terça-feira, 23 de junho de 2015

Entre o Pink e o Black: pelo cromatismo existencial.



Este é um texto cuja reflexão mental, eu tenho feito comigo desde 2008, intensificou em 2012, a observei mais a fundo em 2013 e quase a publiquei nessa data, quando vi Ana Maria Braga postando o comentando o vídeo acima, mas não saiu.

A indignação da menina, eu captei e utilizo para pensar num universo no qual os lugares são dados pelo nascimento. Em verdade, já derrubamos muitas castas, mas a de gênero ainda escraviza.

Simone de Beauvoir nos dizia no século XX, que não se nasce homem, não se nasce mulher, torna-se homem e torna-se mulher. Mas, volto a insistir, evoluímos demais, mas ainda o tornar-se mulher tem um peso diferente, tal qual ser negro, tal qual se assumir homossexual. Mas, a razão dessa escrita não é social e sim psíquica. O que desejo observar é outro movimento, outra dinâmica, que tem em comum com a primeira, a falta cromática em nossas vidas.




Michael divulgou o seu Cd Black Whaite antes de Obama se fazer realidade. Mas, entre negros e brancos há de ter outras tonalidades mais respeitosas fora da discriminação e do preconceito. Entre o céu e o inferno deve haver outras variações cromáticas com espaços menos dramáticos e opulentos. E aí penso no movimento Gay cujo significado é alegre e cuja bandeira é o ARCO IRIS. Mais do que nunca uma variação cromática entre a normalíssima relação homem-mulher. Eles nos mostram que pode haver a relação mulher-mulher; homem-homem; trans-homem; trans-mulher. E essas relações longe de serem confinadas ao se fazer homem culpado, chateado, revoltado, pode se fazer e ser HUMANO na alegria. É possível encontrar fora do armário uma coloração social mais tolerante, amável, benfazeja, ainda que o Senhor dos Exércitos, machão e machista, sexista e preconceituoso raivoso e feroz se morda e morda a todos por isso.




Creio ser oportuno, no melhor exemplo de Jesus, ensinar ao Senhor dos Exércitos, que não há mais inimigos para se subjugar e matar. Creio ser oportuno, no melhor sentido de Paulo, que se Jesus é judeu, Cristo é de todos, até dos gentios. E é Cristo que é motivo de amor, adoração, respeito e devoção. É em Cristo que seguimos os ensinamentos de Jesus e abraça-se o judeu, o gentio, o ímpio, a viúva, o pobre, o preto, o homossexual, o racista, o homofóbico, o macumbeiro, o budista, o candomblecista. E, se um deles não for parte do corpo de Cristo então nenhum de nós pode ser com ele e nele. Mas, como salientava, o motivo da minha escrita não é o de mostrar que há em Jesus outras variedades tonais, cromáticas e sim outra percepção.



Uma percepção que diz respeito a dinâmica que batizei de pink e black. Pink relacionado a uma energia de ternura, meiguice, altamente sensível, empática. Essas meninas pinks são dóceis, quase frágeis, delicadas, espirituosas, talentosas, ingênuas, no sentido de não darem a maldade que damos ao corpo, ao toque, ao afeto. Algumas delas que estão entrando na adolescência tiveram na infância as Meninas Superpoderosas e a Hello Kitty como ídolas. Havia nelas e junto delas e nos locais pelos quais elas frequentavam esse espalhar de doçura, amorosidade. Assim, como há/havia nesses ícones uma energia que lhes dava uma correspondência muito estreita e fina. Como que esses ícones irradiassem um padrão de ternura similar.

Eu não preciso dizer que essas pessoas sofrem. São abusadas, não apenas fisicamente, mas emocionalmente, porque de modo geral temos dificuldade de lidar com pessoas tão sensíveis, tão dóceis, tão boas sem esperar algo em troca, sem abusar para conseguir algo em troca. Sem violentar para conseguir algo.


As gradações então são imensas. No início elas são pinks, depois pulam para o Black, quase sempre sem gradação cromática. Há um desgostar do pink como se ele fosse uma ofensa, como se fosse necessário negar esse lado meigo e terno, facilmente confundido como bobo e tolo, fácil de enganar e manipular. Nesse movimento, elas partem para o Black os tornando uma identificação e vi em mulheres adultas (e estou chamando assim mulheres acima dos 35 anos) em sítios adultos relacionados a pratica BDSM. Muitas submissas tem essa energia pink que parecem encontrar vazão nas praticas BDSM.


