quinta-feira, 8 de setembro de 2016

ALETHEIA: a História perseguindo a verdade.

Eu fico me perguntando: como atingir a verdade? Como saber se estamos de posse dessa senhora linda e casta? Como se ter essa certeza? Sim, porque algumas pessoas a tem. E são convictas dela. Isso é a um só tempo uma beleza e uma temeridade. 

Vejamos alguns casos: Inri Cristo diz ser a reencarnação de Jesus. Agora, um outro apareceu dizendo ser também. Ambos têm convicção, certeza, a beleza da persuasão de que dizem A VERDADE. Na mesma perspectiva do engano, Temer não se acha GOLPISTA. Se acha um eleito, um agraciado pela vontade soberana do povo e das divindades. Entendem a dificuldade da situação?


Os gregos chamavam a verdade de Aletheia, traduzida para o latim Veritas, que será compreendida como VERDADE. Aletheia conjugaria uma relação antônima (a) com Lethe (esquecimento). De modo que Aletheia foi interpretada como desvelamento, Verdade.

Se essa é a interpretação oficial e tradicional do termo, fundo outra baseando-me nos desdobramentos do nome A (partícula de negação), Lethe (esquecimento), Theo (deus/es). Essa composição ‘esquecida’ e ignorada pelos filósofos, ainda que mais tarde venham a falar da clareira como espaço de transcendência, me parece um retorno a essa parte ignorada.


É nesse sentido que Aletheia ganha mais um adendo, algo como- aquela que não se corrompe, que não se perde, que é alimentada pelo fogo divino. Esse fogo (lembrança), registro, impregna os seres de uma certeza, que pode por um lado produzir sombras, ou luz (Alegoria da caverna).


O engraçado e irônico é que os deuses gregos eram humanos, demasiadamente humanos, inclusive no ato de mentir, de enganar.

O que sabemos é que esse fogo divino que alimenta a heurística, a disputa, a certeza de que por se estar certo, obvio e ululante que o outro está errado. Nós vemos esse fogo divino em disputa muitas vezes. Pessoas em posições opostas possuem esse fogo, porque de fato acreditam que estão possuídos pela Verdade. E, como provar que não estejam, não estão?

Para Platão isso se daria por uma exposição matemática, típica entre os geômetras, nas quais a influência dos números (inspiração pitagórica) permitiria a exposição clara da verdade, não na sua simples forma, mas em seu conteúdo. Um triangulo não se faz triangulo, meramente por ter três lados e sim por possuir a 180° na somatória interna de seus ângulos. Isso se faz como diria René Descartes séculos mais tarde- verdade indubitável.
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Ok, mas quando não temos elementos racionais tão fortemente claros e aclarados? O que fazemos? Como procedemos? Especificamente, quando um dos lados está mentindo e está cônscio da sua farsa, o que fazer? Mesmo ficando claro que pedalada fiscal é crime, mas não passível de impedimento e cassação de mandato, o que fazer?

Pensemos em Salomão diante das duas mulheres lutando pela posse de uma criança. Sem conseguir uma prova razoável a favor de uma ou outra, o sábio propõe uma ação extrema- cortar a criança ao meio e dar metade a cada uma das antagonistas.
Mas, eis que essa medida aos olhos da mãe é uma lastima. Aos olhos dela a verdade não valia tanto, não era maior do que seu amor e nisso, ela renuncia. Abdica do seu direito de estar certa, para apenas gozar da felicidade de ter seu filho vivo ainda que nos braços de outra.

No outro polo, está a canalha, a de má fé, a sórdida, que aceitaria a metade do filho da outra, apenas para prosseguir no seu intento. Qual intento? O de possuir aquilo que não é dela. O de ter ou de destruir algo que não possui. Essa é a tristeza da mentira, da farsa, do golpe, a usurpação. 

Fato, é que Salomão na sua sabedoria consegue reconhecer na renúncia da mãe o mais alto nível de verdade, o ceder para que a vida ganhe. Essa acaba sendo a lição que o rei nos dá para a posteridade. A renuncia se esconde nos braços da verdade e isso é uma característica que os humanos ensinaram aos deuses. Esses acreditavam possuir o fogo da Aletheia, mesmo quando mentiam e sabiam que mentiam, acreditavam que era algo divino. Como os mentirosos acreditam, piamente, nas suas inverdades e nas suas teias conspiratórias. A renúncia é um atributo humano dos mais transcendentais.

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Ao longo da história, de todo o percurso histórico, nas contradições obnubiladas na busca pela VERDADE, a renuncia foi o canal da posteridade, a claridade que nos permitiu ver o desnudar das ações e quiçá intenções. A renuncia foi a marca e o sinal de que a vida falava e pulsava naqueles que fizeram e deixaram o fogo arder, mas de uma forma diferente. Valendo-se de outros princípios e formas.
Podemos pensar nos cristãos sendo conduzidos à arena para ser devorados pelos leões. Podemos voltar mais no tempo e ver Jesus se deixando crucificar, ou Sócrates tomando cicuta. Havia neles outra porta de acesso, dado por Aletheia que era a transcendência. Estavam convictos, cientes, de que há uma porta, provavelmente estreita, similar aos portais da cidade por onde os camelos tinham que se despojar de todas mercadorias dos donos para passar, rastejando, para outro lado. Nesse aspecto, a verdade, parece existir e permanecer para além do individuo. A verdade mantem-se e um dia ela liberta, esclarece, clareia.
Pena que é um saco, aguardar esse momento. 

