segunda-feira, 26 de março de 2012

Chico Anisio/Personagens



II
Sinto a falta de Chico, porque sinto falta do humor. A palavra humor me parece com húmus, humanidade. Um estado de espírito maior, um olhar maior para a vida. Algo que umedece o espírito, amplia e irriga a humanidade. O humor de hoje é carregado de indelicadeza, de aspereza, o humor de hoje quando não é uma ofensa é uma humilhação. Não tem finesse, sensibilidade. Falta no humor de hoje graça e inteligência. Porque o riso não é o mesmo que o humor. As vezes o humor prescinde da risada. O ser humano, naturalmente, ri da ofensa, da desgraça, da humilhação do outro. Mas, o humor.... o humor alegra nossa alma, desperta em nós uma consciência, uma ciência, que não tínhamos e possuíamos. O humor acende algo em nós. E aí os personagens de Chico são geniais.



Justo Verissimo: “Pobre tem que morrer. Pobre vive de teimoso.” Podem não acreditar, mas a criticidade política da minha e dos meus colegas veio desse personagem. Ali aprendíamos o olhar que a classe política, mediante os seus feitos, nos direcionava. Não era um dito entre eles, mas era um feito contra nós, que Chico ampliava e nos fazia ver.

Haroldo era o personagem que eu mais gostava: “sabia que eu te mordo, eu te mordo todinha, você sabia? Te mordo e te arranho!” Esse era um gay que agora se dizia hetero. Tinha uma “amiga” que o chamava para voltar para o reduto. Haroldo é um símbolo belíssimo, divertidíssimo. Fala dos conflitos, do dilema em assumir a homossexualidade, na busca patética em querer ser hetero para agradar a sociedade. Jean (ex BBB) na sua marcha contra a bancada religiosa da câmara federal, poderia lançar Haroldo como sendo o homossexual curado pelo poder do divino espírito santo, a pomba louca.
Estranho, que a mesma simpatia que eu tinha por este personagem, eu não tinha pelo Coalhada. Aquele jogador de futebol fracassado, alcoólatra, me perturbava, me incomodava. Mas é um símbolo recorrente. Na minha adolescência poderíamos falar de Josimar (lateral direito), hoje podemos pensar em Adriano, Jobson e tantos outros.


Jovem foi a referência discursiva minha e dos meus colegas. Jovem fez uma aproximação entre nós e nossos pais. “Pô pai, jovem é outro papo!” nos mostrava a singularidade de nosso discurso, as vezes até a baboseira e a sandice dele.


Professor Raimundo o preferido de muitos, da maioria era o espaço em que Chico manifestava sua solidariedade com antigos colegas esquecidos, novos colegas que chegariam. Tom (Canabrava) foi um que teve as portas abertas e como não poderia deixar de ser diferente, a fechou na cara de Chico. Nerso da Capetinga. Era um quadro genial.

Alberto Roberto era mais do que o Máximo. Era o excepcional. Para mim a representação do artista que se acha. Pena Luana Piovani nunca ter visto Alberto Roberto, talvez ela se situasse um pouco mais, ou melhor, um tanto menos, bem menos. Aquele ator cuja época já tinha passado, que vivia de um glamour que já não possuía mais. No entanto, tirava sarro dos próprios artistas: “novela das sete! Novela das oito!”

Alguns eu nunca entendi ou gostei, como Beto Carreiro o vampiro brasileiro que era de um sucesso estrondoso, mas que eu não achava graça.

E meses atrás quase liguei para meu filho, que gosta de imitação, gosta de humor, para ver Chico. Hoje tem o pessoal do stand up e eu fico pensando: “por favor, voltem a sentar! Façam humor sentados” Como esta cansativo esse humor sem graça, esse humor que acredita que rir é ridicularizar e caracturizar o outro. É um humor sem graça, como o humor do Pânico, do Zorra Total e tantos outros por aí. O que não significa que não tenha talento, eles só não tem graça, embora aqueles que assistem consigam rir. 

