção coletiva de homens livres, capazes de criar e viver outro ordenamento subjetivo, jurídico, político, a COSMOCRACIA. O governo das leis e regras universais que respeitam a individualidade singular de cada ser vivente, especialmente por não haver leis, regras, juízes, policiais e legisladores a não ser cada homem livre para ser e manifestar o que se é.

Longe de ser meramente uma transcendência isso é ao meu ver o que Lúcio apregoa ao filósofo clínico, que nós sejamos capazes de compreender a subjetividade relativista de nosso partilhante e caminhar ao lado dele para mundos, universos que não sonhamos, não sabíamos a existência, uma construção. Os passos dos colegas da Filosofia Aplicada, Filosofia Prática estabelecem metas mais claras, como podemos ver no Project.

A palestra seguinte foi a da MARTA BATALINI, discorrendo sobre: “A RELAÇÃO CORPO E MENTE: as contribuições da FC para a compreensão do estresse na busca do equilíbrio da saúde”. No alto da sua cátedra, ela nos brinda com informações relevantes. Inicialmente, apontando uma unidade naquilo que muitos de nós percebemos cartesianamente distinto- corpo e mente. Ela nos mostra avanços clínicos que traçam essa relação psicossomática entre corpo e mente a partir da produção de hormônios. No caso, especifico da palestra, ela discorreu sobre o Cortisol. Um hormônio fabricando naturalmente pelo organismo numa iminência de perigo. Ela retoma os tempos da selva, das cavernas para explicar como todo o nosso organismo na iminência de um perigo, por exemplo, uma presa maior que nos faria de alimento, ou uma espécie menor na qual a transformaríamos em alimento, precisávamos tomar uma decisão rápida entre lutar, agredir e se alimentar ou correr, fugir, para permanecer vivo. De uma forma ou de outra, o organismo produz os hormônios e as reações físicas tratam imediatamente de cumprir a finalidade das alterações físicas e fisiológicas em nosso organismo.

Nesse momento, ela faz a passagem fazendo a explicação do conceito de estresse, conceito derivado da física e apropriado por um psicólogo para falar dessa mesma situação na qual ratos foram submetidos e mais tarde a maioria dos humanos se encontra, qual situação? A de estar colocado em uma situação de perigo e ter que lutar ou fugir. Porém essa situação de perigo não é mais uma ameaça de morte, são situações rotineiras, cotidianas, que disparam cortisol em todo nosso organismo e não o liberamos. Esse ciclo continuo, duradouro resulta no estresses que a maioria da população se encontra. Diante de situações ameaçadoras para nossa malha intelectiva: chegar atrasado ao trabalho, não levar os filhos a tempo na escola, atrasar para um compromisso e tantas outras, nosso cérebro interpreta como ameaça, lança cortisol, só que nós não corremos, nem lutamos, nem movimentamos o corpo e isso vai se acumulando, acumulando, acumulando, até que em determinado momento, a mente-corpo para. A solução apresentada pela nossa incrível e didática professora foi utilizar a própria mente. Sim, estudos mostram que nossa mente não faz distinção entre o real e o virtual. Alguns neurocientistas vão dizer que sabe sim e que isso é uma falácia, mas os testes de realidades virtuais, realidades aumentadas nas quais estamos cada vez mais sendo submetidos mostram que não sabemos e empresas desde os anos de 1990 tem poupando milhões de dólares em treinamento submetendo seus funcionários a simuladores. Ou seja, ao invés de treinar um piloto para decolar um Boeing, cria-se um simulador que vai informar com muita precisão como ele ira se comportar. É por esse viés que Marta Batalini nos fala da necessidade de relaxarmos nossa mente mediante visualizações, canções e especialmente meditação. O ato de meditar pode como mostra a tecnologia budista a milhares de anos auxiliar no controle da Matrix. Apaziguar a mente, o coração e equilibrar esse sistema psicossomático que é unificado. Ela nos deixa informações sobre o ISMA, uma instituição internacional voltada a prevenção e tratamento do estresses.

Alguns pontos me chamaram muita atenção na explanação da Marta Batalini, primeiramente, a elegância e a suavidade com que ela vai aprofundando as questões sem deixar que aqueles que a seguem fiquem no meio do caminho sem folego, pedindo e implorando por ar. Ela vai sutilmente nos dando trajes de mergulho e de repente até quem não é afeito a nadar está visitando o fundo do mar. Em segundo, quando ela fala da geração Z que estuda com fone no ouvido, watsapp de tira colo, televisão ligada. Na percepção dela isso é um gerador de estresses. Eu observando essas situações fico propenso a acreditar que essa geração suporta uma carga eletromagnética maior e consegue lidar com mais bits de informação do que gerações anteriores, a dos pais deles por exemplo, mas é meramente, uma especulação, embora tenha pesquisas mostrando que eles são mais difusos e dispersivos, ou seja, não tem foco. E, outros estudos apontando que há sim foco, mas com outro entendimento conceitual do que seja isso, a discussão é boa.

Finalmente, o ponto que mais gostei foi a criação natural da química cerebral sem recorrer aos fármacos psiquiátricos. Ao que tudo indica até agora, não fabricamos lítio. E, pela interpretação, aos meus olhos equivocada, atualmente, a falta de lítio e a reposição do mesmo é componente vital para o combate a depressão. Tenho para mim que isso é um equivoco resquício de uma percepção do cérebro-mente especialista na qual cada parte do cérebro era o responsável por uma função. Isso caiu e tenho como CRENÇA que cairá a ideia de que a vitalidade cerebral, neural, mental se faça e se dê por substancias químicas especificas e não o conjunto delas se harmonizando para cada organismo. Estou pensando mesmo na forma com que em FC aplicamos um conjunto de submodos em um partilhante com determinada finalidade e se aplicado esse mesmo conjunto de submodos seria a ruína do outro partilhante, com o mesmíssimo quadro, depressão por exemplo. Ainda dentro dessa perspectiva é o que leva o terapeuta floral receitar um conjunto de florais para uma pessoa e não para outra. No meu entendimento, puramente especulativo, o uso de dosagens e medicamentos a partir de uma perspectiva meramente química, sem a observação meticulosa de outros componentes, sem o entendimento de como aquela mente opera e funciona é um envenenamento. Que para quem está em surto, para quem está em dor não temos nada de melhor, mas precisamos abrir para novas portas e modelos que a nanotecnologia está por aí buscando.

