segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Haiti não é aqui

Assim destaca Eduardo Galeano:


Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos tinham conquistado antes a sua independência, mas meio milhão de escravos trabalhavam nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores. A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação.

O Haiti apoiou a liberdade e forneceu homens e armas para a luta pela independência da maioria dos países latinos americanos, em troca pediam apenas a liberdade dos negros escravizados. Estavam mais sintonizados aos ideais espirituais alardeados do que os franceses que já tinham vivido o Terror implantado por Robespierre e a expansão napoleônica e os americanos que como vimos na frase de Jefferson nem concebiam a possibilidade de libertação dos negros.

Papa doc "reativa" esse contato fundante do povo haitiano, invocando forças poderosas. Talvez ate forças opostas as que foram colocadas acima e que, provavelmente, auxiliaram na independência do Haiti. Sim, nesta época, enquanto Napoleão era temido em toda Europa, os haitianos expulsaram as tropas francesas do país. Para se ter noção do tamanho da façanha basta pensar que em 1808 a família real portuguesa estava fugindo das tropas napoleônicas para o Brasil. Antes disso toda a região das Antilhas abastecia o mercado internacional com as plantações de cana de açúcar, que tinham como oponentes apenas o Brasil. Eles herdaram então um poderio econômico fantástico, todavia sofreram os primeiros embargos da história da America latina.

Após a independência e ao longo de todo o século XIX, o Haiti aumentou a exploração de suas riquezas, mas esse processo lhe custou um grande endividamento externo, especialmente com capitais norte-americanos. Essa dependência cresceu até o momento em que os EUA, sob a justificativa do não-cumprimento dos contratos, invadiram o Haiti em 1915 e o transformaram em uma colônia até o ano de 1934. Era o Big Stick funcionando a todo vapor na América Latina.

Estes embargos foram repetidos agora no século XXI para derrubar Aristides e podemos dizer que o embargo só terminou agora quando o país mostrou os seus escombros e o que os assola a mais de 200 anos.


Fato é que Papa Doc se manteve tanto tempo no poder, primeiro, porque contava com a ajuda e os subsídios americanos para as suas atrocidades sociais. Segundo, porque contava com uma parte respeitosa de lideres vodus que lhe asseguravam o temor e o fervor necessário. E isso é louco. Parece ser um caso clássico de obsessão. Não por espíritos em si, mas por forças trevosas que impedem, ou tentam impedir quaisquer manifestação de luz, harmonia e amor em qualquer lugar do mundo.

Essas forças são estranhas, porque elas gerenciam o poder. Lidar com o poder político é em suma aceitar e compactuar com essas forças em maior ou menor grau. Elas pedem um controle que é realizado no nível da miséria, da carência, da falta, do medo, da mendicância e de tudo isso que faz com que o Haiti seja aqui também.

É uma energia que inviabiliza a expansão, a prosperidade. Essa força esta coligada com a corrupção. Ela pode ser vista e sentida nas faltas de saneamento, nos esgotos a céu aberto, nas adorações fanáticas seja por time de futebol, ou por Jesus Cristo é o senhor; enfim quaisquer manifestações que embotam e impedem as pessoas de perceberem a sua situação real. Essas forças dominam uma parte considerável do mundo e hoje se escondem e se revelam por trás dos tráficos de armas, drogas, animais, medicamentos e a rede pornográfica. Nenhum governo se opõe a estas forças, porque são eles que fazem a movimentação financeira e econômica do planeta. A pergunta obvia é: de quem você esta falando?

Estou falando dessa força sem nome, sem cor, sem direção, mas que esta em todas as partes, em todos os lugares. Não sei o nome delas, sei que elas atuam. Tinham e já tiveram mais alcance e potencia, mas continuam existindo. Parte da atividade dos trabalhadores da luz é auxiliar a neutralizar essas forças. Não de forma direta, indo lutar contra, se opor, mas apenas mostrando outras possibilidades.

