sexta-feira, 4 de novembro de 2016

LÓGICA FORMAL: o LEGO e a FILOSOFIA CLÍNICA.


As crianças em suas brincadeiras e formas de ver o mundo sempre nos dão chaves de entendimento para questões mais profundas e sérias, pelo menos na visagem do adulto. Recordo de um grande artista dizendo que toda sua trajetória foi tentar reproduzir os traços que dava quando criança. Creio que ele estava querendo dizer sobre a leveza, a espontaneidade, aquele silêncio despreocupado, despojado de quem nada tem a fazer a não ser fazer o que se está fazendo. Esse comprometimento lúdico, austero, impagável, incorruptível. Por essas vias infantis e pueris, em partilha com um partilhante, ele me falou de como é lógico, racional e surpreende-se com a falta de lógica das pessoas e da sociedade de modo geral.

A partir da sua fala, da aula que eu tinha que elaborar fiquei pensando na FC (Filosofia Clínica) e como ela se sustenta e se estrutura na lógica. A rigor, uma lógica cuja ‘logicidade’ é a convicção de que não há uma única lógica, ou seja, as lógicas são muitas, são várias, são particulares, universais, singulares. E é bonito na Filosofia Clínica esse duplo movimento de aceitar a lógica do outro sem buscar enquadrá-la num sistema, e desvelar para esse outro a lógica que lhe é própria, intrínseca e ele opera na sua existência. Sim, longe de a partir de uma identificação que restringe, molda e rotula, a FC busca de posse dessa identificação proporcionar meios e mecanismos do outro ser.



Em outras premissas, a FC tende a auxiliar os sujeitos a se compreenderem, o que vale dizer que nessa compreensão, eles podem descobrir comportamentos, pensamentos que os machucam, que os desagradam e assim querer modifica-los. Alterá-los e reconstruí-los com a ludicidade atenta de quem brinca de LEGO. E, agora falo com uma linguagem mais técnica, mas não sem antes ensejar a você leitor que passou os olhos por aqui e está em busca de compreender-se mais e melhor, compreender-se inclusive naquilo que a principio para você não tinha uma compreensão- marque uma hora, um encontro com um filósofo clínico, com um terapeuta e tente visualizar como é que você constrói a sua existência.

A Filosofia Clínica tem várias correntes de fundamentação. Uma que eu gostaria de explorar nesse momento é o da lógica formal. Como salientei, tenho trabalhado com um partilhante que se entende como um lógico, um ser que busca a lógica em todas as coisas e em todas as suas ações, caracterizando-se pela sua forma de compreender o mundo, como um racionalista.

Observando-o e estreitando contato com ele, foi me evidenciando como a lógica na FC tem uma importância cabedal. Não há um tópico, uma categoria, um submodo (SM), uma estrutura de pensamento (EP) que não seja lógica. Num primeiro momento pode-se pensar que por ser lógico é rígido, rigoroso, duro; quando na verdade, a lógica pode ser construída e efetivada para qualquer coisa, inclusive a maleabilidade. 



De forma que a FC faz uso da lógica formal para compreender cada partilhante como tendo uma malha intelectiva própria, com plasticidade própria, não podendo ser taxado de anormal, louco, doente. Há nele uma maneira de ser (jeito de se relacionar) que é próprio dele. Uma forma que as vezes ele desconhece, ele ignora, ou que outras vezes o incomoda, o inoportuna a si ou a outras pessoas. Em cada caso, ele pode se perceber seja como construtor dessa lógica, seja como herdeiro dela, mas em todos os casos como o único que pode fazer alguma coisa. É nesse fazer que eu avanço para o lúdico.


Todos conhecem LEGO, não conhecem? Aquelas peças de encaixe que possibilitam a criação dos mais diversos artefatos? Quando criança a gente brinca muito com Lego. Eu via algumas construções e custava a acreditar que se tratava das mesmas peças que eu dispunha. Como, que com aquelas peças algumas pessoas criavam robôs, casas, cidades? Certa vez, já adulto, vi que professores ensinavam robótica para seus alunos fazendo uso das peças de Lego. Eu achava fascinante por um lado e frustrante por outro, afinal como?


Pois bem, a FC é similar ao Lego e o ponto maior de intercessão entre esse brinquedo e a FC se dá justamente na lógica formal da montagem. A partir de uma mesma peça, cada um forma os mais diversos objetos, cada um cria uma arquitetura neural rica em ligações, comunicações; não obstante criam-se também armadilhas conceituais, pré-juízos que nos prendem dentro desse universo criado por vezes sem escapatória. Àporo como dizia o poeta: “ um inseto cava...”


Nesses moldes a FC é uma terapia lógica, na qual se utilizando das ferramentas e metodologias adequadas auxilia-se o outro a perceber-se, compreender-se dentro da sua logicidade. Não há em FC um jeito certo de ser. Um padrão, ou uma forma na qual as pessoas são colocadas para se adaptarem, pelo contrário, de posse das suas peças (Lego), cada sujeito se constrói, se edifica em relação com os outros, com o meio, mas de um jeito seu. 
É movimentando dentro dessa lógica que o filósofo clínico aprende os exames categoriais, baseados em Aristóteles, Kant, Ryle. Compreende a historicidade, baseado em Hegel, Gadamer e Dilthey. Trabalha as EP e SM baseados nos mais diversos pensadores.
É devido a essa estrutura lógica que toda FC se movimenta desde a parte mais imediata até sua estrutura mais complexa, como a Matemática Simbólica.


 Assim nos fala Lúcio:
A Filosofia Clínica não buscará a harmonia, o bem-estar, não procurará soluções hedonistas, não tentará a cura, principalmente porque em seus pressupostos inexiste a patologia. Também inexistem pré-concepções como liberar o fluxo das emoções, etapas de desenvolvimento, noções apriorísticas sobre aborto, suicídio, sexualidade, morte, homicídio. Um filósofo clínico, em seu ofício, entra em contato com suicídios legítimos cujos argumentos repousam em razões estéticas e não em razões éticas ou religiosas; entra em contato com desenhos existenciais do pensamento que a medicina tem por psicose, e, para o filósofo clínico, muitas vezes será esta a melhor condição existencial de algumas pessoas conforme as circunstâncias e o que viveram até então; entra em contato com o absurdo que Camus anunciou, criaturas adormecidas por um mundo que lhes propicia o soma de Huxley, e às vezes acompanha tais caminhos ou se opõe a eles. Onde Freud sentenciou que a Psicanálise parasse, na psicose, é onde muitas vezes iniciará a Filosofia Clínica. Nosso endereço existencial será dado na trajetória que percorrermos com quem partilhamos os espaços da vida.” (Packter, in: Filosofia Ciência & Vida Especial, 4, em entrevista concedida).
 
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