sábado, 27 de dezembro de 2014

MÃOS: a CORagem do toque

Os ocultistas costumavam dizer que: " as mãos são a parte visível do cérebro."Que bela constatação. Já viram como algumas pessoas falam mais rápido com as mãos do que com a boca? E outras que não sabem onde colocar as mãos enquanto falam, ou escutam? É que nem sempre se consegue perceber a co-relação entre mãos e cérebro e quanto a isso me recordo os mudras. Os monges budistas recorrem aos mudras para dar a mente o mesmo apaziguamento. É uma relação profunda, por vezes pouco investigada.

Tudo isso me faz recordar os momentos nos quais me separei ou terminei relacionamentos. Quando da minha separação ficava me perguntando: como é que se toca o corpo de uma outra mulher? Não eram as mãos que desaprendiam os caminhos e sim o cérebro, a mente. Mais recentemente, fico tentando encontrar um lugar para as minhas mãos, onde colocá-las? O que fazer com elas? Elas e eu nos perdemos nos emaranhados das muitas possibilidades, mas escrevo para falar não das minhas mãos, mas das mãos de todos nós. Acaricio as minhas, porque a agonia dela nesse momento está mais perto, mais presente, mas falo de todas as mãos do mundo, pelo menos tento. 

Rememoro isso por muitos motivos, primeiro, porque meditando sobre a importância das mãos vi que essa parte do corpo, mais do que qualquer outra é relacional. Depois, e a partir disso, recordei uma amiga nos tempos do mestrado, que me leu um poema do Drummond. Leu o poema, mas a parte que ela destacou foi:

Não tem namorado quem não sabe o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora em que passa o filme, de flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada; (...) E segue poema falando do namoro e do namorar.

Nesse dia específico acho que ela trocou o tema da dissertação dela, ela fez uma tese sobre as mãos dadas. E prestei tanta atenção, porque uma ou duas semanas antes, saindo com uma pessoa que eu gosto muito, ela tentou me dar as mãos, mas as minhas fugiram, correram, não corresponderam. O incomodo daquelas mãos nas minhas, no meio da rua, me desarticularam. O que causava espécie é que continuamos o encontro, mas acho que depois disso nunca mais nos vimos. O inusitado foi que eu a beijei na boca, nós transamos, mas não nos demos as mãos na rua, na praça, em público. Surreal a primeira vista. Monstruoso numa segunda visada, mas lhes convido para uma terceira perspectiva, preciso me redimir. 

I
Foi numa peça teatral, que pela primeira vez, associei amor a coragem.
Em verdade, a associação fora feita pela atriz, pela trama, ela nos jogava isso na cara como uma bofetada, mas até então, nunca tinha associado amor à coragem. Nunca tinha pensado nesta relação. Depois da peça me ficou claro, evidente, se não há coragem não há amor. Pode se ter outra coisa, com outro nome, nova classificação, mas não é amor. Não há amor sem coragem.

Mas, não quero falar nem da coragem e nem do amor, eu quero falar das mãos. São as mãos o símbolo desse elo e muito mais. E fico a vontade para falar disso, porque minhas mãos são escorregadias, fugiram de muitos toques, de muitos enlaces. Minhas mãos-mente não me permitiram muitos enlaces e voltas.  

Sim, o beijo em público, o sexo na rua, o abraço no estádio, nada disso afiança um vinculo, uma relação. Nélson Rodrigues dizia que só o beijo é a verdadeira posse. Pode ser, mas as mãos dadas é o verdadeiro vínculo. Tem uma transcendência em caminhar de mãos dadas. É mais do que ir juntos, é mais do que não se afastar. É estar com o outro. É assumir não para o mundo, mas um para o outro que se está junto. É dar a uma relação sentido, clareza, envolvimento, cumplicidade e não importa a relação: se de amizade, de casal, de pais e filhos. As mãos dadas demarcam um outro significado nas relações. 

Há uma piada no qual o cara é flagrado pela esposa no motel e consegue se safar. Perguntado como: ele diz que se estiver de meia, ele consegue se justificar. É uma verdade, é um fato. É similar a moça apanhada pelo marido e esse revoltado com tudo, joga o fora o sofá.
Mas, o que quero dizer é que eles se safam, porque não foram apanhados de mãos dadas. Para as mãos dadas não há escapatória e nem se deseja uma saída. Quando se dá as mãos enlaça-se, uni-se, sela-se uma relação. Nos atos desavergonhados a primeira ação é soltar as mãos. Fico lembrando Adão e Eva a primeira ação foi largarem as mãos um do outro e tamparem as partes intimas. É muito diferente do casal apaixonado, envolvido, esses diante da surpresa, do perigo, do inusitado, apertam as mãos um do outro. Unem-se mais, selam-se e resguardam-se é a coragem do amor que toma conta. E é diferente da proteção de um para o outro, nessa é comum um saltar na frente, ou empurrar o outro para que fuja. No exemplo que estamos mirando, instantaneamente um dá a mão ao outro, como se defendessem a relação que permeia a mente e o coração de ambos com a mesma coragem. 

Na linha de Nélson R essa é a traição imperdoável. É aquela que não é por sexo, por deleite, por curiosidade. É aquela que se deixa cravar de balas a pensar na possibilidade de ficar sem o ser amado. E, são, invariavelmente, esses que morrem nas crônicas jornalisticas. Os outros casais fogem, correm, pulam a janela, soltam os braços, justificam-se por estar de meia ou com o sofá velho. 

Mas, finalizando trago tudo isso, porque é possível estar com muitas mulheres, as mulheres estar com muitos homens, muitas amigas, colegas falam de mãos cheia de homens e mulheres com os quais já tiveram uma noite de transa, ou meses de relacionamento; mas para quantos e quantas deram a mão.... são poucas, poucos, raros. 
O dar as mãos tem uma liturgia que deveria valer mais do que troca de alianças. Relembrando alguns relacionamentos... dei as mãos para poucas mulheres. São raras as que podem dizer: “caminhei de mãos dadas com ele.” E hoje, cem anos depois acho isso bonito. Se somente o beijo é a verdadeira posse, como dizia Nélson. Somente as mãos dadas cria o vinculo, a coragem do comprometimento. Todas as mulheres para quem dei as mãos e elas me deram as mãos tivemos um laço, um vínculo, uma cumplicidade, até mesmo aquela que quis preservar e se chateou comigo como se eu a escondesse. 

Quando amigas, amigos, conhecidos, desconhecidos, inimigos vierem me contar as suas histórias de amor, minha pergunta será, não quantas vezes se casou, mas com quem caminhou de mãos dadas? São esses os relacionamentos mais significativos, ilustrativos. Eles dão testemunho de uma coragem, de um assumir silencioso, mas mutuo. As mãos dadas encerram um pacto, uma relação que nem o esquecimento quebra.

As mãos dadas unem os corações, as relações, os sentimentos. As mãos dadas enlaçam os beijos, aprofundam as transas; intensificam os abraços. De mãos dadas, dois é mais do que as individualidades de cada um. As mãos dadas tocam a alma do relacionamento.




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