terça-feira, 21 de janeiro de 2020

JEJUM: quando o corpo ensina a mente.




Creio que por volta de agosto, setembro do ano passado, às 5as feiras, eu passei a fazer jejum. Acordava por volta das 05:30 e ia até às 19:00 horas. Realizava a última refeição antes das 22:00 horas do dia anterior. Primavera estava fazendo jejum em prol do irmão e outras coisas e numa conversa bem informal, ela tinha me ensinado que era importante uma intencionalidade no jejum. Acabou que me juntei ao proposito dela e fui contribuir com a causa. Foi sensacional o que aprendi nesse processo de jejuar. Todo mundo já sabia, já sabe, mas para mim foi um reaprendizado. 

Nas primeiras horas tudo estava tranquilo. Estava em sala de aula e enquanto leciono não sinto fome. Na verdade, enquanto estamos em atividade a fome aparece pouco. No intervalo, todo mundo comendo na sua frente, por muitas vezes peguei o prato, tipicamente, um processo mecânico, como que dizendo: “na hora do intervalo se come.” Nesse hiato algo em nós nos pergunta: “vc está com fome?”
E a resposta era não. Era alguma outra coisa que desejava comer, se alimentar, pelo fato de  se está na 'hora' de comer. Não tinha fome, mas queria comer. Ou melhor, tinha uma fome, talvez relacionada a um vazio, a uma falta, a uma ansiedade, mas isso não poderia ser nutrido com comida. Demandava outro alimento. 

Dava mais dois horários, terminava a aula, ficava um tempo mais conversando fiado com os amigos e vinha para casa. E é nessa ociosidade que todo o processo começa e fiquei escandalizado como que nos ocupa.

A maior parte do tempo, eu ficava pensando no que ia comer. Na outra parte no que ia fazer para comer. Eram duas horas da tarde e eu pensando às 19 horas da noite. Impressiona o tempo que gastamos pensamos em comida, o tempo que gastamos fazendo comida e a nossa inconsciência de não saber o que estamos buscando alimentar, que estomago é esse que desejamos nutrir. Isso era um pensamento constante e faminto cuja conclusão que cheguei é de que A GENTE COME É A IDEIA. A comida mesmo, a gente ingere pouco. A comida é um detalhe. Tem pouco ou nada a ver com a fome. O que nós comemos, o que nós ingerimos, o que nos engorda ou o que nos emagrece tem pouco a ver com o que comemos. Tem mais a ver com a forma, o modo no qual nos alimentamos. Isso chamou a minha atenção.

E, quando achei que estava tudo certo, não tinha nada mais a aprender, vejo um post de um amigo evangélico que dizia algo mais ou menos assim: “jejum sem oração é dieta para emagrecimento”. 


E é justamente isso. A intenção, o propósito é importante, fundamental para a obtenção de um objetivo, no entanto, o diferencial está na oração, na meditação, em algo que nos faça atentar, antenar para essa relação corpo e alma. Corpo-mente.
Essa é uma relação complexa porque a gente pensa que o malvado é o corpo, quando na verdade, o sabotador, inúmeras vezes, é a mente. O corpo é um programa que executa e cumpre sua programação com perfeição, lisura e alta performance. A questão toda é a mente. Ou melhor, o ‘conflito’ entre o programa autônomo instalado no próprio corpo e o programador (mente) que pode operar harmonizando ou desarmonizando o programa. Encontrar essa relação, essa mediação não é fácil. 

A mente tem ideias, tem imagens, tem teorias, tem conhecimentos, que muitas vezes impedem o funcionamento do corpo. A mente tem percepções que travam as ações do corpo. O corpo tem outra lógica, uma racionalidade, endógena, extremamente, funcional.

Aqui, eu exemplifico com o esporte. Há uma velocidade de movimentos que é impraticável vir da mente, eles acontecem como se as pernas, as mãos, soubessem o que tivesse que ser feito e a mente não atrapalha a execução. Ela apenas abre o fluxo para que o movimento se realize. Essa combinação corpo-mente é linda. É uma interação refinada. 

Nos atendimentos, por muitas vezes, fico falando para os partilhantes sobre atividade física. Não na busca de se ter um corpo sarado, de se ficar gostosa, mas na restauração desse circuito corpo-mente. Na busca de se encontrar a correspondência entre o pensamento e a execução do mesmo. Em diminuir o hiato, o lapso entre o que se pensa, o que se deseja e a realização, a materialização disso. A medida em que vamos afinando esse circuito, vamos minimizando o nosso tempo de resposta. Isso pode parecer bobo, mas é altamente significativo. Há dias que entre o abrir os olhos e levantar demoro minutos, horas. Esse lapso temporal pode ser mensurado em tantas outras coisas ao longo do dia e da vida. A diferença de se levantar para dar aula no 1º horário numa turma e no dia seguinte em dar aula para outra turma no mesmo horário. A diferença de se levantar para ir a uma reunião escolar e ir para o jogo de futebol. O tempo de resposta para ir aos lugares que gostamos, para realizar o que desejamos é infinitamente menor. É como se acordar-levantar-aprontar fossem um único ato e correspondessem a um mesmo movimento. O contrário é inversamente proporcional.