Chico Anisio


CHICO ANISIO


Quando o humorista desencarna, o céu sorri. Eu ouvia as gargalhadas no astral, era um dos seus melhores retornando. Um retorno difícil pela sensação estranha de incompletude que acompanhava o comediante. Pelo temor esquisito de ter desapontado, a quem? A ele mesmo? Ao pai? A mãe? Ao avó? Realmente não sei. Mas, havia uma vergonha esquisita, um sentimento de não ter dado conta, de não ter conseguido superar as expectativas. E o que dizer quando o maior artista da sua geração retorna a pátria espiritual com essa percepção? Como demovê-lo e levá-lo a perceber tudo o que fez?
Fico me perguntando se não foi esse temor, esse receio que o prendeu tanto tempo ao corpo. Que mesmo sendo chamado a seguir, a vir embora, ainda mantinha-se preso, agarrado, esperando alguma outra coisa que em carne não receberia mais. É difícil partir, largar, deixar para trás. Esse altruísmo e despojamento é da esfera dos espiritualistas, os artistas se prendem aos seus feitos, as suas obras. Debruçam-se sobre suas realizações e é difícil deixá-las para trás, seguir adiante, quando o que nos apresentam da morte é a sensação de perda de identidade, um vazio, um nada. E como deixar para trás não o que se fez, mas quem se foi? O desencarne dos artistas mesmo fatigados não é fácil. Primeiro, porque amam o viver, gostam da vida, dos prazeres que ela proporciona. Segundo, porque a esse temor da morte, da perda definitiva de quem se é, de quem se foi. Finalmente, aquele peso terrível da aposta de Pascal: e se não tiver nada do outro lado? Mas e se tiver? Abandonar o corpo, sair de cena para nunca mais voltar não é fácil, os pensamentos arqueiam mais que a mão de uma criança.
Mas, Chico, como todo mortal tem que partir. Como todo artista, chega uma hora que as luzes do palco se apagam, que as cortinas não abrem, que os acontecimentos passam a se dar na coxia. E aí se esta no momento mais solitário da existência. E foi nesse lugar que encontrei com Chico. É nesse lugar que eu me encontro com meus convidados, meus entrevistados. É na coxia, nesse instante em que as mascaras caíram, o novo figurino não esta pronto, que eles sentam e me contam suas impressões acerca da vida. Foi aí que Chico me falou do amor pelos seus filhos, do amor pelos seus personagens, do amor pelos seus netos. Foi lá que ele pediu perdão a duas de suas ex-esposas por motivos que não interessam. Foi onde também reviveu seus personagens, seus múltiplos eus, desdobrados em outros, que eram e não era ele.
Perguntei a pergunta que meus dois mestres sempre me orientam a fazer: viveria tudo de novo, igualmente? Valeu a pena? E ele com um sorriso lacrimejante no rosto disse SIM. E nesse sim as portas de outro palco lhe abriram. Aplausos estrondosos sacudiram os céus. A vida aplaudia Chico, seus colegas o aplaudia, e um ser risonho, me parecia menino Jesus, o colocou no colo e lhe pediu para contar aquela anedota de que ele gostava tanto.
E Chico sem entender o que ele dizia, sem saber do que ele falava, tentava dizer, que nunca teve a honra de contar anedota para o menino Jesus. Este com a sabedoria da pomba que o consagra, lhe mostrou:
“Todas as vezes que fizestes um dos seus irmãos sorri e os transformava novamente em meninos, era a mim que fazias sorrir. Todas as vezes que ensinava um menino a arte da graça, era a mim que alegrava. E as vezes sem conta que acudiu e acolheu um dos artistas esquecidos no anonimato, era a mim que acolhia. Recordas de mim agora?”
Chico ficou meio sem jeito de dizer que nunca acreditou nessas coisas, desse jeito, que nunca fez isso por este motivo, mas não importava. Aquele menino tirava dele todo peso e lhe devolvia, lhe insuflava todo amor que doou, deu, ofertou, ofereceu ao mundo. Chico o olhava e ia remoçando. O cansaço da respiração ofegante ia diminuindo. O pulmão voltava a ser de criança que nunca vira cigarro, a fala retornava a mesma articulação e os pensamentos voltavam a ficar rápidos, céleres mais até do que fora outro instante.   
E nesse momento a gente já não aplaudia e só chorava, porque a beleza do riso é uma hóstia consagrada, é uma comunhão com o universo e do universo. Aqui entre nós o orgasmo é misto de dor e alivio, em outros planos o orgasmo é uma risada, estrondosa, que cria mundos, geram e preparam seres. Chico preparou toda uma geração. Cada um dos seus personagens personificaram aspectos nossos. E como é divino aprender a rir de si mesmo. Reconhecer-se no outro e rir de si mesmo. Chico ensinou minha geração a rir. Seus personagens eram radiografias, criticas sócias, falarei um pouco daqueles que mais gostava, ainda gosto.

