Por anos realizei os relatos dos
Encontros Mineiros e pela 1ª vez senti a necessidade de fazer do Nacional. A
ideia dos relatos era dar notícia a quem não esteve presente e permitir a quem
esteve re-contar o mesmo fato por uma outra lente e olhar. Por motivos que não
sabia explicar eu não consegui realizar o relatório dos últimos encontros
mineiros, mas a vontade voltou para realizar o nacional e o motivo parece ter
sido muitas questões que ficaram abertas em mim. Questões que não encontrei
espaço para a pergunta, que não senti apropriado às colocações. Na necessidade
de aclarar esse diálogo interno é que o explicito.
O XXV Encontro Nacional aconteceu na
cidade de Criciúma tendo os colegas do Centro de Estudo Sul Catarinense como
anfitriões. O encontro foi realizado entre os dias 24 a 27 de outubro contando
com a presença de colegas de muitos lugares do Brasil e a ausência de tantos
outros também. Senti falta de colegas tanto da cidade (Jean) quanto a de
figuras carimbadas Neilor, Evaldo, Francisca. Os demais já tinham dito que não
iriam. A gratricíssima surpresa foi a presença de Gustavo Bertoche[1].
Não chegou no 1º dia, mas esteve conosco.
O olhar que apresentarei do Encontro é
realizado sobre a lente da minha REPRESENTAÇÃO. É um destaque que pode parecer
óbvio, talvez seja mesmo, mas reputo fundamental esclarecer e pontuar,
sobretudo, porque outros colegas (Alonir Pedro[2])
realiza as atas dos encontros, isto é, temos outras lentes, mais precisas e
ajustadas aos fatos do que as minhas.
Mas, falando em atas, isso só me
ocorreu em nossa última reunião da antiga diretoria na qual não pude ficar até
o fim. Acredito que as atas das reuniões da Anfic devam ser publicizadas no
site para dar notícia do que foi discutido e deliberado.
Agora voltando à representação e ao encontro
vou conjugar os fatos objetivos da programação com o diálogo interno que fui
realizando a cada exposição, apresentação, fala. O tema é objetivo, claro, mas
as discussões e os caminhos que darei é um roteirizar acompanhado de
argumentações derivadas nas quais estou em ação, hipótese, conversando com os palestrantes.
Eles não tiveram o direito a réplica,
mas espero que possam ter aqui ou em outros canais, formas e meios de
continuarem o diálogo. O objetivo é dialogarmos.
Sobreponho ainda a essa REPRESENTAÇÃO
as conversas informais nos intervalos, nos jantares, no café da manhã, nos
corredores. Aqui é onde acontece a parte mais forte do congresso. Quase nunca
se lembra do que foi exposto, dito, mas inequivocamente lembra-se dos bares,
das piadas, dos gracejos, da confraternização. Diga-se de passagem, esse foi um
argumento forte para que o Encontro Nacional permaneça sendo anual e
presencial. Então deixando o roteiro:
Inicialmente, abordo o encontro por
dias o que significa que a marcação mais robusta segue o tempo cronológico, não
obstante, dentro da cronologia trarei o tempo subjetivo. Mais claramente, para
falar da apresentação do Ponde no dia 24, posso retornar a uma 5ª feira de
março e avançar para o sábado dia 26, ou domingo 27.
24 DE OUTUBRO
19h45 – Palestra Prof. Luiz Felipe Pondé
20h30 – Diálogo Prof. Pondé e Prof. Lúcio Packter
Esse foi o ponto alto do Encontro, ou
melhor, todo o encontro parece ter sido construído, divulgado para esse
momento, mas quando o momento chegou a sensação, nossa sensação de plateia da
FC foi a de que faltou algo. Clareando:
O nome de Ponde foi cantado,
decantado, troçado, destroçado desde o seu anuncio. Colegas e centros de
formação viram o nome do filósofo como sendo uma afronta, um nome
desnecessário. Mas, Ponde foi. Apresentou sua fala. Uma fala altamente
acadêmica, erudita. Minha amiga Ana Rita acredita que ele tenha se perdido e
não estabelecido a relação que se propôs a fazer. Eu acredito que ele fez a
relação. A falta que senti, em parte pq fui com a expectativa de encontrar, era
a do choque, o contraponto, o diálogo entre Ponde-Lúcio e a plateia e isso a
direção do evento parece que achou melhor retirar.
Foi a isso que eu reputei a sensação
de falta. Estavam lado a lado Lúcio, Ponde, mais de uma centena de pessoas e
não teve uma única pergunta de um para o outro, do outro para o um, da plateia
para um deles. Fizeram as suas falas, receberam as palmas e realizou-se um
encerramento que ninguém entendeu que era o final.
Com isso reforço que foi um equivoco
deixar de ter vindo por causa de um nome. Mesmo porque, Ponde é um filósofo, se
mais a direita importa pouco, desde que ele esteja aberto ao diálogo. E, não o
conheço a fundo, nem a raso, porém as vezes que o vi, ele dialoga. Ele
conversa, ele escuta, ele contrapõe e se vale da visão dele, que dizem ser mais
a direita e insisto que não importa desde que haja razoabilidade e abertura ao
diálogo. Indo ao ponto.
Ponde fez uma fala acadêmica, típica
de aula Magna. Trabalhou em paridade com dois conceitos, um maior e outro
menor, subordinado que foi o eixo de discussão da sua apresentação. Primeiro
ele se valeu do conceito de humanismo desde os gregos, clássicos/antiguidade
passeando em direção a Renascença, depois ao Iluminismo. Estendeu o conceito a
modernidade e entremeou sua fala com o conceito de perfectibilité/perfectabilidade. Ele mencionou
diversas vezes o autor francofano no qual apoiou a sua exposição, mas não
guardei o nome. Por consultas realizadas depois acredito ser, embora não tenha
certeza, se tratar de: Benjamin CONSTANT DE REBECQUE e a sua obra “De la
perfectibilité de l’espèce humain.”
O autor que Ponde nos fala desenvolve
a ideia de um humanismo positivo no qual estaríamos nos aproximando de uma
perfectabilidade, enquanto haveria um humanismo negativo que estaríamos
desenvolvendo uma ‘corrupção’ no sentido de degeneração desse sentido. Longe de
nos aproximarmos de um melhoramento enquanto humanos estaríamos nos
distanciando de um ideal humano. Essa oscilação varia a partir do olhar e do
entendimento de cada época, pensador. Cada geração tende a olhar para a futura
como sendo o fim do processo civilizatório.