No jejum com oração/meditação é rigorosamente o mesmo desafio, a mesma busca por afinar esses dois tempos, essas duas racionalidades: corporal e mental. No jejum a mente quer comer. Ela tem certeza que se você não comer nos próximos minutos, você vai morrer. Vai ter um colapso. Situação similar enfrenta quem por exemplo pratica Cooper, corrida de 5, 10, 21, 42 KM. Exerce alguma atividade física e busca transpor alguns limites. Limites? 

Alguns limites são corporais mesmo. São? Parece que todos os limites são da mente. Parece que se ela não avisar para o corpo este consegue se superar, ir além, dar um passo adiante. Quando a gente está correndo, a mente nos mata a cada metro. A cada passo, ela desvia a sua atenção, te traz uma lembrança, te ativa um compromisso. Uma conta para pagar. Algo que te bloqueia. 


O interessante de todo processo é que a mente consegue correr uma maratona sem sair do lugar. E, muitas vezes é importante fazer isso. Deixar que a mente percorra o caminho, mentalize e idealize todo o processo, todo o jogo. Grandes esportistas realizam isso antes das competições. Eles jogam o jogo inteiro dias, semanas, horas antes da partida. Depois apenas cumprem o roteiro, realizam o ritual. Mas, já jogaram o jogo antes e não deixaram a mesma mente criar obstáculos intransponíveis ao corpo durante a partida. De longe parece que o jogo para eles é fácil porque eles treinam muito e mais do que os outros. Na verdade, é o circuito corpo-mente afinado, sintonizado, que produz um campo mental, físico, visível, quase palpável: os caras dominam o ambiente, fisicamente e mentalmente. É uma força mais ampla que a física, mais concreta do que a da mente. É tangível, perceptível, quase se toca. 

Luxemburgo quando técnico do Real Madri, num dos seus primeiros jogos na Champions, creio que contra a Juventus na Itália, estava ganhando o jogo, achou que Zidane estava cadenciando demais, poupando demais e rendendo de menos e acaba por substituí-lo. A ele e mais um. O Real toma a virada, perde o jogo ganho, morto, em 15 minutos. A ideia era de que a presença de um jogador, lento, cadenciado estava controlando não a ele, mas ao jogo. O cara tinha imposto o ritmo do jogo para as duas equipes, quando ele é substituído esse campo que ele produziu é quebrado, os caras foram para cima. De fora algumas pessoas não percebem, mas dentro de campo é nítido. Alguns caras controlam o campo de jogo, dominam o ritmo e a intensidade da partida.  

Afinar o corpo com a mente não é fácil. A mente busca a acomodação. Ela sem essa sintonia tenta prescindir do corpo. Afinal, qual é a diferença? Se fui capaz de mentalizar toda atividade na cabeça por qual motivo vou fazer isso fisicamente?
É aqui que entra a superação. A excelência, a busca pela execução. É este o preço que muitas pagam e nem todos estão a fim. Para uma grande parte das pessoas saber que é capaz mentalmente e para si mesmo de correr mais rápido é suficiente. Outros querem mostrar essa eficiência e cada dia buscam aprimorar mais. É uma lapidação da mente-corpo. Para muitos a luta é contra o outro, superar um adversário. Outros aprendem que a superação é contra si mesmo, um melhoramento de si mesmo. Uma auto superação. 

Correr, jejuar, meditar é desafiar a mente, não o contrário. O corpo quer. O corpo só para na exaustão. Mais precisamente, o corpo tende a inércia. As leis de Newton se aplicam com muita ‘acertude’. Para retirar o corpo do repouso é necessária uma força, uma aceleração. Uma programação. Fora isso, ele age pelo seu próprio comando, seguindo a sua programação instalada de fábrica. Encontrar o ritmo e a dinâmica entre a programação instalada de fábrica e as atualizações da mente é o que gera excelência, seja a área que for. 