Após essas exposições tivemos o amigo de todos, MÁRCIO JOSÉ DE ANDRADE DA SILVA falando do seu tema: “MEU CONSULTÓRIO É NA RUA: depoimento do inusitado.” E, logo em seguida, no mesmo folego o lançamento da REVISTA PARTILHAS.
Começando da palestra, Márcio nos conta sobre três atendimentos bem inusitados, não sei se os menciono na ordem que ele nos contou. O primeiro foi o encontro com um palhaço de rua, que na saída de um encontro de filosofia clínica vem em direção ao grupo no qual Marcio estava. O palhaço quer fazer uma palhaçada em troca de dinheiro, ou aplauso, os valores lá estavam imbricados, mas uma moça quer dar apenas dinheiro, e isso ele se recusa a receber. Esse inusitado chama atenção do nosso amigo. Ele coloca foco naquela intercessão que estava acontecendo e busca a historicidade do palhaço. Este acaba contando que o circo no qual fazia parte tinha acabado, esse acabado, pelo que recordo Márcio não sabe se foi por ele ter saído da trupe por uma questão amorosa, ou se de fato o circo mesmo acabou. Passado alguns anos, numa situação similar, nosso amigo caminhando com um grupo se depara com nosso palhaço. Alguns assustados, inicialmente são acalmados pelo Márcio que reconhece o palhaço e novamente estreita laços e observações, como que seguindo uma continuidade do ‘atendimento’ anterior.



O segundo atendimento acontece com uma moça que o liga de madrugada ameaçando pular da janela do seu apartamento. Márcio fica conversando com ela por horas, até que a demove. A moça passa a fazer terapia, em seguida se interessa pela FC e se forma. O terceiro caso se dá também na rua, Márcio nos mostra o viaduto que será marcante num ponto da narrativa, porque o viaduto era o que possibilitava o acesso de saída do bairro no qual a partilhante residia, um bairro pobre de Campinas. Porém a moça tinha medo de altura, consequentemente, ela não saia do bairro. Ela tinha essa questão do limite bem acentuado e demarcado. Uma limitação social, geográfica e também subjetiva. Um dia ela sonha que Márcio está de um lado da passarela e ela do outro. Márcio a chama para vir e ela vem caminhando com muito medo e na metade da passarela, ela cai. Eu fiquei nos meus pré-juizos,  agendamentos e significados pensando putz!! Deu pau na clínica, ruiu a intercessão, mas qual não é a nossa curiosidade, quando Márcio nos conta que a partir do dia seguinte ela não teve mais medo de fazer a travessia. Ela passou a atravessar a ponte sem problema e a superar o seu limite, seu desafio. Só esse relato deveria dar uma tarde de conversa, explorando essa plasticidade dos sonhos. No entanto, o que fica em suma dos relatos é essa abertura singular do Márcio para o diálogo, para as descobertas, para os encontros. A sua palestra faz um encerramento no qual deixa tácito que o filósofo clínico é um ser no mundo e sendo assim, dialoga com o outro. A rua como consultório é uma abertura para observação, a experimentação, o inusitado.

No segundo momento, Márcio nos falou do lançamento da revista PARTILHAS dos artigos que irão compor esse novo número e logo dar a finalização dos temas abordados, abrimos para uma roda de conversa.



Uma roda que meu querido amigo Edmilso, inicialmente abriu entusiasticamente ponderando sobre a necessidade de percebermos a FC como um produto e dentro de uma lógica marxista, oferecermos esse produto. O entusiasmo do meu amigo diminuiu quando na percepção dele eu mudei a configuração da roda dando a mesma um ar extremamente colegial, isto é, colocando pauta e dando ordem horária para as falas, que deixaram de ser um debate livre, aberto, mais franco, para se tornar apresentações sobre cada um. Essa ‘repressão’ feriu a malha intelectiva do meu amigo que foi embora só voltando no dia seguinte.

