domingo, 22 de junho de 2014

PROTEÇÃO E/OU CUIDADO.



Estou aqui fazendo uma enquete mental e postando para leitores reais, virtuais, imaginários e nem tanto assim; você é protetor ou cuidador? Respondeu? Falta maiores dados para responder? 

A cuidadora, cuidador é atencioso, melindroso, tem muito esmero, capricho, minúcia, se atém a detalhes, observa cada gesto, postura e sabe interpretar cada um deles com muito requinte e precisão, isto os torna profundos, pelo menos no que se refere a quem ou do que estão cuidando.

 De forma geral, os cuidadores retomam a energia da mãe. Pensando a mãe como sendo aquela que se ocupa com os detalhes, com as delicadezas, com os gostos, com as singularidades de cada filho, de cada membro da família. Aquela que é capaz de ao fazer a comida separar partes com mais pimenta, outras sem alho, outra sem cebola para que cada um sinta-se bem ao comer. Recordo-me de uma que dizia saber qual filho abria a porta, pelo jeito de colocar a chave na fechadura. A forma de caminhar apenas confirmava a impressão anterior. E o chamar pelo nome, era mero detalhe para perguntar o que tinha acontecido, sim, pela forma de abrir a porta e caminhar, ela sabia ler como o filho encontrava-se subjetivamente, sem ao menos tê-lo visto, ou falado com ele. A maioria das mães, das esposas conseguem esse feito e isso não é magia é cuidado e observação.  
Podemos observar essa energia de cuidado em outras esferas, por exemplo, a escola primária, na qual nos deparamos com a Tia. Esta em sua atividade tem como função social espelhar a mãe, fazer da escola, uma extensão da casa. Assim, ela deve cuidar, o mesmo se dá com a enfermeira.

Oposto e complementar ao cuidado está o proteger. O protetor é concentrado, metódico, áspero, por vezes rude, superficial, quase nunca se atém a detalhes. De modo geral, os protetores retomam a energia do pai. Pensando o pai como aquele que se ocupa com o geral, com o sustento, com as necessidades. Aquele que quase nunca repara as singularidades, focado que está no coletivo. O protetor, o pai vê a família como todo e é difícil compreender que a família é composta pela singularidade dos seus membros. 

Essas dinâmicas parecem que já foram mais bem demarcadas. As instituições conseguiam ter mais claramente se cuidavam ou se protegiam, assim como as pessoas sabiam também se eram protetoras ou cuidadoras e isso geralmente era dado pelo componente biológico; macho protege, fêmea cuida.

Fato é que precisamos ser os dois, aprender sobre os dois e isso não tem sido tranqüilo. Integrar cuidado a proteção e proteção a cuidado é uma dinâmica que requer atenção, ou melhor, que exige autoconhecimento. Olhar para dentro e acionar a parte que nos falta, geralmente, em nós homens, uma parte feminina e nas mulheres, uma parte masculina.

Na clinica a maioria das pessoas chegam em busca de cuidado, precisando ser cuidadas. O meu forte é proteger. Cuidar para mim demanda um esforço enorme, porque implica em aprender a cuidar da gente mesmo. E, nós homens, de forma geral, sempre fomos cuidados. Tenho amigo de mais de 40 anos que nunca compraram uma meia, uma cueca para falar do mais básico e elementar. Eles nem sabem qual é o número de calça que vestem. Primeiramente, a mãe fez isso por eles, depois as esposas, namoradas. Poucos de nós sabem cuidar da gente mesmo. O maior tormento quando homens se separam é que não sabem cozinhar, lavar, passar, enfim... cuidar de si mesmo. Há uma dependência da outra no pior sentido do termo, isto é, naquele que não consegue olhar para dentro e nutir uma dimensão importante do nosso ser- nossa esfera afetiva, nossa relação conosco mesmo. 

Indo mais longe, em quatro anos de clinica atendi quatro, se muito, cinco homens. Nós não cuidamos nem da gente e enquanto temos alguém ou algo para proteger ignoramos e relegamos esse cuidar interno as favas. Nós não vamos nem ao hospital sem que uma mulher marque, nos carregue. 


As mulheres se cuidam, ou melhor, as mulheres cuidam. Sãs treinadas, ensinadas a exercerem essa função, acabam por aprender a se cuidar de forma indireta, mas poucas sabem se proteger. O mais complexo é que quando elas se separam, uma grande maioria, perde a referência externa e interna. O fazer delas de forma geral é voltado e direcionado ao outro- marido, filho- quando o marido vai embora, ou os filhos crescem, uma angustia, um vazio, um não lugar intensifica. Elas esquecem de cuidar delas mesmas e continuam buscando proteção fora delas. Muitas param de cuidar de si mesmas, buscam proteção em lugares duvidosos e ao não encontrarem ampliam a sensação de vazio, de incapacidade, de menos valia. Demora um tempo canalizar força, atenção, cuidado, para perceber que elas conseguem ficar de pé e caminhar sem um homem ao lado,ou por trás para dar suporte, guiança. 

Terapeuticamente falando, a maioria das pessoas querem cuidado. No entanto, o meu ponto forte é o proteger. Nesse hiato tenho ofertado, cada vez mais, o aprender a se proteger, cuidando de si mesmo às pessoas que me procuram. É uma aprendizagem conjunta, tal qual o primeiro filho ensina aos pais a serem mãe e pai. É uma ilusão acreditar que isso é inato, pelo contrário, tanto o cuidar quanto o proteger são habilidades que podem ser treinadas, praticadas e quanto mais as praticamos, menos paradoxal essa dinâmica vai nos parecendo.

Na minha infância era impensado um pai trocar fralda do filho, preparar uma mamadeira. Nessa mesma infância era um absurdo uma mãe trabalhar para comprar as fraldas e o leite dos seus filhos. A dinâmica mudou e os homens cuidam e as mulheres protegem. É um ganho para a sociedade. Nossos filhos tendem a ser mais integrados do que fomos.

Estamos nos construindo como seres mais integrados e essa integração não se faz com um encaixe perfeito, imediato. O encaixe se dá mediante a troca, a atenção, a percepção. E, com isso retomo a pergunta inicial, você é mais protetor, ou cuidador? Ou os dois? Ou nenhum deles? Saber a resposta, se colocar essa questão, pode nos fazer seres humanos melhores. 





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