A tônica do Ponde foi basicamente
essa, obviamente, contando com o brilhantismo dele. Foi uma aula magna,
esplendorosa, clássica. Citou o nome do livro em francês, praticamente, apenas
ele e talvez uma meia dúzia de três pessoas naquele universo de centenas de
seres já ouvira falar do livro, do autor, embora todos ali, enquanto humanos,
em algum momento já se dispusera a pensar o humanismo, ou a desumanidade. O
tema em si não era algo de outro mundo.
Ponde no inicio da sua fala faz um
recorte, deixando claro que iria falar do humanismo, da filosofia, deixando a
parte clínica para o Lúcio por não ser a área dele. Eu esperava do Ponde no
encontro de FC que ele justamente falasse da FC. Do humanismo e da própria
Filosofia eu reputei desnecessário. Ao final da fala, ele aborda brevemente
Jung, Freud, mas demarca de novo que ali seria o lugar de fala do Lúcio. Ele
aponta Freud mais próximo de um humanismo desconfiado, negativo, o que em parte
tem sentido e em parte não.
- A FALA DE LÚCIO.
A fala de Ponde foi acompanhada de
olhares atentos, aguçados, todo mundo muito focado, para não perder uma
palavra, uma ideia. Ponde apresentou as ideias com uma linearidade clássica,
típica de manual. Uma estruturação de raciocínio que não permite saltos,
lapsos. É aquele desenvolvimento conceitual similar a conto de João e Maria que
lançam migalhas de pão e nós plateia faminta chegamos junto com ele ao destino
final. Uma construção de uma arquitetura filosófica impecável, linda, um
colírio para à racionalidade e estruturação de raciocínio. Conjugado a essa
beleza arquitetônica pontuo que Ponde estava de social. Faltou a gravata. A
roupa parece ter sido comprada na cidade. Não tinha um fisgo, uma dobra,
impecável.
O contraste entre Lúcio e Ponde
inicia-se na vestimenta, por isso a sublinho, juro que ganha sentido na
conjunção da obra.
Lúcio estava com moletom preto, camisa
esporte preta, tênis e mochila. Ouviu Ponde atentamente e ao termino da fala do
arquiteto clássico começou a falar. A fala de ambos, lado a lado é a medida
exata da Filosofia acadêmica na qual Ponde foi genuinamente um representante
maravilhoso, foi impecável; com a arquitetura de Lúcio, altamente robusta, que não
quer ser estritamente racional, linear.
Ana Rita ao meu lado durante a
exposição disse: “como é bom ouvir alguém com coração!” Era Lúcio falando. Ela
pontuava isso nos primeiros minutos da fala do Lúcio, quando sentia-se na
plateia um relaxamento. Uma troca significativa de engrenagem, uma mudança
palpável captada por toda plateia. Na passagem do microfone de um para o outro
algo muda, altera. A temática era a mesma (Humanismo), a estrutura era a mesma
(teatro), mas tudo alterou.
Realizando o mesmo percurso que o
professor Ponde, mas trazendo cada um de nós para irmos juntos. A fala de Lúcio
era um tipo de abraço, de sopro, de gentileza que acolhia e abrigava todo o
público fosse ele ou não da FC, conhecedor ou não da filosofia, erudito,
estudioso ou não de qualquer área. O Ponde não?
Ponde também, mas a exigência
acadêmica para acompanhar a construção do filosofo é a racionalidade, a
estruturação de raciocínio. Os filósofos, os acadêmicos falam para esses e
destes. E não há nenhum mal nisso, pelo contrário. É como se estivéssemos
dizendo à Platão: “aquele que não sabe matemática, não entre.” É uma premissa.
Lúcio a quebra. Então Lúcio não é racional?
Ele é, mas movimenta uma racionalidade
que a academia tem dificuldade de compreender e aceitar. Uma racionalidade que
não é linear e tampouco universal, única. Lúcio nos fala das filosofias
aplicadas. Lúcio similar à Sócrates mostra como o escravo, como que o sujeito
comum pode acompanhar as discussões do pensamento, sendo preciso apenas o
adequar a linguagem. Lúcio dialogava com todos, prescindindo da obrigatoriedade
da estruturação de raciocínio altamente elevada. A arquitetura conceitual de
Ponde era jônica. Toda elegância saía de muita precisão matemática, muito
cálculo. Para alcançar aquela beleza tinha-se que realizar muito esforço, muito
folego. Lúcio ao falar sutiliza esse esforço. Sabe roldanas? Ou engrenagens que
mostram que se pode fazer mais com menos esforço sem prescindir da beleza, da
razão, do entendimento, da clareza?
Lúcio então falou de novela, de
filmes, de livros, de pensadores. O humanismo na fala de Lúcio não era um
conceito no mundo das ideias na qual é preciso abstrair racionalmente para
alcançar. O humanismo que Lúcio trazia tendo a clínica como referencia era a de
que cada presente enquanto humano a partir do seu experenciar poderia
compreender as dificuldades do ser humano em qualquer tempo.
O acadêmico fala para o universal, o
abstrato. Pouco importa se ele está diante de anjos, de deuses, de vacas, de
humanos; ele fala. O diálogo que por vezes o acadêmico estabelece é entre ele e
o autor. O mundo pode estar acabando, nada importa, ele destrincha o conceito,
levanta, vai embora. É o que a academia nos ensina. É o que achamos maravilhoso
e brilhante.
Lúcio falando de filmes e novelas
contrapõe a nossa temporalidade (medrosa, aflita, ansiosa) a temporalidade dos
medievais, da antiguidade e pontua como essas migrações são perigosas. Como estamos
vendo filmes medievais, antigos trazendo a mesma agitação, celeridade,
ansiedade. É inconcebível, rsrs.
Na História da Ciência a gente discute
isso como anacronismos, buscar em outras épocas o que encontramos ou não nas
nossas. Foi nessa toada que Lúcio nos fala do Moises malhado da novela, do
outro personagem bíblico representado com aflição, ansiedade, coisas muito de
nosso tempo. Lúcio vai mostrando como nosso tempo vê o tempo passado e retoma a
idade média, injustamente caracterizada de idade das trevas, pelo olhar
iluminista, positivista que passa a acreditar numa racionalidade esterilizada
de emoções, de fé, de crenças.
Lúcio nos deixa encantando. Jandira
ficou nos contando sobre o olhar de Ponde para Lúcio. Um olhar de admiração, em
certa medida acredito que de surpresa. Tenho para mim que Ponde não falou sobre
FC, porque não achou que fosse um saber digno do seu tempo. Ele aproveitaria
mais o tempo lendo sobre humanismo, sobre perfectabilidade em Rousseau, depois
em Constant de Rebeque e talvez até em Luc Ferry. Para quer ler Lúcio Packter?