Mas, retornando ao Black. Em determinado momento, lá no final da infância, inicio da adolescência, próximo a puberdade, elas se retraem ainda mais. Elas se fecham no mundo delas e quando saem, vem vestidas de preto, ouvindo Rock, querendo encontrar na vida uma forma de proteção, ou encontrando no black uma forma de proteção. Mas, é tudo pose. Uma camada de proteção que envolve o lado pink. Uma camada protetora que impede os abusos, sejam de que ordem for. Uma tentativa, por vezes frustrada de não sofrer tanto, não doer tanto, estar num mundo em que a intolerância, o desrespeito é a base das relações.

Fico imaginando quantas pessoas acabam se identificando depois com essa tonalidade black por não ter se encontrado, não ter tido espaço para expressar outras tonalidades. Expressão que passa pelo ser, pelo sentir e então pela sexualidade. Não na genitalidade em si que apavora quase todo mundo, mas pela sexualidade no sentido de prazer, amor, liberdade de ser aquilo que se é. Como a menina que deseja brincar não só de bonecas e isso não representar que ela seja lésbica. Como a menina que quer brincar só de boneca rosa e gosta de transar tanto com meninos que jogaram futebol, quanto com meninas que nunca entenderam porque não podem urinar em pé. Liberdade para poder jogar futebol americano, mas ter a preferencia libidinal por homens. Enfim... acredito que o nosso tornar-se homem e mulher pode ser mais cromático, tolerante, amoroso, respeitoso.






Construirmos um mundo e relações nas quais deve existir uma tonalidade cromática para que essas pessoas possam manifestar sua doçura, sua ternura, sem necessitar de uma roupagem e por vez de um comportamento tão agressivo, que esconda a elas mesmas. Pessoas tão esplêndidas e maravilhosas. Acredito que haja outras tonalidades para serem utilizadas, a dourada, a violeta, a azul, a verde. Tons que nem as deixem expostas demais a selvageria do mundo e que também não as coloque presas em si mesmas e ao que elas são em essência. Acredito em uma educação que ensine isso e desconfio de qualquer outra que ensine o contrário. Acredito numa educação que liberta.



À mais linda do Mundo, Minha Dádiva. Que na sua busca, ela nunca perca a si mesma. Um bj na alma que me acaricia e me faz melhor. 


domingo, 7 de junho de 2015

SÍSIFO E O SACRO-OFICÍO: à divindade.

Sísifo enganou a morte por duas vezes, foi um mortal capaz de desafiar as leis naturais, pelo menos até certo ponto. Não obstante, foi castigado pelos deuses a empurrar uma pedra morro acima, que por efeitos das leis da Física, da lei natural, rolaria sobre ele, praticamente, o esmagando. A tentativa de Sísifo em quebrar as leis naturais o colocou numa posição de sacrifício eterno. O seu fazer se tornou rotineiro e a sua astucia, sua inteligência, sua criatividade ia sendo diluída diuturnamente.

O mito adentra nosso imaginário, visita nossos ânimos, alimenta as nossas reflexões. E nessa quinta-feira de Corpos Christi fiquei observando duas pessoas que desenvolviam suas atividades de maneira concentrada, atenta, inspirada, motivada. E realizavam um trabalho que em poucas horas seria pisoteado, que a maioria não daria valor, que ninguém saberia que foi ela que ajudou a realizar. Era um fazer anônimo, sem reconhecimento. E elas estavam lá, desde as seis, sete da manhã e com folego para desenharem e ‘colorirem’ mais uns dois quilômetros de avenida.



Essas ações me intrigam, afinal o que eles ganham em troca? Não faziam por dinheiro, não faziam por status, não faziam por reconhecimento? O que eles queriam e o que eles ganham com isso? Entenda que a ação deles é justamente o contrário da nossa. Para a grande maioria o trabalho é tripalliun um instrumento de açoite, que nos aflige dia após dia. Nosso trabalho é a própria representação do mito de Sísifo e diante dele temos que nos perguntar: há saída? Pode-se ser feliz e pleno realizando uma atividade profissional?

A maioria das pessoas escolhem uma profissão que as oprime com o peso da rotina. O tripalliun as açoita dia e noite, anos a fio, até a sonhada aposentadoria. Trabalha-se esperando o fim. Inicia-se o dia de trabalho na expectativa que ele termine o mais rápido possível. De modo que o trabalho é torturante sejam pelas condições impostas, seja pelas condições que nos impomos, mas quero falar dessa outra dimensão do trabalho que é labor, que é louvor, que é celebração, que é aproximação da divindade. Talvez esteja falando de utopia, talvez esteja sendo ingênuo, mas monges sejam eles budistas, hinduístas, cristãos, assim como artistas e alguns jogadores profissionais tem mostrado que há um estado de graça em algumas atividades. Mais, precisamente, não na atividade em si, mas na forma com que a realizam. Uma forma na qual o importante não é o eu e sim o não eu. Não um não eu, enquanto renúncia de si mesmo, mas um não eu, enquanto abertura de expressão para a divindade. 