sábado, 17 de março de 2012

Aranha e realidade


REALIDADE e PSICOSE: Aracne e a tessitura da realidade



De fato, o psicótico perde a dimensão do que vamos denominar real. Todavia é um absurdo que no século XXI depois de Planck, Einstein, David Bohn, Welher e tantos outros, médicos, filósofos, psicólogos, psiquiatras continuem mantendo uma concepção de tempo, espaço e realidade nos moldes newtonianos. É simplesmente absurdo acreditar e conceber que todos nós estejamos vivendo o mesmo tempo e acessando ao mesmo espaço só porque estamos encarnados no planeta Terra no século XXI e compartilhamos o mesmo tempo cronológico. Os escritores reconhecem os tempos subjetivos, os físicos falam abertamente da relatividade do tempo e do espaço e alguns mais ousados de mundos parelos e outras dimensões, meditadores não apenas falam desses tempos e espaços não locais como os descreve e os freqüenta. No entanto, academicamente, ainda resiste-se a essas possibilidades e padroniza-se um conceito de realidade.

Os hindus gostam de representar o mundo físico como Maya. E uma das representações de maya são as teias de aranha. Teias que simbolizam a sutileza, a leveza da aranha que no seu ato poietico[1] fia o mundo a partir de si mesmo, a partir de suas ações. O seu viver é o seu fazer e o fazer dela é o seu próprio fiar. Nesse ato esconde-se e revela-se a força dançante de Aracne[2] que se compara a imagem de Shiva que dançando cria e destrói o universo, ou a de Isis que com seu véu esconde o seu verdadeiro ser. Essas representações míticas do universo serviram de base para Fritjof Capra escrever o seu "Tao da Física" estabelecendo um pararelo entre a física quântica e as cosmogonias orientais. De forma que tudo isso nos serve de auxilio para mergulharmos no símbolo dessa aranha tecelã que fabrica suas teias = mundo.


