domingo, 30 de dezembro de 2018

XVI ENCONTRO MINEIRO DE FILOSOFIA CLÍNICA: dedicado à Marta Claus. Pelos Caminhos da Filosofia Clínica.

ÍNDICE 



Para quem não deseja ler tudo, basta buscar os palestrantes em negrito. Outra sugestão é buscarem eixos, tópicos, que tive a ousadia de estipular. 

O primeiro eixo seria o da TRANSCENDÊNCIA. A FC marcada como um espaço de encontro com o outro. Aberto às formulações e considerações que passam tanto pelo referencial metodológico já catalogado e conhecido quanto por outros que caminham em direção a Matemática Simbólica e as Sinonímias. Colocamos aqui as falas de Francisca Carvalho e Kélsen Andre e logo em seguida Paulo Varejão. Gláucia participa desse dia, mas a situamos no campo da política. 


O segundo eixo seria marcado pela ÉTICA-EPISTEMOLÓGICA. Aí temos as falas do Dr Luis Cesar e do Gustavo Bertoche. 

O terceiro eixo é repleto de intercessões é a TEORÉTICA. Nela tivemos Gilberto Sendtko apresentando a Matemática Simbólica (MS) e Lúcio Packter falando das Sinonímias. Podemos dizer, que em todas as falas anteriores, sem exceção, serviram de construção para a leitura explicativa que Lúcio nos forneceu.

Finalmente, o quarto eixo foi o POLÍTICO. Politico na melhor acepção grega, clássica, sobretudo, porque foi trazido por duas filósofas lindas, elegantes, belas demarcando uma eticidade e um cuidado a pessoa humana que a lógica patriarcal, racionalista ocidental esqueceu. Estamos falando de Marta Batallini e Gláucia Tittanegro. 

Nesses recortes tivemos a Homenagem a Marta, a abertura do encontro pela Ana Cristina e Márcio José. O Lançamento da Revista Partilhas com os artigos de Marta Claus.  

Fiquem a vontade para ler por partes, mas recomendo a paciência, a tolerância para suportar ler tudo, rsrs. 


UMA DIGRESSÃO: a menor distância entre uma prosa é uma montanha.

Inicialmente, essa é tipicamente uma estória que não cabe, que deveria ser suprimida do relato. No entanto, para mim essa é a história que ilustra toda a magia do encontro. 


O título, a chamada, a proposta, a localidade não poderiam ser melhor. Tudo convergiu para que fosse como aconteceu: mágico, encantador, suave. Sinonímico. Basicamente, o término do Encontro encapsula tudo o que ele fomentou. Conto a história.
Quase década atrás houve um encontro Mineiro em Uberlândia. Por lá transitava um estudante de graduação em Filosofia, 'sem muito dinheiro no bolso, sem parentes importantes, vindo do interior'. Conversando com uma professora despojada e hospitaleira, ela o convida para ficar na casa dela enquanto acontecia os encontros. Ao final do mesmo, o nosso estudante itinerante, disse que viria para São João Del Rey. Nossa linda professora pede a ele que leve um livro como encomenda e que não se preocupasse, porque o dono o procuraria. Yves é o nome do nosso cavalheiro andante que percorrendo estradas e montanhas guardou a encomenda como um cálice sagrado. Marta Claus é o nome da Mestra que cruzou com o discípulo quando ele estava pronto e lhe deu pouso, guarida, abrigo. O dono do livro nunca o pegou e durante todo esse tempo, Yves o guardou consigo, até que propôs sorteá-lo, já que estávamos na mesma cidade do destinatário. Eu fui o agraciado de receber por sorteio o livro que passou por curvas, montanhas, esquecimentos, lembranças, memórias e me chegou como um abraço. Como uma gentileza inesperada, vindo pelo correio, de um remetente de quem eu já me simpatizava, mas depois disso, ampliou a admiração exponencialmente.




Quem nos irmanava em um só sonho e em uma só letra, era ela- MARTA CLAUS. A homenageada. Que num passo mágico de delicadeza, sempre uma bailarina, nos homenageava. Toda as lágrimas que não couberam durante o encontro, repleto de sabedoria, de alegria, confraternização e bafão; rsrsrsrs. Eclodiram quando o amigo envia o livro via correio e chega em minhas mãos.


Pontuo essas trilhas porque acho que elas capturaram o que foi o XVI Encontro Mineiro de Filosofia Clinica. Por todo o tempo, a presença de Marta esteve entre nós. Mas, não estamos falando de espíritos, de espectros, de visões. Estamos falando de memórias, lembranças, fantasias, inspirações, sincronicidades. Estamos falando de Transversalidades e Sinonímias. Espaços que todos nós adentramos, nos deslocamos, continuamos nos movendo e nem percebemos. Durante todo o encontro tínhamos o planejamento tão bem delineado por Aninha e Márcio e uma mão invisível que re-organizava e re-distribuía as  falas, encontros, parcerias. Como um romântico delirante que sou, quero chamar isso de mãos de Marta. Aquele tipo de mãos que entrelaça pessoas por corações. Um tipo de coreografia repleto de movimentos suaves, sutis, leves.

Mas, parte da beleza singular daquele encontro foi que direta, ou indiretamente, era Marta que nos unia. Éramos seus alunos. Os alunos dos seus alunos. Eram seus colegas, ou sua companheira irmã de longas caminhadas. Era seu amigo, seu irmão. Era seu marido, seu cunhado. Quem estava por lá em alguma medida recebia o abraço e o acolhimento de Marta Claus e foi assim que foram abertos os trabalhos.


 


Mentira, os trabalhos foram abertos como era do feitio dela, pelo trabalho. Foi assim que Ana e Marcio fizeram. Mas, para reportar tudo isso é preciso ir ao começo. Mas, onde é isso mesmo? Num deslocamento perdemos de nós mesmos, nos encontramos nos outros. Nos registros fotográficos da cidade, das pessoas, nos casos e histórias contadas. Nas mesas de bar e de café. Na lindeza da Filosofia Clinica e na beleza dos novos caminhos que ela abre- a Matemática Simbólica e as Sinonímias. O Encontro foi marcado por essas derivadas, de um lado os utópicos de outro os sonhadores. Eu não sei precisar ainda qual é qual, mas é bonito nos ver de mãos dadas, pedindo maiores e melhores fundamentações de sonhos, de visões, de ‘delírios’. É bom saber que por quaisquer vias, estamos sedimentando os passos com a delicadeza do abrir as portas para o novo e a segurança de que não nos perderemos, porque sempre haverá uma Ariadne do lado de fora, com seu novelo.


·        PALAVRAS INICIAIS.


Vamos marcar o início desse encontro nos dias finais do XV Encontro Mineiro realizado em Bh. Nele, Marta havia nos dito que não mais participaria dos outros e que era bom ver todos presentes, reunidos. Estava matando saudades. Estranhamos a fala dela, mas pensamos que ela se mudaria para o Canadá e ficaria mais difícil estar fisicamente entre nós. De todo modo, ela tinha negociado com Ana Cristina que o XVI Encontro seria em SJDR. A vida com suas surpresas ratificou a ausência física de Marta, no entanto, a vida nos seus espaços intangíveis descortinaria outras formas de estar. Marta estava entre nós. E como poderia ser diferente?


Há uma mística em SJDR na qual os filósofos brotam da terra e os filósofos clínicos irrompem nos bancos das praças. A cidade, da forma mais mineira possível, esconde em suas entranhas, dezenas de filósofos clínicos. Estudantes de filosofia clínica. Ao mesmo tempo, poucos na cidade sabem o que é isso. Que está acontecendo um encontro mineiro, intergaláctico, internacional de Filosofia Clinica. É similar a senha UAI utilizada pelos inconfidentes maçons de Minas. Especialmente, naquelas terras de tantos amigos que se rebelaram contra a coroa. Terra na qual os sinos falam e trazem mensagens ao ouvido de todos, mas inteligíveis a poucos. Como nossa senha secreta e iniciática: wai-fai, que fazia com que todas as contas dos bares e cafés fossem automaticamente para Ana Cristina. Ela era a dona da cidade e a gente como bom hospedes pagamos só as contas muito grandes, as grandes e baratas ficaram anotadas.
Creio que lá em 2018, Marta estava coroando Ana Cristina e a gente não estava entendendo nada. Ana estava lá reassumindo seu posto. Interligando as tranças do passado ao presente. Reacendendo a mística de SJDR e o fogo discreto, que por vezes consome a FC. Algo ali foi aceso. Percebia-se nos olhares. Ouvia-se nos silêncios. Algo ali começou ou voltou a circular com mais intensidade, creio que aos poucos conseguiremos definir a forma. E em tudo isso, tinha Marta. Como alguém que baila entre as dimensões. Adentra as esperanças de uns, acalenta os sonhos de outros. Fortalece ensejos em incautos. Enumera e aglutina amigos, alunos, colegas entorno do seu nome e da sua pre,3sença. Ainda que ausente. Mas, ela esteve lá. E em torno do seu nome, o XV Encontro Mineiro, o melhor na minha opinião, foi Nacional. Contou com amigos de Chapecó, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo. Ceara. O Brasil esteve lá representado e cada um trazendo essa beleza que é o resgate de uma tradição. Falemos um pouco disso.