O inusitado da situação é que ela tinha tudo a ver com o que Leo falava sobre o diálogo e a democracia. Precisamos de fato construirmos espaços de fala no qual caiba o outro, mas não podemos abandonar esses espaços sem buscar de forma clara, talvez até chata e insistente, expor nossas ideias. Naquele momento, a mim pareceu que ele desejava permanecer com um debate sobre um ponto no qual na programação do dia seguinte ficaríamos a manhã toda. E, no fundo, queríamos a mesma coisa, com direcionamentos diferentes: a minha um tanto colegial como ele me disse no dia seguinte. Só registro que foi o modelo que encontrei para que todos falassem. No modelo ‘solto falariam os mesmos, discutíramos os mesmos, não ouviríamos a todos. Democracia mal dita, rsrs. Acabou que pela posição que eu me encontrava naquele momento, prevaleceu o formato que eu imaginei e não o do melhor argumento ( ele foi embora para não criar problemas, mas o problema já estava criado e precisávamos ter clareza de qual era), assim continuamos sem ele, um dos seres humanos mais inusitados, humano que tenho a oportunidade de conhecer.
Seguindo um formato colegial, de fala ordenada em sequencia horária, cada um dos que lá estiveram se apresentou. E, podemos ver o tão rico, o tão diferente, o tão bela é a filosofia clínica na fala, na busca de cada um dos presentes, que menciono aqui agradecendo mais uma vez: Deikson, o primeiro a falar nos mostrou o belo trabalho que vem desenvolvendo existência a fora. Rosemary, com uma observação atenta, silenciosa, profunda, calma. São os nossos companheiros de Lavras onde teremos a honra de fazer o Encontro Mineiro de 2019. Neillor nosso colega do Instituto Intercessão que tanto contribuiu com nosso encontro, grato amigo. Maria Conceição, nossa palestrante. Perino, o nosso Don Quixote, tenho a honra de dar aula para ele de FC e aprender todo o resto. Paulo G outro amigo de Sampa, do Recanto filosófico, um abraço em todos vocês, estiveram magnificamente representados na figura atenta, brincalhona, consciente do fazer filosófico. Elisa, que coisa mais linda, que história mais linda. Já estou com saudades. Um b!. Maria Bernadete uma comunicóloga, boa sorte em seu trabalho e em sua jornada, precisando estamos aqui. Márcio mais um dos velhos de guerra da FC que está retornando, aluno da Patrícia em Juiz de Fora. Letícia nos honrou com a presença e por diversas vezes durante as palestras olhava assertivamente para o namorado, como que dizendo: eu já lhe disse isso! Tomara que uma hora venha fazer a FC também. Oswaldina, sem palavras!! Um beijo enorme e um prazer imenso te ouvir, que busca linda. Flávia que riqueza! Veio acompanhando a mãe, mas esperamos uma clínica conjunta de vocês. Alessandra, uma singularidade (sem redundância) impar. Representaram muito bem Montes Claros. Odete grato pela participação. Luciana mencionou o entusiasmo dos palestrantes e ouso dizer que essa é uma marca da FC, como foi o primeiro encontro, acredito que foi batizada com essa marca do entusiasmo. Frei Paulo Afonso, quanta riqueza, quanta experiência, que honra, ainda espero a resposta pelo motivo da pobreza, a indagação angustiada também está em mim, comigo e torço para que a FC não seja apenas abstrata, mas ouso dizer que o que de certa forma você espera dela é a construção que você e não outro precisa realizar. Seja como for, estamos juntos. Luiz Cesar, motorista e porteiro de Marta Batalini e nas horas vagas um expositor claro da ordem e da norma jurídica. Grato pelas diversas contribuições de uma outra área do que somos e o que podemos ser.  Marta, nossa palestrante, a elegância e a clareza são impar. Adão, grato pela presença e tirando a camisa do Cruzeiro um prazer a sua companhia entre nós. Leonardo, sem comentários. Grande abraço meu irmão, as portas estão sempre abertas para você. Ana Cristina, sou completamente suspeito. Ano que vem estaremos em São João Del Rey, prepare os sinos, os forasteiros irão chegar. Márcio, o amigo de todos, uma piada rápida para cada instante, uma companhia de viagem sensacional. Isabel, uau. Tanto amor, tanta dedicação e tanta experiência, um beijo. Haroldo de Oliveira Lima roubou a cena e não poderia ter melhor encerramento do que com esse personagem impar que segundo relatos e passagens riquíssimas e belíssimas com poetas, atrizes, diretores do nosso país: Cora Coralina, Maria Clara Machado enriqueceu nosso encontro sobremaneira. Esperamos que venha fazer o curso de FC.


No último dia fizemos o PAPO RETO. Participantes perguntam para professores e diretores do IMFIC. A conversa foi boa, salutar e destaco duas. Uma primeira feita pelo Neillor acerca do rompimento do IMFIC com a AMFIC, pergunta que tinha sido realizada no dia anterior, mas reputamos esse momento mais apropriado para a resposta.

Márcio, Marta e Isabel deixam retomam uma exposição dos passos que levaram a decisão e que podem ser lida na integra no link abaixo:


Os diretores do IMFIC ressaltam que buscaram um diálogo junto a direção da AMFIC a época referente a uma posição se a mesma se definiria como entidade de classe ou entidade formadora, sendo legalmente inconstitucional, moralmente repreensível tentar realizar as duas coisas. Os diretores expõem a busca pelo diálogo, a tentativa de entendimento até que diante de uma impossibilidade de acordo resultou na desfiliação do IMFIC, que se notabiliza por ser uma entidade formadora.

Nesse papo reto, expostas as argumentações dos nossos diretores, acompanhada de uma pergunta franca da Marta, não ouve quem não concordasse e que visse nos princípios legisladores da AMFIC uma arbitrariedade, um abuso, que de forma muito acertada, Luiz Cesar formado em direito e professor de direito reputou ser um caminho no mínimo anacrônico. Enquanto a maioria das entidades de classe está buscando a criação de associações, com uma dimensão mais flexível, mais aberta, a AMFIC busca uma centralização excessiva e quiçá desnecessária em muitos aspectos. Segundo o colega a ideia de um poder regulamentador na figura de uma entidade como a OAB é antidemocrática no que se refere ao respeito à diversidade. A discussão é longa. Tomou grande parte do nosso papo reto, com curvas, volteios, mas a clareza de que precisamos e necessitamos desse órgão. Torcemos que seja a AMFIC, mas corre-se o risco de ser outra, ou outras. Corre-se o risco de a qualquer momento surgir ou se criar uma Associação de Filósofos Clínicos para respaldar e representar os direitos e as necessidades do filósofo clínico e não estamos falando só de reconhecimento profissional, porque isso já está de certa maneira contemplado. Refirmo mesmo a necessidade do filósofo clínico no sertão da Paraíba, ou no norte de Minas ao ser questionado judicialmente em seu oficio por um partilhante ter a quem recorrer, ele saber que não está sozinho, pelo contrário. A mim e talvez a outros que chegamos agora me parece muito claro e evidente que necessitamos e precisamos de uma entidade de classe que nos respalde, que nos represente e a estrutura consolidada da AMFIC deveria se mobilizar para isso, defender os filósofos clínicos do nosso país, que são formados pelos mais diversos centros. Isso não impede, não inviabiliza que os centros de formação discutam entre si um programa comum, uma estrutura comum. Especialmente, porque foi assim que ela nasceu.

