Anos atrás escrevi sobre a chegada da
Primavera. Agora venho anunciar que ela chegou ao fim. Não que ela tenha
terminado, mas passou, foi embora. Ficou por muito tempo, mais até do que podia
e lhe era permitido. Como sabemos, as estações são cíclicas, vem e vão, passam
e retornam. Somente os incautos a querem eternamente. Como que impedindo outras
estações chegarem, outros movimentos acompanharem, a vida se suceder e se
renovar em todos os seus sentidos e níveis.
Recordo, como se fosse hoje, da Primavera entrando na minha sala. Tinha uma alegria incontida, tinha uma felicidade glamorosa, tinha um riso no olhar e uma profundidade no sorriso que abria as portas de todas as salas, de todos os portais. Eu ficava rindo da alegria que a Primavera produzia em mim. Cheguei a pensar que quando ela fosse embora, as flores murchariam, o verde desbotaria, mas nada disso tinha importância, porque ela trouxe a Primavera para minha vida, para mim.
A Primavera já não era mais uma prima, já não era mais uma
estação cujo tempo e ciclo todos os viventes da Terra estariam, a Primavera era
uma alegria de estar, de sentir, que existia em mim, comigo, a Primavera era um
estado interno, uma estação interior. A Primavera floria dentro de mim,
iluminava eus e aspectos meus que se faziam taciturnos, sombrios, cinzentos. A
Primavera me deu oportunidade de cuidar dos meus jardins secretos.
As mudanças da Primavera me fizeram mexer,
mover, caminhar e especialmente perceber que o que buscamos é a integração.
Cada mulher na vida de um homem, cada homem na vida de uma mulher nos fornece
condições de sermos melhores, seja um para o outro, seja um com o outro, seja
os dois para com a vida. O erro, na verdade, a falha e falta que venho
observando é o descuido conosco. Como que poucas vezes usamos essa força de
maneira consciente para sermos melhores com a gente mesmo, conosco mesmo. De
modo que aos meus olhos a Primavera,
metáfora para as mulheres, para o feminino, busca ser as 4 estações e é sobre
isso que escrevo em quatro movimentos que devo postar semanalmente.
1º MOVIMENTO:
Quatro estações é uma obra de Vivaldi. Grandiosa. Solene.
Bela. Ontem, após eu abrir as portas para a Primavera ir embora, passar, se
despedir, seguir seu rumo e seu ciclo, eu não compreendia, como que um
relacionamento amoroso pode terminar com um amando o outro e o desejando ainda
mais forte?
E a possível resposta é: aceitando as variações, as
mudanças das estações. Aceitando os ciclos, os ritmos, as variações, enfim... aceitando
a vida como música. Mais precisamente, compreendendo que para qualquer
movimento, a liberdade é fundamental. E as relações podem ser espelhadas pela
lógica do senhor e do escravo, não importa, se um esta impedido de ser, o outro
que o prende, o acorrenta, é também um prisioneiro.
Não preciso frisar para ninguém que nos prendemos, que
fazemos escolhas que condicionam a nossa liberdade. Mas, queria enfatizar, que
no que tange aos sentimentos, esse estar com o outro deve transcender a idéia
de prisão e se transformar em ato deliberado da vontade, do querer, do desejo.
Sim, poderia estar em qualquer lugar, mas escolho estar aqui com você. Foi isso
que Sartre pensou ao falar do casamento, dizia o filósofo francês: quando
escolho uma mulher, renuncio a todas as outras. Não, porque se prende a ela,
mas porque nuna concepção nietzscheana, eu escolho hoje, agora, amanhã, sempre,
que este momento se repita. E a consciência dessa escolha, mais do que prisão é
libertação, mais do que castigo é absolvição. E o nome que o filósofo bigodudo
deu para isso foi AMOR FATTI. Amor à fatalidade. amor
como um dizer sim à vida, ao viver e a tudo o que ela anuncia, traz, leva,
devolve, inicia, termina. Não deveriamos temer o Eterno Retorno.
E, sem muitos temores, reflito que eu retive a Primavera em
uma única estação por muitos anos. Claro, que ela mudou, claro que mudamos.