Papa Doc parece ter sido apossado por essas forças. De forma geral, as pessoas a toleram, se entregam, fazem o que pode ser feito, mas ele parece ter se deixado ser instrumento dessas forças. É o caso de que o poder se faz maior que o humano e domina direta e indiretamente todos os que estão no seu entorno. Poucos alimentaram tanto a essas forças de maneira explicita como Papa Doc. Os outros as alimentam de forma implícita, velada e poucos são os que conseguem agir sem ser tragado por elas. Bush pai e filho foram os mestres desse jogo de luz e trevas, alimentaram e expandiram um mercado de paranóia, de dor, sofrimento, luto, como nunca. O interessante é que maniqueistamente somos conduzidos a acreditar do Ocidente para o Oriente, que os malvados ficaram sendo Sadan e Osama, o inverso é dito do Oriente para o Ocidente. O ponto de tensão é que todos são do mesmo time e atendem as mesmas forças.

Quando Papa doc morre, ele é sucedido pelo seu filho, Baby doc, com pleno apoio dos EUA e mantém uma relação mais amistosa com a igreja, que seu pai havia expulso do país. No entanto, mantém os mesmos níveis de insanidade e perseguição a tudo e todos que pensam e sejam diferentes. É imerso nesses ares de barbárie, no qual se matou toda e qualquer perspectiva de esperança, de possibilidades, tendo dizimado e explorado ao máximo uma nação inteira, ceifado-a, não apenas economicamente, mas animicamente. Um povo que perdeu as referências externas de cidadania, de gentileza, que não conseguiram nada a não ser pela violência. Mas não é a violência do tapa, do tiro esporádico. É a violência perversa de matar, arrancar a cabeça, beber o sangue da pessoa morta e coisas similares. É a violência a flor da pele, porque é a única linguagem institucionalizada haitiana. Desde a Independência na qual se matou todos os franceses da ilha, arrancando a cabeça, cortando pedaços e coisas do gênero que a pratica é repetida governo a governo. Toda oposição política, religiosa, social é tratada com morte e tortura. As predições de uma sociedade baseada na democracia, na cidadania não é um filtro construído. Sabe-se disso desde a manutenção e sustentação da familia Doc no poder pelos EUA. As cenas de barbárie que tem chocado o mundo são replays de tudo o que vem sendo feito desde 1990. Não há em absoluto nada diferente nos últimos 20 anos ou se preferirem 200 anos. É um país abandonado pela comunidade internacional, que permitiu, deliberadamente, que todas as atrocidades fossem cometidas em seu solo, inclusive com denuncias de testes de ataques viróticos na população. É essa comunidade internacional que financiou governos ditatoriais, deu asilo aos mesmos, recebeu suas fortunas roubadas do povo, que hoje se arvora a falar de civilização e barbárie.

Foi nessa atmosfera que apareceu Aristide.

Já na década de 1980, com a crise econômica e o empobrecimento da população, o regime de terror perdeu força, até que, em 1985, Baby-Doc fugiu num avião da Força Aérea Norte-Americana para um exílio na França. Entre 1985 e 1990, o Haiti procurou estabilizar sua situação política, mas uma sucessão de golpes militares impediu qualquer organização. Em 1990, Jean Bertrand Aristide foi eleito para governar o país, assumindo o posto em fevereiro de 1991. Sacerdote defensor da Teologia da Libertação, Aristide estabeleceu como eixos de seu governo o combate à corrupção e ao narcotráfico e a luta contra a pobreza. Mas, em poucos meses, seu governo sofreu um golpe, liderado pelo general Cedras. Aristide só conseguiu retornar ao poder em 1993, após longas negociações com o ditador, a Organização dos Estados Americanos — OEA — e a Organização das Nações Unidas — ONU. Os EUA lideraram um embargo comercial ao Haiti que acabou por desestruturar a economia do país, favorecendo o clima para golpes militares e a permanência de regimes de terror como aquele conhecido no período da família Duvalier (Papa-Doc e Baby-Doc).

Veja que Aristide teve a intenção de combater a corrupção, o narcotráfico e a pobreza. Foi deposto. A família Duvalier esteve no poder cometendo todo tipo de iniqüidade por 50 anos, Aristide não durou meses.

Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses .
O Haiti não é aqui, mas esta em mim, em ti, em nós.

abraços em todos.

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