Uma das marcas do XVI Encontro foi como o cronograma era alterado por uma ordem oculta, que alinhavava pessoas, circunstâncias, relações produzindo um eixo temático encaixado. Harmônico. Coeso. Como se cada um tivesse combinado e afinado suas falas a dos outros, meses antes de tudo acontecer. Se eu tivesse chegado lá em SJDR naquele momento e não entendesse nada, eu acreditaria que os palestrantes conversam entre si semanalmente, e que em cada evento, como uma boa banda de Rock, eles ensaiam linhas, expressões, entonações, discordâncias. Mas, como não sou esse observador, eu digo que foi tudo de improviso. O cronograma ia sendo alterado por circunstâncias acima de nossas bases categorias. Algo nos alinhavava, nos reunia e foi nesses moldes que tudo estava prestes a começar. Era a bailarina. 




Quando acabo de entrar na Pousada, o celular toca. O rosto do Márcio aparece. Rimos. Ele me pergunta onde eu estou e informo que acabando de chegar. Ele me pergunta sobre o texto do Léo. Um dos que não pode vir e fez um texto lindo para que eu lesse, como se eu fosse ele. O texto é delicioso e terão acesso pela Partilhas. Nele o roqueiro Fala do Silêncio. Dialoga com Will Goya, passeia por Humberto Rodhen, mas sobretudo, tem aquele jeito de cantor de blues, de roqueiro pianista que Leo tem na voz, no olhar, na entonação e na afinação. O silêncio de Leo é uma pauta musical. Porém, o texto ainda não tinha chegado e eu apenas disse: “Leo ainda não enviou o texto”. No final ele apenas disse: “vem que só falta você e você vai fazer a abertura. ”

Claro que eu sabia que era uma pegadinha. Tinha muitas pessoas por lá. Minha fala seria no 3º dia com a Isabel. Estava despreocupado. Tivesse praia, eu tinha ido. Desculpa, tem praia sim, em SJDR, mas eu não fui. Chegando lá abraços, risadas, encontros, reencontros de pessoas e em pessoas que nunca vimos. Acho Márcio e ele está com Ana Cristina. Eu vi que tinha tido mesmo uma conjuração e eu ia mesmo fazer a abertura ao lado de Francisca. Uma mulher bela, com aquele sotaque cearense que vai fazendo a gente procurar rede. Aquela inteligência verbal rápida como a dos paulistas indo ao trabalho. Mas, uma doçura que vou chamar de mineira. Uma doçura de rapadura apimentada. Quando nos vimos pela 2ª vez, ela me disse assim: “ TUDO JÁ ESTÁ PREPARADO MUITO ANTES DA GENTE CHEGAR!!” Ela já sabia. Ela tinha desenhado essa trama com Marta. Tudo já estava parcialmente escrito. Fomos só dando a entoação. Foi mágico e torço para aqueles que não tiveram a felicidade de estar lá conosco, possa absorver o máximo possível nesse resumo. Deixem as suas impressões, seus comentários. Não foi possível registrar todas as falas, citar e mencionar todas as intervenções dos amigos presentes. Pelas fotografias de Cidinha tentamos inserir a maioria de nós. 
Paulo, Maria Aparecida, Ana Rita, Nilda, Andrea, Valéria, Rachel, Moretson, Sandra, Rose....



 ·        ABERTURA

Márcio e Ana abrem o XVI Encontro. E poderiam ter falado do café, da cidade, dos hotéis, dos preparativos. Poderiam ter falado da FC em Campinas, em SJDR. Poderiam ter falado... mas preferiram em menos de 5’ chamar a mim e a Francisca para abrirmos o Encontro.
Levantei com a cara de pau de quem se deixa guiar pelo momento. Sentei a mesa. E como um cavalheiro disse a Francisca: você primeiro.

Francisca empoderada pela coragem que brota das águas do Ceara, começou a nos falar da PRATICA CLÍNICA. De forma muito inusitada e bem segura, de quem lida com a FC há décadas, ela disse que o consultório dela é a rua. É nos atendimentos urbanos, com uma população da periferia da capital do Ceara, que ela atua.


  


Uma atuação, que se altera devido as circunstâncias dadas, bem mais flutuante do que as do consultório. A FC 'de Francisca' trás um ensejo popular, com uma guinada mais perto de uma população que não frequenta consultórios. Francisca com todo o seu conhecimento hermenêutico, filosófico, terapêutico, digo até missionário, nos conta como é a recepção do seu trabalho. As dificuldades de se estabelecer um processo terapêutico nos moldes metodologicamente tradicionais. Em suma, ela atende as pessoas na rua. Indo ao encontro do outro. A fala de Francisca na boca de outro filosofo clínico pareceria um abandono displicente da metodologia. Vindo dela, se vê que é algo singular, verdadeiro. Há autenticidade na sua busca e na realização da mesma. Precisamos ouvir, aprender ainda mais como é esse espaço de atuação. Sobretudo numa visada mais popular da FC.  

Eu ia ouvindo Francisca, admirado, anotando algumas coisas. Buscando alguns ganchos, quando de repente, ela fala de Judite Orloff e o conceito que essa pesquisadora emprega de Leitura Energética. Francisca não sabia que ano passado em Bh, Márcio tinha feito uma exposição contando justamente, que por vezes, fez atendimentos na rua. Sabia menos ainda, que no Encontro em Poços de Caldas, dois anos atrás, eu falei de Leitura Energética.

Ela a partir desse conceito adentra espaços que a FC começa a se aventurar agora. Ela começa a fazer uso de conceitos da Matemática Simbólica e das Sinonímias. É quando eu adentro pela primeira vez, falando de como inicio a minha clinica e de como anos mais tarde a FC me chega e somente, recentemente, tenho buscado e encontrado uma combinação entre a FC e a L.E.  

Falo do meu público alvo, que consiste basicamente de pessoas que tem uma sensibilidade mais aguçada, mas não querem desenvolver essas habilidades numa perspectiva religiosa. Eu tento falar e abordar essa sensitividade numa leitura científico e estética, enfatizando que são faculdades constitutivas dos seres e precisamos aprender a lidar melhor com esses recursos e não o abolir, despreza-lo, rotulá-lo.  




Demarco que L.E não é FC. Que é recente a criação de uma ponte que estabeleci entre essas duas formas de apreensão da realidade. Uma que a princípio consegue uma visão global, geral, intuitiva, digamos assim. E outra que é justamente o inverso. Não sabe nada sobre o outro e realiza uma construção metódica, categorial para aproximar do que constituiremos como eu. Duas formas diversas de se acessar a pessoa humana, mas que podem ser complementares. Desenvolverei um pouco mais sobre isso em outro espaço. Agora é importante registrar que tínhamos uma plateia atenta, que não poderia deixar passar em branco, os saltos e as piruetas que eu e Francisca ficamos dando.

Pouco a pouco, Neilor, Gláucia, Ronaldo foram nos chamando para edificarmos uma construção lógica, sedimentada, na qual a razão pudesse caminhar sem tropeços, atropelos, saltos. As perguntas deles gravitavam entorno do guardar o lugar da FC e não permitir que os saltos dados em nome da Matemática Simbólica, palestra que seria dada pelo Gilberto e depois com Lucio falando das sinonímias nos dias seguintes, não fossem tidas como irascíveis. Inverossímeis. Charlatanice. Buscamos, tanto eu quanto Francisca, demonstrar a construção metodológica estrutural da FC, a lembrar: colheita categorial, estrutura de pensamento, aplicação submodal. Mas, se há essa construção lógica, cartesiana, etapa por etapa, passo a passo. Há indivíduos que apreendem uma visão geral, completa, formada, holística das coisas. Demos o nome de intuitivo para proporcionar uma apreensão. Mas, cientistas, artistas, místicos, pessoas que conseguem acessar o todo a partir de uma parte. Eles não conseguem muitas vezes lidar com as partes, mas compreendem o todo. São formas diferentes de capturar a realidade. Não há uma mais certa, mais exata. Ambas podem ser precisas, desde que não se arvore a afirmar para o outro o que se é.

Nessa linha argumentativa toquei um ponto pedagógico, da formação que é o grande desafio para os professores. Obvio que nos 18 módulos de formação a gente espera que o estudante absorva um conteúdo. No entanto, o que de fato vai torná-lo filósofo clínico é algo que não pode ser ensinado diretamente. Há um substrato nos 18 módulos de formação que objetiva proporcionar ao estudante adquirir, compreender aquilo que não é matéria diretamente lecionada. Estou falando de acolhimento, escuta para ficar em duas. A FC te dota de um instrumental teorico excelente para ser um bom terapeuta, mas muitas vezes, ser um ótimo terapeuta, ainda passa longe de ser um filósofo clínico. Basicamente, porque este nunca sabe. Ele não pode esquecer que o partilhante é outro, infinitamente, não eu. Nunca o conhecemos, ainda que ele se desvele para nós. A FC é diferente e tentarei falar um pouco disso no artigo para Partilhas.  




Foi a colocação levantada por Gláucia, a fabulosa, que igualmente marcou essa compreensão que ela deixaria ainda mais evidente e claro na sua fala, horas depois. A contribuição minha e de Francisca foi o de naturalizar o Encontro. Trouxemos o encontro para uma dimensão de troca, de partilha. A descontração de Francisca quebrou o gelo inicial e auxiliou num encontro supre agradável, suave, leve. Estavam ali duas pessoas falando de prática clínica com muita segurança do nosso trabalho, mas com muito respeito aos limites de até onde o que fazemos é ou não FC. O gostoso foi perceber nos dias seguintes, nas falas seguintes, que há ainda muito espaço para interação, pesquisa, desenvolvimento da FC. Um espaço que permeou todo o encontro, cada um de nós. Ajudando na maturação, desenvolvimento, entendimento de muitas questões. 