E, quando Lúcio fala desfilando
clássicos, não enquanto pensadores embalsamados, mas enquanto ideias que
auxiliam a pensar o nosso próprio pensamento, nosso próprio fazer, ser,
existir. Quando Lúcio faz isso, Ponde fica admirado, acredito eu, ao constatar
que o fato de se fazer aplicação filosófica não significa que ela seja menos importante,
menos profunda, menos significativa.
Quem é professor no ensino médio, no
ensino fundamental, especialmente de Filosofia e Matemática compreende o olhar
de desprezo que acadêmicos tem sobre a licenciatura e sobretudo a licenciatura
fora da universidade, o castelo de cristal da cultura. Lúcio de uma forma
linda, elegante, precisa mostrou que a Filosofia está ao alcance de todos.
Tivesse mais tempo, ou tivessem deixado que perguntassem para ele, talvez ele
captasse dezenas de empresas, fomentasse a curiosidade para a aproximação de
dezenas de alunos à FC. No entanto, apostamos na erudição. Apostamos que um
nome de vulto, de peso nacional fosse capaz de atrair o público e a mídia para
o evento (e de fato foi). No entanto, depois que esse público foi atraído, o
que fazer com ele?
A organização achou melhor
dispensá-los para fotos. Todos os que conversei da FC disseram que esperavam
algo depois da fala do Lúcio. A plateia ficou esperando esse algo depois. Sabe
aquele momento que o artista canta a última música e a plateia continua no seu
lugar batendo palma e pedindo mais um? Não tiveram os pedidos, mas todos
permaneceram nos lugares. Todos. Qdo a organização sobe ao palco pensei que
fosse para mediar pergunta um para o outro, o outro para o um, nós (plateia)
para eles. Não teve. Nunca mais teremos aquele momento de volta e ele aos olhos
da plateia foi subestimado.
Isso me levou a pensar outras coisas,
nada contra o que Ponde falou. Foi magistral. Acredito que anunciar Lúcio
Packter e outro colega da FC não lote um teatro daquele porte e estrutura.
Nessa parte a contribuição, o retorno, a publicidade se paga. Não obstante,
internamente, dentro da comunidade da FC não fez diferença.
Respeitosamente, Lúcio é mais
relevante do que Ponde, academicamente analisando. Gláucia Tittanegro, Marcio
Andrade, Gustavo Bertoche em titulação e publicação não ficam muito atrás do
Ponde. Will Goya, Cláudio, Rosemiro S, Jamil poderiam amarrar melhor o diálogo
com a cidade e com a visada do Centro anfitrião que construiu e constrói uma
expertise no mundo empresarial.
Poderíamos ter pensando FC e trabalho.
FC e Empresas. FC e 3º setor e chamar colegas nossos do Brasil todo para trocar
e sobretudo aprender com o Centro Sul catarinense que está muito a nossa frente
nisso.
Os Centros de Formação embora tratem
de FC cada um vai tendo sua singularidade e isso pode ser o mote de abrigar um
encontro nacional, como o também auxiliar na construção de uma referencia a ser
consultada e alargada Brasil, mundo a fora. O Centro Sul Catarinense oferecendo
um curso presencial, hibrido, online na ANFIC sobre FC e mundo empresarial.
Santinha lá no Maranhão com Gilberto em Chapeco nos falando de FC e 3º setor. O
Centro de Florianopolis e o Recanto nos falando de FC e formação sem
obrigatoriedade de se tornar Filcli.
Isso para apontar que podemos crescer
de dentro pra fora e também podemos crescer de fora para dentro. Temos caminhos
e alternativas que perpassam o diálogo, a construção, a independência. Falarei
dela um pouco a frente.
25 DE OUTUBRO
08h00 –
Assembleia Anfic + eleição da nova diretoria
A Assembleia ocorreu sem maiores
problemas e/ou questões. Tivemos a aclamação da nova diretoria e do conselho.
Houve apenas eleição para a composição do CNAA pois tinha 4 candidatos para
três vagas. Foi sugerido abrir a vaga de suplência para os conselhos tal qual
já existe para os cargos de diretoria, mas tal mudança implica alteração no
estatuto.
Dilvane eleita a nova presidente(a) da
ANFIC propôs que o Encontro Nacional seja realizado a cada dois anos dando
assim mais espaço para os regionais. Pontuei que considerava a proposta
interessante, com o adendo que um ano faríamos no formato virtual e no outro
presencial.
Jandira pontuou sobre a necessidade do
presencial enfatizando as trocas, os afetos, os abraços, a sensorialidade que o
Encontro promove e que poderíamos criar condições mais facilitadas para colegas
participarem.
O amigo Cláudio, daquela forma sempre direta,
apoiada por Will, disse que isso não era mote da discussão da Assembleia, que
poderia ser uma decisão de diretoria e o importante era a votação da eleição.
Teve um grupo grande, que se manteve
silencioso, que disse posteriormente que Assembleia ao ser convocada segue as pautas
apresentadas e todo e qualquer outro assunto diferente do pautado deve ser
levado para outra assembleia. Eles tinham razão também. De modo que ficou
pendente o novo formato do encontro nacional de FC, mesmo porque nenhum centro
se apresentou para 2025. Mais tarde os amigos do México abriram as portas para
hospedar e sediar um encontro nacional. Uma ideia muito boa que realizada com
tempo e programação possibilita levar um grande número de colegas.
10h30 –
Anfic-Exposição: DE
REPENTE 30
A exposição foi linda. Muito rica em todos os dados de semiose e sensorialidade: táctil, auditiva, visual. Todas evocando uma memória afetiva.
No campo táctil e não apenas, Clísia trouxe
as mais diversas publicações da FC, praticamente, a biblioteca particular dela.
E, acreditem se quiser, não nos deixou trazer nenhum pra casa, rsrsrs.
No campo visual criaram um mural de
fotos coletado com a ajuda dos mais diversos colegas. Um mural belo. Pena que
não peguei nenhuma foto. Tinham fotos lindas de colegas conhecidos, outros que
passaram pela FC e seguiram outros rumos, outros que já não estão mais
fisicamente entre nós, alguns que não puderam estar conosco fisicamente.
Falando das fotos me lembrou um trabalho conduzida por Liliane Moreira no campo
do patrimônio imaterial, que se valia de fotos, imagens e como isso nos remetia
ao passado. Em outro momento a gente pode explorar essas fotos para trazer
lembranças, imagens, causos e prosas. É mesmo só deixar as pessoas em contato
com as imagens e abrir para ‘escutatória’ que elas vem.