 Geralmente, vemos uma teia de aranha, somente, depois de termos nos embolado nela. Para avistar uma teia de aranha necessita-se da luz do sol, da atenção, da cautela.  Não são atoa que esses são alguns dos componentes da meditação, assim como a tentativa de iluminar a escuridão interna e a atenção para que perceba essa iluminação. O erro das escolas meditativas, iniciáticas e até mesmo psicológicas é que elas querem acreditar que meditar e se autoconhecer é acender um farol dentro da alma. E nada é mais distante da iluminação do que a luz solar dentro da esfera psíquica. Esse desejo é uma tentativa de racionalização, de comandar algo cujo entendimento se dá por um outro plano e dimensionalidade. No plano psíquico as coisas funcionam no escuro, por uma inteligência que não é racional, direta, sistemática, objetiva, linear, clara.
Heisenberg nos contou no seu princípio da incerteza que não é possível calcular com precisão a posição e a velocidade de um elétron ao mesmo tempo. Ou, se foca em um, ou se foca em outro. Bohr depois nos fala do princípio da complementaridade. Esses caras falaram isso no milênio passado, nas primeiras décadas do século XX. E todas essas descobertas embora sejam amplamente documentadas por meditadores ao longo da história são ignoradas e desconhecidas de psiquiatras, neurocirurgiões, psicólogos, filósofos, educadores e outros tantos. Mas, meditadores de forma geral, sabem que de forma similar ao princípio da incerteza, não se pode querer a um só tempo focar a aranha e a sua tessitura. Ou bem se avista a aranha, um processo de entrada na senda meditativa, ou bem se é tomado pelas tessituras da aranha. Sendo que a literatura fala de um momento de conexão em que não se distingue mais o eu, a aranha, suas teias e suas milhares de tapeçarias. Seria a completude. Uma completude que se dá não na mente, mas para além dela. Se faz por ela, mas não nela como querem os neurocientistas com suas sinapses neurais.
O que desejo enfocar é que quando se deseja colocar luz no inconsciente, abre-se as portas para se avistar o que já esta lá. O que esta sendo construindo e remodelado, desfeito, desmanchado a partir desse novo olhar, não pode ser avistado ao mesmo tempo. E aqui no ocidente não é avistado em tempo nenhum. Essa tapeçaria psíquica não é completamente ignorada graças a Freud e os seus, mas a observação mecânica, cartesiana dessa tapeçaria impede a visualização da multiplicidade do fazer lúdico, poético de cada esfera psíquica, de cada ser no mundo, ator de sua história. Impede que se abra a possibilidade de compreender cada estrutura psíquica como uma Mandala singular, com conexões, ilustrações, cores, formatos diversos de alguns seres para outros. Sem respeitar isso, incompreende-se o que mora tacitamente em cada processo neural, em cada caminho sináptico da consciência. Ignora-se o eu tecelão que fabrica mundos, sonhos, realidades. E a questão é que grande parte dos denominados psicóticos, especialmente, os esquizóides tem uma configuração energética de outra ordem e natureza. Parece-nos poeticamente possível, ver em cada neurônio, algo similar a um filamento das teias da aranha. Dentro dessa premissa os neurônios nas suas sinapses formariam teias, seriam teias que capturariam a realidade. Esta realidade seria apreendida pelas redes neurais, constituindo algo próximo a Mandalas. Há uma crença de que todas as mandalas psiquicas são iguais porque possuem a mesma estrutura, que Kant denominou de razão e sensibilidade. Nós defendemos há décadas a idéia de que essas estruturas não são iguais e atualmente elas teriam novos formatos, novas tessituras.


[1]A palavra arte  é uma derivação da palavra latina “ars” ou “artis”, correspondente ao verbete grego “tékne”. O filósofo Aristóteles se referia a palavra arte como “póiesis”, cujo significado era semelhante a tékne. A arte no sentido amplo significa o meio de fazer ou produzir alguma coisa, sabendo que os termos tékne e póiesis se traduzem emcriação, fabricação ou produção de algo”. (Professor Lindomar. Disponivel em: http://www.infoescola.com/artes/o-que-e-arte/ acessado em 20/02/2012

domingo, 11 de março de 2012

Surtado


Surto ou Parto?  O parir a si mesmo.


A dificuldade do acompanhamento do surto é que se desconhece quase que completamente o que é uma gravidez anímica. Embora seja uma fala comum entre artistas e cientistas, ela é desconhecida de forma geral. A sensação de estar prenhe de idéias, de conceitos, de visões, enfim estar prestes a parir centauros como Nietzsche menciona no século XIX, não é algo tranqüilo. Os artistas e médiuns falam dessa gravidez que literalmente os possui, que eles precisam dar vazão para que não sejam destruídos, aniquilados por ela. Sartre, o próprio Nietzsche já mencionado e outros relatam como saiam esgotados de seus processos de criação. Os artistas sabem quando esse momento esta se aproximando: alteram o humor, consomem mais álcool e as vezes drogas, tem alteração de humor, se confinam, se isolam até que produzem, colocam para fora esse caos interno. Somente aí retomam a normalidade.
Todavia, de forma geral, desconhecemos completamente, quando estamos prestes a parir e menos ainda, quando vamos parir a nós mesmos. Somos muito opacos no que tange a conhecimentos psíquicos. Temos a nítida impressão de que esses fenômenos não podem acontecer conosco, seres normais. Na nossa visão tais fenômenos acontecem apenas com um tipo especial de pessoas.  
Como é possível cogitar que dentro de nós nasça um outro eu? Isso é tão absurdo de conceber que expor isso revela ser um caso clínico. Revelar que na maioria das vezes, um surtado, esta querendo nascer. Nascer não mais fisicamente, mas espiritualmente, energeticamente, dar a luz a si mesmo. E esses nascimentos acontecem, ocorrem, com mais freqüência que pensamos e imaginamos.