  •        FILOSOFIA COMO TERAPIA: Paulo Roberto Varejão e Gláucia Tittanegro.

Beto se intitulou um dinossauro no que se refere a FC. Ele contou uma breve história da FC em Minas e a intercessão que esta história faz em SJDR. Seja pela imanência dela nos departamentos das Faculdades. Seja pela transcendência que conseguiram mediante a criação de uma revista INFORMAÇÃO DIRIGIDA. Seja pela presença de professores como Lucio e Helio que percorriam essas cidades de Minas abrindo turmas e lecionando. O fato é que como disse acima, em SJ a filosofia clínica deu frutos. Suas raízes ramificaram para Divinópolis, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Lavras com nomes como o próprio Lúcio e os de Hélio Strassburguer, Sebastião, Mauricio Carvalho, Mariluse Ferreira e outros grandes expoentes. Mariluse tem um trabalho sobre analítica da linguagem (Wittgenstein) e FC que está entre os trabalhos mais fabulosos que li sobre Witt. É espetacular a forma com que ela compreendeu os dois pensadores e enseja uma visada que cada vez mais está sendo ‘perdida’ a de que FC é analítica da linguagem. É importante lê-la lado a lado com José Mauricio que dispensa maiores apresentações e para quem a FC é uma fenomenologia.


Professor Varejão fez esse preâmbulo histórico, numa abordagem macro, para em seguida nos situar o dilema que tem vivenciado. A esposa encontra-se fazendo quimioterapia e ambos tinham chegado a pouco de BH. Foi nesse nível de comiseração que o belo palestrante nos fala do curso que ministra: Educação para a Morte. Um curso que como pude ouvir dos seus alunos que estavam presentes e outros que cruzei pela cidade; é apaixonante. Os caminhos que Varejão traceja para abordar tema tão relevante passa pela Filosofia Perene, pela Teosofia, adentra a psicologia transpessoal de Stanislav Groff. O filósofo clínico tem em Varejão o compromisso de acolher essas várias correntes e compartilha-las com seus alunos mediante um tema desafiante, inquietante: a morte. Morte no seu apelo de finitude que marca as dimensões existenciais, psiquicas do ser no mundo. Varejão ensina as pessoas a viverem melhor, refletindo mais sobre a morte e as implicações metafisicas, transcendentais que ela encerra. Seu carro chefe, ao que tudo indica, para fazer esse amalgama é ninguém menos do que Ken Wilber. A respeito de Wilber, ele pontuou muitas coisas, mas a intercessão principal, ele estabeleceu a partir do livro: Graça e Coragem.

O livro pelo que disse o professor é a narrativa diária da esposa de Wilber, acometida também por um câncer. Ela conta sobre cada tratamento, todos os dias e pede a ele antes de morrer, que ele fale sobre o assunto, publique algo. Sensibilizado, ele escreve Graça e Coragem, que tocaria um outro pesquisador, em outra localidade, em outro continente, com outra base categorial; enfim, um outro casal vivendo os dilemas da morte. Foi um momento muito forte para todos os presentes, especialmente, porque Varejão é um sedutor. Sua fala prende atenção, cativa, desperta. Mas, de sua fala encantadora saia uma pitada de dor, de medo. Talvez, pela 1ª vez, aquele moço não soubesse ao certo o que fazer e como fazer. Talvez fosse desnecessário, mas é importante que eu diga que o filho de Marta teve problemas sérios de saúde. Marta se desdobrou, entre o estar com a mãe, cuidada pela irmã. A casa e o filho em outro país. Foram momentos difíceis. E Roberto contava, narrava acreditando estar falando apenas deles. Pelo jeito não. Minutos depois da plateia surge a fala de uma querida, contando como atravessou os caminhos complexos da quimioterapia. Essas transversalidades foi nos pegando pelo caminho durante todo o encontro. Do 1º ao último dia. Fomos aprendendo a partir da cosmovisão de outros. Era uma troca muito rica. 



Os nomes dos pensadores mencionados não têm uma relação direta com as bases categoriais da Filosofia Clínica. Pelo menos não em sua base organizacional. Já no que se refere a sua estrutura funcional (Sendtko), creio que esses e outros nomes podem nos auxiliar muito, numa investigação mais detalhada e menos eclipsada da consciência humana. Se tivermos a humildade de não acachaparmos os fenômenos ao nosso arcabouço teórico. Se tivermos a paciência de ver e não buscarmos apressadamente uma resposta. Enfim, se o espirito filosófico permanecer em nós, esses e outros autores, pesquisadores poderão contribuir para os campos que a FC tem aberto. Nós estávamos no primeiro dia de Encontro e desde a abertura, passando pela fala do Varejão já estávamos dando as bases teóricas para que Gilberto e Lucio nos apresentassem novas paisagens e abordagens.

Enquanto Varejão nos falava de Wilber, Groff, eu pensava em Patrick Druot, Amit Goswani, mas eu achei que já tinha ido longe demais ao falar de L.E. Não me senti a vontade para trazer o assunto para as veredas conscienciais e no fundo não precisou. Varejão retomando a Filosofia perene nos trouxe Rumi e o citando disse algo como: “ morri mineral, nasci vegetal. Morri vegetal, nasci animal. Morri animal, nasci humano. Morrerei humano e nascerei angelical. Por que deveria eu temer a morte?”

Ao ser perguntado por Neilor, nosso guardador de lugar, quais as bases teóricas que ele tinha para falar dessas expansões de consciência e similares. Ele responde falando das matrizes consciências de Groff. E insisto que Druot apresenta também relatos dessa cartografia com muita acuidade em alguns dos seus livros. Em comum, ambos retomam uma tradição xamanica e também budista, na qual sustenta que a consciência vivenciou vários tipos de experiências nos mais diversos reinos. Seguindo alguns dispositivos e métodos de alteração de consciência, é possível acessar esses estados. Groff começou acessando e ensinando a acessar esses estados alterados de consciência mediante o LSD e mais tarde desenvolveu a respiração holotropica. Vale a pena pesquisar. São caminhos e percursos muito abalizados na psicologia transpessoal e que dialogam belamente com a Filosofia Perene, a tradição mística.




Nesse momento a fala vai para a Fabulosa. Com uma acuidade que lhe é peculiar, ela reconstrói mentalmente o caminho que iria seguir. É aqui que fica a ordem do improviso, mas na verdade, o que estava acontecendo eram similitudes criativas, construindo espaços bem vastos, alegres, interessantes. Gláucia acabou nos levando para um desses espaços que não existiam antes, porém o deus momento, o abriu. E ela com todo o seu brilhantismo, o seguiu. Não é que os anteriores a ela não tenham seguido. Musicalmente, parecia um jazz. Tinhamos um tema e a partir dela fomos improvisando. A cada entrada ampliava-se a dificuldade do palestrante anterior.    Todos nós, estávamos ali falando mesmo de improviso. Usávamos o conhecimento e a prática que dispúnhamos. Glaucia dispunha da nossa mesma sensibilidade, da nossa mesma sutileza, só que nela é ainda mais leve, porque ela acessa esses espaços pela racionalidade. É difícil explicar. Eu e Francisca caímos na intuição e ficamos nela por uma vida. A intuição é suave como um sopro. Mas, a inteligência de Gláucia, a fabulosa, sutiliza ainda mais esses espaços, porque a intuição é solitária como um monge em clausura. Já a inteligência, a racionalidade pode ser suave, sutil como um orador na Ágora. Ali, ouvindo Varejão e sobretudo Glaucia, éramos conduzidos para um espaço de suavidade, no qual os passos podem ser sedimentados, reconstruídos. Se rebobinarmos a gente sabe onde estávamos e para onde fomos. Diferente da intuição que de repente estamos todos num sonho, mas ninguém consegue precisar como fomos parar lá. A intuição como um sopro, não fornece rastros. Já a inteligência guiada, sensível da fabulosa, nos pega pelas mãos e nos direciona para esse lugar de sacralidade, que é o OUTRO. O outro que lá trás, ela nos chamou atenção em sua intervenção, ao pontuar o receio que tinha, sentia de se arvorar a falar de outro a partir de uma modalidade intuitiva. Não era isso que eu Francisca falávamos, mas era isso que poderia se transformar e sem sombra de duvida que nada seria mais antifilosófico do que tal perspectiva. Arvorar-se a dizer que se conhece o outro, esse infinitamente outro, porque utilizamos de técnicas, praticas, intuições que possibilita esse dizer. E, claro que possibilitam. E, óbvio que isso pode ser altamente terapêutico, mas é claro que precisamos de todo cuidado do universo para não achar que isso é FC. Porque a FC só acessa esse outro, pelo que ele nos disse, nos mostrou, se revelou. Acessamos a representação que ele tem de si mesmo e do mundo, não a ele mesmo. Outros processos terapêuticos tem como convicção, no nosso jargão, o pré-juízo de que seria capaz de acessar o ser mesmo. Um acesso que garantiria conhecer o outro melhor do que ele mesmo se conhece. Numa humildade salutar, Gláucia pontua isso com imensa leveza e a fala dela vai aprofundar ainda mais essa dimensão, a saber, o outro se diz, se mostra, se revela, se desvela. Nós não o conhecemos. Nos aproximamos a medida em que utilizamos a colheita da historicidade, situamos mediante as categorias, compreendemos a estrutura de pensamento e agimos com as práticas submodais. 