No campo auditivo tinha um registro
sonoro das gravações das sessões, ainda em K7. Dava para imaginar a dificuldade
das transcrições e porque tantos colegas desistiam dessa parte prática. Os
áudios em comparação com os atuais eram muito precários. Os ruídos, os chiados,
os estalos são quase inerentes a gravação. Soma-se a isso a captura da fala dos
partilhantes, com a pausa, o recuo para transcrever. Sem dúvida muito
trabalhoso. Atualmente a transcrição continua chata, mas se tem várias
ferramentas automáticas que auxiliam no processo. Particularmente, reputo a
transcrição importantíssima, porque o ato de ouvir a própria voz e escrever
produz os deslocamentos fundamentais para os encaixes do Filcli. As demais
transcrições talvez sejam desnecessárias, mas a da clínica didática, reputo
fundamental.
Tivemos ainda reportagens de jornal,
entrevistas históricas, máquina de escrever, sofá retro e uma mediação da
Clísia contando toda a história da FC. Uma história que continua ser escrita,
mas que já tem muitas páginas, livros, obras escritas.
Aqui publicizo algo que disse a Clísia e não senti necessidade de dizer publicamente, então escrevo.
Clísia foi a
presidente da ANFIC que aplicou os ensinamentos da FC na administração da
associação. Pode parecer simples, mas foi algo que fez toda a diferença. Fiquei
extremamente aborrecido com toda a diretoria e parte do conselho quando
descobri (por último) que nenhum delxs estavam saindo como candidatxs. Meses
antes eu tinha perguntado a elxs o que estavam pensando para reeleição. Acharam
até que eu estava querendo ser presidente e eu disse que não, haviam dezenas de
nomes antes do meu e eu tinha que prestar muito serviço até esse momento
chegar. Fiquei surpreendido ao saber que não tinham inscrito. Meu nome era o
Caetano, mas ele carinhosamente refutou na hora dizendo que preferia o lugar
jurídico. Posição extremamente acertada e mostra pq o tenho como meu
presidente. Olhei para Jandira, Márcio e jurava que elxs fariam uma articulação
entre eles, Clísia não podia mais.
Mas, enfim por motivos pessoais todos
declinaram e então agradecemos os serviços prestados.
13h30 –
Instituto Sendtko de Ensino Superior
Demorou um pouco para solucionarmos os
problemas técnicos. Clísia tinha aberto um link no meet para Gilberto e outro
para a palestra do professor Gasperin em seguida. O primeiro não foi tranquilo
acessar. Outro problema veio do áudio que não ajustava nem ao note e nem ao
projetor. Acabou ficando com um chiado, um ruído que dificultou a escuta de
muitos em especial uma colega que tem misofonia. Ela praticamente não ouviu a
palestra.
Ajustado esse problema, com relativo
atraso, Gilberto fez a apresentação do Instituto Sendtko e da Fundação
Hospitalar Vale do Rio Uruguai.
Gilberto trouxe uma historicidade da
Fundação, desde as turmas formadas pelo Lúcio nas quais contavam com a participação
de diversos colegas, sendo que duas estavam conosco no Encontro: Jandira e
Dilvane. Passando pelas turmas formadas pelo professor Adilson Zardo de 2011 a
2018 e depois trouxe o dado divisório de 2018 aos dias atuais focando seu
relato nas turmas formadas, nas dificuldades da formação, nas tentativas
encontradas para superar estes obstáculos e outros que remontava toda a
história do centro.
Falou da experiência do Instituto em
trazer professores de outros centros para darem aula e como isso tem contribuído
para uma visão mais plural por parte dos alunos da FC. Gilberto focou na
experiencia dele ao promover os cursos em Ead, inicialmente só ofertado pelo
Instituto Packter. Uma das coisas que Gilberto percebeu como problema e foi
buscando alterar é como que a atmosfera do Ead é fria, distante, solipsista.
Essa atmosfera se faz dificuldade para muitas pessoas prosseguirem no curso,
por mais que haja o tutor para tirar dúvidas. Pensando uma alternativa para
esse problema, Gilberto chamou a mim e ao professor Miguel Caruso para darmos
aulas quinzenais em algumas das suas turmas. Brincava e brinco dizendo que os
dois ensinavam e eu ‘desinsinava’. Mais tarde, outros professores vieram somar-
Carlos Eduardo, Ana Cristina- e atualmente Fernando Fontoura e Márcio Jose.
No tocante a um outro problema da aprendizagem de FC, que contava com as aulas dos professores e os Cadernos, Gilberto desenvolveu uma plataforma muito robusta, consolidada que auxilia demais na consistência da aprendizagem. Ele reuniu aulas do Lúcio em vídeo, gravações, as categorizou por assuntos, concomitantemente gravou aulas, reuniu textos tudo isso para ampliar o material de consulta e os dados de semiose dessa aprendizagem. Esse processo está no estágio no qual ele realizou a contratação de professores de outros centros para diminuir o solipsismo cartesiano do estudo da Filosofia e do Ead. Dentro disso realizou mais uma guinada que foi alterar o formato das aulas.
As aulas que começaram para ser apenas
um suporte, um tirar dúvidas acabaram se transformando em mais uma aula do
mesmo assunto que já tinha na plataforma. A ideia inicial era eles verem os
vídeos do Gilberto, as gravações do Lúcio, os textos de alguns colegas.
Deveriam ir a aula com o Miguel para um aprofundamento e depois comigo para
realizarmos uma roda de conversa, um bate papo sobre possíveis dúvidas. Acabou
que boa parte tinha dificuldade em acessar o conteúdo e tanto eu quanto Miguel
montávamos aulas. O mesmo passou a acontecer com Ana e Cadu. Para dirimir isso,
Gilberto abriu uma turma que tem o professor Fernando Fontoura e ele como carro
chefe na qual eles trabalham aspectos práticos.
No que tange ao problema inicial do
solipsismo acredito que as aulas ao vivo dos professores alcançaram seus objetivos.
Turmas foram criadas e amizades foram construídas aproximando muito do formato
presencial. Mas, ainda não resolvendo o problema do gargalo: por que tantos
entram e tão poucos obtém a certificação A?
A cada turma Gilberto traçava
estratégias de atrair uma persona (público alvo) mais afeita ao formato que ele
objetivava, pessoas que quisessem atuar profissionalmente com a FC. Foi nesse
foco que a maioria das turmas não tem o certificado B de especialista, apenas o
A. Ele falou da quantidade de alunos que estão em busca da Certificação A,
assim como a nova turma aberta em Angola e Moçambique. Falou do projeto de
Mestrado e abriu as portas para a minha fala.
Gilberto foi convidado por Rosemiro
para fazer apresentação das pesquisas desenvolvidas no Instituto. Foi essa
ideia que nos fora apresentada em reunião da Anfic com o Instituto Sul
Catarinense. Gilberto meses depois me estendeu o convite pedindo que eu falasse
da experiência do mestrado institucional.