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Por exemplo: Judas o Iscariotes acreditou que no seu beijo de traidor instauraria uma revolta, já que Jesus não aceitaria a morte sem luta.

Pedro, a pedra angular acreditou que no seu ato de cortar as orelhas do centurião, estaria defendendo seu mestre. Ambos, tinham noção do tempo histórico. Acreditavam e queriam fazer história naquele momento, naquele local. Não tinham a menor noção do não tempo, ou do tempo divino, ou da transcendência dos atos heroicos da renuncia. Mas, quem a não ser os sábios possuem esse entendimento?
Sempre queremos e desejamos a ação imediata, intempestiva, com o desfecho sonhado e desejado. Sempre acreditamos que estamos de posse da verdade e sendo assim, precisamos calar, extinguir, aniquilar quem diz o oposto do que falamos.

Penso em Giordano Bruno que morre por suas convicções e penso também em Galileu que de forma, relativamente, sossegada abjura de suas convicções e aguarda a posteridade para comprová-las. Permanece vivo sem com isso ter se martirizado. 

Renuncia a certeza que tinha, convicto de que o tempo histórico lhe faria justiça, mas tendo ciência que não valia a própria vida, tampouco a dos adversários que estavam pios e certos que matar era a melhor medida. A história mostra que os canalhas nunca retrocedem depois que chegam ao poder. Fazem de tudo. De tudo.


É assim, que tentamos compreender o nosso lado, nosso posicionamento, acreditando piamente em nossa certeza; certeza que pretendo refletir de onde vem, como sabemos que estamos certos? Como sabemos que a verdade nos deixou captura-la?

Quer me parecer que algumas vezes é pelo tempo, pelo processo histórico imanente. Quer me parecer que outras vezes é pelo transcendente, por aquilo que escapa ao sangue coagulado do tempo e só se abre quando esse sangue seca, evapora, fluidifica. Vira éter, memoria, imaginário. Interface subjetiva do ser fora do tempo, do ser no não tempo.

Ok, é uma falácia poética para eu sair da história enquanto constructo material, factual e adentrar na história enquanto impregnação imaginária, seja desta ou de outra localidade, seja deste ou de quaisquer outro tempo. Um retorno à clareira, a luminosidade que a História sempre precisa retornar e ser colocada. Faz-se má história enquanto as árvores da floresta estão em pé, as nevoas, ou as bombas de efeito moral ainda não volatizaram no ar. A História precisa de um respiro, da construção do seu espaço (a clareira) para que possa ser analisada.

Perceba que ela é feita em qualquer lugar, por todos, a qualquer tempo. No entanto, sua análise, sua compreensão requer a construção coletiva, individual de se abrir um espaço em meio, envolta desse tempo histórico e analisar, compreender, narrar, descrever, interpretar. Esse cuidado é de fundamental importância.

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Se Sócrates foge como desejou Críton não estaríamos falando dele. Se Jesus desce da cruz como queriam seus apóstolos e mostra sua força, não estaríamos falando dele, pelo menos não da mesma forma. 

Os dois apostaram na transcendência que talvez, somente os dois conhecessem e confiavam. E, confiando nos dois,  em seus exemplos e ensinamentos, quer nos parecer, que independente do tempo, do espaço, do lugar, o amor, a tolerância, o respeito, a dignidade à pessoa humana são características que nos aproxima de quem está mais próximo do fogo da Aletheia. A truculência, o deboche, a violência é uma arma, historicamente, muito utilizada por aqueles que não têm parte ou nenhum dos atributos acima. Precisam da força para dobrar, exigir, fazerem-se respeitar, porque não consegue o respeito, a admiração, o carinho que algumas pessoas têm de graça.

Luis Inácio é um líder. Podem prendê-lo, ridicularizá-lo, escorraça-lo. Ninguém tira isso dele. É algo que não se consegue dar a Aécio, a Alkmin, a Bolsonaro. 

Dilminha, não é carismática, está longe disso, mas tem uma fibra moral, uma conduta ética, que causa espanto, assombro, admiração. 




É assustador e admirável ver a menina sentada no júri de exceção, depois de torturada se posicionando de cabeça erguida enquanto os canalhas escondiam os rostos, por que? Não faziam o que acreditavam? O que era certo? Não estavam diante e de posse da verdade? De onde vem a vergonha? Não é Temer um legitimo presidente, porque teme as vaias?

Escrevi tudo isso e não disse nada que de fato desejo, quero e ficara para outro post- que é analisar este cenário numa perspectiva espiritual. Talvez, já ensejando que nem no espiritual conseguimos mais a exposição idealista platônica de ir além da figura e chegarmos na essência das coisas. Caso seja isso, o que de fato não acredito, creio que há mais equívocos de espíritos e de médiuns do que da espiritualidade. Pretendo, novamente pontuar, o risco, o perigo, de acreditar que espíritos estão em condições de analisar a História e o seu processo enquanto ela está em curso, enquanto ela ainda está sendo feita. Isso tem se mostrado para mim temerário. 

No entanto, não vamos nos opor a isso, como já ressaltamos, aqui nesse blog, achamos legitima a manifestação e o posicionamento das pessoas, inclusive médiuns, que são pessoas e não entidades como muitos gostariam. É um posicionamento que no melhor estilo de Voltaire defenderemos até a morte, porém, vamos colocar pontos de interrogação, questionamentos, como pede a boa Filosofia. Como exige os bons historiadores. É o que pretendemos escrever no próximo blog a legitimidade dos espíritos em analisar a História que ainda não fechou suas portas. Espero que consiga a claridade necessária e precisa para ver, observar e narrar com neutralidade. 


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