O atleta de ponta é aquele que domina o corpo, respeitando sua programação e a ampliando em direção a concatenação com a mente. Os melhores esportistas, como em quaisquer outras atividades são aqueles que minimizam a distância, o hiato entre o pensamento e a execução. Nos negócios é chamado de pro-atividade. Consegue-se diminuir as resistências das ideias em relação ao corpo e da execução em relação as ideias de tal sorte que corpo se faz mente e mente se transforma em corpo. Efetiva-se uma simbiose que encontramos em parte no nascimento, na 1ª infância e paulatinamente vamos perdendo. Poucos recuperam essa relação eficiente, harmoniosa, entre corpo e mente na fase adulta. Na maioria de nós esse funcionamento se dá a reveria da mente, do próprio corpo. A consciência não é despertada hora nenhuma. O corpo apenas funciona. A mente apenas idealiza, pensa. Os dois se fazem distintos, opostos, antagônicos. Crescem para lados e direções contrárias. Um trava o livre e profícuo fluir do outro. 

Diferente das pessoas que vão se especializando numa atividade física. Elas vão ganhando uma consciência corporal que não funciona sem a mente. Mas, não uma mente castradora, é uma mente alinhavada a cada musculo, a cada nervo, a cada neurônio. E estou pensando apenas numa relação mais locomotora, impulsional, sem adentrar muito no modo da harmonia de todo sistema. Esse domínio respeitoso, por vezes harmônicas se materializa, se cristaliza, se faz visível na capacidade de domínio que temos das construções que vamos edificando ao longo da vida. No caso dos esportistas se fundamenta no controle mental que eles têm do jogo, do campo. Há um domínio, uma imposição, uma força que se pode aprender a utilizar com consciência fora daquele espaço de disputa. É comum jogadores de futebol chamar determinadas partes do campo de sua casa, representando a capacidade deles de domínio. Alguns conseguem ampliar essa conquista para fora das quatro linhas, outros quando perdem esse espaço, seja por contusão, por aposentadoria, entram em declínio, em ruína, em todos os aspectos, especialmente, os relacionados ao vício. Essa é outra história.



Todo exposto acima, a relação corpo-mente, a disputa corpo x mente têm relação direta com a sexualidade, com a transa, com a natureza x a cultura e tudo que reputamos animalesco. O animalesco é da ordem da natureza, do natural, do software instalado em nosso próprio corpo que roda sozinho sem interferência de nada, ninguém. O corpo tem um circuito que age por si mesmo, basicamente, no modus sobrevivência e reprodução. Todos os outros sistemas são atualizações colocadas na máquina. Encontrar o equilíbrio, o funcionamento harmônico entre cada corpo-mente com sua cultura, com sua natureza não tem sido fácil. Construímos uma cultura e temos alimentado um modo de vida que fere todo corpo, negligencia toda natureza e toda naturalidade. 


Tudo o que vem do corpo é tido como repulsivo, primitivo. Gritar de dor é feio, sentir raiva não pode, chorar em público não deve, transpirar é proibido. Nas escolas o vigiar e punir tem como escopo uma educação na qual não haja corpo, apenas mente. Desde a infância em nossa cultura vai se cortando, dividindo, separando a edificação corpo-mente como continuum à manifestação da consciência. Vamos nos dividindo ao ponto de uma grande maioria viver como se não tivessem corpo e a outra como se não tivessem alma. Dois reducionismos perigosos, vulgares, que geram os mais diversos transtornos, desarmonias, doenças.

Doenças que somos cada vez mais impelidos a ver e a compreender como individuais, mas que uma análise mais profunda, revelam que elas são coletivas. Fruto dessa distensão corpo-mente, natureza-cultura.

Obviamente, se não colocarmos a mente como freio, o corpo não encontra limites. E, no campo da cultura temos limites. Quais? Como os estabelecemos? 

Em suma os estabelecemos como sendo aqueles que nos retira da condição estritamente animalesca e nos abre às condições humanas. Não deveríamos perder de vista que nosso humano é igualmente biológico, fisiológico, animal e não somente mental. Talvez a literatura oriental, hindu ao falar de 7 corpos e não apenas de um, auxilie a mapear isso com mais tranquilidade. Sem dúvida que as culturas tribais africanas e indígenas conseguiram melhores êxitos nesse processo do despertar de uma consciência na qual o corpo espelha a cultura e a mente reflete o respeito a natureza sem desajustes, desarmonias. As doenças nessas tribos, nesses sistemas são diferentes. As doenças em nossa cultura são tidas como marca da desarmonia do indivíduo em relação ao todo. Mais precisamente, nossa cultura tem construído inversões tão danosas, que temos adoecido e levado ao adoecimento, justamente as pessoas que tem uma dimensão mais harmonizada com o corpo e suas representações. Pessoas que exteriorizam o que sentem, são e estão cada vez mais sendo submetidas a tratamentos como sendo loucas, anormais, doentias, justamente por sentirem.

Mas, retornando ao corpo e agora o classificando como sexual, instintivo. Esse corpo não vê impeditivo entre ele e a saciedade do próprio desejo; pelo contrário, tudo o que existe é para saciar o próprio desejo. Tudo o que existe se faz enquanto ‘vontade de potência’, um conceito nietzschiano que de maneira bem simplória nos retrata que tudo o que respira, quer viver e continuar vivo e a programação desse viver é a própria sobrevivência. 