Sendo assim, ela nos fala da pesquisa de um dos seus sete doutorados, rsrs: Heidegger e Levinas e o ser para morte. Poucos segundos de fala, ela nos direciona para o seu oitavo doutorado: Agamben e a necessidade dela estudar a vida. Ela não ficou falando que ela tem 9 doutorados. Isso só os amigos sabem, rsrsr. Ela falou desses moços que ela pesquisou. O primeiro com o seu ser-aí. O segundo com o rosto. Mas, a beleza é de como isso nela é suave, sem pompa. Como que a Filosofia nela e a Clínica também é pedagógica no melhor sentido grego, pegar pelas mãos e conduzir. É tão suave, tão sutil, que a gente não sente o toque, apenas caminhamos para os horizontes que ela nos conduz. Varejão faz isso com a sedução. Glaucia faz isso com essa inteligência sutil, esperançosa, cuidadosa de quem deseja que todos chegue, que todos compreendam. Por essas vias, ela nos fala de uma palestra que foi dar em um hospital em Sampa.


E um médico falou que estava lá há 25 anos e nunca falaram de morte. Ele chega a pontuar que morte não é uma questão nossa. E eles trabalhavam na UTI. Esse momento me lembrou muito de uma palestra que fui dar nos Cuidados Paliativos do Hospital das Clinicas em BH. Eu amei essa área da medicina no seu apelo integrativo, complementar. 
O mais expressivo, acontece no retorno dela. Com 3 horas conversando com o motorista do hospital que a levaria para casa. Ela situa como sendo a palestra da vida dela. E é dessa perspectiva que ela aclara ainda mais o que é FC.  

Ela ouvia o motorista e com a sensibilidade de quem ouviu tudo o que foi dito ali naquele ambiente e em tantos outros que ela esteve presente, ela nos mostra que FC é a fala do outro. É ir ao mundo do outro e ouvi-lo. E nessa escuta busca-se uma époque, uma redução eidética, na qual não se silencia, não se restringe, não se envergonha, não pre-julga a fala do outro. É uma instância solene, sagrada, na qual o filósofo clínico se prepara para adentrar o santuário de alguém. Um alguém que em primeira e última instância é inteiramente outro. Desconhecido. Não sabemos nada dele, nossas aferições, nossas intuições, nada disso vale em clínica filosófica sem a escuta do outro. Tudo isso só ganha sentido no momento em que o partilhante nos mostra, se desvela. Gláucia retomando esses espaços com muita suavidade e precisão, dialogava com algumas lacunas que ficaram abertas na minha fala de abertura. Mas, ela dialoga também com Varejão, que acabara de conhecer naquele momento. E, em determinado momento da sua exposição, ela se volta para a esposa do Varejão e pergunta: como você está? Até então falavamos dela como se ela não tivesse voz. Como se ela não fosse capaz de dizer por si mesma. E, em todas essas falas, extremamente amorosas, carinhosas, acolhedoras, que era a fala mesmo do seu amigo e marido, tinha na verdade, a cosmovisão dele e não necessariamente dela. Quando Gláucia lhe direciona a palavra, possibilita que ela fale por si mesma, ela nos diz para surpresa de muitos: "nunca estive tão viva!”

A Fabulosa, retoma então sua fala, mostrando, apontando à Heidegger: isto é Filosofia Clínica. Escutar o outro. Dar ao outro o seu direito de fala e resguardá-lo, respeitá-lo. A partir desse respeito, ela situa uma conversa que tivemos no encontro Mineiro de Poços de Caldas referente ao lugar acadêmico da FC. Desde lá ela já pontuava que esse não é o melhor caminho para a FC. Não é desse lugar que Lúcio fala. Foi um momento muito emocionante, porque quem esteve presente, poderia pegar a FC, embrulhar para presente e levar para casa. A cena, maiêutica ilustrava todas as interações anteriores. 



Ela finaliza nos falando pela 1ª vez de Giorgio Agamben, um pensador italiano que ela defendeu a sua 9a tese. Falaremos dele mais abaixo. Gláucia lembra que o professor italiano ensina que a palavra amigo está dentro da palavra PHILOSOFIA. E que isso é uma marca bem característica da ação do filósofo clínico. Por esse percurso e dentro do contexto exposto, ela fala do conceito de Agamben do “tempo que resta”. Algo que vou me atrever a colocar próximo ao conceito de finitude dos existencialistas. O tempo que resta é o tempo que escapa, que foge, que temos e não temos, por isso precisamos significa-lo.

A fabulosa, nos mostra que o significamos, pelo menos em clínica, abrindo espaço para a escuta e a acolhida do outro. FC para ela é fenomenologia. E talvez não pudesse ser diferente. A FC é para nós o que somos. 



  • ·       ÉTICA-EPISTEMOLÓGICA.

Esse dia contou com a palestra do Gustavo Bertoche, aquele que dispensa apresentações. Mas, cuja presença e inteligência é ainda maior pessoalmente do que pelos textos que viralizam pelo facebook  e WhatsApp. Eu não pude estar presente nesse dia e perdi a fala do amigo. Mas, na noite anterior. Jantando num restaurante cuja conta deixamos para Ana Cristina pagar, ele jurou que a exposição dele seria o que a gente estava conversando ali. Rsrs. Então, eu sei tudo o que ele tratou e fiquei sabendo em 1a mão. 



O amigo falou da Filosofia e a Filosofia Clinica. Fico aqui imaginando o percurso que a sua criatividade epistemológica tomou. Como que ele percebe e vê esses dois lugares se é que ele os vê como dois. Terei o prazer de ler o artigo dele e enchê-lo de perguntas. 

A outra fala do dia foi realizada pelo Luís Cesar, carinhosamente, motorista da Marta Batallini. Uma profissão que ficou tão em evidencia nos últimos dias. Mas, Luis é um motorista de outra ordem, ele é o marido da Marta Batalini. Ou seja, não é qualquer motorista. Não é desses que depositam 23 mil reais. Está em outro nível.

Tive aceso aos slides da apresentação do Dr Luís Cesar. Um homem voltado as preocupações políticas, de justiça e alguns conceitos que estamos esquecendo. A fala dele no encontro foi:



 SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS um olhar sobre as comunidades terapêuticas.

Essa tem sido a sua pesquisa para o seu doutorado. Pelo que captei dos slides e teremos todos que ler o artigo dele na Partilhas. O problema parece ser o tratamento dispensado aos internos nas comunidades terapêuticas. Para chegar nessa discussão, ou nessa problematização, ele retoma a História da Loucura, O Nascimento da Clínica, Doença Mental e Psicologia do Foucault construindo e modelando toda uma base genealógica para falar do lugar de segregação, de desrespeito a pessoa humana enfrentado pelos loucos. Ele avança na discussão trazendo vários interlocutores da luta antimanicomial (Basaglia, Paulo Amarante) e como essas ações iniciando na Itália, passando pela Europa chega ao Brasil, remodelando a estrutura de internação, o trato aos ditos loucos, as leis nacionais e internacionais dos direitos humanos. No entanto, ele vai mostrando como que a partir de uma corrupção brasileira do entendimento de Comunidade Terapêutica de Maxwel Jones, muitas comunidades criadas para recuperação de adictos estão se valendo dessa brecha da lei brasileira e retornando práticas de torturas nos tratamentos clínicos, que nada tem de comunidade terapêutica. Elas funcionam como deposito de pessoas, as vezes até lavagem de dinheiro. Dr Luiz adentra essa discussão, mas a ótica e o enfoque é jurídico. Tendo como pano de fundo os Direitos da Pessoa Humana que não podem ser negado, torturado como está sendo. Via de regra, ele nos mostra como que retrocedemos nessa formas de tratamento que estão sendo dispensados e como elas ferem jurisprudência internacional de destrato, tortura à pessoa humana.  


 


17/11/2018

TEORÉTICA 
·        Mini Curso de Matemática Simbólica.

No dia anterior, Gilberto havia tratado das autogenias horizontais e verticais e hoje nos trazia as TRANSVERSAIS. E ele começa nos alertando que estas não têm classificação e costumam estar além da nossa representação. Costumam estar não, estão. De forma que elas são conhecidas via caracteres. Diante da dificuldade conceitual, Gilberto nos apresenta um filme que didaticamente, pedagogicamente, ele vai apresentando diversos caracteres e em cada um, chama atenção para como nós filósofos clínicos ficamos desconfortáveis diante desse insólito, desse universo estranho, por vezes bizarros. Gilberto ia demarcando esses caracteres mediante um filme, no qual pausava para tecer suas considerações e explicações. 

Gilberto registrava, que em Filosofia Clínica, não trabalhamos com patologias, pelo contrário. Todavia, diante das transversalidades (nem tudo é transversalidade) e essa demarcação é dada a partir das bases categoriais do partilhante e ele nos ensinava a observa-las a partir do filme. Mais precisamente, é na verificação categorial, que o filósofo clínico fica mais a vontade para adentrar os espaços autogênicos e mais especificamente, aferir uma transversalidade. Gilberto menciona isso de forma muito cuidadosa, para não dar brechas a entendimentos apressados, conceituações que seriam mais de uma autogenia de época, do que necessariamente da pessoa. Detalhemos com calma.