Antes de se ter a AMFIC havia inúmeras associações estaduais de filosofia clínica. Um movimento de muita luta, de muito engajamento, de muita batalha de filósofos clínicos espargidos e espalhados pelos seus estados, por suas cidades que se juntaram e criaram associações. De tantas e inúmeras associações foi possível criar uma representação nacional. Mas, ao retomarmos esse movimento fica muito claro, muito evidente que não tinha ali uma discussão de representação de entidade formadora. O ensejo, o objeto, o objetivo sempre foi a de classe, especialmente, porque a única entidade formadora era o Instituto Packter.

É claro que a concessão dos direitos às obras do Lúcio pode ter balançado muitos, mas não ao ponto de desvirtuar filósofos, não ao ponto de perdermos o foco da nossa origem e o respeito a singularidade. De longe, observando a historicidade fragmentada que repousa sobre os meus olhos, não deveria ser complicado a um presidente eleito pelos seus pares pontuar que mantendo um passado de luta, de suor, de respeito e de amor a FC o sentido dessa Associação tão cara e querida a cada um dos que ajudaram na fundação e a cada um dos outros que desejam continuar nessa estruturação, a nossa vocação é o FILÓSOFO CLÍNICO. É ele que precisa ser olhado, compreendido, escutado, ter os problemas sanados. Os centros de formação que se reúnam, estabeleçam regras, normas, um núcleo comum, uma estrutura comum em respeito a singularidade e a diversidade de cada centro. Isso não deveria ser difícil de realizar.

Mas, é aqui que retomo uma fala que iniciei e deu a entender que eu passo minhas aulas fazendo política e não dando aula, pelo contrário. O ponto que reputava importante estava centrado numa observação muito cara em que Nietzsche criticava a nós filósofos, lá no século XIX, mas permanece atual, por não termos espirito histórico. Não é a passagem que eu queria, mas essa servira:
Falta de sentido histórico é o defeito hereditário de todos os filósofos. (...) Mas tudo veio a ser; não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas. – Portanto, o filosofar histórico é necessário de agora em diante e, com ele, a virtude da modéstia.

Nada é mais caro a FC do que a historicidade e é justamente esta que cria hiatos, lapsos, faltas, que não precisariam ser tão grandes se nos déssemos o trabalho de publicar o que estamos fazendo. Realizamos o XV Encontro Mineiro de Filosofia Clínica foi lindo, foi belo, foi bacana, mas quem não pode vir, ou quem vai chegar a FC daqui a dez anos pode ter acesso a isso como?

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Um, lendo esse relato informal. Dois tendo acesso ao power point e aos textos dos palestrantes. Três lendo a revista PARTILHAS de 2018 que contara com alguns artigos. Podemos mais, porém isso já garante e assegura a outros pesquisadores vislumbrar o que esse pessoal estava discutindo em 2017? Tem algumas discussões que estamos puxando hoje como se estivéssemos inventando a roda, que os caras fizeram em 2005, 2006, mas como temos acesso? Como ficamos sabendo? Só pela oralidade, algumas gravações guardadas, empoeiradas dentro da gaveta de alguém. Disponibilizar materiais, dar publicidade do que temos feito, escrito, conversado, discutido é muito importante. É o caráter acadêmico mesmo não estando dentro da academia. Os encontros, as conferencias, os estudos são sensacionais para quem está lá, mas é preciso criar um diálogo com aqueles que não puderam ir. De modo que diminuir esse hiato, ampliar a historicidade da FC nos ajudara a nivelar as gerações passadas com a atual e com a que ainda vai chegar. Isso se faz tanto oralmente, quanto por publicações.

Finalizo, expondo um desejo e assim atraindo companheiros para empreitada, a saber, a criação de um estado da arte da filosofia clínica, mais precisamente de uma genealogia da FC. O IMFIC está no que vou considerar dentro de uma metodologia a ser mais bem aperfeiçoada a 3ª geração de filósofos clínicos. A 1ª geração é composta por nossos diretores que tiveram aula direta com Lúcio antes ou em meados dos anos de 1990. A 2ª geração seria a que descende deles, nossos formadores. E a 3ª geração que está sendo formada por nós. Alguns centros já devem ter a 4ª ou 6ª geração. Alguns outros a 2ª ainda.

Outra metodologia possível é a de outra genealogia que puxaria por biênios, décadas, criando uma árvore que parte do Lúcio no Rio Grande do Sul e se multiplica pelo Brasil e mundo a fora. Se alguém tiver essa historiografia em algum lugar, por favor, nos passe a bibliografia. Não é raro deparar na internet com trabalhos, artigos, textos maravilhosos de filósofos clínicos que não conhecemos, não circulam mais por nenhum encontro, não é mencionado, citado.

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Referências:


terça-feira, 26 de setembro de 2017

MU-DANÇA

Uma amiga querida, lendo o post anterior, me sugeriu que eu escrevesse o que fazem as pessoas que tem mais facilidade de mudar. Eu fui até algumas, recordei dos ensinamentos de alguns outros amigos que trabalham com essa energia de mudança e resolvemos falar um pouco delas, mas antes algumas explicações.

Muu é o gemido da vaca e também como muitos mestres da tradição zen budista respondiam algumas perguntas dos seus discípulos em forma de koan.   

Dança é essa expressão corporal que tenta equalizar corpo e alma, ritmo e movimento. A dança é a vida e saber dançar parece ser uma forma que traduz e diferencia algumas pessoas de outras. Então nesse texto eu brinquei com a palavra Mu-dança assinalando esse componente enigmático da resposta- MU! Ao mesmo tempo que a abrimos para dança, para o movimento como explicação e entendimento para qualquer passo. 

A relação com a dança surge, porque colhendo as informações das pessoas com maior facilidade de aceitar a mudança, a ideia tácita que elas deixam é a de que a vida é uma dança e é a partir dessa metáfora que iremos conversar.