Inocentemente, comecei a fala a partir
dessa deixa do Gilberto e relembrei a reunião solicitada pelo Gilberto que
tivemos com a ANFIC na figura da presidente e da à época uma dos membros do
CNAA. Eu enfatizei como fui contrário a reunião, não entendia o motivo de
Gilberto buscar dar satisfação a ANFIC e tive uma grata surpresa ao ouvir
Clísia e a falecida Rose. Esse foi o inicio que ao final provocou um revertério
que Gilberto me mandou mensagem a noite querendo entender o que foi aquilo e eu
junto peças, mas não enraizei para saber. Chegarei a esse ponto.
Falei da experiencia do Mestrado.
Falei da Metodologia que iria utilizar na apresentação que dialogava com a que
nos valemos no Mestrado, que é a mesma da FC. O famoso tripé que tem base
categorial, Estrutura de Pensamento (EP) e Submodos (SM). A partir desse mote
sobrepus a metodologia acadêmica de Introdução, Desenvolvimento, Conclusão, ou
mais precisamente, Problema (Historicidade), Justificativa (Base categorial +
EP), resultados (SM).
Antes de iniciar mencionei que tinha
escrito sobre isso na revista Partilhas que será publicada em novembro e
destaquei um artigo que escrevi para a Sapere Aude revista da Puc Minas na qual
discorro sobre que humanismo estamos falando e da Filosofia Packteriana como
uma filosofia decolonial e capaz de ensejar um novo humanismo. Fiz isso em uma
discussão interna, silenciosa com a noite anterior na qual vimos Ponde
tracejando o humanismo positivo/negativo e Lúcio nos chamando atenção para as
muitas formas de Humanismo. A ideia de Lúcio é mais afeita a desenvolvida por
mim no artigo.
“Epa, pera lá, muita calma, ladrão/
Cadê o espírito imortal do Capão?/
Lave o rosto nas águas sagradas da pia,/ Nada
como um dia após o outro dia” (Jesus Chorou, Racionais MC).
Posto isto iniciei a experiencia do
mestrado contando os problemas. Mencionei a semelhança da identificação dos
problemas entre mim e Gilberto, mas as formas muito diferentes que temos para
responde-los. Mencionei uma classificação que utilizei na tese que pego
emprestado da História da Ciência que era: internalistas, externalistas e
ecléticos.
Internalistas falam da ciência de
dentro do laboratório. Externalistas falam da ciência de fora do laboratório.
Retomando ao pós guerra, externalistas são historiadores, filósofos, sociólogos
que olham para os físicos, matemáticos, químicos, biólogos (internalistas) e
dizem: vcs são alienados. Produziram uma bomba atômica sem saberem que estavam
sendo manipulados. Não adentro a querela, mas pinço a classificação para trazer
à FC.
Internalistas seriam os colegas que
estão no consultório, atendendo. Não escrevem livros, não tem publicações, não
são convidados para palestras. Externalistas são os caras que não tem clínica,
falam da FC numa perspectiva mais teórica, mais idealizada, estão em todas as
palestras, publicam livros. Quando esses dois grupos se encontram o que se
ouve/ouvia era: “fulano não tem clínica.”
E, muito dos escritos da FC saíram dos
externalistas e os internalistas viram e dizem: na prática isso não é assim!
Não funciona assim. Eu classifico a mim e a outros como ecléticos, pessoas que
tem escrito e clinicado e também formado. Estamos pisando em três campos e
precisamos discutir, conversar, prosear mais para minimizarmos problemas tido
como incomensuráveis a partir de determinado lugar.
Essa parte auxiliou na extensão de uma
pergunta que Caetano fez para o Gilberto referente a formação empobrecida dos filósofos,
da nossa dificuldade mesmo em acesso a livros, recursos, conhecimento, mesmo
tendo cursado Filosofia. Essa é uma ideia que Lúcio apresenta nos Cadernos.
Tinha muito sentido, mas tem diminuído. Era um tempo que Filosofia não era
opção de ninguém. Hoje é.
Gilberto argumentou que por incrível
que pareça não tem relação direta entre a Filosofia e a FC e aqui na minha fala
busquei essa distinção, trazendo justamente os ‘cabeções’ e a dificuldade deles
em fazerem FC. Primeiro, porque eles buscam uma fundamentação e segundo e
principalmente, porque eles acreditam que para falar em FC precisa saber
Filosofia e não é disso que se trata. Isso é comum nas Filosofias Aplicadas nas
quais realmente um consulente procura um filósofo para discutir sobre a
Felicidade a partir de Aristóteles, mas não é o que vivenciamos no Brasil em
nossos atendimentos. Por mais que a angustia esteja instalada no sujeito, não
vamos falar de Heidegger, nem do Dasein, nem do existencialismo. A Filosofia
ocupa outro lugar.
Interessante que hoje (novembro de 2024) pela manhã
conversava com o colega Paulo Alves do Rio de Janeiro e ele falou de uma forma
tão bonita como Lúcio pinça um conceito de um autor e o coloca para dialogar
com um conceito de outro autor rival. Academicamente é uma impossibilidade e
sempre recorro ao tópico 3- sensorial e abstrato (que Monica Aiub destrinchou
tão bem). É academicamente um escândalo um empirista e um idealista juntos.
Mas, na malha intelectiva isso é real. Isso existe. Convive de mãos dadas e
corações siameses muitas vezes. Um cabeção não consegue aceitar isso. Nem sabe
como lidar com isso. Ele abandona o curso, ele não chega à clínica, pelo menos
não a da FC.
Uma clínica que é filosófica e
klinique, isto é, parte médica. Tem uma parte da clínica que é dedutiva,
especulativa, mas que a gente pede ao estudante que ele faça suspensão desse a
priori. Uma suspensão que o clínico realiza. A clínica só começa depois do
toque, da sensorialidade, do olhar, do sentir o outro diante de mim. O filósofo
na melhor tradição geômetra do pensamento prescinde de qualquer ser, qualquer
ente, qualquer sujeito. O filosofo precisa apenas da mente dele para realizar o
seu constructo. Isso é lindo. Isso é uma tradição, mas isso não é FC, isso não
é Filosofia no sentido desta se propor a responder as indagações dos seres
comuns, ordinários, atento à vida ordinária, banal de cada um de nós.
Os cabeções tem dificuldade em
aprender isso. Então não falta Filosofia aos filósofos, por vezes, falta
clínica. Ir à prática, ir ao mundo do outro, deixar as próprias ideias, a
própria visão de mundo em suspensão para aprender com o outro.
Falei dos professores que compuseram o
Mestrado e seus trabalhos: Ana Cristina da Conceição, Carlos Eduardo Nascimento
(Cadu), Gilberto Sendkho, este que vos escreve, Marcelo Pertussatti o arquiteto
metodológico, regimental do nosso mestrado. Eu tive a honra e felicidade de
orientar Josue Julien e Lulia. Cadu orientou Élcio Pastório e Marcelo
Pertussati orientou Taís Fiscina e Mauricio Sant Ana.