De forma que se imagine grávido e as pessoas  ao seu lado ao invés de lhe dar acolhimento, lhe ajudar no pré-natal, lhe prestar algumas orientações, já fiquem preocupadas em lhe aplicar uma anestesia para acabar com sua dor. Ao invés de uma anestesia local, eles aplicam uma geral. Você com seu corpo inerte e um ser dentro de você querendo sair? Imagina! Primeiro ninguém sabe da sua gravidez, nem você mesmo. Mas, intuitivamente, você abre as pernas. Nesse ato, o psicólogo interpreta como exibicionismo puro e gratuito. O psiquiatra entende como tentativa vulgar de manipulação. Os espiritualistas como manifestação da pomba-gira, no caso, obsessor. Em todos e para todos, você é um doente, esta cada vez mais fora de si mesmo e sem controle de si mesmo.
A pergunta é: como não estar? Dores lancinantes dentro do seu ser, dentro do seu corpo, simplesmente, porque as passagens foram bloqueadas. A analogia é que se no parto a mulher precisa da musculatura pélvica, dos membros inferiores, no surto é importante as conexões sinápticas, neurais, mas estando anestesiadas, imobilizadas, dopada com antipsicoticos, antidepressivos e os anti da vida como fazer? Tem sentido isso?
Mas é dessa forma que procedemos com as pessoas que surtam. Nos procedimentos ocidentais nós as afastamos delas mesmas, nós a aproximamos mais do fórceps, mais do aborto, do que de um parto natural. Em verdade, com essas medidas as dores se acentuam, porque o parto fica interminável e quando é cortado pelo fórceps (medicação) há uma sensação de vazio, de falta que nunca é preenchida. Afinal, como preencher em si a ausência de si mesmo? Como conviver com a amputação de uma parte não do seu corpo, mas de sua alma? Quanto tempo se faz necessário para que essa alma fantasma cresça? Quanto tempo um ser necessita para receber de novo o seu ser?
Essas perguntas dificilmente retiram a pessoa da sensação pos surto. O pos surto é seguido por uma culpa interminável, uma lassidão maldita.

