sábado, 20 de dezembro de 2014

RESILIÊNCIA ESPIRITUAL: o absurdo nos direciona para o Infinito.

O 1º resilência foi dedicado, silenciosamente, a Maísa, uma médica que tive a oportunidade de conhecer por uma amiga comum; ambas desenvolveram um trabalho dos mais interessantes em Betim; cidade da região metropolitana de BH. Esse, por suas vez, é dedicado a Maristela, que com a sofreguidão de uma pergunta descortinou uma nova perspectiva, a impossibilidade de não amar.

O não amar, como impossibilidade, não deixa de ser uma concepção diferente, forte, impactante, uma forma de estarmos no mundo, de algumas pessoas situarem a existência tendo o amor como um imperativo. E essa perspectiva, me faz lembrar o ciúme de alguns anjos em relação aos humanos. Como sabem dos contos angélicos- para eles o amor é um imperativo e obedecer é uma lei. Já para nós, humanos, o amor é um ato de liberdade, na verdade, parece surgir apenas quando conseguimos nos livrar de nossos condicionamentos e imperativos. Aqui estamos diante do primeiro paradoxo, da primeira contradição, mas ela ainda não é um absurdo como o veremos mais tarde, mais adiante.

Mas, parece que é desse paradoxo inicial que se cria toda a teologia e teogonia do absurdo. A saber, o Criador resolveu criar um ser na Terra. A Terra era um terreno baldio do universo, um lugar para livre experimentação e os Criadores resolveram criar um ser acima dos animais, mas abaixo dos anjos. Todos concordaram e até acharam bonito, mas alguns criadores tomaram amor demais a essas criaturas e desejaram fazer delas filhas diletas. Aqui aconteceu uma fissura, que aumentou quando os Criadores deram o comando de que os anjos deviam obediência e satisfações a eles. Isso foi demais. Na primeira oportunidade um se fez de serpente e mostrou que esses humanos não são dignos de confiança. Fizeram mais, deixaram claro, que nunca obedeceriam e amariam outro ser que não o próprio Criador.

Este seria o motivo da inveja, raiva e ciúme dos anjos caídos, afinal como poderiam servir, amar outro alguém se não a Deus? E, mais, como poderiam obedecer a esse alguém como se este lhes fossem senhores ou superiores?

Na concepção de alguns deles, não se pode e nem se deve. Ousaram desobedecer ao soberano, mas nessa desobediência reside o mais puro amor. Nada mais contraditório e paradoxal. E foi nesse paradoxo que fomos instaurados e inseridos. Devemos comer ou não o fruto proibido? Para retornar ao paraíso é necessário parir na dor e obter o sustento mediante o tripalliun, trabalho? Pode-se escapar do sofrimento? As perguntas são muitas, assim como as angustias.

CAMINHANDO PARA O ABSURDO.

Mas, saindo das especulações, querida Maristela, longe de ensinar e pregar o não amor, como você em certa medida compreendeu, desejava que as pessoas, a minha inclusive, fossem capazes de amar no sentido humano, isto é, amar, enquanto uma escolha que se faz, uma decisão que se toma, uma direção na qual se caminha. Esse é o amor que estava querendo dizer.

E esse amor é diferente de um imperativo. É diferente de um comando no qual não se pode e nem se consegue não amar. Meus amigos anjos não podem não amar. O amor deles está acoplado ao ser. Eles são no amor e por amor e só se realizam amando. Nós humanos podemos não amar e por vezes passamos eternidades, existências não amando, apenas amando a nós mesmos, as nossas personas, sem jamais caminhar em direção ao outro, a entrega e a submissão de outro ser. Desencontramos do amor e nos encontramos nas mil faces das ilusões de Maya. Mas, esses tipos de amores são facultados aos humanos. Em nós, o amor é uma escolha, um ato de liberdade e não um determinismo.
Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão errar. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. Viktor Frankl