Algumas pessoas só conhecem um passo de dança, com muito esforço, elas arriscam mais um. Em dias de chuva elas dançam tango, nos dias de sol, elas dançam tango. Quando estão tristes, elas dançam tango e quando estão felizes, elas também dançam tango. Se a vida lhes apresenta um bolero, elas ainda se movimentam, mas se a vida virar samba ou valsa, acaba o encanto. Elas se recolhem do salão. Elas ficam sentadas, ou pedindo encarecidamente que alguém toque tango para elas. Alguém desavisado a chama para dançar, mas ela(e) só sabe tango e tem dificuldade de aprender novos movimentos, de se permitir mover por outros ritmos.

Reparo ainda que é muito habitual, demasiadamente comum, nossos engessamentos em um só ritmo, em uma só forma de se mover e movimentar. Por esse espectro, diria que primeiramente, o pessoal que tem maior facilidade de mudança, recebe a pecha de irresponsáveis. Eles têm uma soltura, um desapego, que aos nossos olhos beira o descompromisso. 

Creio que esse lado é verdadeiro, mas não é inteiramente real. Sabe a figura do malandro? Sabe a figura da prosti? Aquela concepção caricata de que ser alguém que tendo um limão faz caipirinha? Aquela ginga nos quadris, nos olhos, nos ombros de quem dribla as dificuldades, de quem rebola diante das adversidades? Pois bem, esse é um padrão de quem lida bem com as mudanças. 
São tidos como irresponsáveis, porque eles têm menos peso, menos pressão, estão mais soltos. Conseguem se libertar das situações com mais desenvoltura.  

Em síntese, muda-se com mais naturalidade, com mais facilidade, com menos dor, quem tem menos apego. Seja a um padrão, seja a um ritmo, seja a uma meta, seja a um desejo, seja a vida.

E aqui entramos num embaraço, num nó que cala mais fundo, afinal: quando é hora de mudar de ritmo? Ok! Mudar de ritmo é fácil desde que estejamos atentos a escuta da vida. A vida fala. A vida conversa. A vida se conta, se mostra, se espelha para nós de muitas formas, porém não a escutamos. Se não a ouvimos trocamos o ritmo, tropeçamos sobre os nossos pés, erramos os trajes, perdemos os passos, embolamos. E embolamos em nossas próprias pernas, em nosso descompasso. Nos prendemos em nossos apegos. 



Imagine que Joaquim tenha 25 anos, seu ritmo de vida seja a valsa e ele se veste de fraque para estar sempre pronto e apto para dançar. Seu colega o chama para uma festa Rave e ele vai de fraque. Tudo está relativamente tranquilo até começarem a dançar. Nesse momento, ele destoa, tromba, ele é tido como esquisito. A pergunta que fazemos é: vale a pena, ele aprender Techno para curtir a balada? Vale a pena, ele pegar uma mina na balada e tentar um relacionamento mais duradouro?
Longe de dar respostas efetivas, apontaria que o importante é ele si escutar e conhecer o próprio ritmo e a partir disso fazer as escolhas que melhor convir, como por exemplo, aceitar que aprender bolero lhe dói menos do que Techno. Cogitar a possibilidade de encontrar uma parceira mais velha do que ele. 
Se ele gravita entorno do ritmo dele as coisas são mais fáceis. Ele se conhece, ele amplia o leque de mudanças e de permanências. 


Nessa perspectiva, eu diria que o apego é o nosso ponto de resistência. O apego a um padrão, a um ritmo e ao desconhecimento desse ritmo e desse próprio padrão. Encontramo-nos e nos perdemos nisso e nesses passos atravessados, a vida se delineia, se desenha. Mas, respondendo então sem muitas metáforas. O que fazem as pessoas com mais facilidade de mudar?

Elas mudam. Como o nível de desapego delas é menor, elas não precisam criar uma arquitetura mental, moral, epistemológica que lhe assegure um quadro seguro e irrefutável que saindo do ponto A, ela chegara no ponto B em dois meses. Elas não necessitam de uma elaboração conceitual que lhes de segurança e confiança de que a mudança será boa. Elas não se sentem constrangidas de no meio da pista outra música, com outro ritmo está iniciando. Elas continuam dançando, até encontrar os passos confortáveis. 

Elas, não fazem o movimento reflexivo de sair da vida, para tentar analisar a vida, para novamente voltar a viver; elas simplesmente, DANÇAM. E, na dança o movimento do corpo e da alma se entrelaçam. A reflexão e o movimento se fundem. O ritmo e a cadência se instauram. E dentro desse fluxo gravitam, aproximam-se, chegam milhares de oportunidades, de possibilidades e eles as vivenciam. 

Quer me parecer então que a melhor dica para mudarmos é aprendermos a dançar. Há na dança uma sacralidade que unifica nosso ser, que movimenta a nossa alma e não a deixa parar, não a deixa ficar girando sem que ela faça do corpo seu parceiro. 

Algumas pessoas são mentes sem corpo. Outras são corpos sem mentes, mas para as duas a dança seria um parceiro. O movimento no qual um e outro se dão as mãos, encontram o ritmo, caminham em direção da leveza. Não deveríamos pensar nenhum corpo sem dança. Nenhuma mente sem corpo. Nenhuma mente que não esteja roçando a própria alma e nenhuma alma que não se faça espírito. E espírito é a unidade dos corpos, das almas, das mentes. Precisamos de dança para nos equilibrarmos e nos integrarmos em nossos muitos corpos. 

Mas, por que paramos de dançar conosco? Com a vida? Com o outro? Quem roubou nossos pés de nós mesmos? Quem nos tirou o ritmo de nossa alma? De onde vem essa dureza conceitual? Essa inflexibilidade? Essa dificuldade de rebolar e de aceitar as circunstâncias? Onde nos desequilibramos? 


Estar no momento! Equilibrar-se! Isso é a dança. Ela te chama para o agora. Se por um segundo o seu pensamento não seguir o seu corpo a gente tropeça. A dança é presente. Aproxima corpo e alma. Precisamos dançar, porque o bailar equilibra o espirito, a alma, a vida, o corpo, tudo num hálito divino, numa proteção cósmica. O único Deus que não dança é Jeová, todos os outros dançam. Porque dançar é saudar e honrar a divindade. Grande parte das religiões do mundo celebram esse movimento de se harmonizar com o todo. Os orixás dançam. Os deuses indianos e indígenas dançam.  