Primeiramente, lembrando que Lúcio nos ensina duas coisas complementares. Uma de que filósofo clínico não é médico. Duas, de que em FC não tipologizamos os sujeitos. Apesar disso, diante das transversalidades, na fala de Gilberto e na de Lúcio no dia seguinte, nós filósofos clínicos perante esse inusitado tendemos aos rótulos e classificações: esquizofrênico, delirante, paranoico e diversos outros, que assentam uma base autogenica classificadora, estereotipada, como temos vivido nos tempos atuais. E acabamos caindo também quando lidamos com aspectos fora da nossa concepção.





Assim, com um tempo escasso para aprofundar com maiores detalhamentos, Gilberto faz a distinção entre Transversalidade e Tópico de Singularidade Existencial mostrando que por exemplo, Chico Xavier conversar com entes desencarnados, não é um acontecimento Transversal na vida dele. Pelo contrário, faz parte da autogenia dele. Diferente, de um cético, materialista, racionalista, afirmar que sentiu ao se deitar debaixo de uma árvore que ele fazia parte de toda natureza. A árvore foi uma transversalidade.

Nessa toada, Josi fala da importância de nós, como filósofos clínicos, nos mantermos abertos a essas descobertas. Fala da semana de estudos em Florianópolis onde Lúcio discutiu, ensinou a exaustão as portas das transversalidades que são as Sinonímias. Tudo isso para Gilberto deixar claro que pode nos surgir em clínica situações, narrativas trazidas por nossos partilhantes que não temos como classificar. Só podemos acolher, averiguar, estudar, pesquisar e discutir. Porém, não deveríamos nos arvorar a rotular disso ou aquilo, porque pode ser e pode não ser. É bem provável que não seja. 

Houve uma interação das mais interessantes referentes a como poderíamos fazer uma distinção entre delírio, alucinação e uma transversalidade. Gilberto pontua, inicialmente, muito próximo de uma interpretação de Oliver Sacks que a transversalidade cessaria com a chegada de um terceiro, por exemplo. Já as alucinações, os delírios permaneceriam independente da chegada de outras pessoas. Em suma a discussão que seria provocada por Neilor, Gustavo e Gláucia seria da ordem se esses fenômenos são causados pela mente e independe do cérebro, ou se são causados pelo mal funcionamento cerebral. Fato é que 
na concepção de Gustavo e Gláucia, pelo entendimento que tiveram, Gilberto retomava um conceito de ‘fantasma da máquina’ que estaria ‘superado’. Foi uma bela interação. Creio que valeria uma obra, mas não me atrevo a escrevê-la aqui. Foi bonito, porque discute não apenas o lugar da loucura que tinha sido tema do dia anterior e seria do dia seguinte. Como potencializa em nós filósofos, terapeutas, filósofos clínicos, como é que compreendemos, registramos, os estados mentais. Quem pensa é o cérebro? Quem processa é a mente? A mente existe dentro do cérebro? O corpo é só uma parte visível da mente? A mente é um produto do cérebro? A imaginação existe no aparelho sensório? A alucinação, o delírio, a fantasia é um modus operandi de algum sistema que funciona a revelia dos seres?



Na FC falamos de plasticidade neural, de malha intelectiva e a categoria lugar fundamentada em Merleau-Ponty, nos remete a corporeidade. Ou seja, a FC em sua essência não distingue corpo de mente, mente de corpo, porque todo ele é lugar. Espacialidade. O dentro e o fora se convergem. Um se abre em direção ao outro e não se fecha nesse movimento. Quando olhamos o corpo do nosso partilhante, estamos aprendendo a ver somaticidade. A forma com que esse corpo ocupa um lugar na existência. Registra em si todas essas informações. E, obviamente, quando estamos falando desses registros, esse corpo já não é mais estrutura de carbono, ele é desejo, fantasia, sonhos, emoções, pre-juizos. É estrutura de pensamento. O Gustavo me disse que já está escrevendo sobre esse tema, passando para a Gláucia complementar e em breve eles vão publicar. Rsrsr

Fato que a seguíamos um roteiro gracioso, elaborado pelos volteios da bailarina, que cada fala ia sedimentando o caminho do outro. Lá atrás na abertura ao falarmos das bases categoriais abríamos espaço para a Matemática Simbólica. E agora quando Gilberto nos falava de transversalidades, horizontalidades e verticalidades; ele abria para que Lúcio nos falasse das Sinonímias.

Antes, foi realizado o Lançamento da revista PARTILHAS. Lá em SJDR onde tudo começou, com a coletânea dos artigos de MARTA CLAUS ao longo desses anos. Marta foi da 2ª turma formada em SJDR e levou a filosofia clínica para vários espaços e discussões. A revista Partilha que tem no Márcio o seu estruturador, contou com Marta na articulação dos pareceristas internacionais que a compõem. Marta, uma buscadora foi uma das primeiras no Brasil a estreitar diálogo com Jorge Dias, com quem fez um curso do Project e anos depois 2015 ou 2016, não me recordo, levou uma turma pelo IMFIC para aprender o método deles de Filosofia Prática. Por essas vias, quando chegamos à Espanha em 2013 conduzidos por Lúcio na Semana de Estudo Internacional em Sevilha, Marta já era conhecida por Jose Barrientos, por intermédio de Jorge Dias. E ambos compõem o Conselho editorial da revista Partilhas, assim como Lou Marinoff. Os três ao lado de Lucio são os grandes expoentes da filosofia pratica no mundo. Temos outros tantos, mas cito os três para falar da importância da revista, do carinho que Márcio tem por ela e de como pesquisadores, professores, alunos, precisamos publicar mais. Escrever mais, aumentar a visibilidade da FC entre nós e com o mundo.


Na composição da mesa para homenagem a Marta estiveram Márcio, Ana Cristina, Ronaldo marido de Marta e Josi que como membra eleita da AMFIC, falava com o aval do atual presidente. Primeiro explicando o motivo dele não poder vir, mas que ela fez questão, mesmo tendo chegado de viagem a poucos dias. Josi fala de Marta, mas fala também da AMFIC, da retomada, das dificuldades, dos percalços encontrados e enfrentados. Abre e estende as mãos para o retorno do IMFIC e creio que todos os passos estão sedimentados para que isso seja realizado. Josi retirou ao meu ver todos os empecilhos que poderiam travar e que foram o motivo dessa obstrução. A AMFIC se coloca como entidade de representação dos filósofos clínicos e não como entidade formadora. Creio que caminhamos muito. A fala de Josi foi uma fala de conciliação e tomara que a prática funcione.

Após o almoço, Lúcio chegou e com ele aquela aurea que a FC não pode perder. Ele lembrava o nome da maioria das pessoas que adentravam a sala. Pessoas que ele não via há anos, décadas. Cada um que o abraçava tinha uma admiração, um respeito. Estávamos diante do cara que criou a FC. Sim, ela é uma criação e uma hora discutiremos se a frente ou não do seu tempo. Quando paro para estudar, quando vou ensinar a gente situa e contextualiza a FC como um movimento que pode ser bem situado em toda Europa com os filósofos práticos. No entanto, quando a gente estuda, por exemplo, Matemática Simbólica; isso já é um salto. Sinonímias avança ainda mais. Outros conhecimentos e rumos que Lúcio já deve estar elaborando e que em 2021, 22 ele deve começar a soltar e outras tantas coisas... a gente é convidado a ver uma genialidade em Lúcio e em sua obra.



Não podemos nos esquecer dos diversos interlocutores dessa empreitada, mas a figura dele tem um destaque e uma áurea diferenciada. Lucio transmite um aspecto da FC que tem ares missionários. Ele com a sua barba e cabelo branco de Gandalf ganha ares de profeta. E, quando ele conta a saga da FC, com grupos que vão do Rio Grande do Sul a Amazônia e a dificuldade de retornar a esses lugares, lembra muito o apostolado. E, embora toda essa áurea esteja presente na FC, ela não é religiosa. Ela é uma proposta terapêutica que abriga o sagrado do outro sem profanação. Não conheço nenhuma técnica que tenha tamanha reverencia ao outro, a alteridade, enquanto metodologia, do que a FC. 

Essa áurea então atrai padres, pastores, evangélicos, espiritas, carismáticos; mas é fundamental que todos nós saibamos que a FC é tudo isso, mas nada disso. Ela é um espaço amorfo em que cada partilhante ao entrar consegue edificar de acordo com seu ser. O filosofo clínico é esse metamorfo que acolhe a plasticidade neural do outro sem fazer movimentos bruscos e intempestivos de mudar paisagens, alterar decorações, colocar novas pinturas. A FC no seu modelo organizacional foi o ensinamento de Lúcio para simplesmente acolhermos esse universo. Na Matemática Simbólica, ele nos ensina a nos movermos dentro desse sagrado do outro, operar, manipular os símbolos que ele possui com muito cuidado para não cair, para não desmanchar. Mas, construindo e elencando temas, relações, expressões. É um modelo que Gilberto tem chamado de funcional. E ele é interessante, pois ensina como decodificar o outro em seus apelos simbólicos. Mas, cada símbolo do outro, por estar em território do outro, é sagrado. É terra santa. Agora, Lúcio está falando de Sinonímias, que são localidades dentro do universo simbólico das pessoas. Sendo muita pretensão, ousadia, arrogância a gente desejar classificar, rotular esses espaços do outro. Fossemos religiosos, diria: cuidado hipócritas. Sepulcros caiados. Mas, não somos e nem precisamos deixar de ser. Contudo se faz fundamental que permitamos que o outro seja e é aqui que Lúcio foi nos falar de Sinonímias.
  