Uma sobrevivência individual. Nem se pensa em se preservar o outro. Não se tem a menor identificação com parceria, alteridade, família, comunidade. É estritamente egocentrada. O contraponto que preciso estabelecer é o de que embora possamos cogitar que estejamos vivenciando avanços e melhorias civilizatórias temos feito uma regressão. Mais, temos criado uma perversão que resulta no individualismo, no egocentrismo. Uma redução da sexualidade a genitalidade. Isso que denominam civilização é uma barbárie de alta tecnologia na qual seres de todos os reinos, assim como toda natureza se tornaram descartáveis, inúteis, rejeitos que podem ser excluídos, jogado fora, sem nenhuma objeção. Fala-se de corpos sem mente, zumbis e temos as drogas que mostram como isso é possível e está em voga. Temos cidades sem um vegetal, todos arrancados em nome do progresso. Para esses seres que produzem essas coisas, a realidade é uma projeção holográfica, uma criação computacional. Se tivermos lembrança de natureza na mente, ela para eles é descartável na fisicalidade. A síntese dessa perversidade é que ela não consegue alcançar o prazer a não ser matando para saciar-se. É um prazer sem troca, sem reciprocidade. É um gozo masturbatório, ou uma “masturbação vaginal” como Reich chamava algumas relações sexuais, especificamente, aquelas nas quais o macho introduz o pênis, ejacula e termina a transa que começou sem beijo, abraço e terminou da mesma forma objetal que começou. 

O que observamos ao perceber esses movimentos é que eles não entenderam o corpo sexual. Por um lado, enquanto perspectiva energética, ao corpo sexual-instintivo, não interessa se o outro é casado, ou se é mais velho, ou se é parente, ou se é criança. Esse desejo, essa energia deseja sobreviver, reproduzir, saciar-se. É a partir do reino da cultura, do coletivo, do plural, do outro, que se tensiona esse desejo: “mas é a mulher do meu irmão! É o meu filho!” Isso não é moralista no sentido de certo ou errado, céu ou inferno. É moralista no sentido de que nível de fluxo de energia, de relação corpo-mente você se encontra.

A mente é o anteparo da cultura para administrar esse nosso desejo por e de... Mas, qual sentido e lógica tem para o corpo se a pessoa está ou tem um anel no dedo?  Ou quaisquer uma dessas lógicas que usamos, cobramos? De modo geral, como quisemos apontar, não tem. E, por não ter no sentido visceral do termo é que construímos uma ponte para darmos um passo à frente em nosso processo coletivo, civilizatório.

Saindo da digressão, friccionar o corpo, rompe algumas estruturas da mente. Friccionar seja no campo da atividade física, seja no ato sexual, alargam a mente a partir do corpo, da superação dos limites colocados pela mente. Fortalece o psíquico, o emocional. Amplia a confiança. Compreende-se os limites.


Mas, o ponto é: do que nosso corpo precisa? Qual é o corpo ideal? Nós exageramos demais no cuidado com o corpo. Esse corpo mimado não consegue responder às questões. Os caras com corpo sarado, perfeitos, lindos, levantam 70 kg no supino e não pegam dois sacos de cimento. O outro nas mesmas condições de saradeza que não consegue correr 10 minutos. A outra linda, gostosa, barriga negativa, 2% de gordura no corpo, não dá conta de passar a roleta com uma mochila e duas sacolas. Corpos de academia. Belos, esculpidos, mas quase artificiais, já que não conseguem ter espontaneidade, não conseguem ter funcionalidade diante da vida. Nem cheiro esses corpos possuem. Não há transpiração. O suor não tem cheiro. É diferente do corpo do trabalhador braçal, na labuta da construção civil, ou da zona rural. É diferente do corpo da moça gorda, da outra com joelho doendo, mas que suportam os sacolejos do bus, da vida.

Estamos mimando nossos corpos. E, isso deixa a mente no controle, indolente. A mente não pode controlar essa esfera, porque ela te faz acreditar que sem travesseiro de plumas de ave australiana, você não consegue dormir. Que se a mulher tiver estria você não consegue transar, que se o celular não for da última geração você não se comunica. E, entramos nessa loucura que estamos hoje, corpos mimados por mentes que reduzem o corpo a sua instalação de sobrevivência e ignoram o corpo enquanto corpo, isto é, reflexo e espelho da natureza e da cultura.

Finalizando, o mestre indiano fala dos EUA, da cultura ocidental.