Todavia, mais paradoxal do que o amor dos anjos é o amor de alguns humanos. Para eles o amor é uma prévia da desilusão. Para eles o amar e o amor são a aceitação do sofrimento, porque não conseguem outro caminho de alívio senão o da culpa, acabam escolhendo a dor como condição para felicidade e se movendo em direção à comiseração para caminhar no que acreditam ser o reino dos céus. Essa é a forma mais desarmônica de amor e é a mais vista, a mais alardeada, a mais ensinada, inclusive espiritualmente. Ensina-se que quanto maior o seu sofrimento, seu padecimento, maior o amor. Pode até ser, mas isso não pode ser medido de fora. O amor de Cristo não está no carregar a cruz, ou na ostentação da coroa de espinhos, o amor desse ser estaria na escolha, na liberdade de experimentar no calvário o maior êxtase. Parece ser igual, mas é diferente. Em Jesus o gozo é próprio, nos seus seguidores deseja-se gozar com o gozo que ele teve, geralmente, isso é motivo de frustração, dor, angustia, morte e culpa. Há ressurreição em Jesus, porque o êxtase rejuvenesce, transforma, transmuta, redime, alivia, renasce. Há dor e ranger de dentes nos seus seguidores, porque querem gozar um gozo que não lhes pertencem, inclusive por que o gozo de Jesus vem do mesmo lugar que o de Buda, o de Krishna, afinal, por que nós envelhecemos, morremos, adoecemos? É como se voltássemos a pré-história e encontrássemos seres que morressem por falta de vitamina C, e aí tirássemos todas as nossas laranjas do bolso, todas as nossas pílulas e as déssemos. Não morremos ou fomos mortos para abraçarmos o escorbuto e muito menos espera-se que a mensagem compreendida seja a de que os futuros seguidores ao invés de conseguir laranjas, limas, limões, energil c, contraia escorbuto para mostrar o seu amor a Cristo. Isto é de uma insensatez tão desmesurada quanto o temor ao diabo. Jesus encontrou a vida, voltou a pré-história e mostrou que egoísmo, orgulho, vaidade, falta de vitamina C espiritual poderiam ser curadas com amor, doação e verdade, muito longe de promover a imitação de Cristo. Enfim é diferente, mas esse debate é para mim superado a no mínimo três séculos.



O PARADOXO CAMINHANDO PARA O ABSURDO

O mais contraditório de tudo isso é que muitas vezes alcança-se a liberdade amorosa nas trilhas do amor enquanto imperativo. Lá trás, quando estivemos diante da escolha da maça. Mais atrás quando alguns anjos decaídos escolhem não servir a outro Criador e mostrar a ele que seus preferidinhos são falhos e não são dignos de confiança; ninguém esperava que pelo caminho do imperativo se pudesse deparar com a liberdade amorosa. Foi uma surpresa para todos.

Com isso quero situar que a resiliência tem sido o esmeril consciencial mais utilizado em nosso planeta. Acreditamos, piamente, que crescemos, evoluímos quando sofremos, doemos, nos angustiamos e nos amarguramos. Vou tentar exemplificar esses padrões de crime, culpa e castigo com duas chagas que assolam e envergonham nossa história: a diáspora negra e a judaica.

O ABSURDO

Enquanto, pensava uma forma de refletir com Maristela e cada um de nós, vi o filme “12 anos de escravidão”. No filme, uma cena me trouxe a resiliência, no formato, que eu pensei e para além do que tinha imaginado. Refiro-me a escravidão. Resistir à escravidão, aos campos de concentração precisa de muita resiliência, na verdade, é a própria resiliência. No filme a podemos ver por dois enfoques. A primeira, por nosso personagem principal. A segunda, por uma personagem que é a melhor coletora de algodão do seu senhor. Esta mulher é amada e odiada pelo seu senhor, o que causa na esposa deste, um imenso desconforto, ciúme, ira, inveja lhe instigando os mais diversos desfortúnio e castigos. Num momento de extrema tristeza, porque a tristeza era diária e constante, mas num desses de extrema tristeza, ela pede ao seu amigo que a mate. Ela iria até o ‘pântano’, viraria de cabeça para baixo, ele deveria apenas segurar a cabeça dela sem lhe dar condições de fuga. Perplexo com o pedido, seu amigo nega, mas ela explica já ter feito de tudo para viver, se degradou de todas as formas para viver, ou melhor, sobreviver, mas estava cansada, pedia para morrer. Pedia ajuda para ser morta, na concepção dela, ninguém poderia sofrer assim.

Àporo (Drummond)
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape

Que fazer, exausto,
Em país bloqueado,
Enlace de noite
Raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)

Presto se desata: 
em verde, sozinha

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se

Desse dia em diante a cada tomada do filme, a sorte dela era ainda mais deprimente e degradante, mas ela não morria, não a matavam. “Mas, você não morre, José!!”

Caminhando para o final,

O que quero dizer com tudo isso é que como diz Carlinhos Brown, enquanto os negros eram chicoteados, escorraçados nas lavouras, eles adoçavam a vida dos seus proprietários com a cana-de-açúcar, sutilizavam a vida deles com o algodão. Esse paradoxo não pode deixar de ser observado e salientando. Diante da completa desumanização, na verdade, da coisificação de outro ser, muitos negros encontravam a sua humanidade, a sua condição humana.