Escolheu para tanto, ninguém menos, que Fernando Sabino. Um escritor mineiro que traz a infância como uma temática importante. Enquanto Lucio lia uma obra que desconhecia a existência: O MENINO DO ESPELHO. Eu ia visitando Ziraldo, Rubião e a sua literatura fantástica. Lúcio nos leu três contos, especialmente, o que dá título a obra.

Lucio nos conta que as Sinonímias são as pós autogenias. O além de tudo que foi colocado na MS pelo Gilberto, são os espaços sinonímicos. Um espaço ilustrado por ele, ensinado para nós, mediante três contos de Fernando Sabino, que compõem o Menino do Espelho.

O primeiro, GALINHA AO MOLHO PARDO, dista sobre um menino que se afeiçoa a uma galinha. Sabendo que um padrinho viria visitá-los no final de semana, a mãe avisa a doméstica que devem prepará-la para o almoço especial. O menino então some com a mesma. A esconde. A alimenta quando todos dormem. A batiza, dando-lhe nome e estatuto de humana. A galinha é alçada a condição de amiga. Ele corre para alimenta-la. Lúcio vai nos chamando atenção para interação que o garoto desenvolve com a galinha. Dotando-a de uma vida significativa. Ele conversa com a galinha. Ele escuta a resposta dela. Ele diz saber o que ela deseja e outras interações. Lucio fala que nós horizontalizamos essas transversalidades e atualmente a temos reduzido ainda mais.

Nós que estamos na sala de aula temos acompanhado a medicalização da infância. Numa sala de 30 uns 20 tem diagnósticos psiquiátricos, neurológicos. Esses espaços mentais, simbólicos, comportamentais que eram aceitos na nossa infância, na de nossos pais, hoje são diagnosticados com TDH e tratados com Ritalina. De muitas formas temos impedido maiores acessos e contatos com o imaginário, o fantasioso sem predeterminar a criança em bases categoriais rígidas, rigorosas da maturidade. Por outro lado há um aumento significativo das crianças com o mundo tecnológico, com os jogos digitais, que se por um lado intensificam as sinapses. Por outro esteriliza e planifica a realidade. Há uma banalização da vida como se ela fosse digital, binaria. Se morrer surge outro personagem e continua de onde se parou.



Há ali no mundo infantil pensamentos mágicos que se estimulados tendem a permitir que se vá além das bases categoriais firmadas por uma época. Algumas restrições, especialmente, referente ao imaginário, as formas de pensar não estritamente lógicas e racionais, tem nos imbecilizado. Nietzsche e os Românticos vão nos dizer que a arte, nos ajuda a suportar a existência. E, não se faz arte aprisionado dentro da caixa. E quando estamos falando de Arte, Ars, Techne estamos falando de uma sensibilidade. De um movimento no qual se busca fazer da vida uma Obra de Arte. Estamos falando de um ensejo estético de atrair, criar e conviver com o Belo, por esse prisma, com o Bom e com o Justo. Nesse terreno da esterilização da vida, do que Nietzsche chamou de dionisíaco, perdemos a Verdade quando focamos apenas no apolíneo. Nunca a tivemos, mas a estamos perdendo ainda mais. Em outros termos, a movimentação simbólica do mundo, das referências cognitivas e subjetivas só ganham forma, encaixe, leveza, suavidade, EXPRESSIVIDADE, quando esses elementos mágicos, fantasiosos entram em cena. A lógica por si só, não junta as notas musicais para criar uma melodia, uma música. É fundamental alguma outra coisa que não temos o nome, que movimenta esses símbolos e proporciona sermos quem somos. Proporciona a arte, a ciência, a filosofia e a apreciação dessas realizações.

Lucio nos pergunta o que acontece quando os pais permitem que os filhos vão além das bases categoriais deles e da época? Que mal pode acontecer de uma criança conversar com uma galinha? Por que precisamos de diagnosticá-la com 6, 7, 8, 4, 9 anos e rotulá-la pelo resto da vida?

O segundo, COMO DEIXEI DE VOAR, fala da vontade do menino de voar. Assim, ele começa a construção de uma aeronave. Aqui, com muito tato, mas com grande sabedoria, a mãe vai dando corda até um determinado limite. O limite no caso era a gravidade, a realidade. Se no primeiro conto a interação entre menino e galinha era uma travessura deliciosa, um diálogo impressionante e formidável para vermos como é a mente do cronista. Um registro que nos serve para adentrarmos a singularidade do poeta sem julgamento, condenações. Como se fossemos capazes de dizer o artista é aquele que acessa a própria infância. Aquele que nunca cresce.

Neste segundo conto tínhamos uma questão séria, os limites da imagem+ação. No caso da construção da aeronave e o seu possível teste, precisava da intervenção de um adulto. Uma intervenção que não mutilasse a fantasia, a construção, a imaginação; todavia demarcasse os limites de execução. Se o menino sobe no telhado querendo voar, estamos diante de uma questão muito séria. Enquanto a capa serve para ficar invisível, voando com os pés no chão, ela é linda. No momento em que o garoto sobe no parapeito do 7° andar e deseja pular, temos um problema. Essa fantasia, essa imaginação esbarra na realidade e retroceder é importante. Pelo menos nesse momento da vida. Ainda não me convenci de que essa limitação deva ser feita por neurolépticos 




Sendo assim, Lucio puxa a discussão sobre os limites. A importância do mundo interno, mas ao mesmo tempo, a interação que há de se ter com o mundo externo, objetivo. Um e outro compondo a intersubjetividade. Os melindres dessa construção. Onde devemos puxar? Quando devemos dar corda? Qual é a hora de limitar? O fato é que estamos podando demais, limitando demais as subjetividades e deixando solto demais as objetividades. Há uma pobreza em nossas vidas internas. As subjetividades estão sendo asfaltadas, planificadas, os morros, as montanhas, os mistérios, as dúvidas, as descobertas estão sendo tolhidas. Isso tudo ocorre simultaneamente as pós verdades, os fake News. A desertificação do nosso universo interno constrói essa aridez bestializada de sociedades altamente tecnológicas, mas sem conhecimento científico. Altamente, informadas, mas sem elaboração conceitual consistente. Esse buraco interior, esse vazio se transforma em palco de governantes estúpidos. Porque lhes faltam imaginação, fantasia, doçura, graça, leveza, beleza. Falta-lhes tudo. Inclusive identidade. Infantilidade na melhor acepção do termo. São estúpidos. Mas, a discussão política ficou para o último dia do encontro. Estamos caminhando para lá.

Todas essas leituras foram aperitivos para a grande ilustração, O MENINO NO ESPELHO. O conto é fantástico. Nos cheira a Borges, a Murilo Rubião e a esse imaginário surreal. Aqui Lúcio de fato nos abre para os espaços sinonímicos e as suas múltiplas possibilidades. As direções, as interações, as intertextualidades que o conto evoca, que a fala de Lúcio narra, são inúmeras. O que ele narra, no plano autogênico primário da nossa cultura, é classificado como fantasia, imaginação. 

Basicamente, um dia a imagem do menino se desgruda do espelho. Mais do que se desgrudar do espelho, ela ganha vida, independência, vou dizer autonomia. Enquanto o menino brinca, ou dorme até mais tarde, ele manda a sua imagem ir a escola, fazer exercício, comer pratos que ele não gosta. Brincam e se divertem junto, mas o pacto entre ambos, dessa vida dupla consistia em nunca serem vistos juntos. E, um dia, por fatalidade, creio que o irmão os vê em dois lugares ao mesmo tempo e a imagem tem que retornar ao espelho. É uma leitura obrigatória. Simplesmente sensacional.






A questão suscitada por Lúcio, de forma comedida e aqui por mim ao longo de todo esse escrevinhado é: e se for verdade? E se for possível um duplo seu desgrudar do espelho e viver e fazer parte da sua vida que lhe desassossega? E se for possível alguns fenômenos que não conhecemos, não sabemos? E se adentrar o vosso consultório um personagem que afirma que vê o próprio corpo enquanto dorme? E consegue voar, mergulhar e respirar debaixo d’água, conversar com personagens que não estão mais em nosso tempo histórico? Ou, se adentrasse outra personagem em seu consultório dizendo que o vazio existencial dela começou quando estava na cozinha fritando um ovo e quis ao mesmo tempo lavar um copo e se deu conta da sua impotência de não estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Como era difícil para ela ser uma só. 