Mas, dançar é muito mais do que colocar uma música no play. Dançar é ser capaz de ouvir o ritmo da vida e torná-la nossa parceira. É ter a confiança de dançar com ela, juntos, trazendo mais pessoas, dançando sozinho. Dançar implica em compreender um sentido inaudível da existência, que seria: há ritmos a ser aprendidos. Há ritmos a ser integrados em nossa vida.

Dançar é compreender e se conectar ao que há de mais puro na vida: a mu-dança. Mudança que nos chama para a quebra de nossos apegos, o aprendizado de novos ritmos, uma maneira de compartilhar e se integrar na vida.

Uma forma dinâmica de equilibrar-se.



quarta-feira, 13 de setembro de 2017

SER ou mudar? VIR A SER ou permanecer?

O ser e o vir a ser são discussões constantes e incessantes do nosso universo. Os gregos imortalizaram essa dinâmica nas concepções dos pré-socráticos Parmênides de Eleia e Heráclito de Éfeso. Para o primeiro o ser é eterno, imutável, perene. Já o segundo dizia que tudo flui, tudo muda, que não nos banhamos duas vezes nas águas de um mesmo rio. A conciliação desses estados de coisas será dada séculos mais tarde com Platão ao falar de mundo sensível e mundo das ideias. No mundo das ideias o ser existiria em estado de permanência e imutabilidade. 


Poucos quilômetros da Grécia os sábios falavam de dois princípios antagônicos e complementares: o Yin e o Yang. Duas polaridades opostas que movimentavam todo o cosmos, porém diferente dos gregos, eles reconheciam esses movimentos apenas como a moldura do Tao. O Tao seria o principio universal que em si mesmo comportaria a dinâmica dos contrários, ou seja, é no fluir dos contrários, é na dinâmica dos opostos que se encontra o equilíbrio.

Não muito diferente dessa abordagem, mas agora numa perspectiva um pouco mais dançante, os indianos falavam de Shiva e a sua dança de criação e destruição dos mundos. Se Shiva parar de movimentar seus braços, de bailar com suas pernas, o universo acaba.



Fato é que nas mais diversas culturas a ideia de mudança é um componente fundante tanto externa quanto internamente. Toda nossa dinâmica sensorial capta as mudanças, do dia em noite, da luz em escuridão, das estações do ano, do desenvolvimento das espécies, da morte e do cessar da existência. Culturas primitivas, mais próximas e afeitas à natureza tem outra concepção das mudanças, das transformações, do fluir da vida. Compreendem as mudanças como uma dinâmica inerente e intrínseca da vida e do viver. Viver para eles é mudar. Já nós seres de uma sociedade complexa, altamente industrializada, estéril e apartada dos movimentos e dinâmicas naturais, nós assustamos diante das mudanças. Somos uma sociedade que faz a trajetória épica de pasteurizar a vida de tal forma que ela seja eternamente-eterna. Esterilizamos a vida de tal sorte que a morte, o morrer é hoje uma forma de assombração, um espectro que recusamos a ver e a cruzar o caminho.  

Para não morrer, para perdurar uma vida que se recusa em mudar, criamos artifícios cruéis de uma eterna juventude estampada em todos os conceitos e mentes. Nada escapa a eterna tentativa de vender a vida como perene e constante e diante dela não sabemos como lidar com as dores, as frustrações, as decepções, as ilusões e desilusões de quem vê a vida, mesmo que apartada, esterilizada, pasteurizada insistir nos seus arroubos de soluço. Dráculas, vampiros, Barbies são a mostra desse nosso sonho de eternidade. Uma eternidade sem morte, consequentemente desprovida do sentido profundo da vida. A rosa que não murcha é de plástico. Artificial, como o corpo que não envelhece. Automático como a máquina programada em modo perpetuo. 
Nesse mecanicismo reducionista, como lidar com a doença? Com o envelhecimento? Com a impotência? Com a depressão? O que fazer quando as pílulas mágicas da eterna novidade não mais conseguem suplantar as dores da alma que parece querer, unicamente, alento e contato com a vida? O que fazer diante da entropia que nos desgasta? O que fazer diante das mudanças? 
Somos convidados a resistir, a iludir, a não aceitar, a não sucumbir. Instaurando uma lógica que diz mais ou menos assim:

morra, mas não adoeça. Adoeça, mas não envelheça. 
   
Nessa lógica, num sentido mais huxeliano, nada mais antinatural do que a alma e a vida. Nada mais antinatural do que o desejo da alma em gozar sem pílula, viver sem mascara, dormir sem comprimido, sofrer sem medicação, simplesmente doer e permitir que a vida rasgue a carne para libertar a alma de estranhos conceitos e ilusões como o de que o corpo é sempre jovem.



E é aqui e somente aqui que eu queria falar e escrever. Nós criamos artifícios, subterfúgios para mascarar a vida. Conseguimos em nossas operações mentais, em nossos discursos diários, em nossas lógicas existenciais nos afastarmos das mudanças, das transformações. Consumimos leite que dura seis meses, laticínios e carnes que congelados, resfriados, duram meses, enlatados que duram anos. Nada mais apodrece, estraga. Comemos frutas que antes de serem plantadas já estão sendo colhidas, nosso ritmo e nosso tempo é célere. Buscamos informações e conhecimentos que nos chegam na destreza de um bit. Um toque e milhares de informações estouram em nossa tela. É uma sociedade da pressa, da velocidade. Geradores e construtores de um ritmo, que desafia o natural. Pulamos fases, antecipamos estações, tudo já nasce pronto e como dizem muitos antropólogos é a primeira geração na face da Terra cujos conhecimentos dos mais velhos não são essenciais para a permanência da espécie, pelo contrário até; nós os atrasamos. O que aumenta a percepção de caos, angustia, dor, sofrimento, isolamento, solidão, depressão. 