Para nós ficarmos 8 horas sem nos alimentar é complexo, porque nossa mente está cheia de conceitos. Nós nos alimentamos pouco dos alimentos e muito mais das ideias que eles têm e trás. Quando bebo Coca Cola, como Big Mac, estou me alimentando outra fome. Talvez de reconhecimento, não sei. Nélson Rodrigues lá no milênio passado nos disse que a fome tinha mudado. Contava o caso de um transeunte que deu uma bisnaga para um pedinte. O pedinte não teve dúvidas, bateu com a bisnaga no transeunte. Nélson disse que a fome não era mais de pão. 

E, de fato, quando nossa mente nos diz que estamos com fome, abrimos a geladeira e vemos frutas, verduras, dizemos que não tem nada para comer. Se saímos para um passeio com uma geração mais nova e se disserem estar com fome e comprarmos pão, corremos o mesmo risco do transeunte. Poucos conseguem saciar a fome se alimentando de pão, verdura, frutas, água. Nossa fome é saciada com enlatados, embutidos, alimentos prontos que abrimos ao invés de descascar. Nossa fome é de um desejo de consumo. O prazer de fazer compras é para muitxs igual ao de comer. Para muitxs a foto do prato que vai se alimentar postado nas redes sociais alimenta mais do que a comida, está pode até ser jogada fora. As fomes são outras e enquanto não temos consciência delas, nós produzimos, somos co-responsáveis na desnutrição e miséria de milhares. Pode não parecer ter relação, porque cada vez mais temos cortado o circuito corpo-mente, natureza-cultura, nos levando a acreditar que somos individualistas. Que não temos co-participação com nada, nem ninguém. Essa alienação, essa ilusão não nos vê como corpos de um mesmo e único sistema. Nos faz acreditar que meu corpo é só meu, sem interação, relação, reciprocidade, contato com os demais. 

Isso mostra que o que nos engorda são as ideias que ingerimos dos enlatados. O que nos engorda é a busca frenética por desejos que não são nossos e nem da nossa natureza. Consumimos, digerimos sonhos, metas que são de outros corpos, ou melhor de outras mentes. Mentes individualistas que não compreendem que por mais perfeita a regulação do corpo, ele se realiza, se plenifica no outro. 

A contradição que pira é que o corpo, software que vem com instalação de fábrica, instalação altamente singular, criada para cada indivíduo como uma impressão digital, alcança o seu gozo, o seu orgasmo, a sua plenitude, junto ao outro. O corpo ganha plenitude quando se torna e se faz abraço. Já a mente, que é coletiva, plural, só ganha sentido, quando se individualiza. Se a mente não consegue tocar a singularidade do corpo, ele o paralisa, o imobiliza, o adoece, o frustra, o cinde. E quando a mente se singulariza pela percepção que ela ganha do seu corpo, a consciência expande. Corpo se faz mente. Mente se faz corpo. Ambas são consciência do que somos, de quem somos. Consciência de limites e aberturas. 

Ficar 8 horas sem se alimentar quebra a forma com que vemos o mundo. Se eu fosse comunista iria propor regime para refletirmos sobre a sociedade de consumo, rsrs. Mas, a ideia de se ficar 8 horas sem se alimentar, ou a de fazer jejum uma vez no mês, na semana, na vida é a de perceber qual é a sua fome? Do que você se alimenta? Quem e o que a gente alimenta quando comemos? De modo geral, constatamos que comemos muito mais do que nosso corpo físico necessita e deixamos a mingua, em inanição o que precisaríamos alimentar: nossas mentes, nossas almas, nossa transcendência. 

Ainda nessa linha, 8 horas sem comer, assim como o jejum, nos auxilia a perceber qual o tempo de resposta entre a nossa intenção e nosso ato? Quanto tempo levamos entre nosso desejo e a busca por ele? Esses processos tendem a nos dar consciência de que somos e estamos muito mais reativos, correndo para onde nos mandam, fazendo o que esperam de nós, do que atentos as nossas verdadeiras vontades. A nossa fome real e não a fome conceitual, insaciável, que para ser saciada representa a nossa anulação, ou a anulação do outro. Quase nunca um banquete à Platão, ou uma ceia à Jesus. Estamos nos alimentando como se fossemos máquinas hospedeiras de uma força perversa, que não sabe o prazer de compartilhar, dividir, gozar. Uma mente que não sabe o que é ser corpo. Um corpo entorpecido que não consegue individualizar a própria mente.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

OS ABUTRES e os rumores de guerra.









Desde o atentado terrorista de Trump que estou buscando alguém para nos esclarecer se a moratória está valendo? Estou me referindo a DATA LIMITE revelada por Chico Xavier. Como nem fiz essa busca e tampouco achei a resposta, resolvi eu mesmo especular.