Nessa mesma linha, sempre achei estranho saber que monges budistas faziam mandalas que seriam espargidas pelo vento. Era um trabalho tão meticuloso, tão lindo, que não entendia para que tanto esforço em vão e ali nas ruas de BH eu via a mesma relação. E, no caso budista, as mandalas são realizadas com o intuito de se desenvolver o desapego. Elas são feitas com todo carinho, com todo cuidado, com toda atenção na expectativa de o vento as leve. 


Na quinta-feira do dia 6/6/2015 fui correr no Parque Municipal e vi uma moça linda e solitária desenhando no chão. Me deu vontade de perguntar: você está utilizando pemba para fazer os desenhos do santíssimo? Não perguntei, apenas a observei no seu trabalho silencioso e profundo. Em torno de uma hora depois, saindo do parque lá estavam várias pessoas sentadas, utilizando de serragem para colorir os desenhos da moça. Tinha um rapaz cuja energia dele me chamou atenção: pernas cruzadas, olhar atento e fixo, exalando uma amorosidade que o tomava, mas não o envaidecia. O que ele fazia era belo, mas ele sabia que aquela beleza passava por ele. Fiquei olhando para ele com vontade de perguntar: não sabe que daqui a poucas horas centenas de pessoas vão pisar no seu trabalho? Não sabe que daqui a instantes ninguém vai saber quem é você? Eu que escrevo sobre você não sei quem é você? Por que acordas às 4 horas da manhã de um feriado para uma ação assim?

Também não perguntei, mas a energia do moço, das outras pessoas que tomavam a Avenida Afonso Pena me contavam que ele fazia aquilo para a divindade. Sim, aquele era um trabalho de devoção à divindade. Ele não estava ali por ele, fazendo para ele. Ele não tinha nada a ganhar, porque não havia e não há preço que pague o que ele estava dando e recebendo naquele momento e na vida dele. Ele estava conectado a sua divindade de adoração e fazia aquilo por acreditar que ela ficaria feliz e a felicidade da divindade era a felicidade dele. Adorar a divindade que ele cultua era a forma de ele sentir-se pleno, integrado, harmônico, um ser humano melhor. E a beleza que a gente via era expressão desse amor.

Um amor que não é autoral, não tem que ser. Ele não fazia aquilo para o padre, ou para a esposa, ou para os filhos, nem mesmo para ele; ele fazia para a divindade, no caso Jesus. Isso não tem preço, não tem negociação. O valor dessa ação não cabe em nenhuma quantificação. Isso que realizou está além do mercado e das teorias de exploração. Não temos, pelo menos não conheço um conceito no qual a reificação pode ser entendida ao avesso do que ele é, ou seja, uma integração na qual o seu fazer encontra-se refletido no objeto que foi produzido- LABOR. É o mais perto que podemos chegar.

Sacro-oficio é o outro conceito que podemos tentar nos aproximar, isto é, tornar sagrado o seu fazer. É como se diante da amargura de Sísifo encontrássemos uma forma de significar o nosso fazer. E esse significado pode ser dado de diversas maneiras: 1- pelo salário recebido; 2- pelo prazer e reconhecimento conquistado; 3- e é o que estamos tratando o de entregar o seu fazer a uma divindade. Tornando o seu realizar uma adoração à divindade.

Nessa perspectiva, aquela energia era voltada toda a ela, para ela. Não era uma renuncia ao eu, ao ego, mas era uma entrega a divindade. Aquelas pessoas não estavam centradas no que aconteceria, que em pouco tempo o vento, as pessoas pisariam na realização delas, o centro da energia delas estava no ato de que elas se deram à divindade.
Eu não achei outro nome senão estado de graça. É um estado de beatitude, de plenitude. Não se tem nada para receber, não há valor que possa pagar. É um ato que não tem preço. Incomensurável. É basicamente o que Bhaktivedanta Swami Prabhupada ensina no movimento Hare Krishna, isto é, oferecer, ofertar o seu fazer a divindade.




É lindo!!! É belo!!! Fossemos capazes de trazer essa presença e essa energia as nossas atividades, ao nosso trabalho, a nossa rotina, re-significariamos Sísifo, seríamos capazes de vencer as leis naturais no que elas nos apresentam de repetição e mesmice, tripalliun e açoite.