Ok! No padrão autogênico que nos encontramos nem aventamos uma coisa dessa como sendo real. Mas, o que é realidade? Quais os fundamentos que utilizamos para parametrizar isso? Claramente temos um conceito, uma representação que esbarra em nossos pré-juízos. E pôr os ter de maneira tão rígida e definitiva excluímos. Excluímos desde pessoas, até percepções, chegando a possibilidades. Se Fernando Sabino não tivesse uma semiose como a escrita e nem viesse a ser um escritor. Suponhamos que lá naquela infância feliz, na fazenda em terras mineiras, ele fosse impedido, tolhido de expressar sua fantasia. Suponhamos que tivéssemos dado a ele Ritalina, ou o classificado com TDH. Essas mesmas vivências, essas mesmas falas de Fernando seriam caracterizadas como desviantes, sintomas de uma personalidade psicótica prestes a se fragmentar. Se já não estivesse fragmentada. Porém, enquanto artista, ele pode expressar esses seus espaços subjetivos sem ganhar uma camisa de força. Por ter encontrado uma semiose na vida adulta e guardar um respeito a própria infância. Ele pode imaginar, pensar, fantasiar na vida adulta. Estabelecendo um continuum no qual os artistas atravessam com desenvoltura. Os loucos naufragam, se perdem, os religiosos costumam ficar do outro lado da ponte. Espaços que possibilitou ao escritor encher o seu balde na águas da infância e saciar a sede do adulto. Por tudo isso, desde o trato muito sábio da mãe no lidar com ele, Fernando esteve mais perto de ganhar prêmios literários do que fenobarbital, ansiolíticos e outros. 

Pensando nisso que Lúcio nos pede para acolhermos esse outro sem formarmos rótulos, classificações. Nem de ordem científica, nem de matriz religiosa. Apenas, estudarmos, percebermos com o outro, buscarmos entender junto ao outro o como ele é no mundo. Como ele se faz. E, especialmente, por vezes minorar a dor, o sofrimento deste que nos procura. De toda forma, Lúcio nos remetia a casos, situações que podemos trabalhar e alguns trabalham que estão além desse nosso escopo pós autogênico. Um terreno que a FC começa a se aventurar, mas que há muitas semelhanças com o que Varejão falou da psicologia transpessoal. Muito próximo do que aventamos chamar de L.E. e inúmeros outros trabalhos que precisamos estudar, abrir as portas para aprendermos e acolhermos essas pessoas. Quanto a tudo isso, Lucio nos diz que: “Nossa vaidade tem que ficar bem longe disso. Nosso amor à eticidade deve vir primeiro. (...) Que pesquisadores seriamos? ” Se nos esquecêssemos disso ou não levássemos isso em consideração.


Tivemos algumas interações, colocações, perguntas. Gláucia nos lembra de um livro de Nilton Bonder: “Tirando os Sapatos.” Lúcio recorda a partir da fala do Dr Luís que trabalhou autogenias com psiquiatras 12 anos atrás, apresentando um modelo no qual não se fazia preciso a medicalização tão ostensiva, mas não gostaram. Bertoche nos brindou com Bachelard e a poética dos elementos, a surrealidade e o surracional. Paulo faz uma intercessão com a literatura. 

Estávamos no campo do imaginário. Lúcio ainda recorda uma estratégia do partido Verde na Alemanha para serem ouvidos. Quando o partido foi criado, eles batiam na tecla da preservação ambiental e não eram escutados, eram até ridicularizados. Isso aconteceu até que alguém aproximou o discurso deles de uma temática econômica mostrando o quanto se gastava, o quanto podia se economizar. A partir dessa visada econômica as ideias deles ganharam apelo, despertou atenção. Passou a fazer sentido. A preservação da natureza não era tido mais pelos opositores como um apelo infantil. Era uma forma de garantir a subsistência e a preservação do planeta. Nessa perspectiva passou a ser algo altamente político, social, econômico. Um discurso importante que não era escutado, apreendido pelas pessoas até que ganhou sentido. A velha discussão de paradigmas colocada por Kuhn e o ciclo de desenvolvimento até algo vira ciência normal. 
Isso tudo para dizer que Sinonímias tem esse elemento do inusitado, mas cada vez mais atenderemos pessoas, casos, situações que escapam a uma normatização metodológica mais estruturada, como a própria FC atende uma grande parcela de pessoas cansadas de terapias tradicionais e convencionais. Caminhamos para o atendimento de pessoas ainda mais inusitadas, diferentes para quem a FC no seu modelo organizacional tende a ocupar esse lugar do convencional e tradicional.   




 18/11/2018
POLÍTICO

·        IDENTIDADE E SINGULARIDADE: as contribuições da FC na ideia de identidade de Hanna Arendth.

Esse foi o presente que MARTA BATALINI nos deu. Um presente que acalentou um grito que estava preso na garganta de muitos de nós. Vivíamos os rescaldos de um processo eleitoral danoso, forte e Marta nos trazia Hanna, a bela. Nossa expositora, com toda a sua clareza e elegância, buscava nos movimentar do Brasil 2018 para a Alemanha nazista pré e pós 2ª guerra mundial. Foi um deslocamento longo, mas com bases muito bem sedimentadas. Batalini foi nos conduzindo pela sua dissertação de Mestrado em Hanna e para um possível projeto de doutorado. A elaboração já está toda lá.

Seguido os passos de Hanna, nossa filósofa mineira, contextualiza o pensamento de Arendt. Seu amor por Heidegger. Seus colegas, Karl Jaspers, Walter Benjamin. E se debruça no conceito de IDENTIDADE em Hanna. Marta transpassa várias obras de Arendt para construir, elaborar um conceito que nela não se encontra amarrado: identidade. Os filósofos, sobretudo os modernos, fazem isso conosco, tratam de assunto, abordam um tema em diversas obras, deixam implícita uma ideia, mas não uma definição. Batalini nos alerta sobre isso e vai em busca da compreensão do que Hanna entende por identidade. O problema colocado para Hanna é o mesmo que todos os filósofos, pensadores, os sobreviventes do horror vão querer compreender: como depois do Iluminismo fomos capazes de descermos tão baixo? Que instintos são esses que nos dominam e nos controlam? 

Hanna uma judia, uma pensadora, uma alemã quer compreender como ‘homens bons’ se perderam para o horror do nazismo. Aceitaram fazer o que fizeram, atuar conforme atuaram? E ela encontra resposta na Banalidade do Mal. Na utilização de uma linguagem instrumental que ‘coloniza’ uma ‘ação comunicativa’. Marta nos mostra o belo percurso que nossa pensadora empreende para demonstrar historicamente onde desviamos. Onde a razão e a racionalidade ganhou esse status de ‘vontade de potência’ e dominou, silenciou as diferenças. Batalini vai reconstruindo esse caminho até nos apresentar o que seria o cerne dessa questão. A ruptura entre a vita activa e a vita contemplativa. A vida ativa consiste no labor, no trabalho e na ação. Ela é regida por uma ação que se movimenta para a manutenção dessa estrutura biológica. Acompanhada de uma relação dialética na qual alteramos o mundo e somos alterados por ele e deveríamos nos ver refletido naquilo que fazemos. A instancia do labor é privada, domestica. A do trabalho é social e a da ação é publica. O entrelaçamento das três constitui uma forma de vida mais harmoniosa. Com isso Hanna mapeia a Origem do Totalitarismo. Ele se constitui ao se apoderar de cada um desses espaços e privar os indivíduos, os sujeitos de se relacionarem. De estabelecerem relações, intercessões, fundamentais para a constituição do respeito, da tolerância, da solidariedade. Por vias dessa reflexão Hanna vai sedimentando o conceito de vita contemplativa, baseado no pensar, no querer e no julgar. Ela retoma a matriz grega na qual o pensar era uma atividade. O ócio como uma negação do negócio. Ambos importantes para a vida. Para não nos perdermos no viver. Para não negarmos a Condição Humana.




De modo que em oposição complementar a vida ativa temos a vida contemplativa. O espaço da criação, do lazer, do ócio. Do público. Das interações com o outro. O espaço da re-flexão e do pensar. Esse espaço foi tomado, diminuído, enfraquecido à época do totalitarismo. Todos os espaços públicos vão recebendo ameaças e vão sendo fechados, tolhidos, marginalizados. Tantos espaços políticos quanto espaços recreativos. A ideia do totalitarismo na concepção de Hanna e tão bem delineado por Batalini é isolar o indivíduo em si mesmo ao ponto que ele nem consegue pensar por si mesmo e nem se reconhecer fora de si. Ele é a massa, ele é a horda, ele é a perda da IDENTIDADE. Porque ele se perdeu enquanto pessoa. Ele é capaz, ou incapaz de re-conhecer o não eu, como ser. 


E o inusitado da reflexão é que somos anulados enquanto pessoa, justamente por sermos alijados do nosso espaço de interação coletiva. A identidade reflexiva se faz nos espaços públicos de troca e compartilhamento. É nele que nos fazemos pessoas. É nele que nos constituímos sujeitos. Quando os regimes totalitários potencializam a vita activa de produção, trabalho e dinâmicas de poder; automaticamente, eles esvaziam a capacidade amorosa, reflexiva, empática. Perdemos a nossa humanidade. Por esse esvaziamento somos capazes de reduzir o outro a condição de coisa, de objeto, de nada. Num nível de abstração e elaboração profundamente venal e banal. 

Marta expunha isso com uma clareza que era impossível não vermos o Brasil. Era impossível não compararmos os discursos de ódio do presidente eleito com essa precarização da vida contemplativa. Era difícil não lembrar do discurso de declaração de voto do capitão homenageando um torturador num espaço político, público. Tudo era assustador. Mas, Batalini enfatizava que Hanna ia até a questão da identidade. A resposta que ela apresentava ajudava a compreender com imensa desenvoltura o totalitarismo. A resposta dela gravitava entorno do isolamento e da solidão. Nesse ambiente, os homens voltam a ser bichos. Ou menos, já que abrem mão da sua condição de sujeitos históricos, seres pensantes, para seguirem e se deixarem comandar por concepções de mundo rasteiras, estreitas, mas que saciam o que Freud demarca como Mal estar da Civilização.