O PARIR-SE


O problema é que esse nascimento traz desconforto, desestabilização, lança a pessoa num oceano de percepções, sensações, que não são convencionais, habituais. Essas sensações não são passiveis de ser compartilhadas intersubjetivamente. A voz que pede para que você pule, ou que mate seu ente querido; a luz que chega em sua direção, os cheiros que o cara capta ao entrar em determinado lugar, nada disso pode ser compartilhado no mundo ordinário. Mais estranho ainda é que a pessoa não controla as suas reações, então, ela atenta contra a vida do ente querido, ou tampa o nariz numa sala muito asseada e limpa, ou se esconde da luz que esta vendo. Ou grita, chora, xinga, vocifera, etc... Tudo muito próximo da mediunidade, do despertar mediúnico, mas ainda assim, bem diferente.
Na mediunidade, em quase sua totalidade, você observa, sente o obsessor realizando esses atos. Na psicose você não identifica esse ser exógeno, mesmo porque, muitas vezes, na maioria, não tem mesmo. É a própria pessoa liberando pulsões, estados internos que estavam a muito aprisionados. Mas como isso é liberado? Por que é liberado? Por que em algumas pessoas isso é liberado e a energia faz um caminho tranqüilo e em outras faz esse estrago, as conduzindo para o surto?
Até onde consigo explicar diz respeito a vidas passadas associado a padrões desta vida. O ponto é que nunca é tranqüilo, nunca é suave e sempre se tem a certeza de que esta enlouquecendo. Eu via insetos e bichos repugnantes quase que o tempo inteiro rastejando no chão, andando nas paredes. Em sua maioria eram repteis, pequenos repteis. Década depois ao tomar o Daime, pela primeira e única vez, “vomitava” repteis pré-históricos, gigantescos, e a cada um que saía eles iam me dizendo: isso é a sua vaidade! Isso é o seu orgulho! Isso é.... cada um daqueles seres horripilantes e amedrontadores era um aspecto meu não visto, não quisto, não desejado, não percebido, completamente ignorado, que se apresentou a primeira vez como repulsa. Não sei como lidei com eles diretamente, mas essas seriam as forças que poderiam e podem me enlouquecer a qualquer instante.
Lá atrás, no momento em que avistava esses pequenos largartos, salamandras, calangos, ratos e similares rastejando tive a certeza de que estava ficando cego. Aquelas luzes infernais, aquele ponto preto, aquelas imagens na parede eram a prova de que estava enlouquecendo e para piorar, ficando cego. Louco e cego! Quando fiz o exame de vista acabou. Os óculos, um ente externo, objetivo, corrigiu uma fenda psíquica que tinha sido aberta. Ajudou ao meu cérebro naturalizar uma informação que eu não sabia processar, entender, digerir. Aos poucos fui entendo isso. A importância do cérebro racionalizar a informação, naturalizar os dados.
Conta a medicina que Stewe Wonder é um cego que teve a aparelhagem visual corrigida, mas ele continua sem enxergar, porque há um momento sináptico da primeira infância em que os neurônios aprendem a decodificar a luz e ensina o cérebro a captar as imagens. Como ele não recebeu essa informação, mesmo capacidado, ele não consegue ver, o cérebro não sabe ler. Em outras palavras não são os olhos que vêem, nem os ouvidos que escutam, nem as mãos que tocam é o cérebro. E para além dele sabemos que também este é um instrumento. Existe alguma coisa em nós que processam, agrupam, reúnem, traduzem essas informações e se ignoramos esse fator, produzimos abortos, espontâneos ou não.
Exponho tudo isso para dizer que a minha vidência esta aberta, mas eu não vejo como vejo o mundo físico. Na infância acho que só enxergava o mundo espiritual, mas hoje só vejo o mundo físico, porque quando ela voltou, eu fiquei tão histérico, que isso representa uma ameaça brutal a minha sobrevivência. Minha vidência em diálogo estreito comigo, simboliza minha loucura, minha cegueira. E já fui louco e cego em outras vidas, o que ajuda a aumentar o pavor. Ou seja, ver seria uma violência contra mim mesmo, assim só vejo indiretamente. Vejo o que os videntes vêem quando os olho nos olhos, vejo pelo espelho. Eu preciso de um reflexo, de um espelho para que eu veja. E o espelho que aprendi a criar, que naturalizei com meu cérebro foi o de realizar o ritual de tirar os óculos, fechar os olhos, assim, eu volto a ver e a ler tudo o que esta acontecendo. Todas as cenas ficam gravadas, armazenadas, se eu conseguir relembrá-las, sou capaz de voltar àquele cenário e ver quem estava presente. Preciso de um disfarce e acho que a maioria dos videntes com habilidades profeticas necessitam. É o que os direciona para as cartas, as mandalas, as runas. No jogo mesmo tem muito pouco, mas tudo aquilo serve de disfarce para que o cérebro seja enganado. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Uma breve História da Loucura




Começando por Focault constata-se que a loucura, a esquizofrenia e a epilepsia eram sagradas, eram tidas como manifestação dos deuses. Essa visão permanece até a idade média, ganhando ares messiânicos. A transformação vai se dar na idade moderna quando desenvolvemos um outro tipo de modo de produção. É sempre interessante constatar como que as mudanças no mundo concreto acionam e despertam novos imaginários, novos desejos e orientações. Naquele momento, todo tipo de ócio era uma espécie de vagabundagem, afinal aquele que não produz é visto como um pária. Daquele momento em diante é que se observa a criminalização do desemprego, da rebeldia, assim como o confinamento dos loucos. É a construção de internatos para punir esses desviantes e a de escolas e fábricas para vigiar e impedir novos desvios. Ou para ser mais preciso, é a universalização da educação para que dentro da escola se ensine o adestramento do corpo na utilização do maquinário fabril. Àqueles que se rebelam contra essa instrução tem-se as cadeias e manicômios. Vigiar e Punir.
É nessa concepção que Ronald Laing[1], David Copper[2] (antipsiquiatras[3]) vão observar a loucura, mais especificamente, a esquizofrenia como sendo política, cultura, industrial, operada dentro das dimensões do mundo do capital e do trabalho. Eles vão dar os passos iniciais para a luta antimanicomial.