Desenhamos um mundo cinza no qual somos substituídos automaticamente, mesmo com plena condição de realização e potência. Enfim, temos pressa, alteramos nosso entendimento do tempo e não conseguimos conciliar o ser e o vir a ser. Entre ejaculação precoce e a impotência vende-se a ilusão de orgasmos múltiplos constantes e eternos, altamente potentes para todos. O prazer incessante que não nos deixa o sentimento da morte, nem o tédio. Diante da fome e da ânsia infinita, um novo orgasmo ainda não é a satisfação, e outro, e mais um, e outro, múltiplos e sequenciais para que até o próprio orgasmo não se faça êxtase, calma, completude, silêncio, espera, recomeço. Morte! Goza-se pela força ejaculatória sem relação com o prazer, sem o sentido do fazer. Tudo é automático e sem automatismo pouco se faz. E em nossos afazares ocupamos todos os espaços, todas as brechas, todos os hiatos para que a mudança não adentre nossa vida.  




No consultório fico observando em mim e nos meus partilhantes a dificuldade de aceitar a mudança, ou melhor, de perceber a mudança como uma possibilidade positiva. Não a vemos assim. Mudar é um obstáculo, um desafio no qual resistimos bravamente. Lutamos, nos agarramos, nos esfolamos, para que a gente permaneça da mesma forma, do mesmo jeito. O esforço que fazemos correndo atrás do casamento que acabou, da amizade que se foi, do emprego que se perdeu, da vida que se tinha é assustadoramente insano e invariavelmente somos cooptado por esse movimento. Um movimento de imensa resistência, teimosia, obstinação em não aceitar o fim, o término. 
Ainda não encontrei quem diante das mudanças, simplesmente muda, altera, caminha, prospera com a aceitação do fluir. Os coachs que tem arrastado milhares de pessoas como casos de sucesso são os que abraçaram as mudanças da vida deles e agora ensinam as pessoas a mudarem. A grande tônica dos treinamentos é essa: mude! 

Não a mudança que os beduínos do deserto acolhem como uma deusa; o inesperado. Não a mudança que as comunidades primitivas harmonizadas com a natureza abrigam em seu interior e refletem externamente. Os coachs ensinam a mudança controlada, ordenada, planejada, planificada. É a mudança Excel, com toda preparação devida. E, embora tenha o ar de crítica a isso, quero insistir e declarar que mudar por planilha e com meta é melhor do que não mudar. Conjecturar essas mudanças como parte da vida, abrir mão de uma parte da vida, ainda que seja para tentar controlar outra é uma mudança menos apavorante do que ter a vida transformada do dia para noite. O inescrutável é que apesar de todo esforço, toda tentativa de controle a vida nos brinda com furações, vulcões, terremotos, acidentes, que tem o apelo de nos conectar ao natural, mas longe disso, vemos a natureza e consequentemente a vida como ameaças. Os fenômenos naturais nos assombram mais do que aos homens primitivos. Eles ao menos reverenciavam as chamas vulcanicas, as tempestades. Nós, não temos nem adoração, nem respeito, nem compreensão. Desejamos eliminar as transformações de nossas vidas e dessa forma geramos as tempestades que não podemos esconder, fugir, ignorar. 


O outro lado dos treinamentos é que estamos socialmente tão endurecidos que necessitamos de profissionais que nos ensinem a mudar. Isso é bem diferente e novo. Se é um avanço ou se um retrocesso não me atrevo a analisar e muito menos julgar. Considero ser algo diferente, já que anos atrás os profissionais dessas áreas auxiliavam as pessoas a lidar com a mudança. Os pajés, os xamãs ensinavam as pessoas a aceitar a mudança como uma parte natural da vida, por consequência de si mesmo. Os psicólogos e terapeutas buscavam ou buscam assinalar uma conformidade, uma adaptação entre a mudança externa e a interna. Hoje, há uma antecipação, ensina-se e prepara-se para mudar. São novos tempos e também um novo mercado, cuja lógica é para muitos a do capital. Muda-se para continuar sendo o melhor sucedido. Poucos mudam para ser feliz ou se aproximar da própria felicidade. Muda-se para se adaptar a uma sociedade cuja lógica é a conquista, a luta, a batalha, a guerra, a superação, o topo, o auge, o ápice. A sociedade sem pausa, sem descanso, sem repouso, sem alma, sem vida. A sociedade que acredita que o prazer é sentir prazer e encontrar prazeres cada vez maiores, mas nunca satisfazê-los, nunca senti-los, nunca gozá-los. 

Enfim, de modo geral, o que tenho visto e especialmente em mim é a nossa felicidade em resistir às transformações, as mudanças que a vida vem nos dar com o intuito de reatarmos nossos laços. Tenho observado que há um prazer orgástico em lutar contra a vida, ser esfolado por ela, mas ao final do dia agradecer a Deus por estar em carne viva, mas pronto para ser esfolado logo cedo. E percebam que agora estou fazendo uma leve mudança entre mudar e transformar. Algumas mudanças estão condicionadas a nossa psique. Mudamos a cor do cabelo, o corte, o penteado, a cor das unhas, de bairro, de cidade, de país- mudamos. Mudamos, mas elas tem o sentido de nos manter subservientes a lógica da adaptação do mercado. Os batedores de meta. Os lutadores top one, pica das galáxias. Já transformar é compreender que nenhuma mudança surte efeito até que se faça capaz de analisar o que internamente clama por mudança.


Sabe o marido que troca o sofá a cada traição. A esposa que troca o filho de escola a cada reprovação. O cara que muda de emprego a cada dois meses. A outra que faz uma tatuagem a cada ano. O outro que coloca o piercing, ou ainda a que entra no bisturi para esticar uma parte do corpo. Todos mudam, mas poucos fazem a transformação. 