Batalini poderia parar ai. Já tínhamos compreendido. Estávamos satisfeitos, porem ela avança mais. Havia novos requintes no controle e manipulação das massas que ultrapassava as dimensões do sujeito. Iam além do que Hanna demarcou no Totalitarismo. Nesse espaço é que Marta traz a FC como uma epistemologia do Sujeito. 

Numa reflexão muito bem apurada, que não me atrevo a expor, e recomendo a leitura do artigo da Marta. Ela consegue articular um movimento do pensamento packeteriano no qual da onde Hanna parou (identidade), ela elabora uma tessitura com o conceito de singularidade. Na elaboração muito sutil, engenhosa e amarrada de Marta seria na singularidade que o sujeito pode aprimorar a sua vita contemplativa em uma reflexão com a sua vita activa. É nesse campo do singular que podemos responder a nova forma de controle e manipulação que se faz por intermédio das leis. Lawfare. Ou das falsas notícias que gastam duas horas para viralizar e décadas para desconstruir as falácias. É apontando para esse horizonte da singularidade que podemos encontrar respostas mais especificas ao que a teoria de Arendt gagueja por se constituir um fenômeno inteiramente novo, outro. Da mesma forma que para se pensar o nazi fascismo de meados do século XX foram necessárias as construções de novas categorias e percepções. Para compreender o fenômeno Inglaterra fora da U.E, Trump, Bolsonaro, a retomada da ‘cadela do fascismo’ em seu eterno cio; se faz preciso outras construções conceituais. De maneira brilhante, digna de uma tese, Marta coloca a FC como um constructo válido para perceber esse sujeito atual no seu tempo, no seu espaço, nas suas circunstâncias, mas ainda assim- ele. Ser finito. Cujo clamor existencial o chama para um sentido que é dado por ele mediante a sua singularidade.

Vale a pena lê-la e ouvi-la.

Após a exposição brilhante de Marta, que mexeu com algo em nós que estava regurgitando. Frei Paulo nos fala de Teixeira de Freitas, Porto Seguro e vizinhanças como uma das cidades mais violentas do Brasil. 450 pessoas mortas/ano com a faixa etária de 15 a 30 anos. Larissa e Ana Rita fazem também considerações uma sobre os impeditivos da experiência, outra sobre as falsas concepções de eu. As duas refletindo sobre as armadilhas que somos lançados. Ana Rita nos recomenda ouvir o Samba da Utopia. Marta retoma um pouco mais o livro de Hanna: Eicheman em Jerusalém falando da ‘banalidade do mal’.



·        O ESTADO DE EXCEÇÃO VIROU A NORMA.

Aqui, continuamos observando a coreografia da bailarina. As falas de Gláucia Tittanegro complementavam as considerações de Batalini e traziam a FC para o debate político, humanista que estava acontecendo, respectivamente em nosso país e no mundo. De forma que estamos agora diante do último desafio. Ser capaz de assinalar o pensamento da Fabulosa. Ela nos traz as reflexões da sua 10ª tese de doutorado, que se estrutura na obra e vida de Giorgio Agamben Um pensador italiano ainda vivo, que discute filosofia, poesia e política. Gláucia nos conduz para dentro da obra do pensador italiano e mais uma vez as considerações evocam o Estado de Exceção, o momento político que nos encontramos.

Movimentando-se de um lado para o outro, pois como ela disse, ela pensa com as pernas. Ela vai construindo suas ideias. Conduzindo-nos para dentro da reflexão de Agamben mediante duas entradas basilares que se mesclam: uma- o direito romano; duas- o homo sacer. Homem sagrado.


Retomando a perspectiva do direito romano, Agamben fala de crimes, punições, expiações que alguns indivíduos eram conduzidos, por terem infligido a norma. Talvez, mais do que a norma da cidade, e, sim colocando em risco o Kosmos- a ordem política, social, religiosa entre homens e deuses. Diante desses crimes criava-se punições, restrições à individualidade do infrator. Agamben mostra como o direito, ainda hoje é constituído de um rito religioso no qual sanciona-se ao infrator, ao transgressor uma jornada de punição, remissão, purificação. No caso criminal: sentença, pena, cumprimento e possível ou não retorno ao convívio social a depender da gravidade do delito. Delito que na fala inicial de Gláucia ganha essa perspectiva intricada de crime-castigo, ou mais precisamente, retoma o sacer na sua dupla acepção: sacralidade e sacrifício. Os desviantes devem se sacrificar para retornarem ao convívio social. Consolidando um oficio sagrado. 

A fabulosa nos conduz por um caminho (metodologia) que ela chega na linha do Soberano. Na importância da soberania do direito. Uma soberania que estaria na defesa dos direitos e aqui há uma arquitetura intricada que não me atrevo a aprofundar. Apenas dizer que Agamben coloca o dedo numa ferida que nos é muito cara, a saber; o pensador italiano aponta com muita acuidade, como que dos movimentos de soberania e defesa quase intransigente da pessoa humana, nasceram as legitimações para os dispositivos instrumentais de poder que por sua vez legitimam todos os dispositivos de vigilância da vida. Acredito que essa explicação seja o motivo para ler a tese de Gláucia e o artigo que ela deve encaminhar para Partilhas. Mas, o fato constrangedor é algo que a Escola de Frankfurt já mapeava lá atrás ao nos mostrar como que o capitalismo se apropria de todas as suas críticas. Todos os movimentos que buscaram irromper com essa lógica acabaram sendo cooptados pelo capital, basicamente, em dois viés: o político no seu aspecto liberal. O econômico no seu apelo ao lucro. Nos dois há um congelamento, um estreitamento da ideia de LIBERDADE. E exprimidos dentro desse conceito nos movimentamos, reduzindo cada vez mais, nossos espaços de atuação.

Adentrando um aspecto legal, já que retoma as bases jurídicas tanto atuais como romanas, a Fabulosa vai apontando como que os campos de concentração de meados do século XX, que causou o constrangimento de toda humanidade, de repente hoje, em pleno século XXI, os próprios governos democráticos, constroem campos para refugiados. Campos cujas condições são semelhantes aos de concentração. O mais inusitado, bizarro, constrangedor, poderíamos ver até mesmo uma transversalidade em tudo isso. Poderíamos? Mas, o ponto sepulcral é que isso não constrange. Os campos de refugiados têm o aval da ONU e diversos outros órgãos de proteção internacional. Em suma, nós horizontalizamos uma autogenia de época (2ª guerra mundial; absurdamente pobre, tosca, medonha, insensível. Nós convivemos com esse e outros absurdos legais, que vão sendo ampliados, amplificados e naturalizados como norma. A exceção como norma.




Gláucia lembra que os sobreviventes de Auschiwitz e de outros campos de concentração eram chamados de ‘muçulmanos’. Ali estavam eles desprovidos de tudo, até de si mesmos. Reduzidos a uma condição de nada, abaixo da de animal, da de objetos. E o tratamento legal, jurídico, que temos dispensado a milhares de seres humanos é o mesmo. Só que o alerta que ela ressoa em nós, mediante, a fala e reflexão de Agamben é a de que o ESTADO DE EXCEÇÃO VIROU NORMA. Aquilo que fora uma ação de barbárie, de selvageria de um estado totalitário é prática comum, por vez constitucional de vários estados democráticos. Nós elegemos um presidente que tem como ídolo, mestre, livro de cabeceira um torturador. Mas, não é um torturador qualquer. É um que se excitava em colocar ratos, insetos na vagina de mulheres. Dar choque elétrico no anus de outros seres. Torturar os filhos, crianças muitas vezes, na frente dos pais. Esse senhor foi eleito pelo voto da maioria. 

No entanto, a beleza da reflexão da Fabulosa está em nos apontar e nos mostrar que é fácil ver o monstro no outro. É cômodo e até simplista dizer que Bolsonaro é o diabo. Fazer dele o bode expiatório. Quando é fundamental percebermos como estamos engendrando o mal em nós. Como que estamos abrindo mão da nossa liberdade individual por uma vigilância coletiva, robusta. Estamos falando desde faceboock que mais uma vez teve a conta de seus usuários abertas, ou vendidas. Até a fiscalização de leitura de retina que era utilizado EXCLUSIVAMENTE entre criminosos e hoje é aplicado em qualquer um que pretende viajar de avião.


O capital está normatizando as exceções. Está como aponta Habermas “colonizando o mundo da vida. ” Gláucia nos fala de situações escandalosas, assustadoras que alguns grupos minoritários têm vivenciados. Como por exemplo, em travessias para adentrar outros continentes o pagamento ser rins. O tráfico de órgãos sendo a moeda de troca, de sacrifício, expiação a alguns indivíduos na sua tentativa de sair do seu país e ser considerado pessoa.

A situação é grave. E é bom ver a FC com um olhar atento nessa direção. A FC com um radar para o campo da política. Longe de discriminar, mas propor reflexão, problematização.  

Basicamente, foi esse o encontro.

Bjs em todos e 2019 será em Lavras.