Claro que pedi inúmeras vezes para ela me mostrar seus invernos mais
tenebrosos, seus outonos mais rigorosos, mas a bem da verdade, não estive com ela
nesses momentos. Deixei-a sozinha. Comigo, quase ao meu lado, mas sozinha.
Quando fui ao encontro dela, decidido a deixar que o instante no qual
estivemos juntos, qualquer um deles se repetisse sem que isso fosse um ônus
sobre os ombros, ela estava cansada da espera. Parte do nosso instante tinha se
desfeito. Quando, ela quis partir, como que escapando de minhas mãos, do
meu abraço, eu a segurei pelos cabelos. Era a parte física que me restava.
Na minha cabeça, ela não tinha o direito de partir, mas dá mesma forma que ela
veio é claro que ela pode partir. E é igualmente óbvio, que as portas estão
sempre abertas para ela, porque a beleza da Primavera é o movimento. E a beleza
de todo amor, de toda vida é o encontro.
A magia de se encontrar com um outro que chamarei de
instante. Esse instante é tempo e espaço. É um ente interno e externo. O
instante que existe e que cala é esse inefável que a gente agarra, segura,
tenta reter, mas o seu sentido, a sua essência é esvanecer, é flutuar, é fluir.
E a nossa vida deveria ter como meta a criação de instantes sublimes. Segundos,
inesqueciveis que nos fazem nascer, renascer, nascer de novo, provar outras
primaveras, apenas para ter esse insntante para sempre.
Enfim... O lindo da vida são as variações, as mudanças. E
escrevi tudo isso, porque a vi e a chamei de Primavera, achando que uma mulher,
um relacionamento, poderia ser um solo de uma nota só. Perdoe-me. Não pode! O
outro é mais do que o instante que o congelamos e o impedimos de
caminhar.
O outro é dinâmico, flui, escapa, se move, se adapta,
escamoteia, mas só tem sentido, ou melhor, só tem sentido para mim e em mim, se
for capaz de se fazer quem é. Mesmo que isso incorra na vivência de outros
instantes com outras pessoas, a perda da exclusividade da estação. É somente,
nesse ponto que a jura de amor é traição a si mesmo. Nesse ponto em que todo
sublime do encontro com o outro, a completude dele só se realiza na plena
liberdade de estar consigo também. Sem essa liberdade, dois se acorrentam numa
composição de uma nota só.
Por isso a partir de hoje te chamo de 4 ESTAÇÕES.
Especialmente, porque reza a lenda que Vivaldi compôs 4 estações pensando no
seu contato com a natureza. É vero! Mas, acordei no meio da noite, certo de que
os movimentos de Vivaldi não são para uma natureza externa, ele estava
apaixonado e falando de uma natureza interna. Ele estava falando da paixão, do
amor, do instante no qual nos encontramos com o outro. Todavia, a lição mais
preciosa que ele estava nos dedicando é que o Allegro da Primavera é
sensacional, lindo, mas todo os outros Concertos são também. Todas as outras
estações são também. E é uma estulticie acreditar que o amor é feito apenas por
coisas boas, na verdade, o amor é repleto de provações, que se torna mais
leves, rarefeitos, devido a presença desse outro conosco e nos ativando.
Assim, nada tira do meu campo intuitivo, que Vivaldi fez as
4 Estações pensando no amor, na paixão, nas relações, no seu universo interno.
Vivaldi em 4 Concertos nos ensina os movimentos do bailar interno da vida.
Escutem.
Primavera é toda linda. Toda. Em todos os seus ritmos,
todas as suas variações, todos os seus tons, em todos os seus movimentos.
Especialmente, naquele que tu me ensina a ver o verão e as outras estações em
mim.
Que o nosso recomeço seja ainda mais pleno.
Mil bjs. Eternamente grato. Por tudo.
Então agora você voltou pra pista? Poderemos tentar outros instantes? Posso ser toda sua.
ResponderExcluirOla carissima anonima!! Não estou na pista, apenas mudando de estação também. Bjs para você.
ResponderExcluirPena!!! Então tá. Uma hora a gente tromba na pista. Beijinhos....
ResponderExcluirBelíssimo encontro.
ResponderExcluir