16h00 – Filosofía Clínica en México: El caso
licorne (videoconferência)
Os professores do México contaram a história da chegada deles a FC. Uma história que envolve uma provocação de uma colega de universidade e que culmina na busca do Rafael na internet quando depara com uma tal de FC. Se encanta, busca maiores informações, troca diálogo com Lúcio, vem ao Brasil.
Na vinda deles ao Brasil há uma
imersão nos mais diversos centros do país, especialmente os do sul. Começando
pelo Instituto Packter, foram recebidos por outros colegas em seus centros:
Jandira em Chapeco, Dilvane em Pinhalzinho, Bruno em Florianópolis, Josiane em
Curitiba, Will em Goiânia.
Retornam ao México deixando muitas
saudades, aprendizados que os colegas falam com muito encanto e carinho. A esposa de
Bruno nos contava como que Lupita sabia mais da história, lendas e magias de Florianópolis
do que ela e os demais moradores. Jandira também reforçou o nível de
aprofundamento que os colegas mergulhavam e levavam as aulas, os aprendizados.
O casal fala do livro "Puentes
Existenciales" nas quais creio que fazem a 1ª obra de FC em espanhol. Temos a
Escuta e Silêncio em edição bilingue (português e inglês), mas creio que em
espanhol seja a 1ª, embora tenhamos a Semana de Estudos de Sevilha de 2014. Enfim,
a obra do casal aprofunda o estudo, a pesquisa sobre a FC da historicidade aos
submodos.
Nesse nível de pesquisa o casal
rememora a participação no Encontro Nacional falando da pesquisa deles de
Singularidade. Pesquisa que teve a participação dos filhos deles também. Um
belo trabalho de família. Vale o registro do Fascículo sobre o mesmo tema que
Rafael escreveu para Mikelis. Valeria muito a pena uma nova edição reformulada
trazendo as considerações que eles pontuaram no Encontro Nacional.
Importante também destacar a
influencia que o conceito de Hospitalidade apresentado por Rafael se esparramou
entre muitos colegas e centros. Conceito que foi apresentado no livro Lúcio
Packter e a Filosofia Clínica no Brasil com o artigo do casal: “La Cordial
Hospitalidad.”
Tiveram tempo ainda para mostrarem
fotos da turma de Filcli no México. Uma nova turma aberta a partir da mediação
do Lúcio, um colombiano procurando pela formação em FC e Lúcio passou o contato
dos colegas do México. Encorajados abriram uma turma de FC na América Latina.
Uma coisa linda e dentro dessa belezura se propuseram a sediar um Encontro
Nacional no México. Uma proposta que acredito que com tempo de preparação é
possível para muitos colegas irem ao México ou quem sabe a Colômbia, meio do
caminho.
Os colegas falaram também do Licorne
(Unicórnio) que simboliza de maneira muito bela, mágica, as relações singulares
que promovem e estão trazendo para o campo da FC.
19h30 – Beto Colombo: Fenomenologia do
Espírito e o Caminho de Santiago de Compostela: Filosofia e vida (no
Hotel Tri-Premium)
Beto Colombo se valeu da dialética
hegeliana como uma tradução do seu caminho de Santiago. Um caminho tido como
marcante, transformador, revolucionário, mágico como escreveu Paulo Coelho no
seu diário dos anos 90.
Beto para explorar a magia do caminho
fala da tradição peripatética na Filosofia não apenas grega, como na de Jesus,
na dos sábios asiáticos. Todas caminhavam. Mas, é um caminhar na maioria das
vezes silencioso. O peregrino, seus passos, seus pensamentos-sentimentos
encaixando, organizando a cada caminhada. É um processo similar ao da corrida
seja de 3, 5, 10, 18, 21, 42 Km. Tem pouco a ver com a distância externa e sim
com os processos de seguir com mais um passo quando a mente disse que é longe,
que é impossível, que vai doer, que se está com sede, que tem conta pra pagar,
que tem que voltar para ir para o trabalho. No correr, no caminhar, na atividade
física feita com atenção a distinção entre corpo e mente se faz muito presente
até que se cria uma comunicação muito refinada entre corpo e mente na qual um
responde ao outro de maneira automática, quase que sem intervalo. E é aqui que se
abre uma transversalidade que parece que o caminho de São Tiago e outros
caminhos sagrados proporcionam: a conexão com a alma.
A alma parece que dialoga com maior
facilidade quando não é travada pela mente e/ou não percebida pelo corpo. A
alma parece ser a conexão exata desse diálogo. E a diferença do peregrino para
o esportista parece ser a atenção, a abertura para permitir que a alma chegue.
Recordo duas cenas.
A 1ª é o Airton Sena falando de uma
volta perfeita na qual ele não sentia mais a diferença entre ele e o carro.
Tudo era uma coisa só. Uma conexão, um fluir. A 2ª é um apache contando em sua
biografia que em determinado momento da sua trajetória, ele sentou-se no
caminho e perguntando o pq, ele disse que estava esperando a sua alma chegar.
Ele correu tanto que deixou a alma
dele pra trás. E agora esperava ela encontra-lo. Muitos homens e mulheres
poderosos tem corrido de forma acelerada, ganhando fortunas, fazendo milhões,
se preparando para grandes fusões, grandes desafios, mas desconectados, porque
a alma ficou perdida em algum ponto da estrada. Beto está dialogando com
algumas dessas pessoas. Dialoga levando um rebuscamento que sem ele, essas
pessoas não chegam, não vão, não acreditam, não caminham. Eu sempre torço para
todos os irmãos de caminhada que a gente não se perca, não se iluda. As
tentações do caminho são muitas. E a coisa mais bonita da caminhada é o
entendimento de que todxs são peregrinos.
Dirigindo Brasil afora. Belo Horizonte
Chapeco, Belo Horizonte Eunapolis me veio o entendimento de que o Evangelho só
ganha sentido em movimento. Algumas passagens ganham outro sentido quando
alguém na faixa contrária te pisca o farol, outro alguém na sua faixa te abre
passagem, um alguém te fecha, outro alguém te ultrapassa e está tudo certo.
Cada um segue o seu curso, sua viagem, seu destino, sua lenda pessoal como
disse o bruxo. O Evangelho dialoga com um movimento que a esteticidade não
compreende. É pensando em Jesus como peregrino, os apóstolos como peregrinos
que alguns ensinamentos ganham um movimento de encaixe, compreensão.
Beto estava nos contando a sua lenda
pessoal e trazendo para conta-la: “Igreja, Carisma e Poder” do Frei Beto.