Em Emergência Espiritual livro de Stalislav Groff[4] e a sua esposa trazem esses e outros autores como interlocutores ocultos, e, nem tanto, para demarcar que o tratamento que dispensamos aos esquizofrênicos na lógica da produtividade, do trabalho, do individualismo, do capital é sobremaneira diferente das pessoas que vivenciam os mesmos transtornos em culturas tribais cuja lógica é menos individualista e mais coletiva.
Eles salientam que há relatos de transtornos psíquicos em todas as culturas, mas a forma de tratamento dispensada é muito diferente. Essa pessoa que passa por esse despertar espiritual, essa emergência espiritual é afastada do convívio da tribo pelo xamã que a acompanha e a ajuda a mapear sua viagem, sua “cartografia mental”. Sem uso de camisas de força, antipsicóticos, eletrochoques a pessoa vai se afinizando com a sua nova carga energética. Aqueles impulsos loucos e insanos vão sendo controlados e administrados pelo próprio corpo. O próprio corpo vai sendo alterado em conjunto com sua estrutura energética, impedindo os choques elétricos, os curtos circuitos.
O contato direto com a natureza ajuda a mente serenar-se e tranqüilizar-se. Assim como a presença segura de um orientador que: 1- naturaliza e explica os acontecimentos, 2- traduz as vozes, as imagens, as visões; 3- auxilia no contato mais sombrio e obscuro com as sombras, a escuridão, não apenas da própria mente do esquizóide, mas de toda a coletividade que eles fazem parte. O esquizofrênico passa por todo esse encontro, esse percurso interno, no qual o mundo externo se translitera em símbolos internos, até que em um determinado momento do processo irrompem os símbolos pessoais. É este o momento que marca o fim do surto, mas também o início da impossibilidade de retornar ao mundo natural. Nada mais será como antes. Toda a estrutura energética foi alterada. Já não se é mais quem se era. Você voltou a ser ou esta nas passadas de recuperar aquele que você sempre foi, sempre é, sempre será. E daqui nasce uma outra angustia, uma busca por um sentido que não se é dado de imediato, afinal: por que eu? Por que não outro?
Só quem não passou por isso que acha os transtornos mentais fascinantes, maravilhosos. Somente quem observa o resultado final é que lança olhares de admiração querendo ser igual ao xamã, ao médium, ao artista. Porque a vivência do processo é dolorosa. Na sua maioria todos nós gostaríamos de estar fazendo outras coisas, mas não podemos. Perdemos esse direito de escolha. No nível físico, para se ter tranqüilidade psíquica, emocional, mental, você não tem o que denominam de livre-arbítrio. Mas, tudo isso é uma outra história. Agora nos importa sinalizar que em outras culturas se tem outras abordagens, mas em nenhuma delas a crise existencial passa. Você aprende a lidar com o surto e a tratar o de outros no momento oportuno. O aprendizado do surto é a não interferência na dinâmica da energia do outro. É o reconhecimento de que há um processo inteligente que se seguido, se puder se manifestar conduz a pessoa a um encontro consigo mesmo. O surto psicótico pode ser analogamente comparado a um parto. Você pode tê-lo sozinho. Você pode buscar o contato com uma equipe médica, você pode recorrer a uma parteira. 

PARA SABER MAIS:



[1] Aqui o autor apresenta um bom resumo da vida e da obra desse belo ser humano: http://www.cobra.pages.nom.br/ecp-laing.html acessado em 23/02/12

[2] Nunca é das melhores referências, mas na falta de tu, vai tu mesmo: http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Cooper acessado em 23/02/12

[3] Discordo da abordagem, da visada, mas ela é boa, ou divertida e faz um contraponto muito especial e até mesmo complementar ao que estou escrevendo, vale a pena dar uma conferida: http://www.olavodecarvalho.org/convidados/victor.htm acessado em 23/02/12

[4] Embora em inglês é possível a tradução pelo próprio Google: http://www.stanislavgrof.com/ acessado em 23/02/12