Por um lado, de fato conseguimos. Conseguimos igual nós professores garantimos a aprovação de alguns alunos. Porque se fosse exigir os 60% por esforço e competência própria a reprovação seria em massa. Então os caras olharam para o lado e não relevaram as guerras fraticidas, as ditaduras, as invasões a territórios dos coleguinhas. Eles só computaram 3ª guerra mundial. Essa não teve, ufa. Nem terá, demos graças. Não obstante, os malditos não param de conspirar e atentar para causar a destruição em massa. 

Ontem depois do revide do Irã, eu já não sei mais se não teremos, todavia, fiquei pensando: o que nós meros mortais podemos fazer?



Nesses momentos sempre se receita oração e jejum, porém quero incrementar mais coisas e problematizar outras tantas. Tem traficantes orando a Deus depois de destruírem terreiros de religiões de matrizes africanas. Tem ladrões, latrocidas orando para Deus abençoar suas ações. Tem homens acendendo velas para ter as mulheres de outros homens. Tem fieis orando para presidentes canalhas. Então, quero nesse momento, desqualificar essas orações e propor uma análise do motivo e em seguida alguns procedimentos que talvez possamos adotar, afinal como chegamos a isso?



Melhor não fazer essa pergunta, porque não teremos tempo de responder e sou tentado a acreditar que apesar de tudo, nós melhoramos. Melhoramos? Por incrível que pareça sim. Somos pouca coisa melhor do que antes, mas queremos mais. Desejamos e necessitamos mais. Não mais nesse sentido louco, desenfreado, insano do consumo. Mais no sentido de nos melhorarmos, de sermos mais fraternos, mais abençoados, mais humanos. Tal empreitada nos coloca diante de duas portas, propostas, lados. Um lado técnico, que não tem nenhum pudor em substituir o humano, descarta-lo, não apenas o humano como tudo o que vive, em detrimento das máquinas, do luxo, da riqueza. Outro lado que não abandona a técnica, mas que a pensa a partir de uma relação sistêmica, ecológica, com todo o meio ambiente. Na primeira temos uma lógica de exploração, dominação. Na segunda temos uma lógica de sustentabilidade, amorosidade. Não somente a outros humanos como a todos os outros reinos. E isto evoca duas forças poderosas que rondam nosso planeta desde sempre. Tentemos falar sobre elas.




A primeira força, eu vou denominar de abutre. Nada contra os animais úteis e importantes a cadeia alimentar. Utilizaremos a analogia e veremos no que elas se aproximam e naquilo que se distanciam dos nossos amigos do reino animal.



Um abutre não abate a presa para dela se saciar. Ou seja, ele não ganha duas vezes, uma abatendo, outra se saciando. Pelo contrário, ele se alimenta depois da presa ter sido abatida e depois de várias outras espécies ter se saciado. É nesse sentido que os abutres nos quais referimos são seres trevosos. Forças que se alimentam dos restos. Seres que matam para eles terem acesso a carniça, que eles mesmos comem. De modo que, os abutres no sentido que queremos dar são seres que se satisfazem e se locupletam com a miserabilidade da cadeia alimentar. Da ponta ao rabo apenas eles se saciam, se deliciam. Se deliciam criando guerras, matando, vendendo armas para matar, coletando despojos, enviando missionários para encaminharem as ‘almas’, reconstruindo as cidades que destruíram. Enfim... vomitam para comerem de novo, lamberem outra vez o seu gozo.







Essas forças sempre existiram. Não são uma descoberta recente. Elas atentam os seres, fragmenta, divide os reinos desde sempre. O seu objetivo é ser adorado, idolatrado e essa força vive da idolatria, da adoração. Elas permeiam nosso campo astral, vivem nos porões do nosso universo psíquico. O diferencial é que talvez essas forças passam por um processo de integração. Nos convidam para uma integração. Nada fácil, nada tranquila, mas que temos desenvolvido há milênios e estamos nos minutos finais. Finais de que?



Os cristãos esperam o fim desde o início. Poucos séculos, décadas depois da crucificação e a ideia de fim já estava rolando na cabeça dos fiéis. Já se passaram dois mil anos e ainda não começaram, nem terminaram, viraram o início do fim, o pior do que se pode ser. O pior, porque não honram a vida, o viver. Tudo vira pecado, culpa, remorso, dor, sofrimento, cansaço. Tudo se faz morte antes de ter sido vida. Uma tristeza de quem ao nascer já espera o fim, sem saber quando ele vem, quando ele chega e nessa ânsia, mortificam-se todos os dias, o dia todo.