Trouxe Hegel aquele que a gente não leva pra lugar nenhum. Aquele que a gente
sempre faz questão de esquecer, mas na caminhada ele nos chama. Pelo menos
naqueles que desejam caminhar para fora dos dogmatismos, das polaridades
contrárias. Quem deseja caminhar mais próximo da verdade leva não Hegel, ou
Marx consigo e sim a dialética. Esse movimento que sabe da importância da
contradição. Que compreende como que é a partir do outro, do contrário, da
resistência, que se caminha. A imagem de Kant aludindo a ilusão do pássaro que
acredita numa liberdade tão imensa e perfeita que poderia prescindir do ar,
quando se sabe que é o ar, tanto o seu obstáculo quanto a sua condição de voo.
Precisamos caminhar mais próximo a dialética e foi isso que Beto trouxe nos
contextualizando Hegel e depois o simplificando para que ele coubesse na
caminhada.
Beto dividiu a fala, a caminhada em
etapas, mas não as anotei. Em parte isso parece estar no seu livro: “Todo
Caminho é Sagrado”. Dialogando com o caminho e com a Filosofia, ele nos fala da
dialética do Senhor x do Escravo. Do ser para si x ser para o outro.
Fala de uma das máximas do caminho: “Se tem põe, se não tem tira.” Falando das pessoas que comercializam produtos com essa lógica, com essa máxima, longe da lógica do lucro, da ganancia, do acumulo. É apenas o necessário para o hoje e amanhã Deus proverá. Não enquanto discurso vazio e sim enquanto fé de peregrino. Ninguém fica desamparado no meio da estrada. Todo peregrino se reconhece no outro e sacraliza os seus passos na honra e respeito de cada peregrino. Não tem sentido alguém no frio, com sede, com fome, porque não tem dinheiro, porque é de outra nacionalidade, tem outra religião, gosta de pessoas do mesmo sexo. Nada disso importa, interessa, não faz sentido.
Estamos vivendo em um mundo no qual
pessoas programaram algoritmos para explorarem mais as visões polarizadas. A
burrice do algoritmo é que ela reproduz a lógica tacanha, mesquinha, reduzida
dos seus programadores. Pessoas que poderiam avançar para outros sistemas
lógicos, que abandonassem o 3º excluído, que saíssem do maniqueísmo, que se
abrissem às diferenças, ao inusitado, ao imponderável, ao novo, ao outro como
extensão da gente mesmo. Que retomasse a lógica não binária de Jesus, ou de
qualquer peregrino. Mas, estamos sendo estimulados a adentrar uma lógica de
acumulo, de posse, de bolha, de nós contra eles. Todo outro é inimigo. Tudo que
não é eu deve ser morto, exterminado, eliminado.
É importante aventarmos que há outras
lógicas e possibilidades e a sua maneira e jeito, Beto está realizando junto
aos seus.
26 DE
OUTUBRO
08h00 – Instituto Sul Catarinense-Palestra
Pe. Vander + diálogo Prof. Rosemiro
Professor
Rosemiro dividiu a sua palestra em dois momentos: um- que ele chamou de VIDA
INTERIOR e dois- que ele situou no campo do TRABALHO. As duas foram bastante
ilustrativas, interativas.
Rosemiro nos fala da máxima de
Protágoras que arregimenta boa parte da construção da FC, a lembrar: “O homem é
a medida de todas as coisas.” E vai encaminhando uma fala que trabalha a FC
como método. Um método que ele desdobra da Historicidade, passando para as
bases categorias, estrutura de pensamento e submodos.
Um método que ele foi demonstrando
como que nunca apresenta respostas prontas antes da colheita da historicidade.
Sempre caminha com: “Depende. Não sei! Tem que ver na historicidade!” Um
caminhar que se faz meticuloso, gradativo, processual e que Rosemiro foi nos
envolvendo com perguntas sobre cada um deles, contando com a ajuda da plateia e
dos professores nessas interações.
Rosemiro pontuou muito a sua fala na
construção intencional da própria história, focando na autoria existencial.
No segundo momento Rosemiro nos falou
do Trabalho, da FC nas Empresas. Nos apresentou uma visão empresarial, um fazer
empresarial da FC. Uma discussão na qual eles são pioneiros e toca pontos de
profissionalização que contrasta com a visão mais messiânica que muitos tem da
Filosofia e da FC. Acredito que podemos aprender mais, trocar mais quanto a
isso.
•
10h30 –
Instituto Packter – Professora convidada Jandira Bordin
Jandira faz algumas pontuações em
diálogo com falas anteriores, mas vou destacar o ponto que chamou muito a minha
atenção.
Vou trazer um acontecimento que
dialoga com a apresentação dela. Tive o prazer e a honra de estar na hora da
apresentação sentado ao lado de um colega em formação, quando Jandira de
Chapeco falava da sua trajetória epistemológica, existencial.
O colega em formação fez uma leitura
linda, precisa, fabulosa do que a Jandira dizia, mas toda essa leitura que ele
fez num esquematismo organizacional encaixotava tudo o que ela estava
expressando. O colega não errou em suas considerações, pelo contrário, ele foi
preciso. Se valeu do modelo organizacional para compreender o que estava sendo
dito, porém o que estava sendo dito, estava além do modelo organizacional. Era ainda
FC, mas uma FC que se aplicada metodologicamente como muitos defendem, alardeiam
e acreditam (com razão) estaria mutilando a pessoa.
A problematização que irei enfatizar
que cometeria a mutilação alicerçada no procedimento meticuloso, rigoroso,
correto do método. Tudo estaria certo, mas tudo estaria completamente equivocado.
Jandira estava nos falando de
matemática simbólica, transversalidades, sinonímias da vida dela. Estava mto,
mais muito, mais muito, mais distante e além de um entendimento organizacional.
Estava numa construção lexical que aproxima da poesia. Trazia leveza e
desencaixes causais e temporais na sua articulação. Uma análise a partir de uma
estruturação de raciocínio poderia concluir se tratar de desestruturações, de
erros, de equívocos. Não obstante, estava tudo correto na relação dela com o
mundo. Não tinha nada a ser curado, consertado, corrigido, mas para aceitar
isso é fundamental outro olhar, outro paradigma. Mesmo o olhar da FC se utilizado
num paradigma que vou denominar cartesiano tende a mutilar sensibilidades e
interioridades e existencialidade das pessoas.
Para complexificar ainda mais, volto a
defesa do colega e esclareço que o entendimento dele estava certo. O colega em
formação não cometeu um equívoco na análise. Ele aplicou magistralmente tudo o
que ele estava aprendendo e eu como professor digo que ele aprendeu bem. Mas,
errava miseravelmente, como isso é possível?