Abrindo as portas para a perspectiva espiritual, muitos negros alcançaram sua ascensão após os anos de escravidão. Essa transmutação energética, alquímica em todos os níveis e aspectos, realizada pelos negros no campo físico e no espiritual nos facultou a Umbanda. Muitos dos pretos-velhos, das mães-congas passaram pela chibata, pelo chicote e deram aos seus o amor e o perdão. Ensinaram o amor enquanto escolha e única possibilidade de liberdade. Encontraram no ABSURDO da resiliência um motivo ulterior para viver mais um dia, amar mais um dia e encontraram nessa persistência, nesse amor, a libertação do cativeiro. Um cativeiro muito maior do que a do corpo, a da senzala, a da mente, um cativeiro do espírito, da alma, que eles conseguiram se desvencilhar, se libertar. Friso, novamente, o paradoxo, o absurdo, já que tal libertação sai do mais vivo, do mais nítido descaso e desumanização da história da humanidade. Mas, a lição que eles nos legam seja de resistência, de persistência é a de que há um para além da dor e do sofrer.

Nós que vivemos nos campos de concentração podemos lembrar de homens que andavam pelos alojamentos confortando a outros, dando o seu último pedaço de pão. Eles devem ter sido poucos em número, mas ofereceram prova suficiente que tudo pode ser tirado do homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas - escolher sua atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho.

Há algo mais estranho do que encontrar no perdão e no amor ao inimigo uma forma plena de vigor e liberdade? Mas, será que é no castigo, na dor, no sofrimento que se encontra esse vigor, esse amor e essa liberdade?

Antes, de buscarmos respostas temos que falar do Holocausto judeu. Alguns sobreviventes nos proporcionaram também profundas reflexões sobre a vida. Quero falar de dois que conheço tão pouco, mas gosto demais, Levinas e Viktor Frankl. Esses dois homens, judeus, perseguidos, tiveram as vidas destruídas pela intolerância, pelo desamor gratuito. Tiveram todos os motivos para serem revanchistas, para pregarem e apregoarem a desilusão, a descrença, a desesperança, mas nos deixaram uma filosofia e uma ética cuja amorosidade, cujo respeito são celestiais. Não vi, não li ainda algo tão belo quanto a filosofia da alteridade de Levinas e a prática terapêutica de Frankl e isso parte de dois seres ‘arruinados’, ‘destruídos’, novamente, nos perguntamos, como? E a resposta é difícil de ser dada.  

Nessa dificuldade me recordo o comentário de um monge tibetano torturado por militares chineses. Perguntado qual foi o momento mais difícil, ele responde: “foi quando eu quase odiei meu torturador!”


No entanto, parece que é na dor, no sofrimento que desperta o melhor de nós. No áporo, na falta de lugar, na falta de perspectiva e saída, na falta de caminho é que o ser da o salto para dentro/fora de si mesmo. De modo que, eu prefiro acreditar, que esse melhor já está em nós, o que fazemos é escolher, é optar, é decidir pelo caminho do amor. E, quando assim o fazemos, as outras coisas tornam menores, os outros obstáculos se fazem menores, o amor consegue superar e transpor aquilo que limita, cerceia. É diante do Absurdo, desse paradoxo inominável do existir e da existência que nos fazemos humanos. Possuidores de um amor que ama não por dever, mas por escolha.

Mesmo em nossos dias, em nosso século, esses amores ainda são raros, mas serão constantes e comuns. Esses amores são tidos como egóicos, mas serão conhecidos e reconhecidos com outro nome e sentido.

E se tu amas nessa direção bendito seja o caminho dos teus pés, bendito são aqueles que podem desfrutar junto a ti dessa incondicionalidade do ato de ser.


Finalizando, sim, até hoje, o melhor de nós, foi tirado mediante muita dor e ranger de dentes, mas já é hora do melhor de nós poder ser mostrado por uma escolha simples, por um ato de liberdade e esse ser livre não ser carregado de tanta mácula, dor, sofrimento. É hora de aceitarmos o amor como merecimento, como dádiva, como re-conhecimento. É hora de caminharmos rumo a um novo Infinito. 

2 comentários:

  1. Obrigada! Muito obrigada!!! Pelo carinho, pela atenção de pegar a angústia de uma desconhecida e tratar com tanto zelo. Numa data tão importante, esse foi um dos meus melhores presentes em anos. Há muito não sou notada, percebida pelos meus. Estou muito feliz e muito emocionada. Maristela.

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  2. Um abraço Maristela. Fico feliz pelo texto ter te tocado. Fica com Deus, um feliz natal e um 2015 repleto de amor, luz, amizade, prosperidade para vc.

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