Por isso é tão complexo mensurar esse fim. Historicamente, podemos deduzir que o mundo não acabara como pensamos. Nem em fogo, enquanto bomba atômica, nem em água estritamente física, se bem que essa é mais possível. E, saindo dessa perspectiva talvez possamos abrir o campo do simbólico para pensarmos esse termino como RENASCIMENTO. Fogo e água nesse sentido mais profundo e simbólico denota renascimento, transformação. Uma transformação que acontece a todo tempo, o tempo todo, desde que a pessoa se permitam a fusão do início sem temer o fim. Talvez seja esse batizado com água ( João Batista, Ganges) e com fogo ( Kristo, Krishna) estejam nos ensejando. E, isso já está acontecendo com forjas cada vez mais fortes. O fim não é escatológico, porque o início é agora, a qualquer tempo, a qualquer momento. Num ato de graça, num encontro da intenção vocacionada com o ar, com o fogo, com a terra, com a água, o milagre acontece. A transformação ocorre. Da água em vinho, da lepra em cura, da cegueira em visão, de 5 pães para a multidão, do pão em corpo, do vinho em sangue, do homem em deus. A integração se dá no agora, onde quer que esse agora seja, esteja. Ele se faz e não há fórmulas para a Graça. Não se controla o sopro do espírito que leva e conduz o filho do homem. 





Então há forças de prontidão para impedir e inviabilizar aqueles que desejam e pleiteiam o fim. Essas forças agem pelo intermédio de nossas vontades, intenções, quereres. Podem agir a revelia de tudo isso, mas agindo assim, elas perdem aquilo que as diferencia: o respeito sagrado pelo outro ser.

Creio ser importante salientar que essas forças são físicas. Necessito abrir um parêntese para destacar essa ideia.



Compreendam que os abutres existem e se alimentam de nossos medos, frustrações, raivas, intolerâncias, ódios. Essas forças não são físicas, pelo menos não no sentido de criação. Por mais dualistas que somos e tentamos pensar o bem sempre ao lado do mal, a luz ao lado das trevas, aqui estamos falando de outra ordem das coisas. Num entendimento superficial da física não se distingue matéria de energia. Uma e outra são intercambiáveis. No entanto, os abutres só ganham densidade, condensação, materialidade na alimentação desses atributos que mencionei acima. Essas forças por si mesmas não tem constituição material. A materialização delas demanda a soma de todos os medos, exclusões, ódios, rejeitos mentais do nosso ser. 



Por incrível que pareça, as forças de prontidão são físicas, visíveis, atuam no invisível. A cultuamos como se fossem entes distantes, lendários, mitológicos, sobrenaturais. E isso é como se restringíssemos a força de atuação delas. O belo. O bem. O amor são existências concretas, independem da matéria para serem. Expressam nela também, mas independem dela. O amor existe, naturalmente, sem demandar esforço, oração, simpatia, caridade. Ele é a expressão natural da vida. Porém, nós invertemos isso. A maioria das religiões pentecostais cultuam mais o temor ao diabo do que o amor de Cristo. A teologia da prosperidade ensina mais a miséria dos abutres do que a Graça divina. Invertemos as coisas. Invertemos a lógica e fomos dando materialidade as trevas, aos abutres. Fomos dando densidade, materialidade a atributos que só existem enquanto ilusão, perversão daquilo que somos. Talvez aqui seja o Armagedon, enquanto representação de uma luta de cada um de nós contra as próprias crenças, contra as nossas trevas. 







Volto a me repetir, enfatizando que sombras é diferente de trevas. Luz e sombra são opostos complementares. Trevas é o resíduo excretado disso. Esse resíduo excretado tem, basicamente, duas fontes, uma que vem da integração e naturalmente deixa um resíduo, facilmente identificado e transformado. Dois, da ignorância, do desconhecimento das nossas sombras. Os abutres se materializam a partir dessa ignorância. Alimentam-se, nutrem-se, dessa materialidade espúria, dessa redução do homem a pó, a corpo. Dessa redução do agora ao depois de amanhã, da vida terrena ao paraíso. As trevas se insinuam, seduzem, persuadem em muitos segmentos, lugares. São joio infiltrado no meio do trigo




Pois bem, quando permitimos, ou melhor, quando votamos em Trump, Bolsonaro e similares somos nós dando materialidade aos abutres que existem em nós, que também sou eu. O preocupante é que o alcance das minhas trevas é o quarteirão do meu bairro, são as dezenas de pessoas com quem convivo diariamente. Já quando sou alçado a astro pop, a ídolo do esporte, a vereador da minha cidade, deputado do meu estado, presidente da minha República/país, eu amplifico o tamanho da minha maldade. As trevas se condensam em torno de um lugar, de um ser. Esse ser pode desencadear a força dos abutres em muitas direções. Impingir uma lógica de carniça como sendo a de um banquete. É assim que nós encontramos. Dispensamos natureza, amor, família, fraternidade para nos regalar com tecnologia sem alma, asfalto, esgoto a céu aberto, competição desenfreada. Acreditamos mesmo que viver na favela dos grandes centros, comendo fastfood, quando se tem algo para comer é mais prazeroso, verdadeiro, do que comer arroz, feijão, angu e couve plantada e produzidos nas zonas rurais.