Na física uma dimensão auxilia o
entendimento mais elegante de determinadas leis. Kaluza-Klein ao matematizarem
a 5ª dimensão afirmaram que a teoria da relatividade fica mais elegante. O
eletromagnetismo e a própria relatividade funcionam bem na 4ª dimensão, mas a
possibilidade de outra, auxilia muitíssimo no entendimento e percepção. O universo
micro tem leis nas quais é possível derivar a mecânica newtoniana, não
obstante, as observações dos fenômenos sobre a lente da mecânica quântica ficam
mais elegantes.
Filosofia Clínica sem a mensuração das
bases categoriais parece que fixa, rotula, classifica, observa o outro de maneira
equivocada. Mais claramente, se a gente não conseguir localizar o outro
existencialmente e aqui estou falando de uma localização autogênica (não que
haja diferença) a gente perde a clínica. O discurso, a narrativa, a
representação de mundo pode ser a mesma, se não localizarmos minimamente da
onde esse outro nos fala, erramos.
Pensemos no assunto imediato/último de
transtorno, depressão, bouderlaine que o partilhante esteja trazendo. Todos
diagnosticados a partir de sintomas claros, objetivos, diretos que para as
pessoas tendem ser até irrefutáveis, todavia em clínica a gente enraíza e
singulariza descobrindo que os sintomas, podem ser sim a mesma coisa catalogada
universalmente, mas pode ser outra.
Exemplificando mais, depressão em A é
tristeza por uma perda. Em B é por culpa. Em C é pela perda da mãe. Em A é pela
perda da cachorrinha. Em B está relacionado a categoria tempo. Em E a categoria
lugar. Todos foram rigorosamente diagnosticados como depressivos. Mas, as
alternativas, soluções ofertadas a um(a) são diferente das ofertadas a
outra(o). Isso para nós é claro, no entanto se não situarmos esse outro existencialmente,
nós caminhamos dez passos para cairmos no mesmo lugar. E, se for para ficar no
mesmo lugar, talvez seja melhor pouparmos essa caminhada.
Isso para ressaltar que até na FC que
traz um olhar muito avançado podemos incorrer em reducionismos como acusamos
colegas de outras áreas de fazerem. Meu colega em formação iria pedir para a
Jandira ir se tratar com um psiquiatra. Se ele fosse psiquiatra, ele a internaria.
E, ali era uma outra coisa, uma outra ordem de sintomas, de causas, que ele não
tinha olhar ainda para compreender. O modelo pelo qual ele olhava a questão enclausuraria
a colega.
Como é possível ver para além do que
vemos? Como é possível ver o mundo por outra representação? Como a gente altera
paradigmas? Fico treinando, observando, dialogando, ensinando essas tentativas.
Não é fácil. Minha atual insistência é que se não quebrarmos o paradigma
cartesiano a gente não compreende a FC de Lúcio. A gente faz FC, mas não sei se
a gente a compreende.
O T19 nos auxilia demais a buscarmos
situar esse outro, mas em relação aos outros tópicos como a gente acolhe? É
tranquilo perceber como uma singularidade existencial uma pessoa que levita,
que tem ouvido absoluto, que ouve música nas cores, até aqui de modo geral
vamos bem. Mas quando a pessoa tem comportamentos e funções que não entendemos?
Tem emoções que não temos nome? Tem valores que não sabemos nem em qual escala
a gente colocaria? Atualmente, para cada combinação dessas incompreensões temos
um CID, um DSM, um rol de pecados, uma série de cancelamentos. E, está tudo
certo também. Só precisamos tomar cuidado para ao ouvirmos algo diferente
não colocarmos nossa lente teórica como sendo uma gaiola.
Há pessoas e elas são cada vez mais
numerosas que nossos enquadramentos, por mais belos e acolhedores que sejam,
não confortam, não comportam. Acabam por alijar voos, vidas, mentes, existências
ricas, suaves, belas como Jandira nos contava numa aproximação poética (vice-conceito)
com as borboletas da sua infância. Que ainda não passou e em alguns seres não
passam nunca.
´
13:30 – Instituto
Stefanuto de Filosofia Clínica
Jamil e Marlí fizeram uma apresentação
que contou com a elegância conceitual habitual de ambos. Jamil aprofundou
algumas falas, comentários, posicionamentos das apresentações anteriores. Se valendo
de pequenos encartes alinhavaram a fala e construção da apresentação. Insisto e
registro que somente o Instituto Sendkho e os colegas do México falaram do que
estão produzindo em seus centros. Os demais deram aulas bonitas, contrapuseram
visões e percepções da FC que parece ter incomodado, mas apresentaram pouco dos
feitos realizados em seus centros. Deram belas aulas de FC.
Jamil e Marli exploraram vários dados
de semiose: leitura, vídeo, música. Começando por um texto bonito e sensível de
Rubem Alves “Complicada Arte de Ver” falando do despertar poético da visão. É um
texto muito belo que invariavelmente usávamos no ensino médio para dialogarmos
com o conceito de Thauma e uma definição de Merleau-Ponty de que “a
verdadeira filosofia é reaprender olhar o mundo.” O casal do interior paulista
nos trouxe o texto na voz da Marlí e nos comentários sensíveis e profundos de
Jamil servindo como ponte para falar de representação de mundo, de beleza e
encantamento também num diálogo aberto com as colocações de Jandira.
Em seguida, nos brindaram com um vídeo
que fala da robotização, automação, IA e os impactos disso nas relações
humanas. Um diálogo muito oportuno com a temática do Humanismo do encontro. Aprofundou
essa temática apresentando questões, problemas.
Finalizaram explorando uma música, causo na voz de Rolando Bodrim- DOCE DE CIDRA.
Num diálogo aberto conosco, Jamil foi nos percepcionando, produzindo deslocamentos, ativações da memória, tema tácito que o colega explorou nos seus apelos mais intimistas em oposição aos seus apelos mais mecânicos- celulares, Alexa e outros.Dos muitos ensinamentos deixados, transmitido ficou o exemplo de reciproca, que ele dá a partir da alegoria de Mia Couto sobre o macaco e o peixe. Na simplicidade e humildade dos exemplos, Jamil explora e ilustra sentidos profundos.
Uma lição singela da necessidade de irmos ao mundo do outro e como que as vezes, com as melhores intenções de ajuda, podemos machucar.
[1] Tive a honra e o prazer de receber o livro do amigo- PAX AETERNA: ensaio sobre o sujeito atômico. Um ensaio muito bom, trazendo discussões profundas, mas sobretudo um olhar muito interessante do eu cartesiano e do sujeito liberal de Locke. Duas perspectivas que se mesclam e sobrepõem a quem estamos sendo na contemporaneidade, ou pós modernidade.
[2] Autor do livro Odisseia da Educação: a dura jornada para tornar o homem bom.