A transformação é um ato de coragem, um ato final, muito próximo a morte. Muito próximo a essa barreira do indefinível que não se sabe o que será, nem no que vai dar. A lavra não sabe do seu processo quando entra no casulo. E se tivesse um coach, ou um personal lhe dizendo, também não serviria. O caminho da transformação é pessoal. É o encontro nosso com a gente. É aquele ato, que você sabe que tem que fazer e só você pode realizar. É a sua plenitude. É o seu estar inteiro no processo. É aquela certeza que a vida lhe dá, com a coragem que a vida não lhe dá e depende de você o passo, a decisão. Pelo menos até o momento no qual a vida escolhe e decide pela gente sem nos deixar nada, a não ser o essencial. Em outros termos, a tristeza maldita é que o processo de transformação é solitário como ser enterrado vivo. E, até em nosso processo de mudança a gente espera e busca um controle, um planejamento, um staff, uma mudança televisionada com direito a self de dentro do casulo. Perdoem-me, pelo menos no que se refere a jornada espiritual, que é a jornada da alma rumo a conquista da vida, isso não se dá dessa forma. Conquista que se faz, que se calcula, que se estipula não pela conta bancária e sim pelo índice interno de satisfação pessoal. 

E, nisso faço uma última digressão. Eu estava meio motivado com essa ideia de crescimento, expansão, quando escuto uma mulher que amo muito e respeito demais fazendo as contas na planilha, se valia a pena crescer, expandir. Olhei para ela com um olhar curioso, porque na lógica é o que todos querem: crescer, expandir. E ela destacava o preço disso. Preço não apenas no quesito econômico e sim no de valor. E, na análise dela permanecer uma empresa de pequeno porte era mais interessante. Não  lhe deram ouvidos, afinal quem escuta uma mulher, pedagoga, na vida? Num escritório de engenharia? 


Porém, esse ensinamento suscitou uma pergunta que acho pertinente e relevante por vários outros ensinamentos recebidos ao longo da vida: até onde eu vou? Qual é o ponto que estabelecerei como limite? 51 milhões numa mala? Três helicópteros, um jatinho particular e dois iates? Um milhão de reais? Dez seguidores no instagram? Trinta amigos no face? Um show para cem pessoas? Um show para um estádio lotado? Onde eu paro para não me perder?   
Parece ser importante saber isso para não nos perdermos, não nos desviarmos da nossa essência. Não desejarmos ultrapassar o intransponível. Não nos cegarmos e aquilo que era a nossa forma de prazer se tornar em nosso martírio.    



Observo algumas poucas, raras pessoas que aceitaram as mudanças, mudaram e nessa relação a vida as abraçou e as conduziu onde elas queriam estar. O marido que após ter aceitado o termino do casamento, ter partido para outra relação, acabou se tornando amante da ex-esposa. O desempregado que depois de ficar de porta em porta esperando uma oportunidade criou um negócio e não ganha o que recebia, trabalha mais do que antes, porém está mil vezes mais FELIZ.

Todos eles indicam que não temos escapatória a não ser aceitar a vida, o que implica em permitir que a mudança nos traga transformação, nos conduza para lugares, estados, nos quais nosso coração deseja estar e se isso representar o afastamento de quem estamos perto, que assim seja. Se significar o reencontro de quem um dia já foi, que assim seja!
O fato é que ainda não vi ninguém que na luta contra a vida a tenha derrotado. Talvez o exemplo da ressurreição, seja o de que é fundamental morrer para que se renasça e a recusa nessa transformação é a impossibilidade de vir a ser aquele que se é. Não se encontra, não encontramos a vida em sua plenitude sem aceitarmos a morte. Não podemos compreender a vida sem esse horizonte primordial- morremos.



E diante dela tudo, absolutamente, a não ser o que se faz intrinsecamente essencial é desnecessário. E aceitar esse confronto de ter a vida em sua inteireza e naturalidade como parceira é de fundamental importância em oposição a uma lógica que nem dor de cabeça nos permitimos sentir, o que dizer da angustia da morte. Se apartamos de nosso convívio todos os que sentem, como permitiremos que os portadores de sofrimento mental venha nos lembrar, sem medicação, que estamos adoecidos. Nossa lógica existencial não resiste ‘ao contato furioso da existência’, quiçá consegue suportar as mãos de uma criança.

Finalizo, nos chamando para a baforada da existência. Viver é perigoso e não se pode tirar esse perigo da travessia, se não a vida se faz anti-vida, uma proteção ao existir que gera conforto, bem estar, civilidade, civilização, mas também frustração, vazio e dor- INAUTENTICIDADE. Vá viver! O que implica dizer: dê as mãos para vida e deixa ela te conduzir. Vá com ela que ela não trai, não abandona, não conduz para nenhum lugar no qual não nos seja essencial.



Viver é abraçar a mudança para que ela nos transforme no que temos e somos de melhor. E, quem acredita que pode resistir a isso, ainda não entendeu o fluir dos contrários, a perene segurança do Tao diante do caos das transformações. E não estou falando de mudar para transformar. Estou falando de transformar para que talvez não seja preciso mais nenhuma outra mudança.
Entende a diferença?

Como salientamos, muitos mudam de cabelo, de bairro, de casa, de amante, de amigo, de bar, de cerveja, de time para não realizar a transformação que é necessária. Acreditam que mudando sem  metamorfosear, enganam a vida, o viver. E está na sua sarça ardente apenas acompanha até que lança seu bafo que chega aos homens em forma de sofrimento, de agonia e morte. É esse aguilhão que desperta o transmorfo da sua laicidade. É esse aguilhão que acorda o ser para o encontro com o seu ser (vir a ser). 
Parece que antes da dor ninguém se põe autenticamente ao caminho e a caminhar. Parece que antes da finitude, poucos situam que o inevitável não avisa, apenas chega e altera. Nada mais será como antes e não há ponto de restauração no sistema. A vida formata nossas lógicas radicalmente. Continuamos utilizando o mesmo corpo, a mesma máquina, mas as operações terão que ser outras, ressignificadas, reeditadas, configuradas para uma nova realidade. 

Mu-dadas.
                 Trans-forma-das. 





                     Vividas aberta às mudanças.