Todavia, longe de culpar nossos dirigentes, individualmente e exclusivamente, é importante que saibamos e nos conscientizemos que eles são fruto e somatória de nossas esperanças tristes, frias, materialistas, egoísta, mesquinhas, tolas, fúteis, quase inúteis. Em verdade, inúteis a propósitos maiores que nos conectam e nos interconectam a vida.








O texto não tem o objetivo de pedir oração, vibração, porque muitas trevas são geradas por aqueles que não percebem as próprias sombras. Por aqueles que focados numa concepção de bondade, de luminosidade, cegam e queimam a todos que estão a sua volta.  



O objetivo do texto é nos convidar a não temermos nossas sombras e a abraçá-la, acolhe-la. Seja com raiva, seja com dor, seja com medo, seja com briga. Acolher a sombra. Nossas dores, feridas, ressentimentos. Frustrações. Acolher partes nossas preteridas, abandonadas. Sermos carinhosos para recebermos as dores, as feridas do outro e a consolarmos.




O objetivo do texto é nos convidar a sermos sinceros com o que pensamos e sentimos sem nos condenarmos por isso. Os abutres se alimentam da culpa, do remorso, da negação. E a sinceridade dissipa a atuação e a influência desses seres. Eles se esvaziam. Perdem o ar e deixam de ser, de estar. Abandonam nosso ser, não porque viramos luz e sim porque aceitamos nossas sombras.







As trevas é o que se esconde da luz por medo e das sombras por vergonha e identificação. Ela mesma não resiste nem ao acender do pau de fósforo e menos ainda ao reconhecimento de que sombra não é treva. Sombra é parte integrante da luz. Igual árvore é copa e raiz. Ser integral é composto de luz e sombra. É esse reconhecimento que nos movimenta existencialmente. 

É esse movimento que consolida níveis dimensionais que muitos deslumbrados ficam repetindo sem compreender a importância e o significado. Ser da 1ª ou da milésima dimensão só implica na consciência e na responsabilidade de saber os limites da sua luz e o alcance da sua sombra. É essa consciência que altera estados dimensionais. Os deslumbrados falam de seres da 5ª, 6ª, 7ª, milésima dimensão sem compreenderem que a maior parte dessa escala está sendo dado pela idolatria, pela ilusão que os abutres incutiram em nosso sistema de crenças.





Dessa forma nossa oração é nosso ato. E, todas as vezes que eu penso em mim em detrimento do outro e do todo, estou sendo trevas e alimentando as trevas. Os votos que elegeram e tem elegido uma grande parte dos dirigentes mundiais tiveram essa característica. Ou quem em sã consciência pode afirmar que Qasem representa o melhor de um povo? Que o voto em Trump foi pensando no outro e no todo? Que se elegeu o capitão por sua consciência moral acolhedora? Esses votos são a expressão de nosso individualismo, dos nossos medos, das nossas frustrações. Esses votos condensam a esperança medrosa de que algum ente material, numa posição de destaque pode consertar e salvar o mundo. Esse voto representa a tentativa medrosa de que um ente vai nos salvar. Esse recrudescimento, esse materialismo impossibilita a Graça de realizar a transformação, a magia, o milagre em cada um de nós. De sermos aqueles que em harmonia com o todo, beneficiam o outro e aos envolta.



Não poderia deixar de registrar que esse texto é fruto de uma ‘conversa’ que tive com uns seres quando estive em Santana dos Montes com a Vênus Negra. 

Olhando para o céu no dia em que chegamos percebi naquele silêncio da noite estrelada, algumas movimentações luminosas, que se davam em formação. Como não conhecia e nem sabia quem era, não dei muita trela, mas ao tomar banho, um ser com uma cabeça similar aos caras que chamo de cabeça de skate, se apresentou para mim. Eu os chamei de homens pássaros e parte do que se segue tem uma relação com o que ‘eles’ transmitiram e sonhei pelas duas noites que lá estivemos. Uma hora volto a isso, mas fica o registro.




 A imagem tem pouco ou nada a ver, apenas as asas. A cabeça era próxima a de um falcão. O tamanho era em torno de 1,90/2,10. Parecia ser masculino. O rosto era sério. Tinha na face algo que parecia plumagem, barba. A energia era severa, brava, minha forma de definir seriedade, austeridade. Nem ele e nem eu estavamos desejosos da conversa. Ao mesmo tempo um sentimento de liberdade. É o que dá para trazer agora. Não vou entrar na energia, continuo não querendo contato, por não saber do que se trata.